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Relato de Caso

Lipossarcoma de mediastino: relato de caso

Mediastinal liposarcoma: a case report

Roberto Saad Junior, Vicente Dorgan Neto, Roberto Gonçalves, Márcio Botter, Leticia Cristina Dalledone Siqueira

ABSTRACT

Here, we describe the case of a 51-year-old female with mediastinal liposarcoma. Liposarcoma is the most common malignant mesenchymal neoplasm in adults, although a mediastinal location is extremely rare. It has a large volume and varied histologic subtypes. It is characterized by the compression of neighboring structures. Computed tomography and magnetic resonance imaging provide useful data for diagnosis. Tissue biopsy and histological typing are very important in determining the treatment and are needed for the final diagnosis. Radiotherapy and chemotherapy are ineffective treatment modalities. According to the literature, surgical resection is the treatment of choice. Long-term follow-up evaluation is indicated since there is a high rate of recurrence.

Keywords: Liposarcoma; Mediastinal neoplasms; Case reports [publication type].

RESUMO

Relatamos o caso de uma mulher de 51 anos com lipossarcoma mediastinal. O lipossarcoma é a neoplasia mesenquimal maligna mais comum em adultos, embora sua localização mediastinal seja extremamente rara. Ele possui grande volume e variados subtipos histológicos. É caracterizado pela compressão de estruturas vizinhas. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética fornecem informações úteis para o diagnóstico.A biopsia tecidual e a identificação do tipo histológico são importantes na determinação da terapia e são necessárias para o diagnóstico final. A radioterapia e a quimioterapia são modalidades terapêuticas ineficazes. De acordo com a literatura, a ressecção cirúrgica é o tratamento de escolha. Está indicado o acompanhamento a longo prazo, pois a taxa de recidiva é alta.

Palavras-chave: Lipossarcoma; Neoplasias do mediastino; Relatos de casos [tipo de publicação].

Introdução


O lipossarcoma é um dos tumores malignos de partes moles mais comuns na vida adulta.(1,2) Possui origem mesenquimal e é derivado dos adipócitos. Acomete igualmente ambos os sexos ao redor da quarta década. Tem crescimento lento e torna-se sintomático quando assume grandes dimensões.(2) Sua localização em retroperitônio já foi bem relatada, mas pode ocorrer em outras localidades em 20% dos casos.(3) Entretanto, é incomum encontrá-lo no mediastino, correspondendo a apenas 0,2% dos casos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, os lipossarcomas são divididos em 5 subtipos: bem-diferenciado, mixóide, de células redondas, desdiferenciado e pleomórfico.(4) No presente trabalho são apresentadas 2 variantes no mesmo tumor: lipossarcoma bem-diferenciado (lipoma-like ) e lipossarcoma desdiferenciado.

