Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
11741
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Adaptação cultural e avaliação da reprodutibilidade do Duke Activity Status Index para pacientes com DPOC no Brasil

Cross-cultural adaptation and assessment of reproducibility of the Duke Activity Status Index for COPD patients in Brazil

Livia dos Anjos Tavares, José Barreto Neto, José Roberto Jardim, George Márcio da Costa e Souza, Mark A. Hlatky, Oliver Augusto Nascimento

ABSTRACT

Objective: To cross-culturally adapt the Duke Activity Status Index (DASI) for use in Brazil and evaluate the reproducibility of the new (Brazilian Portuguese-language) version. Methods: We selected stable patients with clinical and spirometric diagnosis of COPD. Initially, the DASI was translated into Brazilian Portuguese, and the cross-cultural adaptation was performed by an expert committee. Subsequently, 12 patients completed the questionnaire, so that their questions and difficulties could be identified and adjustments could be made. An independent translator back-translated the final version into English, which was then submitted to and approved by the original author. The final Brazilian Portuguese-language version of the DASI was applied to 50 patients at three distinct times. For the assessment of interobserver reproducibility, it was applied twice within a 30-min interval by two different interviewers. For the assessment of intraobserver reproducibility, it was applied again 15 days later by one of the interviewers. Results: The mean age of the patients was 62.3 ± 10.0 years, the mean FEV1 was 45.2 ± 14.7% of the predicted value, and the mean body mass index was 26.8 ± 5.8 kg/m2. The intraclass correlation coefficients for intraobserver and interobserver reproducibility were 0.95 and 0.90, respectively. The correlations between the DASI and the Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ) domains were all negative and statistically significant. The DASI correlated best with the SGRQ activity domain (r = −0.70), the total SGRQ score (r = −0.66), and the six-minute walk distance (r = 0.55). Conclusions: The Brazilian Portuguese-language version of the DASI is reproducible, fast, and simple, correlating well with the SGRQ.

Keywords: Activities of daily living; Pulmonary disease, chronic obstructive; Reproducibility of results.

RESUMO

Objetivo: Adaptar culturalmente e avaliar a reprodutibilidade do Duke Activity Status Index (DASI) para o português do Brasil. Métodos: Foram selecionados pacientes estáveis com diagnóstico clínico e espirométrico de DPOC. Inicialmente, o DASI foi traduzido para o português, e a adaptação cultural foi realizada por uma comissão de especialistas. Em seguida, o questionário foi aplicado em 12 pacientes para saber suas dúvidas e dificuldades, sendo realizadas as devidas adaptações. Um tradutor independente fez a tradução retrógrada, que foi submetida e aprovada pelo autor original. A versão final do DASI foi aplicada em 50 pacientes em dois momentos, com intervalo de 30 minutos (reprodutibilidade interobservador) e, num terceiro momento, após 15 dias (reprodutibilidade intraobservador). Resultados: A média de idade dos pacientes foi de 62,3 ± 10,0 anos, a média do VEF1 foi de 45,2 ± 14,7% do valor previsto, e a do índice de massa corpórea foi de 26,8 ± 5,8 kg/m2. Os coeficientes de correlação intraclasse intraobservador e interobservador foram de 0,95 e 0,90, respectivamente. As correlações do DASI com todos os domínios do Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ) foram negativas e estatisticamente significantes. As melhores correlações ocorreram com o domínio atividade (r = −0,70) e a pontuação total do SGRQ (r = −0,66), assim como com a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (r = 0,55). Conclusões: A versão em língua portuguesa do Brasil do DASI é reprodutível, de rápida e fácil aplicação e apresentou uma boa correlação com o SGRQ.

Palavras-chave: Atividades cotidianas; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Reprodutibilidade dos testes.

