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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo de Revisão

Sofrimento psicológico relacionado à cessação do tabagismo em pacientes com infarto agudo do miocárdio.

Psychological distress related to smoking cessation in patients with acute myocardial infarction

Thyego Mychell Moreira-Santos1, Irma Godoy2, Ilda de Godoy1

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562016000000101

ABSTRACT

Among all causes of preventable deaths, smoking is responsible for the greatest number of deaths worldwide and predisposes to fatal, noncommunicable diseases, especially cardiovascular diseases. Lifestyle changes are effective in the treatment of patients with smoking-related diseases and assist in the prevention of premature mortality. Our objective was to investigate the available scientific evidence regarding the psychological distress related to smoking cessation in patients who have had acute myocardial infarction. To that end, we conducted an integrative review of the literature in order to summarize relevant studies on this topic. The selected databases were Scopus, PubMed Central, Institute for Scientific Information Web of Science (Core Collection), ScienceDirect, EMBASE, SciELO, LILACS e PsycINFO. On the basis of the inclusion and exclusion criteria adopted for this study, 14 articles were selected for analysis. Those studies showed that the prevalence of psychological distress is higher among smokers than among nonsmokers, and distress-related symptoms are much more common in smokers with acute myocardial infarction than in those without. Smoking cessation depends on the active participation of the smoker, whose major motivation is the underlying disease. Most studies have shown that there is a need to create treatment subgroups as a means of improving the treatment provided. This review article expands the knowledge regarding smoking cessation and shows the need to invest in future research that investigates subgroups of smokers diagnosed with the major smoking-related comorbidities, such as acute myocardial infarction, in order to develop specific interventions and psychological support strategies.

Keywords: Smoking; Stress, psychological; Myocardial infarction; Tobacco use cessation.

RESUMO

O uso de tabaco é responsável pelo maior número de mortes evitáveis no mundo e predispõe seus usuários a doenças não transmissíveis e fatais, especialmente as doenças cardiovasculares. Mudanças no estilo de vida são eficazes no tratamento de pacientes com comorbidades relacionadas ao uso do tabaco e auxilia na prevenção de mortalidade prematura. Nosso objetivo foi analisar as evidências científicas acerca do sofrimento psicológico na cessação do tabagismo envolvendo pacientes que tiveram infarto agudo do miocárdio. Para tanto, realizamos uma revisão integrativa como forma de sumarizar os estudos relevantes sobre esse tema. As bases de dados selecionadas foram Scopus, PubMed Central, Institute for Scientific Information Web of Science (Coleção Principal), ScienceDirect, EMBASE, SciELO, LILACS e PsycInfo. Com base nos critérios de inclusão e exclusão adotados para o estudo, 14 artigos foram selecionados para análise. Esses estudos demonstraram que fumantes têm uma maior prevalência de sofrimento psicológico quando comparado a não fumantes, e os sintomas relacionados são muito frequentes nos fumantes com infarto agudo do miocárdio do que naqueles sem. A cessação do tabagismo depende da participação ativa do fumante, cuja motivação principal é a doença de base. A maioria dos artigos aponta para a necessidade da criação de subgrupos de tratamento como forma de melhorar a assistência prestada. Este estudo de revisão amplia o conhecimento sobre o tema abordado e mostra a necessidade de se investir em pesquisas futuras que analisem subgrupos de fumantes com as principais comorbidades relacionadas ao uso do tabaco, como o infarto agudo do miocárdio, desenvolvendo-se intervenções especificas e estratégias de apoio psicológico.

Palavras-chave: Hábito de fumar; Estresse psicológico; Infarto do miocárdio; Abandono do uso de tabaco.

INTRODUÇÃO

A nicotina é classificada como droga por causar dependência e considerada lícita. O tabagismo é um problema de saú-de pública mundial, responsável pelo maior número de mortes evitáveis no mundo; suas consequências são negativas e trazem implicações econômicas desfavoráveis.(1-3)

A exposição ao tabaco é um dos principais fatores de risco de várias comorbidades,(4) que predispõem à ocorrência de doenças não transmissíveis e fatais, especialmente doenças cardiovasculares, respiratórias, e ateroscleróticas, assim como câncer, hipertensão arterial, entre outras.(5-8) Em relação à mortalidade, o tabaco mata uma pessoa a cada seis segundos e é responsável por uma em cada dez mortes de adultos. As estimativas futuras sugerem que até metade dos atuais usuários do cigarro morrerão por alguma doença relacionada ao tabaco.(9)

