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Artigo Original

Relação entre o índice de massa corporal e a gravidade da asma em adultos

Relationship between body mass index and asthma severity in adults

Nilva Regina Gelamo Pelegrino, Márcia Maria Faganello, Fernanda Figueirôa Sanchez, Carlos Roberto Padovani, Irma de Godoy

ABSTRACT

Objective: Elevated values of body mass index (BMI) have been associated with higher prevalence of asthma in adults. The aim of the present study is to evaluate the association between obesity and asthma severity. Methods: Medical records of two hundred patients older than 20 years of age were evaluated retrospectively. Asthma severity was established after the evaluation of the medical history and diagnosis recorded, spirometry results and the medicines prescribed. BMI was calculated and patients were classified as obese when the BMI was ≥ 30 kg/m2. Results: 23% of the patients presented intermittent asthma, 25.5% presented mild persistent asthma, 24% presented moderate persistent asthma, and 27.5% presented severe persistent asthma. Values of BMI ≤ 29.9 kg/m2 were observed in 68% of the patients and in 32% the BMI was ≥ 30 kg/m2. The odds ratio of the correlation between obesity and asthma severity was 1.17 (95% CI: 0.90-1.53; p > 0.05). Conclusions: In the sample evaluated in this study no correlation between obesity and asthma severity was found for either gender.

Keywords: Asthma; Body mass index, Sex distribution; Obesity.

RESUMO

Objetivo: O aumento do índice de massa corporal (IMC) tem sido associado a uma maior prevalência da asma em adultos. O presente estudo tem o objetivo de avaliar a associação entre a prevalência da obesidade e a gravidade da asma. Métodos: Prontuários de duzentos asmáticos acima dos 20 anos de idade foram avaliados retrospectivamente. A asma foi classificada quanto à gravidade através da história clínica e do diagnóstico registrados, dos resultados da espirometria e da medicação prescrita. O IMC foi calculado e foram considerados obesos os pacientes com IMC ≥ 30 kg/m2. Resultados: 23% dos pacientes apresentavam asma intermitente, 25,5%, asma persistente leve, 24%, asma persistente moderada e 27,5%, asma persistente grave. O IMC ≤ 29,9 kg/m2 foi observado em 68% dos pacientes e em 32% o IMC foi ≥ 30 kg/m2. O odds ratio da relação entre a obesidade e a gravidade da asma foi de 1,17 (CI95%: 0,90-1,53; p > 0,05). Conclusões: Na amostra estudada não foi encontrada correlação entre a obesidade e a gravidade da asma nem no sexo masculino, nem no feminino.

Palavras-chave: Asma; Índice de massa corporal; Distribuição por sexo; Obesidade.

Introdução

A asma é uma doença inflamatória crônica caracterizada por hiper-responsividade das vias aéreas inferiores e por limitação variável ao fluxo aéreo, sendo reversível espontaneamente ou com tratamento.(1) A doença constitui sério problema de saúde pública em todo mundo e sua prevalência vem aumentando nas últimas décadas, principalmente nos centros urbanos, provavelmente, devido às mudanças do estilo de vida.(2)

Desde a década de 90, vários estudos mostraram associação entre o aumento do índice de massa corporal (IMC) e a prevalência de asma,(2,3) inicialmente em crianças(4) e, mais recentemente, em adultos.(3,5) Estudos longitudinais mostraram que os aumentos da obesidade e da incidência de asma ocorreram de forma paralela.(6-8)

Mudanças na mecânica respiratória, diminuições da capacidade residual funcional e do volume corrente secundárias à obesidade, além do estilo de vida sedentário e da baixa capacidade para realizar atividades físicas dos obesos podem ocasionar piora dos sintomas de asma.(9) A obesidade pode também aumentar o risco de refluxo gastro-esofágico, que atua favorecendo a hiper-responsividade das vias aéreas nos asmáticos.(7)

Recentemente, as alterações inflamatórias descritas em indivíduos obesos têm sido citadas como fatores passíveis de interferir nas manifestações clínicas da asma nestes indivíduos.(10) A condição inflamatória própria dos indivíduos obesos que inclui aumento do TNF-a e de outras citocinas pró-inflamatórias, como as IL-4, IL-5 e IL-6, determina sobreposição destes mecanismos inflamatórios com os envolvidos na asma, acentuando a influência na contratilidade da musculatura das vias aéreas.(7,10)

