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Relato de Caso

Angiossarcoma pulmonar

Angiosarcoma of the lung

Mónica Grafino1, Paula Alves1, Margarida Mendes de Almeida2, Patrícia Garrido1, Direndra Hasmucrai1, Encarnação Teixeira1, Renato Sotto-Mayor1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562016000000193

ABSTRACT

Angiosarcoma is a rare malignant vascular tumor. Pulmonary involvement is usually attributable to metastasis from other primary sites, primary pulmonary angiosarcoma therefore being quite uncommon. We report a case of angiosarcoma with pulmonary involvement, probably primary to the lung, which had gone untreated for more than two years. We describe this rare neoplasm and its growth, as well as the extensive local invasion and hematogenous metastasis at presentation. We also discuss its poor prognosis.

Keywords: Hemangiosarcoma; Lung neoplasms; Sarcoma.

RESUMO

O angiosarcoma é um tumor vascular maligno. O envolvimento pulmonar é geralmente atribuído à metástase de outros sítios primários, sendo o angiossarcoma pulmonar primário extremamente raro. Relatamos um caso de angiossarcoma com envolvimento pulmonar, provavelmente primário no pulmão com mais de dois anos de evolução. Descrevemos seu crescimento e sua extensa invasão local e hematogênica na apresentação. Documentamos ainda seu mau prognóstico.

Palavras-chave: Hemangiossarcoma; Neoplasias pulmonares; Sarcoma.

INTRODUÇÃO

O angiossarcoma é um tumor maligno com origem nas células endoteliais vasculares ou linfáticas e representa aproximadamente 2% de todos os sarcomas de partes moles.(1) Os locais primários mais comuns são a pele e o tecido subcutâneo da cabeça e pescoço,(2) sendo o comprometimento pulmonar quase sempre metastático. (3) O angi-ossarcoma pulmonar primário é extremamente raro, havendo poucos casos relatados.

RELATO DE CASO

Mulher de 78 anos, não tabagista, anteriormente avaliada por apresentar TC de tórax com massa pulmonar no lobo superior esquerdo (Figura 1A). Na época, foi submetida a broncoscopia com LBA e biópsias brônquicas, os quais foram negativos para tecido neoplásico. Posteriormente, abandonou o seguimento. Dois anos depois, foi encaminha-da ao nosso hospital por dispneia, tosse seca e perda de peso com seis meses de evolução. A radiografia e a TC de tórax (sem contraste) evidenciaram lesão de 10 × 7 cm em lobo superior esquerdo, sem plano de clivagem com a aorta e a artéria pulmonar (Figuras 1B e 1C), com pequeno derrame pleural à esquerda e pequenos linfonodos me-diastinais. A tomografia por emissão de pósitrons com 18F fluordesoxiglicose combinada à TC (FDG PET-CT, do inglês 18F-fluorodeoxyglucose positron emission tomography-CT, Figura 1D) mostrou aumento de atividade metabólica em vários órgãos, nomeadamente na massa do lobo superior esquerdo que apresentava o valor padronizado de capta-ção (SUV, do inglês standardized uptake value) máximo (SUVmáx) de 22. Outros sítios envolvidos foram os linfono-dos mediastinais (SUVmáx = 7), as glândulas adrenais direita e esquerda (SUVmáx = 16), os linfonodos aórticos lombares (SUVmáx = 11) e o linfonodo inguinal direito (SUVmáx = 10). Documentou-se ainda, um foco mesentérico, nódulos no tecido subcutâneo e extensa metastatização óssea.
 



O exame broncoscópico revelou massa ocluindo o brônquio lobar superior esquerdo (Figura 2), e foram realizadas biópsias por broncoscopia. Antes da obtenção dos resultados do exame da amostra de tecido, a paciente desenvol-veu hemiparesia à direita e houve aparecimento de novo nódulo subcutâneo cervical. A TC de crânio mostrou múlti-plas lesões cerebrais, e a paciente iniciou tratamento com corticosteroides. Porém, não houve melhora clínica, e foi proposta radioterapia cerebral.
 



O exame histológico da biópsia mostrou neoplasia de partes moles com arranjo laminar, ou em forma de fenda circundante, formada por células fusiformes e epitelioides com nucléolos proeminentes, com alguma multinucleação; eram evidentes figuras mitóticas, extensa necrose e hemorragia (Figura 3A). A coloração imuno-histoquímica do fragmento tumoral revelou que esse era fortemente positivo para CD31 (Figura 3B), antígeno relacionado ao fator VIII (Figura 3C) e vimentina; fracamente positivo para fator de transcrição nuclear Fli-1 e citoqueratinas AE1/AE3; e negativo para CD34, desmina e actina de músculo liso. Portanto, a histologia e a imuno-histoquímica foram compatí-veis com angiossarcoma epitelioide.
 