Estudos demonstram que fumantes, quando comparados com não fumantes, têm um pior domínio sobre questões rela-cionadas a aspectos sociais, psicológicos e físicos, além de pior qualidade de vida,(10,11) sendo que fumantes vivem em média dez anos menos do que não fumantes,(10) com um risco duas vezes maior de ocorrência de eventos cardiovascula-res em um período de dez anos, assim como com o dobro do risco relativo de infarto agudo do miocárdio (IAM) em fu-mantes maiores de 60 anos, quando comparados a não fumantes.(12,13) Dessa forma, a cessação do tabagismo é a modifi-cação de estilo de vida mais eficaz no tratamento de pacientes com doença arterial coronariana, o que constitui também uma forma efetiva de prevenir muitas doenças e mortalidade prematura, e,(2,5,14) portanto, torna-se necessário e impor-tante o incentivo a estratégias de cessação do tabagismo.

A dificuldade no êxito da cessação do tabagismo ou mesmo em manter a cessação do tabagismo é multifatorial e com-plexa,(15) e quando se adicionam outros elementos, como as doenças cardíacas, essa dificuldade parece aumentar. Po-rém, um estudo realizado em alguns países europeus mostrou que 48% dos fumantes abandonaram o uso de cigarros, sendo observada uma maior proporção nos participantes que sofreram IAM.(16)

As comorbidades cardíacas, como o IAM, ameaçam a vida, sendo essencial a mudança do comportamento e do estilo de vida. A não adesão ao tratamento pode inibir a recuperação do paciente e aumentar a chance de reinfarto.(17) Pesqui-sas atuais sugerem que nem sempre a terapia de cessação do tabagismo utilizada para um grupo geral funciona de forma eficaz, sendo necessárias estratégias focadas em grupos específicos(18) e que os programas comportamentais intensivos desenvolvidos para a população em geral, envolvendo reuniões semanais por um período de três meses, não irão gerar mudanças de comportamento suficientes para a adoção de um estilo de vida saudável,(17) sendo necessário desenvolver técnicas com maior especificidade para esse tipo de paciente.

A cessação do tabagismo é um processo dinâmico, considerado um grande desafio pessoal, que exige esforço dos fu-mantes,(11) pois além de se adaptar a um novo comportamento, esses têm que superar a abstinência do uso do tabaco, a qual está ligada a disfunções cognitivas e emocionais.(19) Além disso, algumas pesquisas demonstram que o sofrimento psicológico é um fator importante nesse processo e deve ser levado em consideração na tentativa de se abandonar o tabagismo. Sendo assim, os indivíduos que fumam têm maiores taxas de sofrimento psíquico em comparação aos não fumantes.(20) Em relação a esse sofrimento, a ansiedade e a depressão são os sintomas mais comuns e os mais estudados nesse grupo de pacientes.(21,22)

Esses sintomas são muitas vezes agravados pela relação cessação do tabagismo e eventos decorrentes do IAM, o que causa dificuldade na abstenção do tabagismo e torna indispensável o aprimoramento dos métodos para auxiliar esses pacientes. Como o papel do estresse psicológico ainda é incerto nesses pacientes, há a necessidade de estudos que investiguem o sofrimento psicológico em pessoas em fase de abandono do tabagismo, que devem ser direcionados tam-bém ao subgrupo de pacientes com doenças cardíacas, em especial, o IAM. Esse tipo de pesquisa pode aumentar a eficá-cia das medidas de controle do tabagismo para essa população.

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa que possibilitou a síntese e a análise de estudos relevantes publicados sobre o as-sunto, permitindo que pesquisas prévias sejam sumarizadas.

Para a sua realização, seguiram-se as seguintes etapas propostas por Ganong(23): identificação do tema e formulação da questão de pesquisa; estabelecimento do objetivo da revisão; estabelecimento dos critérios de inclusão/exclusão para a seleção da amostra; definição das informações a serem extraídas dos artigos selecionados; avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa; e interpretação e apresentação dos resultados da pesquisa. As questões norteadoras da presente revisão foram as seguintes: qual é a influência da cessação do tabagismo em relação à pessoa com IAM e como se configura o sofrimento psicológico nesse processo?

