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Mutações no gene cystic fibrosis transmembrane conductance regulator em um centro de referência para a fibrose cística

Cystic fibrosis transmembrane conductance regulator mutations at a referral center for cystic fibrosis

Cyntia Arivabeni de Araújo Correia Coutinho, Fernando Augusto de Lima Marson, Antônio Fernando Ribeiro, José Dirceu Ribeiro, Carmen Silvia Bertuzzo

ABSTRACT

Objective: To determine the frequency of six mutations (F508del, G542X, G551D, R553X, R1162X, and N1303K) in patients with cystic fibrosis (CF) diagnosed, at a referral center, on the basis of abnormal results in two determinations of sweat sodium and chloride concentrations. Methods: This was a cross-sectional study involving 70 patients with CF. The mean age of the patients was 12.38 ± 9.00 years, 51.43% were female, and 94.29% were White. Mutation screening was performed with polymerase chain reaction (for F508del), followed by enzymatic digestion (for other mutations). Clinical analysis was performed on the basis of gender, age, ethnicity, pulmonary/gastrointestinal symptoms, and Shwachman-Kulczycki (SK) score. Results: All of the patients showed pulmonary symptoms, and 8 had no gastrointestinal symptoms. On the basis of the SK scores, CF was determined to be mild, moderate, and severe in 22 (42.3%), 17 (32.7%), and 13 (25.0%) of the patients, respectively. There was no association between F508del mutation and disease severity by SK score. Of the 140 alleles analyzed, F508del mutation was identified in 70 (50%). Other mutations (G542X, G551D, R553X, R1162X, and N1303K) were identified in 12 (7.93%) of the alleles studied. In F508del homozygous patients with severe disease, the OR was 0.124 (95% CI: 0.005-0.826). Conclusions: In 50% of the alleles studied, the molecular diagnosis of CF was confirmed by identifying a single mutation (F508del). If we consider the analysis of the six most common mutations in the Brazilian population (including F508del), the molecular diagnosis was confirmed in 58.57% of the alleles studied.

RESUMO

Objetivo: Determinar a frequência de seis mutações (F508del, G542X, G551D, R553X, R1162X e N1303K) em pacientes com fibrose cística (FC) de um centro de referência, diagnosticados pela presença de duas dosagens de sódio e cloro no suor alteradas. Métodos: Estudo de corte transversal com 70 pacientes com idade média de 12,38 ± 9,00 anos, sendo que 51,43% eram do sexo feminino, e 94,29% eram caucasoides. A triagem de mutações foi realizada pela técnica de reação em cadeia da polimerase (F508del), seguida por digestão enzimática (demais mutações). A análise clínica foi realizada utilizando as variáveis sexo, idade, etnia, manifestações pulmonares/digestivas e escore de Shwachman-Kulczycki (ESK). Resultados: Todos os pacientes apresentaram manifestações pulmonares, e 8 não apresentaram manifestações digestivas. Os resultados do ESK evidenciaram doença leve, moderada e grave, respectivamente, em 22 (42,3%), 17 (32,7%) e 13 (25,0%) pacientes. Não houve associação da mutação F508del com o grau de doença pelo ESK. Dos 140 alelos analisados, a mutação F508del foi identificada em 70 (50%). As demais mutações (G542X, G551D, R553X, R1162X e N1303K) foram identificadas em 12 (7,93%) dos alelos analisados. Em pacientes homozigotos F508del com doença grave, a OR foi de 0,124 (IC95%: 0,005-0,826). Conclusões: O diagnóstico molecular de FC foi confirmado pela identificação de apenas uma mutação (F508del) em 50% dos alelos estudados. Se considerarmos a análise das seis mutações de maior frequência na população brasileira (incluindo F508del), o diagnóstico molecular foi confirmado em 58,57% dos alelos analisados.

Palavras-chave: Fibrose cística; Regulador de condutância transmembrana em fibrose cística; Mutação.

Introdução

A fibrose cística (FC; #219700) é uma doença autossômica, monogênica e recessiva, causada por mutações no gene cystic fibrosis transmembrane regulator (CFTR; #602421) na região 7q3.1.(1) Desde a identificação do gene CFTR, aproximadamente 2.000 mutações foram identificadas no mesmo.