Introdução

A DPOC é uma enfermidade respiratória prevenível e tratável, caracterizada pela limitação do fluxo aéreo que não é totalmente reversível. A limitação do fluxo aéreo geralmente é progressiva e associada a uma resposta inflamatória crônica das vias aéreas e do pulmão, como pela inalação de partículas ou gases nocivos. As exacerbações e as comorbidades contribuem para a gravidade dos pacientes individualmente.(1) Esses pacientes apresentam grande prejuízo da sua capacidade funcional, geralmente devido a limitação ventilatória, hiperinsuflação pulmonar estática e dinâmica, alterações musculares periféricas, estresse oxidativo, má perfusão periférica e descondicionamento físico,(2) levando à limitação na realização das atividades da vida diária (AVD)(3) e piora da qualidade de vida.(4)

A aplicação de um questionário específico para se avaliar as alterações funcionais nas AVD é uma forma rápida e prática para se avaliar esse prejuízo, além de poder demonstrar a visão do paciente sobre seu desempenho na execução das AVD, sua independência e seu estado funcional.(5) O Saint George's Respiratory Questionnaire (SGRQ) é um questionário abrangente, doença-específico, contendo 76 itens que avaliam os domínios sintomas, atividade e impactos.(6) Entretanto, o tempo de resposta desse questionário é longo e ele não indica quais atividades poderiam ser realizadas pelo paciente. A versão em português do questionário foi validada para uso no Brasil em 2000.(7) Essas circunstâncias têm motivado o desenvolvimento de instrumentos com a finalidade de predizer a aptidão cardiorrespiratória a partir de características físicas e hábitos de vida dos indivíduos.(8)

O Duke Activity Status Index (DASI) foi desenvolvido e validado na Universidade de Duke, em Durham, NC, EUA, em 1989.(9) É um questionário de simples aplicação e que tem a finalidade de predizer o consumo de oxigênio (VO2), sem a necessidade de ser realizado o teste cardiorrespiratório máximo. O DASI é um questionário curto e rápido que pode ser aplicado em doentes com limitação física, sendo validado previamente com medidas fisiológicas, como o VO2.(9) Apesar de ter sido criado para avaliar pacientes com cardiopatias, o DASI também se mostrou válido e adequado para avaliar a capacidade funcional em pacientes com DPOC de moderada a grave.(10) Não temos no Brasil, até o momento, nenhum instrumento que tenha a capacidade de estimar a capacidade física de pacientes com DPOC. Todavia, para um questionário poder ser aplicado em uma nova língua ou cultura, é necessário realizar a adaptação cultural e demonstrar sua reprodutibilidade. O presente estudo teve como objetivo traduzir o DASI à língua portuguesa do Brasil, adaptá-lo à cultura brasileira e avaliar sua reprodutibilidade.

Métodos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe, em Aracaju (SE) e realizado no Ambulatório de Pneumologia do Hospital Universitário da mesma Universidade. Os critérios de inclusão foram os seguintes: ter diagnóstico clínico e funcional de DPOC, estabelecido pelos critérios da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia/Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD)(1); ter estabilidade clínica, representada por ausência de episódios de exacerbação, alteração de medicação, aumento da tosse e dispneia nas últimas quatro semanas; ter idade acima de 40 anos; e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Os critérios de exclusão foram: não conseguir responder aos questionários; não comparecer à segunda visita do estudo; ter exacerbação entre as duas etapas da pesquisa; ter outras doenças pulmonares concomitantes; e ter comorbidade grave ou fora de controle.

O DASI é composto por 12 itens envolvendo cuidados pessoais, deambulação, tarefas domésticas, atividade sexual e atividade recreativa.(9) Cada item apresenta uma pontuação baseada proporcionalmente ao gasto metabólico de cada atividade, medido em equivalente metabólico. Para cada resposta afirmativa são acrescentados pontos, resultando em um escore total do DASI. O somatório das respostas afirmativas produz um escore de zero (pior resultado) a 58,2 (melhor resultado). O VO2 (mL  kg−1  min−1) é estimado por meio da seguinte equação de regressão linear múltipla(9):
VO2 = 0,43 × DASI + 9,6

O valor de VO2 é estimado de acordo com o nível de atividade física descrito pelo paciente ao responder o questionário. Valores mais baixos indicam maior limitação nas AVD.

