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Cartas ao Editor

Bola fúngica por Aspergillus fumigatus no pulmão nativo após transplante unilateral de pulmão

Aspergillus fumigatus fungus ball in the native lung after single lung transplantation

Fernando Ferreira Gazzoni, Bruno Hochhegger, Luiz Carlos Severo, José Jesus Camargo

Ao Editor:

Uma mulher de 49 anos de idade foi submetida a transplante pulmonar unilateral direito em virtude de enfisema pulmonar, com evolução favorável no pós-operatório inicial. Um ano depois, a paciente foi readmitida a nosso departamento com tosse produtiva. Durante essa internação, a paciente recebeu tratamento para pneumonia por citomegalovírus e terapia antibacteriana de amplo espectro.

No acompanhamento ambulatorial, surgiram cavidades no pulmão nativo, cujo tamanho aumentou gradualmente. Dez meses depois, a paciente foi internada para ressecção de uma cavidade hiperinsuflada. A radiografia de tórax revelou um aumento da cavidade no lobo superior esquerdo, com herniação pulmonar e compressão do pulmão transplantado. A TCAR de tórax em várias posições revelou uma massa arredondada com densidade de partes moles dentro de uma cavidade pulmonar que se movia quando a paciente mudava de posição, fortalecendo, assim, a hipótese de bola fúngica (Figura 1). Realizou-se a bulectomia, e o exame histopatológico mostrou colonização fúngica por Aspergillus fumigatus em bolhas enfisematosas e bronquiectasia. A paciente foi tratada com itraconazol e apresentou resposta satisfatória.



O transplante pulmonar tornou-se uma opção de tratamento aceitável para muitas doenças pulmonares terminais e pode ser unilateral ou bilateral.(1,2) No entanto, infecções por Aspergillus sp. continuam a ser uma importante causa de morbidade e mortalidade nesses pacientes. Aspergillus sp. é um fungo ubíquo que pode causar entidades clínicas de gravidade variável, tais como colonização assintomática, aspergiloma, traqueobronquite, doença parenquimatosa ativa e aspergilose angioinvasiva.(1-6)

A colonização das vias aéreas é comum nesses pacientes por causa da exposição do pulmão transplantado ao meio ambiente e do comprometimento das defesas locais do hospedeiro, incluindo a depuração mucociliar. Além disso, a colonização do pulmão nativo, que comumente ocorre na doença pulmonar terminal, é uma importante fonte de aspergilose pós-transplante em receptores de transplante pulmonar unilateral. A colonização por Aspergillus sp. foi também relacionada com infecção por citomegalovírus e rejeição crônica.(1-4)

Os pacientes que se submetem a transplante unilateral são frequentemente mais velhos e apresentam maior prevalência de DPOC como doença de base, uma condição que pode predispor à colonização das vias aéreas por Aspergillus sp.(1-3)

O modo mais preciso de estabelecer o diagnóstico é a demonstração de características hifas septadas largas com ramificação em ângulo agudo e zonas de crescimento em espécimes de biópsia/cirurgia/autópsia e culturas positivas para Aspergillus sp.(3,5,6)
Nossa paciente apresentou bola fúngica por A. fumigatus (aspergiloma) em bolhas enfisematosas e bronquiectasia no pulmão nativo 26 meses após o transplante, com resposta satisfatória ao tratamento médico e cirúrgico. Além disso, apresentou história de infecção por citomegalovírus um ano após o transplante como outro fator de risco. O diagnóstico foi feito por meio de métodos de imagem e avaliação de espécimes cirúrgicos. De fato, em estudos retrospectivos, são raros os relatos de aspergiloma no pulmão nativo em receptores de transplante pulmonar unilateral.(3,4)