Para a escolha dos descritores nas buscas de dados em bases latino-americanas, foram utilizados os seguintes descrito-res da plataforma DeCS: "tabaco", "abandono do uso de tabaco", "infarto do miocárdio" e "sofrimento psíquico". Seus respectivos correspondentes em inglês foram obtidos na plataforma MeSH, que é um sistema de metadados médicos em língua inglesa. A junção dos descritores tanto em inglês como em português foram combinados por meio dos operadores lógicos "AND" e "OR". Os sinônimos descritos nessas duas plataformas foram usados para uma busca ampliada.

A procura dos artigos foi iniciada em junho de 2014 e terminada em setembro do mesmo ano, no qual foram efetuadas consultas às bases de dados Scopus, PubMed Central, Institute for Scientific Information Web of Science, ScienceDirect, EMBASE, SciELO, LILACS e PsycINFO, sendo selecionados estudos na íntegra, segundo os critérios de inclusão/exclusão adotados, e que apresentassem a influência do abandono do tabagismo envolvendo o binômio sofrimento psíquico e IAM. Optamos por utilizar essas bases de dados por serem bancos de informações que contemplam os estudos que atentam para os critérios de inclusão e na tentativa de englobar todos os estudos relevantes que suportassem o tema proposto.

Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram estudos originais de pesquisas publicadas em revistas envol-vendo humanos maiores de 18 anos, indexados em ao menos uma das oito bases de dados analisadas, cujos resumos e textos na íntegra estivessem disponíveis on-line, publicados entre 1990 e 2014 em português, espanhol ou inglês, e que envolvessem cessação do tabagismo, sofrimento psicológico, IAM e doenças cardíacas. As pesquisas não foram limitadas pelo sexo. Os critérios de exclusão foram publicações que não apresentassem o tema do estudo, artigos não disponibili-zados na integra no meio digital e textos indexados na base de dados que não fossem pesquisas originais, tais como comentários, anais de conferências, documentos de trabalho, relatórios e artigos de revisão.

Para a avaliação dos dados, elaborou-se um instrumento para a coleta das informações de forma que a descrição, a organização e a interpretação dos resultados fossem facilitados.

RESULTADOS

Foram identificados 1.040 artigos, dos quais 252 eram duplicatas. Em função do título, foram excluídos 564 artigos, e 5 artigos não foram localizados. Do restante, 219 estudos foram avaliados dentro dos critérios de inclusão e exclusão pro-postos no presente estudo, pelos quais 92 foram excluídos com base no resumo analisado e 127 foram lidos na integra. Após a leitura, foram selecionados para compor a análise do presente estudo 14 artigos (Figura 1).
 



De acordo com as singularidades de acesso das oito bases de dados analisadas, as estratégias empregadas para o le-vantamento dos artigos foram adaptadas conforme os critérios de inclusão previamente estabelecidos. Todos os 14 arti-gos selecionados foram publicados em periódicos distintos, os quais estudaram temas referentes à cessação do tabagis-mo e ao sofrimento psicológico, sendo que alguns estudos traziam considerações desse processo dentro de uma popula-ção específica com doenças cardíacas, como o IAM.

Da amostra estudada, 5 estudos (36%) foram realizados nos EUA; 3 (21%), no Brasil; 2 (14%), no Canadá; 2 (14%), no Reino Unido; 1 (7%), na Holanda; e 1 (7%) na Itália. Desses, 12 (86%) foram escritos em inglês e 2 (14%) em português.

No que se refere ao ano de publicação, a maioria dos artigos foi publicada entre 2009 e 2013 (moda = 5 em 2009), ha-vendo artigos publicados em 1990, 1995 e 2002 (1 em cada ano).

Os artigos utilizaram uma abordagem quantitativa, sendo a maioria composta por estudos transversais (42%), longitu-dinais (14%) e randomizados (14%). Os estudos remanescentes adotaram uma abordagem prospectiva não randomiza-da, de tipo caso-controle, de coorte, análise retrospectiva ou duplo cego.

Em relação ao local onde foi desenvolvido o estudo, o ambiente hospitalar teve importante destaque, constituindo me-tade das pesquisas analisadas. Também houve notoriedade nas pesquisas com base em inquéritos nacionais (28%). O instrumento mais utilizado dentre os artigos analisados foi o Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina, usado na detecção de dependência de nicotina entre fumantes, em 35% dos estudos.

