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Editorial

Os broncodilatadores na asma: a arte de prescrever corretamente, aproveitando as qualidades e reduzindo os riscos

Bronchodilator use in asthma: the art of prescribing bronchodilators correctly, taking advantage of their differences and reducing risks

Ana Luisa Godoy Fernandes

A história do desenvolvimento dos broncodilatadores do grupo ß2-agonistas, que ocorreu concomitante ao entendimento da fisiopatologia da asma, é um excelente exemplo de como o raciocínio científico caminha baseado em hipóteses, que contêm verdades parciais, que progressivamente são filtradas para se melhorar o entendimento daquilo que deveria ocorrer, mas às vezes não ocorre. Dessas observações contínuas descobrem-se as falhas e evolui-se para a nova geração de intervenção, na tentativa de se propiciar o tratamento ideal.

O formoterol, um ß2-agonista de longa ação (ß2-LA), é analisado nesta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia quanto à sua eficácia em reverter o broncoespasmo agudo induzido por metacolina. O estudo comparou a droga com um ß2-agonista de curta ação (ß2-CA), o fenoterol, demonstrando a equivalência de ação do formoterol com uma das drogas consideradas padrão ouro para a reversibilidade do broncoespasmo agudo, os broncodilatadores de curta ação. A população do estudo foi selecionada a partir de pacientes que buscavam o laboratório de função pulmonar para esclarecimento diagnóstico de sintomas respiratórios, sendo incluídos no estudo os casos em que o teste provocativo se mostrava positivo.(1)

O protocolo do estudo permite observar de maneira bastante clara a rapidez de início da ação do ß2-LA, equivalente à dos ß2-CA, demonstrando uma verdade que veio para ficar: o formoterol, além de ter sido idealizado para ter ação prolongada, também tem a propriedade que almejamos de aliviar prontamente um broncoespasmo agudo, levando vantagem em relação ao salmeterol, o que permite advogar seu uso no broncoespasmo agudo.

Esse trabalho remete a uma outra questão, bastante relevante, que vem sendo debatida na literatura e foi objeto do artigo sobre perspectivas do New England Journal of Medicine em dezembro de 2005, escrito pelo Prof. Dr. Fernando D. Martinez (convidado do próximo Congresso Brasileiro da SBPT - Fortaleza, 2006).(2) Neste artigo, é discutido o uso de broncodilatadores de longa ação, com a revisão dos principais estudos clínicos que levaram o FDA a incluir, em julho de 2005, um alerta na bula para os pacientes usuários de salmeterol, anunciando um pequeno, mas significativo aumento de eventos adversos associados à asma, caracterizados como risco eminente de morte ou morte, presente em um estudo de segurança recentemente finalizado nos EUA. O Prof. Martinez questiona as conseqüências desse alerta para o tratamento da asma.

Esse estudo, o SMART (Salmeterol Multi-center Asthma Research Trial), iniciado pela GSK em julho de 1996, foi um estudo de segurança de 28 semanas para comparar salmeterol versus placebo no tratamento da asma, em adição à terapia de manutenção habitual. O desfecho primário foi o de observar as mortes e eventos adversos sérios relacionados à asma e que puseram em risco a vida dos pacientes (intubação e ventilação mecânica). O estudo tinha a intenção de incluir 60.000 pacientes, mas foi interrompido pelo patrocinador após a análise parcial planejada (interim analysis), que foi realizada com aproximadamente 26.000 pacientes incluídos, e demonstrou um risco relativo de morte 4,4 vezes maior relacionado ao grupo salmeterol em relação ao placebo.
Outro estudo randomizado, realizado no Reino Unido e publicado em 1993, comparando o uso de salmeterol com o de salbutamol, com 25.000 pacientes, mostrou que houve menor retirada do estudo dos pacientes que receberam salmeterol do que os que receberam salbutamol (2,91% versus 3,79%; ÷2 = 13,6, p = 0,0002). A mortalidade foi um pouco, mas não significativamente, maior no grupo salmeterol. O uso de mais de duas unidades de broncodilatador de alívio (além da dose de manutenção) apresentou associação significativa com a ocorrência de eventos adversos sérios relacionados à asma.(3)

Infelizmente, nenhum dos dois estudos foi planejado para testar a hipótese de o salmeterol ser seguro ou não, quando associado ao uso do corticóide inalado, embora o B2-LA tenha sido usado como adjuvante ao corticóide inalatório. Os pacientes foram randomizados sem controle do uso e dose do corticóide inalatório durante o ensaio clínico, portanto deixando em aberto esta questão.