Atualmente, o diagnóstico da FC é baseado em valores alterados de sódio e cloro no suor; contudo, outras ferramentas de diagnóstico têm sido estudadas, tais como: (a) mensuração dos valores de cloro e sódio na saliva(2); (b) indução da secreção de cloro por estímulo -adrenérgico no suor(3); (c) medidas da secreção de cloro pelo CFTR em biópsias retais(4); (d) triagem neonatal por tripsina imunorreativa(5); (e) diferença de potencial nasal(6); e (f) sequenciamento de nova geração e/ou determinação de duas mutações no gene CFTR, em seguimento ou não, da triagem neonatal.(7-9)

A gravidade da FC é dependente e modulada por fatores ambientais, genes modificadores e classes das mutações no gene CFTR.(8-17) As mutações no gene CFTR são divididas em seis classes associadas à gravidade da doença.(8,9) Mutações de classe I, II e III acarretam maior gravidade do que as de IV, V e VI.

O estudo de todas as mutações no gene CFTR não é possível na realidade brasileira e em muitos países. Nesse contexto, o presente estudo buscou a identificação das mutações de maior frequência no gene CFTR em um centro de referência. Todos os pacientes foram investigados para as mutações de maior frequência da FC - F508del (c.1521_1523delCTT; p.Phe508del; classe II); G542X (c.1624G>T; p.Gly542X; classe I); G551D (c.1652G>A; p.Gly551Asp; classe III); R553X (c.1657C>T; p.Arg553X; classe I); R1162X (c.3484C>T; p.Arg1162X; classe I); e N1303K (c.3909C>T; p.Asn1303Lys; classe II) - e os resultados foram comparados com variáveis clínico-demográficas dos pacientes.

Métodos

Estudo de corte transversal. Foram incluídos 70 pacientes com FC diagnosticada por dois valores de cloro iguais ou superiores a 60 mEq/L no teste do suor.

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição (Protocolo #297/2003). Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes do início do estudo, e no caso de o paciente ser menor de idade, o termo foi assinado pelos pais ou responsáveis legais.

A extração de DNA foi realizada pela técnica do cloreto de lítio. A concentração de DNA utilizada para a análise foi de 50 ng/mL, avaliada em um espectrofotômetro (GE NanoVueTM; GE Healthcare Biosciences, Pittsburgh, PA, EUA).

Para a identificação das mutações no gene CFTR, o procedimento utilizado está descrito nas Tabelas 1 e 2, incluindo os iniciadores, tamanhos dos fragmentos, enzimas de restrição (segundo recomendações do fabricante) e o fragmento que representa a presença da mutação.





A técnica utilizada para a identificação das mutações analisadas (G542X, G551D, R553X, R1162X e N1303K) foi a digestão enzimática, exceto para a F508del, que é a deleção de três pares de base no éxon 10. No éxon 11 (G542X, G551D e R553X), quando detectada a presença de mutações, uma segunda digestão enzimática foi realizada para diferenciar as mutações G551D e R553X.

A caracterização clínica dos pacientes foi realizada por dois pesquisadores do estudo, devidamente capacitados para a análise. As variáveis utilizadas no estudo foram: sexo (masculino/feminino), idade (< 10, 11-20 e > 21 anos), etnia (caucasoides e não caucasoides), manifestações clínicas de comprometimento pulmonar (determinada por cultura de secreções do trato respiratório, espirometria e mensuração da saturação de oxigênio transcutânea), manifestações digestivas (balanço de gordura nas fezes e avaliação da elastase fecal) e escore de Shwachman-Kulczycki (ESK).

O ESK avalia a nutrição, atividade geral, exame físico e alterações radiográficas. Cada item avaliado foi pontuado para atingir o máximo de 25 pontos. Quanto menor a pontuação, pior o quadro clínico. O escore é graduado em excelente (86-100), bom (71-85), médio (56-70), moderado (41-55) e grave (40 ou menos), conforme o número total de pontos.(18) Definiu-se como doença de grau leve o escore do ESK excelente e bom; de grau moderado, o escore médio; e de grau grave, os escores moderado e grave. A categorização dos escores foi realizada para se obter um número menor de grupos para permitir a análise estatística dos dados.

A análise estatística foi realizada pelo programa IBM SPSS Statistics, versão 21.0 para Windows (IBM Corp., Armonk, NY, EUA).

Para as mutações e descrição das variáveis clínico-demográficas categóricas (sexo, etnia e presença de manifestação pulmonar/digestiva) foi utilizado o valor absoluto e percentual. Para a idade, foi utilizado à média e o desvio-padrão.