Dentre os estudos analisados, os resultados sugerem que pessoas com alto nível de sofrimento psíquico são mais pro-pensas a serem fumantes, com uma predisposição aproximadamente duas vezes maior quando comparadas a não fu-mantes. O sofrimento psicológico também está associado a uma menor probabilidade de cessação do tabagismo e níveis elevados de dependência de nicotina, com aumento do risco de recaída ao longo do período de um ano de acompanha-mento.(24-26)

Alguns artigos mostraram que fumantes e ex-fumantes têm sintomas depressivos mais frequentemente que não fuman-tes e que, entre esses fumantes, aqueles que são usuários de antidepressivos têm uma maior propensão a sofrer ansie-dade e insônia.(27-29) Os dados também sugerem que o abandono do tabagismo está associado com a redução da ansie-dade e da angústia. (29,30)

Outro estudo observou que a depressão em fumantes diminui a probabilidade de cessação do tabagismo e aumenta a susceptibilidade à recaída durante o período de abstinência.(31) Ao investigar-se um grupo com doença arterial coronaria-na, foram observados sintomas ligados à depressão mais frequentemente e maior utilização de antidepressivos nos fumantes do que nos não fumantes.(28)

Quanto à finalidade da presente revisão, verificou-se que, entre as doenças cardíacas, o IAM é prevalente entre fuman-tes, sendo responsável também por uma pior qualidade de vida nesse subgrupo.(18,27) A cessação do tabagismo de forma abrupta pode expor paciente com IAM a níveis elevados de estresse psicológico, e essa informação é imprescindível para uma avaliação contínua e investigativa relacionada com a gestão de abstinência de nicotina após o IAM, dado o potencial impacto negativo do estresse psicológico sobre os resultados físicos nesses pacientes.(27) Foi observado também que pessoas com IAM que fazem parte do grupo de cessação do tabagismo têm uma elevada frequência de diagnóstico de patologia psiquiátrica e um alto grau de dependência de nicotina. Esses fatores aliados ao estresse causam um maior consumo de tabaco, o que implica atenção especial ao suporte cognitivo e comportamental desses pacientes no sentido de serem obtidos melhores resultados.(31)

Entre os estudos analisados, pode-se constatar que a principal motivação para abandonar o uso de cigarros estava li-gada a problemas de saúde, como o IAM e problemas respiratórios.(31,32) O abandono do cigarro reduz pela metade a probabilidade de óbito após IAM, tendo o profissional de saúde grande importância nesse processo de cessação do taba-gismo, principalmente na parte de orientação e aconselhamento.(32) Há a necessidade de uma abordagem diferenciada a esse segmento da população, desenvolvendo-se intervenções voltadas ao lado motivacional para envolvê-los em pro-gramas de cessação do tabagismo.(33)

Estudos apontam que há uma relação direta entre o risco para IAM com a quantidade de cigarros utilizados e o nível de dependência. Esse risco pode ser diminuído a níveis próximos ao do grupo de não fumantes quando o abandono do uso do tabaco é mantido por um período de três a quatro anos, independentemente da quantidade de cigarros fumados ante-riormente e a duração do seu uso, o que mostra mais uma vez a importância da cessação do tabagismo.(34,35) Dessa forma, os esforços para o abandono do uso do tabaco devem ser iniciados precocemente, sobretudo quando houver o diagnóstico de comorbidades relacionadas a seu uso.(36)

A Tabela 1 apresenta uma síntese das características dos artigos selecionados, com a especificação de cada um dos estudos introduzidos na análise, destacando autores, ano e local da publicação, país onde foi desenvolvido o trabalho, tamanho da amos-tra e tipo de estudo.
 



DISCUSSÃO

O presente estudo destaca a importância de se avaliar o sofrimento psicológico em pacientes que tiveram IAM como forma de melhorar a adesão à terapia de cessação do tabagismo, considerando também a importância dessas investiga-ções para o fortalecimento do sistema de saúde e para o desenvolvimento de novas pesquisas. Desse modo, observamos a importância de investigar o assunto aqui abordado, principalmente por notarmos a escassez de estudos tanto no âmbito nacional como no internacional.