Entretanto, a relação entre a obesidade e a asma ainda permanece controversa. Vários estudos mostraram que a associação entre os valores elevados do IMC e a incidência de asma é significativamente maior nas mulheres quando comparada aos homens.(11,12) Por outro lado, outras investigações demonstraram que a obesidade é um fator de risco significativo para incidência de asma em ambos os sexos.(13-15)

Um estudo que avaliou a influência da perda de peso na função pulmonar de asmáticos, mostrou uma melhora dos índices de obstrução brônquica naqueles que perderam peso quando comparados a um grupo controle de pacientes asmáticos obesos que não participaram do programa de controle do peso.(16) Estes dados foram confirmados em pesquisa que acompanhou programa de diminuição do peso em mulheres asmáticas e verificou melhora da função pulmonar, independentemente das mudanças na hiper-responsividade das vias aéreas.(17)

Diferenças na gravidade da asma, nas características gerais dos indivíduos estudados e nos desfechos avaliados podem explicar a diversidade nos resultados dos estudos que investigaram a associação entre a obesidade e a asma.(6)

Em revisão bibliográfica não encontramos dados nacionais sobre a associação entre obesidade e gravidade da asma; portanto, o objetivo deste estudo foi verificar se há correlação entre o índice de massa corporal e a gravidade da doença, em asmáticos avaliados em serviço de hospital universitário.

Métodos

Foi realizado estudo retrospectivo, por meio da análise de prontuários dos pacientes atendidos no ambulatório de Asma da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista. Foram estudados 200 pacientes asmáticos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 20 anos e sem outras doenças respiratórias associadas.

A gravidade da asma foi estabelecida de acordo com os critérios do Consenso Brasileiro no Manejo da Asma(1) em: intermitente, persistente leve, persistente moderada e persistente grave. Para a classificação foi utilizado o registro da gravidade estabelecido pelo médico responsável pelo paciente e confirmada por meio da análise dos dados da história clínica, exame físico, resultados da espirometria e da medicação prescrita.

Foram anotados o gênero, a idade, a estatura, o hábito de fumar, o peso do corpo, os resultados da espirometria pré-broncodilatador e a medicação prescrita. O IMC foi calculado(18) com base no peso e na estatura [peso (kg)/altura (m)2] e classificado segundo a Organização Mundial de Saúde(19) em normal/sobrepeso (IMC = 29,9 kg/m2 ) e obesos (IMC = 30 kg/m2). O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Medicina de Botucatu/Universidade Estadual Paulista.

Estatística

O estudo da associação entre a gravidade da asma e obesidade foi realizado por meio do teste de Goodman,(20,21) para contrastes entre e dentro de proporções multinomiais. A análise de regressão logística foi utilizada para analisar a associação entre obesidade, gravidade da asma e sexo. Os resultados estão apresentados como odds ratio (OR) e intervalo de confiança (IC) de 95%. O nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados

As características gerais dos pacientes estudados de acordo com o valor do IMC estão apresentadas na Tabela 1. A idade média dos 200 pacientes foi de 46 ± 15 anos, com variação de 20 a 80 anos, sendo 72,5% mulheres e 35% fumantes. Com relação à gravidade da doença, 23% apresentavam asma intermitente, 25,5% asma persistente leve, 24% asma persistente moderada e 27,5% apresentavam asma persistente grave. Entre os pacientes com asma persistente, de qualquer gravidade, 59% (118 pacientes) estavam utilizando corticosteróides por via inalatória e três por via oral. Quarenta e sete asmáticos não faziam uso de qualquer medicação regular e o restante fazia uso de ß2 agonista de curta ou longa duração de forma regular ou intermitente.





O valor médio do IMC entre os asmáticos foi de 28 ± 6 kg/m2, com variação entre 18 e 51 kg/m2; 68% dos pacientes apresentavam IMC = 29,9 kg/m2 e em 32% deles IMC = 30 kg/m2. Entre os homens, o IMC médio foi de 26 ± 4 kg/m2 e, entre as mulheres, de 29 ± 6 kg/m2.