Inicialmente, foi realizada a tradução da versão original do DASI da língua inglesa para a portuguesa por uma fisioterapeuta nativa da língua inglesa, com fluência nas duas línguas. Em seguida, foi realizada a adaptação cultural por uma comissão de especialistas. Essa versão foi aplicada e discutida com 12 pacientes com DPOC para avaliar possíveis dúvidas e dificuldades. As dificuldades dos pacientes foram discutidas entre o pesquisador principal e três especialistas com domínio do tema, sendo gerada uma nova versão. Foi então realizada a tradução retrógrada dessa versão para o inglês por uma segunda tradutora independente e que nunca teve contato com o questionário. O autor da versão original analisou a nova versão, observando que o questionário mantinha sua essência. Uma versão final em português então foi concluída (Anexo 1, disponível no site do Jornal Brasileiro de Pneumologia, http://www.jornaldepneumologia.com.br/portugues/artigo_detalhes.asp?id=1944. A versão final adaptada do DASI foi aplicada em pacientes com DPOC por três vezes, em duas visitas. Na primeira visita (V1), a aplicação do questionário foi realizada por dois entrevistadores, com intervalo de 30 min, para a verificação da reprodutibilidade interobservador. A segunda visita (V2) foi realizada 15 dias após a primeira, com aplicação do questionário por um mesmo entrevistador presente na primeira aplicação, para verificação da reprodutibilidade intraobservador. O tempo necessário pelos participantes para responder o questionário foi cronometrado nas três aplicações. A aplicação do questionário foi padronizada, com a leitura das questões para todos os pacientes, devido ao alto índice de analfabetos na população avaliada. O entrevistador leu as perguntas de forma imparcial e anotou as respostas dadas pelo paciente.



Na primeira visita, foram avaliados peso, altura, grau de escolaridade, espirometria antes e após o uso de broncodilatador e teste de caminhada de seis minutos (TC6). O índice de massa corpórea (IMC) foi calculado pela equação IMC = peso/altura2 em kg/m2. Também foi aplicada a versão adaptada do SGRQ para uso no Brasil, publicada em 2000.(7) O SGRQ também foi lido para os pacientes pelos investigadores.

A espirometria antes e após o uso de broncodilatador foi realizada com um espirômetro Koko (PDS Instrumentation Inc., Louisville, CO, EUA) de acordo com os critérios de reprodutibilidade e aceitabilidade da American Thoracic Society(11) e das Diretrizes Brasileiras para Testes de Função Pulmonar.(12) As variáveis utilizadas para correlação foram VEF1, CVF e relação VEF1/CVF pós-broncodilatador. Os valores previstos foram baseados na equação de Pereira.(13) A gravidade da DPOC foi avaliada de acordo com os critérios da GOLD(1) e do II Consenso Brasileiro sobre DPOC.(14)

O TC6 foi realizado em um corredor de 30 metros, reto e plano, de acordo com as diretrizes da American Thoracic Society.(15) Foram executados dois testes com intervalo de, pelo menos, 30 min, sendo considerada válida a maior distância percorrida (DTC6).

Para a fase de adaptação cultural, foram escolhidos 12 pacientes que julgamos ter cognição para contribuir com as adaptações necessárias à realidade brasileira. Para a fase de reprodutibilidade, a amostra de 50 pacientes, que não incluía nenhum paciente da fase de adaptação cultural, foi baseada no número utilizado pelo estudo da versão original do DASI e por outros estudos de adaptação cultural e reprodutibilidade de questionários de qualidade de vida realizados no Brasil, assim como pelos estudos de validação do SGRQ(7) e do questionário de vias aéreas 20,(16) observando o preconizado para se obter uma menor margem de erro.(17) Esses pacientes foram escolhidos de modo consecutivo.

Os dados numéricos foram expressos em média e desvio-padrão. Os dados categóricos foram expressos em número absoluto e percentual do total. As comparações das médias das pontuações dos domínios e das subescalas do DASI entre as duas visitas foram realizadas com o teste t pareado. Para a avaliação da reprodutibilidade interobservador e intraobservador, utilizamos o coeficiente de correlação intraclasse (CCI), considerando-se como excelentes os valores maiores que 0,75. Para a verificação da correlação do DASI com as outras avaliações, foi utilizado o coeficiente de correlação de Pearson. A análise gráfica de Bland  Altman foi realizada para avaliar a variabilidade entre os valores estimados de VO2 entre as duas visitas.(18) A comparação das médias do escore DASI entre os estadiamentos da DPOC foi realizada por one-way ANOVA seguida pelo teste de Bonferroni. O nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados

A versão original em inglês foi traduzida para o português e aplicada inicialmente em 12 pacientes, cuja média de idade era de 63,6 anos, sendo seis mulheres e seis homens.