Dentre os trabalhos avaliados na presente revisão, houve uma variedade de abordagens metodológicas publicadas em diferentes áreas da saúde, o que reflete a pluralidade da temática estudada e que mostra também os diferentes métodos para se investigar esse tipo de tema. Em relação à distribuição temporal, houve uma predominância de publicações no ano de 2009, o que torna evidente a importância que esse tema teve naquele ano. Porém, ao compararmos as origens dos estudos, não foi observada uma relação entre elas; isso demonstra que diferentes países se atentaram para a impor-tância do assunto abordado em um mesmo período.

Na presente revisão, pôde-se constatar que o país com a maior produção científica em relação ao tema abordado foi os EUA, o que pode ser explicado pelo avanço nas pesquisas cardíacas naquele país. Possivelmente, os EUA conseguiram identificar a importância de envolver estudos fisiopatológicos com o comportamento cognitivo, abrangendo o sofrimento psíquico. Esse tipo de enfoque melhora a compreensão sobre o assunto por englobar vários aspectos e possibilita o de-senvolvimento de estratégias voltadas a subgrupos específicos. Outro destaque foi o Brasil; porém, dentre os trabalhos selecionados, não houve estudos específicos na população com IAM, sendo analisada apenas a cessação de tabagismo com sofrimento psicológico. Isso aponta para a necessidade de uma maior produção científica a nível nacional, analisan-do aspectos comportamentais importantes na comparação com estudos já existentes na literatura como forma de melho-rar o planejamento das ações prestadas que visem à promoção da saúde.

Quanto ao local de desenvolvimento dos estudos, verificou-se uma grande predominância no contexto hospitalar, o que reflete a centralidade que historicamente esse tipo de instituição ocupa no cenário do sistema de saúde mundial. É impor-tante afirmar que a instituição hospitalar ocupa também um lugar de destaque dentro do contexto abordado, principal-mente pelo serviço prestado a essa população estudada.

O Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina foi o instrumento de avaliação mais frequentemente utilizado nos estudos considerados na presente revisão. Ele é uma importante ferramenta na avaliação da dependência da nicotina porque auxilia a identificação do consumo de cigarros em anos-maço e do nível de motivação do paciente para o aban-dono do tabagismo. Maiores escores nesse instrumento indicam maior dependência e, portanto, mais difícil será a cessa-ção do tabagismo.

A maioria dos estudos apresentou um desenho transversal, com a descrição de características da população estudada. Alguns revelam a associação entre as variáveis; porém, não mostram a relação causal entre o objeto inquirido, princi-palmente por não provarem a existência de uma sequência temporal entre o início do fator e o subsequente desenvolvi-mento. Dessa forma, as conclusões relacionadas à consequência da cessação do tabagismo e ao sofrimento psíquico devem ser consideradas com cautela.

A principal limitação dos estudos com delineamento transversal se incide na questão da abstinência do cigarro e o so-frimento psíquico. A associação entre esses dois fatores pode ser influenciada pelo IAM, sendo necessário investigar-se o desenvolvimento do sofrimento psíquico durante o processo de cessação do tabagismo, ou seja, a exposição e o desfecho do fenômeno devem ser pesquisados em diferentes momentos. Outros fatores importantes para a análise se referem ao período de investigação e a duração do sofrimento psíquico. Para responder a esses pontos chave e como forma de dimi-nuir as limitações, sugerimos a realização de estudos longitudinais, com aplicação de análises em vários períodos dife-rentes durante todo o processo terapêutico de cessação do tabagismo. Esse tipo de abordagem evidenciará mais adequa-damente a relação entre os fatores estudados e suas variáveis.

Em relação ao objetivo da presente revisão, observou-se nos artigos da amostra estudada que o fumante com IAM tem uma maior propensão ao sofrimento psicológico; consequentemente, há um aumento na dificuldade do abandono do tabagismo. Alguns autores mostraram que a cessação do tabagismo de forma rápida e sem preparação por parte dos profissionais da saúde aumenta o estresse psicológico, incluindo os sintomas relacionados a ansiedade e depressão, o que contribui para o crescimento das altas taxas de insucesso do tratamento nesse subgrupo de fumantes.