Relato do caso

Paciente branca de 51 anos, do lar, natural de Marília (SP) e procedente de São Paulo relatou que há três meses havia iniciado quadro de tosse não produtiva associada a prurido faríngeo e retroesternal. Ela também relatou perda ponderal de 2 kg nos últimos dois meses. Negava tabagismo e outras doenças pulmonares. Ao exame físico, a paciente, de compleição normolínea, apresentava-se em bom estado geral, sem alterações hemodinâmicas. A ausculta pulmonar revelou murmúrio vesicular presente bilateralmente, com diminuição no terço superior do hemitórax esquerdo, diminuição do frêmito tóraco-vocal, submacicez à percussão e broncofonia diminuída também no terço superior do hemitórax esquerdo, sem ruídos adventícios. A radiografia de tórax em incidência ântero-posterior (Figura 1a) mostrou opacidade em dois terços do hemitórax esquerdo com extensão à direita do contorno cardíaco, sugerindo que o tumor estava alojado anteriormente à aorta ascendente. Em perfil (Figura 1b), a imagem era sugestiva de tumor em sulcos paravertebrais, com extensão posteriormente ao coração. Na tomografia de tórax (Figura 2a) observou-se uma imagem no sulco paravertebral à esquerda, estendendo-se para o sulco paravertebral à direita, com calcificações centrais e periféricas. Objetivando-se um melhor planejamento cirúrgico, prosseguiu-se a investigação com a realização de ressonância magnética de tórax, a qual revelou (Figura 2b) uma imagem no sulco paravertebral à esquerda, extendendo-se para o sulco paravertebral à direita e mantendo planos de clivagem com as estruturas adjacentes. Foi realizada uma biópsia/punção transparietal que evidenciou lipossarcoma. Foi indicada, então, cirurgia ressectiva. Foi realizada uma toracotomia póstero-lateral esquerda no quarto espaço intercostal. Foi dissecada uma tumoração posterior ao coração, anterior à aorta e à direita do esôfago, com aderências frouxas às citadas estruturas, sendo possível remover todo o tumor por toracotomia esquerda e pela abertura das pleuras mediastinais. Tumorações menores foram dissecadas do sulco paravertebral esquerdo. Procedeu-se à drenagem do tórax e ao fechamento por planos. Os drenos foram retirados no terceiro dia pós-operatório, e a paciente recebeu alta no quinto dia pós-operatório. O exame anátomo-patológico macroscópico revelou uma peça em forma de ampulheta, pesando 994 g, com dois lobos: um deles globoso, com 10 cm de diâmetro, firme, esbranquiçado e fasciculado com áreas de aspecto gelatinoso e o outro com forma irregular, medindo 14 × 9 × 8 cm e amarelado aos cortes. Revelou também 8 peças irregulares, pesando 234 g em conjunto, parcialmente recobertas por membrana lisa e brilhante, com focos hemorrágicos e, aos cortes, amarelas e firmes, entrecortadas por traves esbranquiçadas, em alguns fragmentos com consistência óssea. A microscopia (Figura 3) mostrou neoplasia imatura mesenquimal caracterizada por proliferação de células fusiformes anaplásicas com numerosas mitoses atípicas e células gigantes multinucleadas bizarras; notavam-se ainda focos de calcificação e ossificação. O restante das peças era constituído por proliferação de adipócitos, formando lóbulos, tendo em meio traves de fibrose e contendo células anaplásicas com cromatina densa e hipercorada. Concluiu-se tratar-se de lipossarcoma bem-diferenciado (lipoma-like ) e lipossarcoma desdiferenciado. A paciente recebeu quimioterapia adjuvante e realizou acompanhamento ambulatorial por 3 anos, sem recidivas.







Discussão

Apesar de o lipossarcoma ser o tumor de origem mesenquimal mais comum na vida adulta, sua localização no mediastino é extremamente rara.(1-8) De acordo com a experiência do Armed Forces Institute of Pathology, em conjunto com a Mayo Clinic, 75% dos casos de lipossarcoma se desenvolvem em tecidos musculares profundos das extremidades, 20%, no retroperitônio e o restante, em sítios diversos.(3) O lipossarcoma primário de mediastino corresponde a 0,13-0,75% dos tumores mediastinais.(9) Em 2003, existiam menos de 100 casos publicados na literatura mundial, sendo que 36 deles foram relatados no Japão.(8)

Esses tumores podem se apresentar como neoplasias bem diferenciadas com pseudocápsula, o que torna difícil a caracterização de malignidade, sendo necessária a análise de todas as peças cirúrgicas em busca de atipias celulares. Por outro lado, podem se caracterizar como tumores de alto grau, tornando pobre o prognóstico. São divididos em subtipos histopatológicos que possuem diferentes comportamentos, sendo o lipossarcoma desdiferenciado uma variedade mais agressiva, que se acompanha de anormalidades citogenéticas e muitas atipias celulares, inclusive com outros componentes mesenquimais, como o cartilaginoso e o muscular.(3,4,10)