Alguns dos pacientes relataram dificuldades na interpretação das perguntas "Você consegue", confundindo-a com "Você faz". Em relação à questão 6, por exemplo, "Você consegue realizar tarefas domésticas, como tirar pó ou lavar pratos?", alguns homens responderam que essas atividades eram uma atribuição feminina. Foi necessário esclarecer aos pacientes, antes de responder ao questionário, que o objetivo era avaliar se eles eram fisicamente capazes de realizar tais atividades.

Apenas duas questões da versão original discordavam da cultura do Brasil, necessitando adaptação cultural. A questão 11 apresentava atividades recreativas como golfe, boliche e basebol, que são pouco difundidas no Brasil. Essas foram substituídas por corrida leve e voleibol. Na questão 12, a atividade esquiar foi substituída por andar de bicicleta. Essas mudanças foram sugeridas após a discussão com o autor original do questionário e foram selecionadas por apresentarem gasto energético semelhante às atividades originais.

Foram incluídos na fase de reprodutibilidade 50 pacientes, cuja média de idade foi de 62,3 anos, sendo 56% do gênero feminino. A maioria tinha distúrbio ventilatório obstrutivo moderado, era eutrófica e analfabeta (Tabela 1).



O tempo médio de preenchimento do DASI na V1 e V2 foi de, respectivamente, 2 min e 19 s e 1 min e 38 s. Ao se comparar analfabetos e indivíduos alfabetizados, não houve diferença estatística em relação ao tempo necessário para responder o questionário.

Na Tabela 2, estão demonstradas as médias do escore do DASI e o VO2 estimado obtidos pelo mesmo investigador na V1 e V2. Não houve diferenças estatisticamente significantes entre os valores. As médias do escore do DASI e do VO2 estimado foram de, respectivamente, 23,9 ± 14,9 mL  kg−1  min−1 e 19,9 ± 6,4 mL  kg−1  min−1, avaliados pelo segundo investigador na V1, e não foram significantemente diferentes dos valores obtidos pelo primeiro investigador. Na Tabela 2, também estão demonstrados os valores de CCI intraobservador para o escore do DASI e o VO2 estimado, com excelente reprodutibilidade, alcançando valor de 0,95 (p < 0,001) para ambas as variáveis. Na análise interobservador, o CCI foi de 0,90 (IC95%: 0,81-0,95; p < 0,001).



Na Figura 1, está demonstrada a representação gráfica de Bland  Altman da variabilidade individual do escore do DASI entre V1 e V2.



Não houve correlações significativas do VO2 estimado pelo DASI com a idade e o IMC. Em contrapartida, houve correlações positivas desse com CVF (r = 0,37; p < 0,05), VEF1 (r = 0,37; p < 0,05) e DTC6 (r = 0,55; p < 0,01).

Na Tabela 3, estão descritas as correlações entre o VO2 estimado pelo DASI e os domínios do SGRQ, as quais foram negativas e estatisticamente significantes com todos os domínios do SGRQ. As melhores correlações ocorreram com o domínio atividade e a pontuação total do SGRQ.



Na Tabela 4, está demonstrada a comparação da gravidade da doença segundo os critérios da GOLD com a pontuação do DASI e VO2 estimado. Quanto maior a gravidade da doença, menores foram os escores do DASI.



Discussão

O presente estudo teve como objetivos realizar a tradução e adaptação cultural do DASI para o português do Brasil e avaliar sua reprodutibilidade e correlações com outras variáveis fisiológicas em pacientes com DPOC. Foi demonstrado que o DASI é um instrumento adaptável, de fácil e rápida aplicação e reprodutível para esses pacientes.