Frente a esses resultados, o fracasso da terapia está ligado à incapacidade dos profissionais da saúde responsáveis pelo tratamento em avaliar e orientar seus pacientes durante a cessação do tabagismo. Além disso, há o despreparo em diagnosticar o sofrimento psíquico e criar estratégias de enfrentamento para tratar temas particulares, voltadas para as dificuldades encontradas pelos dependentes e suas comorbidades específicas, como o IAM. Um estudo mostrou que o papel do profissional da saúde se concentra na importância de se desenvolver intervenções mais direcionadas, tendo em vista também as diferenças encontradas entre homens e mulheres.(37)

A literatura aponta que, entre os profissionais da saúde, o pneumologista se destaca por ter um grande potencial para promover a redução do tabagismo. Porém, a maioria dos pneumologistas brasileiros está desconsiderando o tabagismo como uma condição médica. Esse fato pode ser observado em um inquérito no qual apenas 35,3% dos investigados ofereciam um tratamento de cessação do tabagismo de forma correta, associando a terapia cognitivo-comportamental à farmacológica.(38) Outro fator preocupante se direciona no sentido de que a maioria desses profissionais mostra desinte-resse no assunto, não têm tempo para orientar seus pacientes ou não sabem combater o tabagismo.(38)

Diante disso, é de grande importância o empenho dos profissionais de saúde nos programas de cessação do tabagismo. A capacitação é fundamental para melhorar o conhecimento, principalmente em relação ao apoio aos pacientes durante o processo de abandono do cigarro. (39) Desse modo, criar estratégias para conhecer o perfil do paciente é fundamental para auxiliar a busca de variáveis conhecidas como preditoras para o insucesso do tratamento, como o sofrimento psicológi-co.(40) Assim, o perfil do fumante deve ser avaliado quanto ao grau de dependência da nicotina e sua motivação para deixar de fumar.(41)

O sofrimento psicológico deve ser um assunto relevante na abordagem aos pacientes, principalmente pelos profissio-nais responsáveis pelos grupos de cessação do tabagismo. Segundo um dos artigos incluídos na presente revisão, o sofrimento psicológico predispõe o usuário à maior dependência, à dificuldade em abandonar o cigarro e ao aumento de recaídas ao longo do tratamento ou após a alta do grupo de apoio.(31) Portanto, a intervenção para o controle do tabagis-mo deve considerar as características gerais dos fumantes para que a assistência durante a cessação do tabagismo seja eficaz.(42) Deve-se também incluir a história tabágica dos pacientes junto a esses serviços a fim de melhorar a condução do tratamento do fumante e sua individuação.(41) Com esse enfoque, avaliações clínicas são necessárias durante a tera-pia de cessação do tabagismo, empregando-se instrumentos para analisar a personalidade e o sofrimento psíquico dos participantes como forma de serem desenvolvidas intervenções específicas, como o apoio psicológico, para esses sub-grupos de fumantes.(25) Os resultados mostram que essas estratégias podem aumentar a adesão ao tratamento e melho-rar os enfrentamentos dos pacientes frente a seus sintomas, principalmente durante o período de abstinência do tabagis-mo.

Dentre os sintomas de sofrimento psíquico, a depressão e a ansiedade são os mais pesquisados. A literatura mostrou que o tabagismo tem uma relação direta com o desenvolvimento desses sintomas, que são também elementos responsá-veis pelas altas taxas de recaída, o que dificulta o abandono do tabagismo. Os resultados encontrados demonstram tam-bém que, em subgrupos de fumantes, como aqueles com IAM, as taxas desses sintomas são maiores, o que confirma uma propensão ao sofrimento psicológico. Esse achado pode estar ligado ao quadro clínico do paciente com IAM, juntamente com o fator de apreensão em relação ao medo, pois essa condição envolve a possibilidade de reincidência e apresenta altas taxas de mortalidade. No entanto, um estudo recente mostrou que o tratamento para a cessação do tabagismo me-lhora os níveis de ansiedade e de depressão, aumenta a motivação e diminui o estresse nos pacientes tabagistas. Essas mudanças parecem ser maiores em pacientes com tratamento bem sucedido.(43) Assim, os fumantes com depressão de-vem ser avaliados quanto à intensidade dos sintomas depressivos antes e durante a intervenção para que se possa en-contrar aqueles que apresentem um maior risco de recaída.(41)