O lipossarcoma de mediastino apresenta-se como uma tumoração volumosa que exibe uma variedade de sintomas, dependendo da sua localização e da compressão de estruturas vizinhas.(11) Permanecem assintomáticos até assumirem grande volume, mas, ainda assim, os sintomas são inespecíficos.(2,8,12) A maioria dos pacientes apresenta queixas de dispnéia ou dor torácica, podendo referir também tosse e perda de peso.(12,13)

Apesar de os achados radiológicos serem inespecíficos, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética fornecem informações úteis.(7) Geralmente o tumor se apresenta com características invasivas. Uma biópsia é necessária para o diagnóstico. A classificação histológica e a correlação entre essa classificação e o comportamento clínico são importantes para determinar a abordagem terapêutica.(11) Deve-se fazer o diagnóstico diferencial com lipoma, angiolipoma, fibromixolipoma e miolipoma.(3,4,14)

A radioterapia e a quimioterapia possuem valor limitado e são modalidades terapêuticas ineficazes.(8,11) A radioterapia pode ser útil na paliação de tumores irresecáveis ou na adjuvância dos incompletamente ressecados.(11,15) O papel da quimioterapia adjuvante permanece questionável.(12)

O tratamento de escolha é a cirurgia, sendo a ressecção completa do tumor mandatória sempre que possível.(1,11,15) De acordo com a literatura, uma intervenção cirúrgica agressiva parece favorecer a qualidade de vida do paciente, prolongar a sua sobrevida, além de ser o tratamento mais efetivo.(8) A cirurgia pode ser curativa na maioria dos casos.(7,13)

O prognóstico depende do subtipo histológico e da ressecção cirúrgica com amplas margens de segurança.(13,15)

A recidiva ocorre em aproximadamente 40% dos casos, sendo reportadas em até 14 anos após o procedimento cirúrgico inicial.(13) Dessa forma, faz-se necessário o acompanhamento pós-operatório a longo prazo, pois poderá haver um intervalo entre a ressecção e a recidiva.(5,16)

Concluímos que o lipossarcoma de mediastino é um tumor raro caracterizado pelo seu grande volume. Ele exige uma abordagem cirúrgica ampla, da qual vai depender o prognóstico do paciente. Também se destaca a necessidade de acompanhamento pós-operatório efetivo, pois a taxa de recidiva é alta.

Referências

1. Kiyama H, Tanabe S, Nagasawa S, Irie Y, Ohshima N, Yamada T. [A case of primary anterior mediastinal liposarcoma with a heterotopic mass in the pericardium of the same histology] [Article in Japanese]. Nippon Kyobu Geka Gakkai Zasshi. 1996;44(12):2191-5.

2. Mase T, Kawawaki N, Narumiya C, Aoyama T, Kato S, Nagata Y. Primary liposarcoma of the mediastinum. Jpn J Thorac Cardiovasc Surg. 2002;50(6):252-5.

3. Weiss SW. Liposarcoma. In: Weiss SW, Goldblum JR, Enzinger FM, editors. Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 4th ed. St Louis: Mosby; 2001. p. 641-94.

4. Wick MR. The mediastinum. In: Sternberg SS, Antonioli DA, editors. Diagnostic Surgical Pathology. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins; 1999. p. 1147-1208.

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8. Teschner M, Lüllig H. [Diagnosis and treatment of primary mediastinal liposarcoma] [Article in German]. Pneumologie. 2003;57(1):22-6.

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Trabalho realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP) Brasil.
1. Livre Docente do Departamento de Cirurgia. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP) Brasil.
2. Professor Doutor do Departamento de Cirurgia. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP) Brasil.
3. Coordenador do Grupo Acadêmico de Estudos em Cirurgia Torácica. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP) Brasil.
4. Professor Doutor da Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP) Brasil.
5. Médica Estagiária da Disciplina de Cirurgia Torácica. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Roberto Saad Junior. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Rua Dr. Cesário Motta Jr., 112, Santa Cecília, CEP 01221-020, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 2176 7000. E-mail: cedepcir@santacasasp.org.br
Recebido para publicação em 9/8/2006. Aprovado, após revisão, em 5/3/2007.
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