A comparação da presença das mutações com as variáveis clínico-demográficas dos pacientes foi realizada pelos testes do qui-quadrado e exato de Fisher, com o cálculo de OR, com o intuito de comparar a gravidade clínica em relação à identificação das mutações no gene CFTR incluídas no estudo.

Resultados

Os pacientes incluídos tiveram uma média de idade de 12,38 ± 9.00 anos (variação, 2-49 anos). A distribuição dos pacientes segundo as faixas etárias em estudo foram de 57,14%, 27,14% e 15,72%, respectivamente, nas faixas < 10 anos, 11-20 anos e > 21 anos.

Foram incluídos 36 pacientes do sexo feminino (51,43%). Houve distribuição uniforme em relação ao sexo.

A origem caucasoide foi observada em 94,29% dos pacientes. Todos os pacientes apresentaram manifestação respiratória, e apenas 8 (11,43%), sendo 2 deles heterozigotos compostos para a F508del e os demais sem a mutação (OR = 0,111; IC95%: 0,014-0,581), não apresentaram manifestação digestiva (Tabela 3).



A descrição dos genótipos e da frequência alélica para as mutações identificadas está apresentada na Tabela 4. Nos 52 pacientes com genótipos que continham ao menos uma das mutações estudadas, 22 (42,3%), 17 (32,7%) e 13 (25,0%), respectivamente, foram classificados como tendo doença leve, moderada e grave segundo os resultados do ESK. Não houve associação da mutação F508del com a gravidade segundo o ESK; apenas pacientes homozigotos F508del apresentaram OR de 0,124 (IC95%: 0,005-0,826) para a forma grave (Tabela 5).






Dos 140 alelos analisados, a mutação F508del foi identificada em 70 (50%). Para a frequência genotípica, a mutação F508del em homozigose ocorreu em 30% dos pacientes.


Discussão

Os valores de distribuição das idades dos pacientes em nosso estudo foram semelhantes aos de Maróstica et al.,(19) sendo que, em 61 pacientes, a idade variou de quatro meses a 17 anos, e 73,77% dos pacientes eram menores de 10 anos. Essa distribuição deve refletir a presença de mutações das classes I-III, mais frequentemente identificadas nos centros pediátricos de FC em detrimento de maior prevalência de mutações das classes IV-VI nos centros de FC de adultos.

Como a FC é uma doença genética autossômica recessiva, é de se esperar um equilíbrio na prevalência entre os sexos, como foi por nós observado. Alguns autores têm descrito um discreto predomínio do sexo masculino, fato relatado por Streit et al.(20) e Maróstica et al.,(19) respectivamente, com valores de 61% e 62,3% para o sexo masculino. Uma hipótese é a maior deterioração da função pulmonar observada nas meninas durante a puberdade.

A prevalência de caucasoides está de acordo com os dados da literatura, que demonstram uma baixa incidência de FC entre não caucasoides. No Brasil, estudos realizados no estado do Rio Grande do Sul (predominantemente caucasoide)(19) e no estado da Bahia (predominantemente negroide)(21) evidenciaram, respectivamente, 100% e 28,7% de caucasóides com FC, demonstrando que a prevalência de FC pode estar associada com características étnicas.

Embora o diagnóstico molecular da FC seja complexo devido à heterogeneidade molecular do gene CFTR, a análise pontual de algumas mutações é necessária. Um estudo envolvendo a mutação F508del como primeiro passo para a identificação molecular de mutações no gene CFTR foi realizado por nosso grupo.(7) Dos 140 alelos analisados, a mutação F508del foi identificada em 70 (50%). A elevada prevalência da F508del pode ser observada também em estudos realizados no Rio Grande do Sul,(20) São Paulo,(22,23) Rio de Janeiro,(24) e Pará,(25) nos quais, respectivamente, a análise de 154, 116, 148, 108 e 66 alelos, mostrou a frequência de 48,7% (2 = 0,05; p = 0,82), 47% (2 = 0,17; p = 0,68), 44,45% (2 = 0,75; p = 0,38), 25,68% (2 = 18,16; p < 0,01) e 22,7% (2 = 13,77; p = 0,01). Vale ressaltar que todos esses estudos são brasileiros.

