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Cartas ao Editor

Traqueobroncomalácia em paciente sob ventilação mecânica invasiva: o papel da tomografia de impedância elétrica na sua detecção e na titulação da pressão expiratória final positiva

Tracheobronchomalacia in a patient on invasive mechanical ventilation: the role of electrical impedance tomography in its detection and positive end-expiratory pressure titration

Olívia Meira Dias1, Eduardo Leite Vieira Costa2, Daniel Antunes Silva Pereira3, Caroline Nappi Chaves3, Samia Zahi Rached3, Carmen Silvia Valente Barbas2

Ao Editor:

A traqueobroncomalácia (TBM) é uma doença causada pela fraqueza das paredes traqueais e brônquicas por amolecimento da cartilagem de apoio, que resulta em colapso expiratório excessivo.(1) Embora alguns indivíduos com TBM sejam assintomáticos, outros apresentam sintomas como dispneia, hemoptise, sibilância e tosse crônica.(1-3) Como os sintomas são inespecíficos, é fácil esquecer a TBM ou confundi-la com outras doenças obstrutivas das vias aéreas, como a asma e a DPOC.(4)

Em pacientes com TBM e insuficiência respiratória aguda, a ventilação não invasiva é uma opção terapêutica, pois a positive end-expiratory pressure (PEEP, pressão expiratória final positiva) pode evitar o colapso das vias aéreas.(5-7) Kandaswamy et al.(8) relataram que, dentre os pacientes com desconforto respiratório que não puderam ser desmamados da ventilação mecânica ou que necessitaram de reintubação na UTI, a prevalência de TBM, identificada em TC de tórax realizada apenas alguns dias antes da intubação, foi de 1,6%. No entanto, até onde sabemos, não há nenhum relato de diagnóstico de TBM durante a ventilação mecânica invasiva.

A tomografia de impedância elétrica (TIE) é uma ferramenta de monitoramento não invasiva e livre de radiação que fornece imagens em tempo real da ventilação à beira do leito. Relatamos aqui um caso em que a associação entre TC e TIE de tórax permitiu que fizéssemos o diagnóstico de TBM e que determinássemos a melhor titulação da PEEP para evitar o colapso das vias aéreas em um paciente intubado.

Uma mulher de 66 anos de idade foi admitida no pronto-socorro com queixa de falta de ar. Apresentava história de episódios recorrentes de sibilância e tosse seca, ambas as quais melhoraram parcialmente após o tratamento com aminofilina e broncodilatadores inalatórios de curta duração. Sua história médica incluía intubação orotraqueal, cinco anos atrás, em virtude de broncoespasmo grave. Não referiu febre, produção de escarro ou outros sintomas. Afirmou que não fora exposta a nenhum alérgeno inalatório, que não tinha alergias conhecidas e que não tinha história familiar de asma. Além disso, relatou que não era usuária de tabaco, porém havia há muito tempo sido exposta à fumaça da combustão de biomassa durante o cozimento de alimentos.

O exame físico revelou desconforto respiratório, com uso da musculatura acessória, FR de 28 ciclos/min e SpO2 de 96% em ar ambiente. O exame dos pulmões revelou expiração prolongada e sibilos difusos.

Os resultados da avaliação radiográfica e dos exames laboratoriais foram normais. Obteve-se alívio sintomático parcial após a terapia inalatória com brometo de ipratrópio e fenoterol, juntamente com hidrocortisona intravenosa. A paciente recebeu alta, mas retornou ao pronto-socorro com broncoespasmo minutos mais tarde. Embora tenha sido então tratada com doses adicionais de broncodilatadores inalatórios e sulfato de magnésio por via intravenosa, sua dispneia piorou. Algumas horas depois, a paciente entrou em coma e necessitou de intubação orotraqueal e internação na UTI.

Ao ser admitida na UTI, a paciente foi profundamente sedada com fentanil e midazolam, passou a receber salbutamol inalatório (400 g/h), recebeu hidrocortisona intravenosa (200 mg a cada 6 horas) e passou também a receber infusão contínua de cisatracúrio. A mecânica respiratória foi medida durante a ventilação controlada por volume; a PEEP foi fixada em 5 cmH2O; a FiO2 foi fixada em 40%; a FR foi de 12 ciclos/min; a taxa de fluxo foi fixada em 60 l/min; a duração da pausa inspiratória na pressão de platô foi de 2 s e o volume corrente (10 ml/kg) revelou baixa complacência pulmonar (26 ml/cmH2O), alta resistência das vias aéreas (24 cmH2O/l/s) e PEEP intrínseca de 8 cmH2O. A curva de fluxo expiratório indicava obstrução das vias aéreas (Figura 1). A radiografia de tórax realizada 24 e 48 h após a admissão na UTI mostrou atelectasia do lobo inferior esquerdo e, em menor grau, do lobo inferior direito, sem quaisquer diferenças entre os dois momentos no tocante aos parâmetros ventilatórios.