Durante a fase de adaptação cultural, duas atividades físicas precisaram ser adaptadas para nossa realidade. Convocamos 12 pacientes com boa cognição, experiência de vida e compreensão das limitações da DPOC. A questão 11 apresentava atividades como praticar golfe, boliche e beisebol, e a questão 12, praticar o esqui. Esses esportes não são tradicionais e são realizados por poucos brasileiros. Para essas adaptações culturais, o autor do questionário original sugeriu que tais atividades fossem trocadas por outras mais frequentemente realizadas no Brasil, com a mesma característica recreativa e com gasto metabólico semelhante. Na questão 11, as atividades foram substituídas por corrida leve e voleibol. A questão 12 foi substituída por andar de bicicleta. Isso demonstra que questionários originados de outros países devem sofrer um processo de adaptação à realidade local e que é imprescindível a participação do autor do questionário original. O DASI já foi adaptado e utilizado em estudos em vários países, como China,(19,20) Grécia(21) e Turquia,(22) cuja língua oficial não é o inglês.

A reprodutibilidade do DASI foi demonstrada pela ausência de diferenças significantes entre as avaliações em V1 e V2 e pelos altos valores de CCI, todos acima de 0,75, valor definido como reprodutível.(23) Foi obtido um CCI interobservador de 0,90 e um CCI intraobservador de 0,95, ambos considerados como valores excelentes. Dessa forma, pode-se afirmar que o DASI é reprodutível quando aplicado em pacientes estáveis pelo mesmo entrevistador ou por entrevistadores diferentes. Em outros estudos,(20,21) foram relatados CCI de 0,78 e de 0,90, o que demonstra que o DASI é um questionário de fácil adaptação cultural, pois já foi utilizado em outros países com reprodutibilidade semelhante ou mesmo inferior à encontrada em nosso estudo, mas com valores acima dos níveis de reprodutibilidade. Além disso, na Figura 1 pode-se observar que, independentemente da pontuação do DASI (alto ou baixo), a variabilidade da pontuação entre as duas visitas foi a mesma, ou seja, a reprodutibilidade é boa em qualquer valor de DASI.

O SGRQ é um questionário de qualidade de vida específico para pacientes com DPOC, amplamente utilizado na literatura, e que há muitos anos já teve a sua adaptação cultural realizada no Brasil.(7) Nós observamos que as correlações entre os valores do DASI com todos os domínios do SGRQ foram estatisticamente significantes. A melhor correlação obtida foi com o domínio atividade (r = −0,70). Poder-se-ia esperar esse achado, pois o DASI estima o VO2 baseado em AVD, semelhante a esse domínio do SGRQ. Também houve uma boa correlação entre pontuação total do SGRQ e a do DASI (r = −0,66). Todas as correlações entre o DASI e o SGRQ foram negativas, isto é, quanto mais alto são os valores de VO2 estimados pelo DASI, mais baixas são as pontuações no SGRQ, representando, portanto, uma melhor qualidade de vida. No nosso conhecimento, este é o primeiro estudo a avaliar as correlações entre o questionário DASI e o SGRQ em pacientes com DPOC. O DASI é uma ferramenta que avalia a limitação física dos pacientes e vem complementar a avaliação feita pelo SGRQ.

A correlação do DASI com a DTC6 foi significante, mas moderada (r = 0,53; p < 0,001), corroborando os achados em um estudo de validação do DASI para a avaliação da capacidade funcional em pacientes com DPOC.(10) Era esperado que houvesse uma correlação entre o questionário DASI e a DTC6, uma vez que o DASI avalia a capacidade de realizar AVD e que o TC6 avalia a capacidade de desenvolver atividades físicas. Em nosso estudo, não houve correlações significantes do escore do DASI com a idade e o IMC. Já foi demonstrado que idade, IMC, gênero feminino e comorbidades, como DPOC e diabetes, influenciam negativamente a pontuação do DASI em estudos de seguimento de longo prazo de pacientes cardiopatas.(24-26)