A Tabela 2 apresenta o resultado da regressão logística que avaliou se a prevalência de obesidade estava relacionada com a gravidade da asma. O OR da relação entre a obesidade e a gravidade da asma foi de 1,17 (IC95%: 0,90-1,53; p > 0,05). Para cada grau de aumento da gravidade da asma, o logaritmo de chance de obesidade aumenta 0,157 em média. A Tabela 3 mostra o resultado do teste de Goodman, que avaliou a probabilidade de obesidade de acordo com o gênero e a gravidade da asma. Verifica-se que embora exista tendência de aumento da obesidade em ambos os sexos à medida que a gravidade da asma aumenta, a diferença entre as proporções não foi estatisticamente significante. A regressão logística para avaliar a associação entre obesidade e gravidade da asma isolada para o gênero feminino também não apresentou significância estatística. Portanto, na amostra estudada não foi possível estabelecer associação entre obesidade e maior gravidade da asma.










Discussão

Os resultados do presente estudo não mostraram associação entre obesidade e gravidade da asma apesar do aumento, não significativo, do logaritmo de chance de obesidade associado ao aumento da gravidade da asma. Quando os grupos foram separados de acordo com o gênero não houve diferença significativa entre mulheres e homens.

Em estudo com delineamento similar ao utilizado na presente investigação em que foram avaliados 143 asmáticos adultos, considerados obesos quando o IMC era = 30 kg/m2, os autores encontraram relação positiva entre o aumento da obesidade e a piora da gravidade da asma.(3) Algumas diferenças entre o nosso estudo e o de um outro grupo de autores(3) podem explicar, pelo menos parcialmente, os resultados não concordantes; a prevalência de obesidade entre os asmáticos estudados foi maior que a observada em nosso estudo (55% vs. 32%) e o uso de corticosteróide sistêmico foi mais freqüente (16% vs. 1,5%).

Outros estudos encontrados avaliaram a relação entre obesidade e asma sem avaliação da gravidade da doença de base.(22-24) Alguns autores(12) avaliaram a relação do IMC com o diagnóstico de asma (102 pacientes), de bronquite crônica (299 pacientes) e de enfisema pulmonar (72 pacientes). Valores de IMC = 18,5 kg/m2 ou < 25 kg/m2 foram considerados normais e de IMC = 28 kg/m2 considerados obesos. Neste estudo, os autores observaram que a porcentagem de obesos entre os asmáticos foi de 30,4% e a probabilidade de ser obeso entre os asmáticos (IMC = 28 kg/m2) foi significativamente maior quando estes foram comparados com os portadores de bronquite crônica e enfisema. A associação permaneceu significativa após ajuste para outros fatores de risco como idade, história de atopia e tabagismo, sendo maior entre as mulheres.

Estudos populacionais(5,13) avaliaram a associação entre valores de IMC e diagnóstico de asma entre homens e mulheres, e mostraram associação da asma com valores mais altos e mais baixos de IMC sem ponto de corte definido. Um grupo de pesquisadores(5) avaliaram 5524 indivíduos maiores de 18 anos, e mostraram prevalência de asma maior em mulheres com IMC > 25 kg/m2. Quanto aos homens, a prevalência foi maior naqueles com IMC < 22 kg/m2 e nos obesos (IMC = 30 kg/m2). Em outro estudo,(13) foram avaliados 7109 indivíduos, homens (51%) e mulheres (49%), e a prevalência de asma foi maior nas mulheres com baixo peso (IMC < 16 kg/m2) e obesas (IMC = 30 kg/m2). Entretanto, após ajustada para fatores como história familiar de asma, idade, presença de atopia e tabagismo, a análise mostrou maior risco de asma tanto para homens quanto para mulheres com IMC < 16 kg/m2 e > 30 kg/m2. Em estudo(14) em que foram avaliados 309 pacientes adultos (65% mulheres), os autores observaram que a obesidade (IMC = 30 kg/m2) foi importante fator de risco para o desenvolvimento de asma, em ambos os sexos, mesmo quando ajustada para presença ou não de atopia em testes cutâneos.