Duas semanas após o diagnóstico histológico, a paciente morreu. Sua morte foi atribuída à progressão da doença, em particular às metástases cerebrais.

DISCUSSÃO

O angiossarcoma no pulmão geralmente representa metástase de outro sítio primário. Contudo, acreditamos que o caso aqui descrito foi de angiossarcoma pulmonar primário. A paciente apresentava massa pulmonar, com mais de dois anos de evolução, que não havia sido monitorada nem tratada. Parece-nos evidente que a lesão anterior cor-respondia ao angiossarcoma pulmonar que evoluiu e se disseminou durante esse período. Este relato de caso tam-bém documenta o comportamento do angiossarcoma pulmonar primário, que se caracteriza por um crescimento insidioso com extensa invasão local e metástase hematogênica.(4) O seu diagnóstico precoce não é frequente, tendo em conta a sua raridade e o baixo índice de suspeição. De acordo com dados da literatura, a média de idade dos pacientes com angiossarcoma pulmonar é de 55,9 anos (variação, 23,0-82,0 anos) e o sexo masculino é mais aco-metido do que o feminino.(5) Os pacientes geralmente apresentam sintomas respiratórios inespecíficos que incluem hemoptise, tosse, dispneia, dor torácica e perda de peso. Na TC, o angiossarcoma primário pode ser multifocal ou se manifestar como lesões solitárias. (4,6,7) A PET pode ser útil no diagnóstico, estadiamento(8) e seguimento de pacien-tes com angiossarcoma.(9) No caso aqui descrito, a FDG PET-CT confirmou sua utilidade na identificação do envolvi-mento sistêmico.

A biópsia e a análise imuno-histoquímica são essenciais para o diagnóstico de angiossarcoma. As características histológicas podem variar dentro e entre os casos. Células endoteliais pleomórficas anormais e malignas constituem a principal característica do angiossarcoma. Essas células podem ser arredondadas, poligonais ou fusiformes, com ou sem aparência epitelioide. Em áreas bem diferenciadas, as células endoteliais anormais formam canais vascula-res sinusoides funcionais em continuidade com canais vasculares normais. Em pacientes com doença progressiva-mente mais agressiva, a arquitetura torna-se mais caótica, com espaços vasculares menos claramente definidos. Em áreas pouco diferenciadas, as células endoteliais malignas formam monocamadas contínuas, geralmente com morfo-logia epitelioide. O angiossarcoma tipicamente expressa marcadores endoteliais que incluem antígeno relacionado ao fator VIII, CD34, CD31 e Fli-1. Entre esses marcadores, o antígeno relacionado ao fator VIII é o mais específico, mas o menos sensível. A positividade para CD31 é relativamente específica e extremamente sensível, sendo detec-tada em aproximadamente 90% dos casos. Em aproximadamente 30% dos casos, o angiossarcoma expressa cito-queratina.(10)

Tendo em consideração a raridade do angiossarcoma, não há um esquema terapêutico padrão estabelecido, espe-cialmente para o angiossarcoma pulmonar primário. De acordo com os relatos de caso descritos, os doentes com angiossarcoma pulmonar têm sido tratados com radioterapia,(9,11) ressecção cirúrgica,(4,9) imunoterapia,(4,6,11) quimi-oterapia,(4,6,9) ou uma combinação dessas modalidades.(4,6,9,11)

Embora nenhuma dessas abordagens se tenha mostrado eficaz de forma consistente, há descrições de resposta com algumas dessas opções terapêuticas,(4,9,11) especialmente em casos de doença localizada. A cirurgia tem sido proposta como o tratamento mais eficaz, devendo ser considerada o mais cedo possível no caso de tumores ressecá-veis.(5) Contudo, a sua intervenção encontra-se limitada, tendo em conta que a maioria dos casos são inoperáveis na data do diagnóstico. A terapia multimodal, tal como a combinação de radioterapia e imunoterapia (interleucina-2 recombinante)(11) e a de cirurgia e quimioterapia,(4) tem se mostrado eficaz. Há relatos de que a quimioterapia com gemcitabina e docetaxel produz uma resposta radiográfica completa.(9)

O prognóstico do angiossarcoma pulmonar é mau, sendo a mortalidade nos primeiros meses após a apresentação clínica, como no caso aqui descrito, de aproximadamente 100%.(4-7)

Em conclusão, o angiossarcoma é uma neoplasia maligna rara, havendo apenas algumas dezenas de casos de an-giossarcoma pulmonar primário relatados na literatura. Apesar de representar um desafio diagnóstico para clínicos e anatomopatologistas, é essencial um elevado índice de suspeição para o seu diagnóstico precoce e, possivelmente, melhor prognóstico.

REFERÊNCIAS

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