Por meio do DASI, é possível se estimar o valor do VO2. No estudo de validação do DASI, houve uma boa e significante correlação entre o escore do DASI e o VO2 avaliado objetivamente em pessoas saudáveis (r = 0,58),(9) porém menor em pacientes com DPOC (r = 0,39).(10) Em vista de a associação entre o VO2 previsto pelo DASI e o VO2 real ser moderada, o VO2 previsto pelo DASI deve ser usado como um valor estimado e não substitui o teste máximo de exercício com avaliação dos gases expirados. Todavia, o presente estudo oferece aos profissionais de saúde brasileiros uma ferramenta útil e de fácil aplicação na avaliação funcional de pacientes com doenças crônicas. A estimativa do VO2 permite avaliar a capacidade do paciente realizar AVD, submeter-se a exercícios físicos ou mesmo ser submetido a cirurgias. O American College of Cardiology e a American Heart Association, por exemplo, determinam que pacientes com tolerância ao exercício acima de 4 equivalentes metabólicos, VO2 igual ou acima de 14 mL  kg−1  min−1 ou DASI acima de 11,6 podem ser submetidos à cirurgia cardíaca sem a necessidade de investigação adicional ou de modificações no manuseio perioperatório.(27)

A comparação entre o VO2 previsto pelo DASI e o estadiamento da DPOC mostra que quanto maior for a gravidade, menor é a capacidade funcional dos pacientes, havendo diferença estatística entre os estádios II e IV. É possível que se o número de pacientes fosse maior em cada estádio houvesse diferença entre todos os estádios. Todavia, esse não foi o objetivo do presente estudo, e futuras pesquisas devem ser realizadas para melhor definir essa diferença.

Embora nosso estudo tenha alcançado resultados excelentes, ele possui algumas limitações. Primeiro, uma boa parte de nossa amostra foi composta por analfabetos. Todavia, o DASI pode ser utilizado em várias formas (autoaplicado no local da pesquisa, por correio ou lido para o paciente) sem perder a sensibilidade do questionário.(24,25,28,29) Sabendo do nível de escolaridade de nossos pacientes, optamos por ler o questionário para todos, independentemente do seu grau de instrução, o que não afetaria nossos resultados. Outra limitação é o fato de a maioria dos pacientes ser do sexo feminino. Entretanto, a versão original do questionário foi aplicada em ambos os sexos, não havendo diferenças em sua reprodutibilidade. Além disso, nosso objetivo foi realizar a adaptação cultural e avaliar a reprodutibilidade do DASI e não o de avaliar as possíveis diferenças entre os sexos.

Em conclusão, o DASI é um questionário de fácil entendimento, o que demonstra ter havido um adequado processo de adaptação cultural para uso no Brasil, é reprodutível e de fácil e rápida aplicação, apresentando boas correlações com o SGRQ e a DTC6. Cremos, portanto, que essa nova ferramenta será muito útil na avaliação da capacidade funcional de pacientes com DPOC no Brasil.

Agradecimentos

Os autores agradecem às fisioterapeutas Camila Caroline Navarro Gomes, Michelle Teles Morlin e Tássia Virgínia de Carvalho Oliveira a valiosa colaboração.

Referências

1. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease - GOLD [homepage on the Internet]. Bethesda: Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease [cited 2012 Mar 13]. Global strategy for the diagnosis, management and prevention of COPD--Revised 2011. [Adobe Acrobat document, 90p.]. Available from: http://www.goldcopd.org/uploads/users/files/GOLD_Report_2011_Feb21.pdf

2. Dourado VZ, Tanni SE, Vale SA, Faganello MM, Sanchez FF, Godoy I. Systemic manifestations in chronic obstructive pulmonary disease. J Bras Pneumol. 2006;32(2):161-71. PMid:17273586.

3. Hernandes NA, Teixeira Dde C, Probst VS, Brunetto AF, Ramos EM, Pitta F. Profile of the level of physical activity in the daily lives of patients with COPD in Brazil. J Bras Pneumol. 2009;35(10):949-56. PMid:19918626.