A dependência do tabagismo e suas comorbidades devem ser levadas em consideração no contexto do tratamento, principalmente pelo fato de a maioria dos fumantes apresentar características particulares e específicas que demandam atenção diferenciada, sendo importante a criação de subgrupos específicos, como para pacientes com IAM. Dessa forma, uma boa avaliação do paciente que busca tratamento é de fundamental importância para se adequar as diversas estraté-gias de tratamento, levando em consideração transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão. Essa evidência corrobora um estudo que demonstrou que esses sintomas são fatores que dificultam a aderência do paciente à terapia.(44)

O tipo de tratamento também tem influência no abandono do tabagismo. Um estudo mostrou que certas terapias farma-cológicas, como a reposição de nicotina, podem aumentar a ocorrência de episódios depressivos.(45) Nesses casos, o fármaco de escolha deve ser a bupropiona, por essa ser um antidepressivo eficaz no tratamento da cessação do tabagis-mo. Entretanto, a terapia farmacológica utilizada isoladamente pelo paciente não se mostrou suficiente para o abandono do tabagismo, sendo importante sua associação com a terapia cognitivo-comportamental. A base desse tipo de terapia envolve a participação ativa do paciente, de forma que o próprio fumante identifica as situações de risco rotineiras e, juntamente com o profissional, desenvolve estratégias de enfrentamento para lidar com essas situações.(46) As técnicas cognitivo-comportamentais ajudam também o fumante a modificar o padrão de conduta no consumo do tabaco, evitando as situações vinculadas às recaídas. Isso se reflete tanto no aprendizado para resistir à compulsão por fumar quanto na adoção de estratégias que se contraponham ao ato de fumar.(41)

A maioria dos artigos incluídos na presente revisão destaca a importância da prevenção e da cessação do tabagismo, que devem ser iniciadas precocemente como forma de diminuir os riscos de desenvolvimento das principais patologias relacionadas ao tabagismo, como o IAM, assim como forma de promoção e reabilitação da saúde dos pacientes já acome-tidos por essas patologias. Um dos artigos selecionados discute a importância da intersetorialidade e do sistema de refe-rência e contrarreferência como complementares na tentativa de se abandonar o cigarro. Segundo os autores, o sistema de saúde só é eficaz quando a responsabilidade é compartilhada por todos os setores, ou seja, os dependentes do tabaco, com ou sem comorbidades, avaliados inicialmente dentro do hospital, são encaminhados para a terapia em grupo, onde serão acompanhados por profissionais qualificados para orientar e tratar especificamente cada caso.(36) Dessa forma, o sistema de saúde aumentará a eficácia das medidas de controle do tabagismo, dando uma cobertura maior à população com um serviço eficaz e com qualidade.

Por fim, a presente revisão integrativa permite concluir que a cessação do tabagismo é um processo dinâmico e exige a participação ativa do dependente, cuja motivação influencia o abandono do tabagismo. Os estudos mostram que o sofri-mento psicológico tem uma relação direta com a dependência da nicotina, o que aumenta a dificuldade do abandono do tabagismo, como também eleva as taxas de depressão nos fumantes. O sucesso terapêutico está ligado à aderência do indivíduo à terapia comportamental, como também à terapêutica farmacológica, sendo a principal motivação nesse pro-cesso os problemas de saúde, em especial, o IAM e problemas respiratórios. No entanto, a cessação do tabagismo de forma rápida e sem preparação aumenta o estresse psicológico nos pacientes com IAM, o que dificulta o abandono do tabagismo. O fracasso no tratamento está ligado ao despreparo dos profissionais da saúde responsáveis pelo acompa-nhamento desses pacientes em diagnosticar o sofrimento psíquico e à falta de criação de subgrupos específicos para abordar e tratar temas particulares que, no caso do estudo em foco, é o IAM.

O presente estudo permitiu ampliar os conhecimentos sobre o tema e mostra a necessidade de se investir em pesquisas futuras que analisem subgrupos de fumantes com as principais comorbidades relacionadas ao tabagismo para que se possa desenvolver intervenções especificas com apoio psicológico. A atenção ao papel desses transtornos pode ser uma área útil de investigação, como forma de melhorar a adesão ao tratamento desses subgrupos e aumentar o índice de abandono do tabagismo, que é considerado baixo quando comparado ao desejo de parar de fumar. Esse tipo de aborda-gem permitirá também melhorar o conhecimento dos profissionais frente ao dependente da nicotina e, consequentemen-te, aprimorar o planejamento com abordagens mais amplas, tratamentos mais eficazes e um maior número de estratégias de intervenção.

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