As maiores prevalências de homozigoze e heterozigoze para a mutação F508del, comparadas aos resultados em outros estados do Brasil, reforça, em nosso meio, a importância da triagem da mutação F508del.(7) Enquanto, em nosso estudo, a frequência genotípica para a mutação F508del em homozigoze ocorreu em 30% dos pacientes, no Rio Grande do Sul,(20) São Paulo(23) e Rio de Janeiro(24) e essa ocorreu, respectivamente, em 31,2%, 21,3% e 10,81% dos pacientes. Por outro lado, em nosso estudo, a heterozigose ocorreu em 40,01%, que é um valor mais próximo do que os encontrados nos mesmos estudos acima citados (28,6%, 46,3% e 22,97%, respectivamente).(20,23,24)

A prevalência da mutação G542X foi de 4,29% em nosso estudo, valor semelhante aos encontrados em outros estudos no Brasil, de 3,2% (2= 6,22; p = 0,63),(20) 2,7% (2= 0,54; p = 0,46)(24) e 5,5 (2 = 11,91; p < 0,01).(26) A mutação R553X foi identificada em 0,71% dos alelos analisados. Nos estudos de Streit et al.(20) e Raskin et al.,(26) houve frequência de 0,7% (2 = 0,01; p = 0,93) e 0,8% (2 = 4,31; p = 0,037), respectivamente. A mutação R1162X foi detectada em 2,4% dos alelos. Embora as mutações de classe I (G542X, R553X e R1162X) tenham baixa prevalência no Brasil (menos que 6% dos alelos pesquisados), vale ressaltar que estudos em modelos animais e humanos têm sido promissores para novas drogas corretoras da função da CFTR para essas mutações, entre elas, PTC124.(27)


Ao contrário da mutação F508del, também de classe II, com alta prevalência, a N1303K apresentou baixa prevalência (1,43% dos alelos analisados). Outros estudos brasileiros não analisaram essa mutação.(20,26) Para essa classe de mutação, drogas corretoras e potenciadoras da função da CFTR têm sido pesquisadas, tais como VX-770 e VX-809.(28,29)

A mutação G551D não foi detectada na amostra avaliada, sendo apenas identificada por Raskin et al.(26) em um alelo analisado (1,8%; 2 = 2,51; p = 0,11). Para essa mutação, está disponível no mercado a droga VX-770, conhecida como kalydeco (Vertex®).(28)

Em nossa casuística de 70 pacientes com FC, 8 pacientes não apresentaram alteração digestiva. Desses, nenhum era homozigoto F508del e, em 5, não foi detectada nenhuma das mutações estudadas.

Embora a relação da mutação F508del e a gravidade da doença seja conhecida na associação entre essa mutação e resultados do ESK, 1,92% dos indivíduos homozigotos para a mutação F508del apresentava doença grave, enquanto, naqueles com duas mutações não diagnosticadas, 23,08% dos indivíduos apresentava doença grave segundo o ESK. Algumas hipóteses podem ser formuladas para a menor frequência de doença grave pelo ESK em pacientes homozigotos F508del, tais como a modulação gênica,(8-17) a maior mortalidade precoce desses pacientes e a baixa adesão ao manejo ou ao tratamento da doença.

Concluímos que a análise das seis mutações do gene CFTR permitiu a identificação de 58,57% dos 140 alelos. Contudo, do total analisado, 50% dos alelos eram da mutação F508del, que deve ser o padrão inicial para a identificação de mutações no gene CFTR, tendo como base a recente implantação do teste de triagem neonatal em nosso estado. A presença de resultados ESK indicando doença leve para a maioria dos pacientes, mesmo naqueles com mutações de classe II em forma homozigota, pode traduzir a baixa idade dos pacientes que ainda não apresentam gravidade clínica associada à progressão da doença, bem como a baixa adesão dos pacientes de maior gravidade ao tratamento da doença.


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* Trabalho realizado no Departamento de Genética Médica e Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Fernando Augusto de Lima Marson. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade Ciências Médicas, Departamento de Genética Médica. Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária "Zeferino Vaz", CEP 13083-887, Campinas, SP, Brasil.
Tel. 55 19 3521-8902. Fax: 55 19 3521-8909. E-mail: fernandolimamarson@hotmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 15/5/2013. Aprovado, após revisão, em 17/9/2013.





Sobre os autores

Cyntia Arivabeni de Araújo Correia Coutinho
Pesquisadora. Departamento de Genética Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

Fernando Augusto de Lima Marson
Doutorando. Departamento de Genética Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

Antônio Fernando Ribeiro
Professor. Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

José Dirceu Ribeiro
Professor Titular. Departamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

Carmen Silvia Bertuzzo
Professora. Departamento de Genética Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.

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