Quarenta e oito horas após a admissão na UTI, uma TCAR de tórax revelou pequenos derrames pleurais bilaterais com atelectasia parcial dos lobos inferiores, além de redução do diâmetro transversal da traqueia e dos brônquios principais, principalmente nas divisões subsegmentares dos lobos inferiores, bilateralmente; todos esses achados eram coerentes com o diagnóstico de TBM (Figura 1). Com base nessa hipótese, a paciente foi mantida em ventilação controlada por pressão e a PEEP foi alterada de 5 cmH2O para 15 cmH2O; todos os demais parâmetros permaneceram inalterados. A sibilância na ausculta de repente desapareceu, o volume corrente aumentou de 227 ml para 398 ml e a forma da curva de fluxo expiratório melhorou sobremaneira, não mais indicando limitação do fluxo (Figura 1).

Para escolher a melhor PEEP - a que mantivesse a patência das vias aéreas e ao mesmo tempo evitasse a distensão pulmonar - a PEEP foi titulada por meio de TIE (Tabela 1). Após uma manobra de recrutamento pulmonar, mantivemos uma pressão motriz constante de 15 cmH2O e diminuímos a PEEP em 2 cmH2O a cada 2 min até que se atingisse uma PEEP de zero. A PEEP que permitiu distensão pulmonar mínima e impediu o colapso das vias aéreas foi a de 12 cmH2O (Figuras 1D e 1E).



A paciente apresentou melhora considerável dos parâmetros ventilatórios. No entanto, como o desmame foi difícil, a paciente foi traqueostomizada antes de receber alta.

O método convencional de detecção de TBM é a fluoroscopia ou a observação direta por meio de broncoscopia, em que um estreitamento > 50% no diâmetro sagital da traqueia determina o diagnóstico da doença.(4) O uso da TC expiratória como método de avaliação de colapso das vias aéreas já foi validado: uma redução expiratória de 50% na área da seção transversal do lúmen das vias aéreas determina o diagnóstico de TBM em indivíduos sintomáticos.(4,9-11) Embora não possamos garantir que, no caso aqui apresentado, a TC tenha sido obtida após expiração completa, a história clínica e os achados tomográficos contundentemente sugeriam a presença de TBM. Nossa paciente fora também submetida a broncoscopia durante uma traqueostomia percutânea realizada na UTI, com sedação e paralisia muscular. No entanto, não foi possível realizar uma avaliação detalhada da dinâmica respiratória, pois a paciente não estava respirando espontaneamente.

Relatos anteriores trataram da importância da ventilação não invasiva para a manutenção da patência das vias aéreas, diminuição da resistência pulmonar, melhora da obstrução ao fluxo aéreo expiratório e redução das pressões transpulmonares inspiratórias necessárias para iniciar o fluxo aéreo, diminuindo, assim, o trabalho respiratório.(5-7) Até onde sabemos, este é o primeiro estudo sobre o uso da TIE no tratamento ventilatório da TBM em pacientes sob ventilação mecânica invasiva. As curvas de fluxo respiratório observadas após o aumento da PEEP ajudaram a mostrar a importância da PEEP como um stent pneumático para abrir as vias aéreas, que haviam sofrido colapso. Além disso, o uso da TIE permitiu o diagnóstico da TBM à beira do leito e a titulação da PEEP. Vale ressaltar que a TIE foi extremamente útil nas decisões a respeito de mudanças na estratégia ventilatória, porque níveis elevados de PEEP não são desejáveis em pacientes com doença pulmonar obstrutiva, nos quais o risco de hiperinsuflação dinâmica é alto. Coincidentemente, a PEEP definida empiricamente foi semelhante à ideal, determinada com base na análise da TIE.

A labilidade da abertura e fechamento das vias aéreas na TBM predispõe a crises graves de broncoespasmo refratárias à terapia convencional. Mesmo para pneumologistas e médicos intensivistas, o diagnóstico de TBM é um desafio. Portanto, deve ser incluído no diagnóstico diferencial de broncoespasmo refratário em pacientes de UTI com fatores predisponentes para TBM.

Referências


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