O aspergiloma é caracterizado por infecção por Aspergillus sp. sem invasão tecidual. Leva à conglomeração de hifas fúngicas emaranhadas misturadas com muco e restos celulares dentro de uma cavidade pulmonar, bolha ou brônquio ectásico pré-existente. As causas básicas mais comuns são a tuberculose e a sarcoidose. Embora os pacientes possam permanecer assintomáticos, a manifestação clínica mais comum é a hemoptise.(5,6) Os fatores de risco de mau prognóstico de aspergiloma incluem a gravidade da doença pulmonar de base, o aumento do tamanho ou do número de lesões na radiografia de tórax, imunossupressão (incluindo o transplante), o aumento dos títulos de IgG específica para Aspergillus sp., hemoptise recorrente de grande volume e sarcoidose. Isso sublinha a importância de achados radiológicos, culturas, análises do nível de imunossupressão e fatores ambientais para o diagnóstico precoce e prevenção de outras complicações, tais como a doença angioinvasiva. O tratamento deve ser considerado apenas quando os pacientes se tornam sintomáticos, geralmente com hemoptise. Não há consenso sobre a melhor forma de tratamento; no entanto, a ressecção cirúrgica da cavidade e a remoção da bola fúngica são geralmente indicadas em pacientes com hemoptise recorrente se sua função pulmonar for suficiente para permitir a cirurgia.(4-6)

Na TC e na radiografia, os aspergilomas são caracterizados pela presença de uma massa arredondada ou oval com densidade de partes moles dentro de uma cavidade pulmonar. A massa pode ser separada da parede da cavidade por um espaço aéreo de tamanho variável, resultando no sinal do "crescente aéreo". O aspergiloma geralmente se move quando o paciente muda de posição, como foi visto no caso apresentado aqui. Outro achado de aspergilomas é o espessamento da parede da cavidade e da pleura adjacente, que pode ser o primeiro sinal radiológico.(5,6)

Em suma, a suscetibilidade do pulmão nativo a infecções por Aspergillus sp. pode ser um fator adicional a ser considerado na escolha do procedimento ideal de transplante. Em casos de transplante pulmonar unilateral, as atenções radiológicas e clínicas são voltadas especialmente para o órgão transplantado. No entanto, o pulmão nativo, estruturalmente danificado, pode ser um ninho para Aspergillus sp. e ser uma fonte de infecção.



Fernando Ferreira Gazzoni
Médico Radiologista, Serviço de Radiologia, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil

Bruno Hochhegger
Radiologista Torácico, Departamento de Pneumologia, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre e Professor de Radiologia, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil

Luiz Carlos Severo
Professor Associado, Departamento de Medicina Interna, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil

José Jesus Camargo
Cirurgião Torácico, Departamento de Pneumologia e Cirurgia Torácica, Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil



Referências


1. Singh N, Husain S. Aspergillus infections after lung transplantation: clinical differences in type of transplant and implications for management. J Heart Lung Transplant. 2003;22(3):258-66. http://dx.doi.org/10.1016/S1053-2498(02)00477-1

2. McAdams HP, Erasmus JJ, Palmer SM. Complications (excluding hyperinflation) involving the native lung after single-lung transplantation: incidence, radiologic features, and clinical importance. Radiology. 2001;218(1):233-41. PMid:11152808

3. Westney GE, Kesten S, De Hoyos A, Chapparro C, Winton T, Maurer JR. Aspergillus infection in single and double lung transplant recipients. Transplantation. 1996;61(6):915-9. http://dx.doi.org/10.1097/00007890-199603270-00013 PMid:8623160

4. Fitton TP, Bethea BT, Borja MC, Yuh DD, Yang SC, Orens JB, et al. Pulmonary resection following lung transplantation. Ann Thorac Surg. 2003;76(5):1680-5; discussion 1685-6.

5. Franquet T, Müller NL, Giménez A, Guembe P, de La Torre J, Bagué S. Spectrum of pulmonary aspergillosis: histologic, clinical, and radiologic findings. Radiographics. 2001;21(4):825-37. PMid:11452056

6. Kousha M, Tadi R, Soubani AO. Pulmonary aspergillosis: a clinical review. Eur Respir Rev. 2011;20(121):156-74. http://dx.doi.org/10.1183/09059180.00001011 PMid:21881144

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