4. Morimoto M, Takai K, Nakajima K, Kagawa K. Development of the chronic obstructive pulmonary disease activity rating scale: reliability, validity and factorial structure. Nurs Health Sci. 2003;5(1):23-30. PMid:12603718. http://dx.doi.org/10.1046/j.1442-2018.2003.00131.x

5. Pitta F, Troosters T, Probst VS, Spruit MA, Decramer M, Gosselink R. Quantifying physical activity in daily life with questionnaires and motion sensors in COPD. Eur Respir J. 2006;27(5):1040-55. PMid:16707399. http://dx.doi.org/10.1183/09031936.06.00064105

6. Jones PW, Quirk FH, Baveystock CM. The St George's Respiratory Questionnaire. Respir Med. 1991;85 Suppl B:25-31; discussion 33-7.

7. Souza TC, Jardim JR, Jones, P. Validação do questionário do Hospital Saint George na Doença Respiratória (SGRQ) em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica no Brasil. J Pneumol. 2000;26(3):119-28. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-35862000000300004

8. Maranhão Neto GA, Farinatti PT. Equações de predição da aptidão cardiorrespiratória sem testes de exercício e sua aplicabilidade em estudos epidemiológicos: revisão descritiva e análise dos estudos. Rev Bras Med Esporte. 2003;9(5):304-14. http://dx.doi.org/10.1590/S1517-86922003000500006

9. Maranhão Neto Gde A, Lourenço PM, Farinatti Pde T. Prediction of aerobic fitness without stress testing and applicability to epidemiological studies: a systematic review [Article in Portuguese]. Cad Saude Publica. 2004;20(1):48 56. PMid:15029303.

10. Carter R, Holiday DB, Grothues C, Nwasuruba C, Stocks J, Tiep B. Criterion validity of the Duke Activity Status Index for assessing functional capacity in patients with chronic obstructive pulmonary disease. J Cardiopulm Rehabil. 2002;22(4):298-308. PMid:12202852. http://dx.doi.org/10.1097/00008483-200207000-00014

11. Hankinson JL, Odencrantz JR, Fedan KB. Spirometric reference values from a sample of the general U.S. population. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(1):179 87. PMid:9872837.

12. Duarte AA, Pereira CA, Rodrigues SC. Validation of new Brazilian predicted values for forced spirometry in Caucasians and comparison with predicted values obtained using other reference equations. J Bras Pneumol. 2007;33(5):527-35. PMid:18026650.

13. Pereira CA. Espirometria. J Pneumol. 2002;28(Suppl 3):S1-S82.

14. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. II Consenso brasileiro de doença pulmonar obstrutiva crônica - DPOC. J Bras Pneumol. 2004;30(Suppl 5):S1-S42.

15. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary Function Laboratories. ATS statement: guidelines for the six-minute walk test. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(1):111-7. PMid:12091180.

16. Camelier A, Rosa F, Jones P, Jardim JR. Validação do questionário de vias aéreas 20 ("Airways questionnaire 20" - AQ20) em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) no Brasil. J Pneumol. 2003;29(1):28-35.

17. Hopkins WG. Measures of reliability in sports medicine and science. Sports Med. 2000;30(1):1-15. PMid:10907753. http://dx.doi.org/10.2165/00007256-200030010-00001

18. Bland JM, Altman DG. Statistical methods for assessing agreement between two methods of clinical measurement. Lancet. 1986;1(8476):307-10. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(86)90837-8

19. Köseoğlu N, Köseoğlu H, Ceylan E, Cimrin HA, Ozalevli S, Esen A. Erectile dysfunction prevalence and sexual function status in patients with chronic obstructive pulmonary disease. J Urol. 2005;174(1):249-52; discussion 252. PMid:15947648. http://dx.doi.org/10.1097/01.ju.0000163259.33846.74

20. Ma CM, Chen Y, Xie JY, Wan F. Quality of life five years after coronary artery bypass grafting [Article in Chinese]. Zhonghua Xin Xue Guan Bing Za Zhi. 2008;36(2):123-7. PMid:19099948.