Ao rever esses comentários do Prof. Martinez, remetemo-nos a fatos muito interessantes que ocorreram no final do século passado. No início dos anos 1990, um estudo de Sears et al.(4) provocou uma grande discussão na literatura quando, através de ensaio clínico randomizado, foi demonstrado que o uso regular de ß2-CA quatro vezes ao dia era pior para os asmáticos do que usar ß2-CA se necessário, em relação ao controle da doença, questionando se o uso regular desta droga não seria causa de descontrole da asma.(4) Um trabalho epidemiológico retrospectivo,(5) do tipo caso controle, aninhado em uma coorte de pacientes asmáticos, conduzido em 12.301 residentes de Saskatchewan, Canadá, conseguiu demonstrar que o risco de morte por asma não estava associado ao uso regular ou mesmo aumentado do ß2-CA, mas sim à ausência do uso de corticóide inalatório como tratamento de manutenção, e que, por ser mais descontrolada ou não tratada, usava excessivamente os ß2-CA.

Por esse motivo, quando começaram a ser apresentados os trabalhos que demonstravam a superioridade da associação dos ß2-LA em relação ao aumento da dose de corticóide inalatório para obtenção do controle da asma,(6) este conceito parecia conflitante. O estudo FACET,(7) que comparava a adição de ß2-LA, em doses baixa (200 mcg) ou alta (800 mcg), contra placebo, sugeriu que as doses altas de corticóide inalatório se associavam a menor freqüência de exacerbações e que o uso de ß2-LA se associava a mais dias livres de sintomas. Outros ensaios clínicos seguiram-se, comprovando a eficácia da associação corticóide inalatório e ß2-LA na obtenção de controle da asma,(8) bem como discutindo estratégias para melhorar esse controle.(9)

Entretanto, o que nos preocupa são os pacientes que não conseguem atingir o bom controle da asma. São eles um grupo especial de pacientes resistentes aos corticóides? Responsivos a outros antiinflamatórios? Com baixa adesão ao tratamento de manutenção? Ou há qualquer outra condição que os fazem responder mal aos ß-agonistas? O fato é que, para aqueles pacientes mais graves em que não se consegue controlar os sintomas, ainda nos resta a dúvida se eles apresentam aumento de risco de complicações ou mesmo de episódios fatais, quando em uso de terapêutica de manutenção. Uma coisa é certa, os corticóides inalatórios ainda são indiscutivelmente o melhor tratamento de manutenção para asma, e quando nesta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia é apresentada a efetividade de um b2- agonista em reverter o broncoespasmo agudo, torna-se indispensável refletir-se sobre as vantagens e os riscos do uso dos broncodilatadores, e lembrar que sempre devem ser utilizados associados ao tratamento antiinflamatório da asma.

Potencial Conflito de Interesse.
A autora participou como investigadora nos estudos multicêntricos internacionais: OPTIMA (1998) e STAY (2000) da Astra-Zeneca e estudo GOAL (2000) - Glaxo Smith Kline.

REFERÊNCIAS

1. Rubin AS, Perin C, Pelegrin L, Fernandes JC, Silva LCC. Eficácia do formoterol na reversão imediata do broncoespasmo. J Bras Pneumol. 2006;32(3)2002-6.

2. Martinez FD. Safety of long-acting beta-agonists--an urgent need to clear the air. N Engl J Med. 2005;353(25): 2637-9.

3. Castle W, Fuller R, Hall J, Palmer J. Serevent nationwide surveillance study: comparison of salmeterol with salbutamol in asthmatic patients who require regular bronchodilator treatment. BMJ. 1993;306(6884):1034-7.

4. Sears MR, Taylor DR, Print CG, Lake DC, Herbison GP, Flannery EM. Increased inhaled bronchodilator vs increased inhaled corticosteroid in the control of moderate asthma. Chest. 1992;102(6):1709-15.

5. Ernst P. Spitzer WO, Suissa S, Cockcroft D, Habbick B, Horwitz RI, et al. Risk of fatal and near-fatal asthma in relation to inhaled corticosteroid use. JAMA. 1992;268(24):3462-4.

6. Greening AP, Ind PW, Northfield M, Shaw G. Added salmeterol versus higher-dose corticosteroid in asthma patients with symptoms on existing inhaled corticosteroid. Allen & Hanburys Limited UK Study Group. Lancet. 1994. 344(8917):219-24.

7. Pauwels RA, Lofdahl CG, Postma DS, Tattersfield AE, O´Byrne P, Barnes PJ, et al. Effect of inhaled formoterol and budesonide on exacerbations of asthma. Formoterol and Corticosteroids Establishing Therapy (FACET) International Study Group. N Engl J Med. 1997;337(20):1405-11.

8. Bateman ED, Boushey HA, Bousquet J, Busse WW, Clark TJ, Pauwels RA, et al .Can guideline-defined asthma control be achieved? The Gaining Optimal Asthma ControL study. Am J Respir Crit Care Med. 2004;170(8):836-44.

9. O'Byrne PM, Bisgaard H, Godard PP, Pistolesi M, Palmqvist M, Zhu Y, et al. Budesonide/formoterol combination therapy as both maintenance and reliever medication in asthma. Am J Respir Crit Care Med. 2005;171(2):129-36.
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ANA LUISA GODOY FERNANDES
Professora Livre-docente de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.


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