A utilização de índices que determinam a distribuição da gordura tóraco-abdominal poderia ser mais adequada do que o IMC para avaliar a influência da obesidade no sistema respiratório. Em estudo(25) que avaliou a influência do IMC, da circunferência da cintura e quadril e da relação entre elas nos sintomas da doença em 533 pacientes asmáticos (25% masculinos) os autores mostraram que as mulheres com valores de IMC = 25 kg/m2 ou 27 kg/m2 e da circunferência da cintura igual a 80 e 85 cm apresentaram maior prevalência dos sintomas de asma. A razão entre a circunferência da cintura e do quadril, a circunferência da cintura > 90 cm e o IMC > 30 kg/m2 não estavam associados de forma estatisticamente significante com maior prevalência de asma nem no sexo masculine, nem no feminino. Assim, os autores sugerem que os sintomas da asma parecem estar associados ao peso do corpo, independentemente da distribuição da gordura no corpo.(25)

Assim, os resultados dos estudos que avaliaram a associação do diagnóstico de asma com os valores de IMC são controversos e não permitem estabelecer pontos de cortes para os indicadores nutricionais potencialmente associados com maior prevalência da doença. Os dados referentes à associação entre obesidade e gravidade da asma são escassos e novos estudos são necessários.

A fisiopatologia que envolve a sobreposição da obesidade e da asma permanece desconhecida. Vários mecanismos estão envolvidos e dentre eles, os amplamente defendidos pelos autores incluem: baixa tolerância para atividade física, alterações da mecânica respiratória e predisposição ao refluxo gastro-esofágico, os quais ocorrem nos obesos.(9) Neste sentido, um estudo epidemiológico(2) que avaliou 1.971 adultos entre 17-73 anos, observou que indivíduos obesos (IMC > 35 kg/m2) apresentavam diminuição do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e do capacidade vital forçada (CVF), assim como uma maior prevalência de sibilos e dispnéia, porém sem diferença significativa da relação VEF1/CVF, do pico de fluxo expiratório e de hiper-reatividade brônquica após inalação com histamina, quando comparados ao grupo com IMC normal (18,5-24,9 kg/m2). Assim, os autores concluem que a obesidade é um fator de risco para sintomas respiratórios decorrentes da mudança na mecânica respiratória nestes indivíduos, sem evidência real de obstrução das vias aéreas e hiper-reatividade brônquica. Sugerem ainda que estes sintomas atuam como fatores de confusão para a definição do diagnóstico de asma nestes pacientes.(2)

A distribuição da gravidade da asma nos pacientes avaliados no presente estudo foi semelhante à média estimada na literatura(1) exceto para a asma persistente grave que está acima da média estimada: 27,5% em nosso estudo comparada a 5-10% na literatura. Esta diferença, provavelmente, decorre do fato do hospital universitário receber pacientes de maior complexidade clínica, referenciados pela região. Diferente da infância, a asma em adultos tem maior prevalência em mulheres,(26,27) o que está de acordo com observado em nosso estudo em que 72,5% dos asmáticos eram mulheres.

A taxa de adesão ao tratamento médico foi de 78,5%, compatível com dados da literatura(27) que apontam que aproximadamente 50% dos pacientes não aderem ao tratamento regular, normalmente por pobre percepção dos sintomas da doença, falta de acesso a programas de educação sobre a doença e dificuldade no manejo ou elevado custo da medicação.(28)

Em conclusão, nosso estudo não mostrou maior prevalência de maior gravidade da asma nos obesos e tampouco uma diferença estatística significativa na relação entre obesidade e gravidade da asma de acordo com o sexo. Assim, a relação causal entre a obesidade e a gravidade da asma permanece controversa e estudos adicionais são necessários para o melhor esclarecimento da associação entre as duas doenças.

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* Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
1. Médica Residente em Pneumologia. Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
2. Professora de Fisioterapia. Unisalesiano de Lins, São Paulo (SP) Brasil.
3. Professora de Fisioterapia Cárdio-Respiratória do Centro Universitário Católico Auxilium Salesiano, Araçatuba (SP) Brasil.
4. Professor Titular de Bioestatística. Universidade Estadual Paulista - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
5. Professora Livre Docente em Pneumologia. Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Nilva Regina Gelamo Pelegrino. Rua Bartolomeu de Gusmão, 2-102, Apto 23, CEP 17017-336, Jardim América, Bauru, SP, Brasil. Tel 55 14 3103-7777. E-mail: nilvap@itelefonica.com.br
Recebido para publicação em 20/11/2006. Aprovado, após revisão, em 28/3/2007.

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