21. Parissis JT, Nikolaou M, Birmpa D, Farmakis D, Paraskevaidis I, Bistola V, et al. Clinical and prognostic value of Duke's Activity Status Index along with plasma B-type natriuretic peptide levels in chronic heart failure secondary to ischemic or idiopathic dilated cardiomyopathy. Am J Cardiol. 2009;103(1):73-5. PMid:19101233. http://dx.doi.org/10.1016/j.amjcard.2008.08.045

22. Zhang J, Zhang B, Deng D, Tu W, Gao C, Zhang Y. The relationship between functional capacity (FC) and cardiovascular risk factors (CVRFs) in senile patients after noncardiac surgery. Arch Gerontol Geriatr. 2010;51(1):92-4. PMid:19775761. http://dx.doi.org/10.1016/j.archger.2009.08.006

23. Shrout PE, Fleiss JL. Intraclass correlations: uses in assessing rater reliability. Psychol Bull. 1979;86(2):420-8. http://dx.doi.org/10.1037/0033-2909.86.2.420

24. Koch CG, Khandwala F, Cywinski JB, Ishwaran H, Estafanous FG, Loop FD, et al. Health-related quality of life after coronary artery bypass grafting: a gender analysis using the Duke Activity Status Index. J Thorac Cardiovasc Surg. 2004;128(2):284-95. PMid:15282467. http://dx.doi.org/10.1016/j.jtcvs.2003.12.033

25. Koch CG, Li L, Shishehbor M, Nissen S, Sabik J, Starr NJ, Blackstone EH. Socioeconomic status and comorbidity as predictors of preoperative quality of life in cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2008;136(3):665 72, 672. e1.

26. Wessel TR, Arant CB, Olson MB, Johnson BD, Reis SE, Sharaf BL, et al. Relationship of physical fitness vs body mass index with coronary artery disease and cardiovascular events in women. JAMA. 2004;292(10):1179-87. PMid:15353530. http://dx.doi.org/10.1001/jama.292.10.1179

27. Struthers R, Erasmus P, Holmes K, Warman P, Collingwood A, Sneyd JR. Assessing fitness for surgery: a comparison of questionnaire, incremental shuttle walk, and cardiopulmonary exercise testing in general surgical patients. Br J Anaesth. 2008;101(6):774-80. PMid:18953057. http://dx.doi.org/10.1093/bja/aen310

28. McGlade DP, Poon AB, Davies MJ. The use of a questionnaire and simple exercise test in the preoperative assessment of vascular surgery patients. Anaesth Intensive Care. 2001;29(5):520-6. PMid:11669435.

29. Havranek EP, Simon TA, L'Italien G, Smitten A, Hauber AB, Chen R, et al. The relationship between health perception and utility in heart failure patients in a clinical trial: results from an OVERTURE substudy. J Card Fail. 2004;10(4):339-43. PMid:15309702. http://dx.doi.org/10.1016/j.cardfail.2003.11.002



Trabalho realizado no Ambulatório de Pneumologia, Hospital Universitário, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju (SE), e na Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Oliver A. Nascimento. Rua Botucatu, 740, 3º andar, Disciplina de Pneumologia, CEP 04023-062, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 5576-4238. E-mail: olivernascimento@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 13/3/2012. Aprovado, após revisão, em 13/9/2012.


Sobre os autores

Livia dos Anjos Tavares
Fisioterapeuta. Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria Estadual de Saúde, Aracaju (SE) Brasil.

José Barreto Neto
Preceptor. Serviço de Pneumologia, Hospital Universitário, Universidade Federal de Sergipe, Aracaju (SE) Brasil.

José Roberto Jardim
Professor Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo; e Diretor. Centro de Reabilitação Pulmonar, Universidade Federal de São Paulo/Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD - São Paulo (SP) Brasil.

George Márcio da Costa e Souza
Professor Coordenador. Núcleo de Propedêutica e Terapêutica, Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas,
Maceió (AL) Brasil.

Mark A. Hlatky
Professor de Pesquisa em Saúde e Política e de Medicina Cardiovascular. Stanford University School of Medicine, Palo Alto (CA) EUA.

Oliver Augusto Nascimento
Médico Assistente. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo; e Vice-Diretor. Centro de Reabilitação Pulmonar, Universidade Federal de São Paulo/Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD - São Paulo (SP) Brasil.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia