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Artigo Original

Avaliação semiquantitativa ecocardiográfica de dilatações vasculares intrapulmonares em candidatos a transplante hepático: correlação com avaliação de shunt e parâmetros funcionais pulmonares

Semiquantitative echocardiographic evaluation of intrapulmonary vascular dilatations: correlation with evaluation of shunt levels and pulmonary function parameters

Maria Angélica Pires Ferreira, Sérgio Saldanha Menna Barreto, Marli Maria Knorst, Mario Reis Álvares da Silva, Antonio Furlan Pinotti

ABSTRACT

Objective: To correlate semiquantitative evaluation of intrapulmonary vascular dilatations (IPVD) with quantitative evaluation of shunt levels, as well as to describe clinical and pulmonary function findings in a sample of liver disease patients with IPVD. Methods: Patients presenting transthoracic echocardiography (TTE) positivity for IPVD underwent clinical evaluation, pulmonary function tests and pulmonary shunt quantification (scintigraphy with technetium-99m-labeled macroaggregated albumin and blood gas analysis after pure oxygen breathing). Results: A total of 28 liver cirrhosis patients were studied (mean age, 47.5 years; 60.7% were Child-Pugh class B). A 4-point, ascending scale was used as a measure of IPVD intensity, which was scored as 1, 2, 3 and 4, respectively, in 13 (46.4%), 9 (32.1%), 2 (7.1%) and 4 (14.3%) of the patients. Patients were divided into a low-intensity group (scores 1 and 2) and a high-intensity group (scores 3 and 4). The mean shunt assessed using scintigraphy was 14.9% in the sample as a whole and was lower in the low-intensity group (11.7% vs. 26.3%; p = 0.01). The mean shunt by blood gas analysis was higher in the high-intensity group (8.3% vs. 16.3%; p < 0.001). Mean PaO2 was lower in the high-intensity group. There was a negative correlation between DLCO and IPVD severity (r = −0.406, p = 0.01). Conclusions: TTE is a safe, useful tool for assessing IPVD severity in liver disease patients. The IPVD intensity assessed using TTE correlated with the intrapulmonary shunt values obtained through the quantitative methods evaluated, as well as with pulmonary gas exchange abnormalities.

Keywords: Anoxia; Liver cirrhosis; Hepatopulmonary syndrome; Echocardiography.

RESUMO

Objetivo: Verificar a relação entre a avaliação semiquantitativa de dilatações vasculares intrapulmonares (DVIP) e a avaliação quantitativa de shunt, e descrever achados clínicos e funcionais pulmonares em uma amostra de hepatopatas com DVIP. Métodos: Pacientes com ecocardiografia transtorácica (ETT) positiva para DVIP foram submetidos à avaliação clínica e de função pulmonar assim como à quantificação de shunt intrapulmonar (cintilografia com macroagregados de albumina marcados com tecnécio-99m e por gasometria com oxigênio a 100%). Resultados: Foram estudados 28 pacientes cirróticos (média de idade, 47,5 anos; 60,7% dos casos classificados como Child-Pugh B). Uma escala de 4 pontos, em ordem ascendente, foi utilizada para medir a intensidade das DVIP, classificada de 1 a 4, respectivamente, em 13 (46,4%), 9 (32,1%), 2 (7,1%) e 4 (14,3%) dos pacientes. A amostra foi dividida em grupo baixa intensidade (escores 1 e 2) e grupo alta intensidade (escores 3 e 4). A média de shunt por cintilografia foi 14,9% na amostra total, sendo menor no grupo baixa intensidade (11,7% vs. 26,3%; p = 0,01). O grupo alta intensidade teve maiores valores de shunt através de gasometria (8,3% vs. 16,3%; p < 0.001). A PaO2 média foi inferior no grupo alta intensidade. A intensidade de DVIP e a DLCO correlacionaram- se de forma inversa (r = −0,406, p = 0,01). Conclusões: A ETT é um método útil e seguro para avaliação da gravidade das DVIP em pacientes com hepatopatia. A classificação ecocardiográfica da intensidade das DVIP se correlacionou com valores de shunt intrapulmonar obtidos pelos métodos quantitativos avaliados, bem como com anormalidades nas trocas gasosas pulmonares.

Palavras-chave: Anóxia; Cirrose hepática; Síndrome hepatopulmonar; Ecocardiografia.

Introdução

A síndrome hepatopulmonar consiste na tríade de dilatações vasculares intrapulmonares (DVIP), hipoxemia e doença hepática, e tem sido descrita em 5-29% dos portadores de hepatopatia. As DVIP ocorrem entre 5% e 47% dos casos nas séries publicadas e são a principal causa de hipoxemia grave em hepatopatias avançadas.(1-6) No entanto, nem todos os pacientes portadores de DVIP apresentam hipoxemia, e seu significado clínico e prognóstico na ausência de anormalidades nas trocas gasosas não está definido.(7)

O diagnóstico de shunt intrapulmonar pode ser realizado através de estudos funcionais, como o teste de inalação de oxigênio a 100%, e de estudos de imagem. Os últimos incluem a ecocardiografia com contraste, a cintilografia pulmonar com albumina marcada com radioisótopo e a angiografia pulmonar.(6,8-10) A ecocardiografia transtorácica com contraste detecta right-to-left shunts e é considerada o método de escolha para triagem de DVIP, uma vez que apresenta maior sensibilidade quando comparada com a cintilografia com macroagregados de albumina.(3,9,11,12) Outras vantagens da ecocardiografia incluem a utilização na rotina para o diagnóstico de hipertensão pulmonar e permitir a diferenciação entre shunts intracardíacos e intrapulmonares. Adicionalmente, a ecocardiografia possibilita uma avaliação semiquantitativa da intensidade de DVIP.(3,11,12)

Este estudo teve por objetivo comparar níveis de mistura venosa (shunt intrapulmonar) obtidos por dois métodos (cintilografia com radioisótopo e gasometria com oxigênio a 100%), e relacioná-los com o nível de DVIP aferida por ecocardiografia com contraste em um grupo de pacientes em avaliação para transplante hepático. Nossos objetivos secundários foram descrever os achados clínicos e funcionais pulmonares em candidatos a transplante hepático com DVIP e a relação desses achados com a intensidade de DVIP.

Métodos

Foram incluídos pacientes atendidos consecutivamente, com mais de 16 anos, portadores de hepatopatia crônica e/ou hipertensão portal de qualquer natureza em avaliação para transplante hepático no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, com triagem positiva para DVIP através de ecocardiograma transtorácico. Uma vez que a literatura aponta a ecocardiografia transtorácica como o método de escolha para a triagem de DVIP e o diagnóstico de síndrome hepatopulmonar, pacientes com a triagem negativa não foram submetidos à quantificação de shunt intrapulmonar por outros métodos. Foram excluídos pacientes com pneumopatia crônica estrutural grave, DPOC de moderada a grave (estágios II a IV pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia), cardiopatia grave, shunt intracardíaco, derrame pleural volumoso definido pela radiografia de tórax (mais de 1/3 do hemitórax), paralisia diafragmática ou outras pneumopatias restritivas de moderada a grave intensidade, e ascite tensa refratária.

Os pacientes foram avaliados em nível ambulatorial, em condição clínica estável. Foram realizados radiografia de tórax, gasometria arterial, espirometria com prova farmacodinâmica e DLCO (método da respiração única), conforme critérios da American Thoracic Society. Adicionalmente, realizou-se oximetria de pulso e investigação de ortodeoxia. A pesquisa de ortodeoxia foi realizada utilizando oximetria de pulso, sendo medida a SpO2 após 5 minutos em decúbito dorsal e, logo a seguir, ao final de 5 minutos na posição sentada. Uma queda ≥ a 4% na SpO2 foi considerada positiva. Foi realizada gasometria arterial em ar ambiente, por punção da artéria radial, na posição sentada. Foram considerados hipoxêmicos aqueles pacientes com PaO2 em ar ambiente inferior a 80 mmHg e gradiente alvéolo-arterial de oxigênio ≥ 15 mmHg, independentemente da idade.(13)

O estudo ecocardiográfico foi realizado através de ecocardiografia transtorácica bidimensional. Utilizou-se, como contraste, solução salina isotônica submetida à agitação manual, em temperatura ambiente. Imediatamente após a injeção do contraste em veia periférica, foram examinadas as câmaras cardíacas, com avaliação da ecogenicidade por um minuto após a injeção do contraste. Foram realizadas, no mínimo, duas injeções para aferir a reprodutibilidade do exame, sendo o mesmo gravado em vídeo. Um ecocardiograma positivo para DVIP foi definido pela passagem tardia (após o quarto batimento) do contraste para as câmaras esquerdas seguindo o seu aparecimento nas câmaras direitas. Conforme descrito por alguns autores, a intensidade da DVIP foi classificada de acordo com uma escala de 4 pontos: grau 1, passagem de pequena quantidade de microbolhas para o ventrículo esquerdo (VE); grau 2, passagem moderada de microbolhas para o VE; grau 3, passagem de grande número de microbolhas, mas sem delinear o endocárdio do VE; e grau 4, passagem de grande número de bolhas com nítido delineamento do endocárdio do VE.(12) Os exames foram realizados e interpretados de forma independente por dois ecocardiografistas previamente treinados na identificação e graduação de DVIP por essa escala.

A síndrome hepatopulmonar foi diagnosticada nos pacientes com hepatopatia, DVIP detectada por ecocardiografia e gradiente alvéolo-arterial de oxigênio superior a 15 mmHg. Este valor foi definido com base na literatura, por apresentar uma sensibilidade adequada para a identificação de anormalidades das trocas gasosas neste grupo de pacientes.(7,10,14)

Os pacientes realizaram cintilografia perfusional com macroagregados de albumina marcados com tecnécio-99m (99mTc-MAA). O radiofármaco (2-4 mCi) foi injetado em veia periférica, com o paciente sentado.
Imediatamente após a injeção, foram obtidas imagens com o paciente em decúbito. A fração de shunt foi aferida através da relação entre a atividade corporal total e a atividade pulmonar do radiofármaco, com o auxílio de um sistema de software acoplado à gama-câmara. Foi utilizada a apresentação comercial DRN 4378 TechneScan Lyo-MAC (Mallinckrodt Medical B.V., Petten, Holanda). Utilizou-se uma gama-câmara de cintilação equipada com colimador de septos paralelos de baixa energia e alta resolução. Considerou-se um resultado anormal quando acima de 6%. Esse valor é baseado em dados da literatura.(3,9)

Para a realização de gasometria com oxigênio a 100%, utilizou-se um saco de Douglas para a inalação de oxigênio por máscara com válvula expiratória unidirecional. Os pacientes permaneceram sentados, sendo coletada a amostra para gasometria arterial com seringa plástica da artéria radial ao término de 20 minutos de inalação, conforme técnica já descrita para a coleta em ar ambiente, com análise imediata. O cálculo da fração de shunt foi feito através da equação de Berggren, como segue:
Qs/QT (%) = [(PAO2 − PaO2) × 0,003]/[C(a-v)O2] + [(PAO2 − PaO2) × 0,0031]

Sendo que Qs/QT (%) é a fração de shunt em porcentagem, PAO2 é a pressão parcial alveolar de oxigênio, e [C(a-v)O2] é a diferença arteriovenosa do conteúdo de oxigênio, que foi considerada como 4,5 mmHg em todos os casos, por se tratarem de pacientes clinicamente estáveis.(15) A gasometria em ar ambiente foi realizada na mesma ocasião do teste com oxigênio a 100% na maioria dos casos.

A análise estatística foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Sciences versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os dados são apresentados através de número, percentagem, média e dp. Utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson para correlações entre variáveis de distribuição normal e o teste de correlação para postos de Spearman para variáveis consideradas de distribuição não-normal. Para a comparação entre as médias de dois grupos, utilizou-se o teste t de Student para amostras independentes e para variáveis com distribuição normal. Testes não-paramétricos foram utilizados para comparações entre grupos de variáveis com distribuição assimétrica. O método gráfico de Bland & Altman foi utilizado para uma melhor visualização da concordância entre os valores de shunt medidos por cintilografia com 99mTc-MAA e por gasometria com 100% de oxigênio. Foram empregados testes bilaterais, sendo considerado um nível de significância estatística de 5% (p < 0,05). O estudo foi aprovado pelo comitê institucional de ética em pesquisa.

Resultados

De um total de 51 pacientes submetidos à ecocardiografia com contraste, 1 teve passagem precoce de contraste, sendo diagnosticado como portador de forame oval patente, e 28 tiveram ecocardiografia positiva para DVIP e foram incluídos no estudo. Destes, 9 eram mulheres. A média de idade foi de 47,5 anos. A etiologia mais comum da doença hepática foi hepatite viral C, em 11 casos (39,3%). A maioria dos pacientes (60,7%) teve a gravidade da doença hepática classificada como Child-Pugh B (Tabela 1).





Dois pacientes tinham queixa de dispneia, e destes, 1 apresentava também platipneia. Ambos tiveram diagnóstico de síndrome hepatopulmonar, mostrando-se hipoxêmicos em repouso. Foram detectados 2 casos de ortodeoxia, sendo 1 deles acompanhado de dispneia e platipneia e o outro assintomático do ponto de vista respiratório. A maioria dos pacientes (71,4%) referiu tabagismo atual ou no passado, sendo 9 (32,1%) tabagistas atuais. O índice tabágico médio foi 14,6 anos-maço.

Derrame pleural unilateral não-volumoso estava presente em 2 casos. Ascite pouco volumosa foi identificada por ecocardiografia em 7 casos.

A gasometria arterial em ar ambiente foi analisada em 27 dos 28 casos, sendo que em 1 caso o exame foi excluído por erro de coleta. Hipoxemia foi determinada em 8 pacientes (29,6%). O VEF1 médio pré-broncodilatador foi 86,6% do previsto. Dados referentes a gases arteriais e função pulmonar são apresentados na Tabela 2.



Todos os exames ecocardiográficos foram considerados tecnicamente adequados. Não houve complicações relacionadas ao método. Entre os 28 pacientes incluídos neste estudo, a intensidade de DVIP por ecocardiografia foi classificada entre 1 e 4, em intensidade crescente, em 13 (46,4%), 9 (32,1%), 2 (7,1%) e 4 (14,3%), respectivamente. Nenhum caso teve sinais ecocardiográficos de hipertensão arterial pulmonar.

A PaO2 média foi maior no grupo com DVIP graus 1 e 2 (teste t de Student, p = 0,01; Tabela 3). O coeficiente de correlação entre PaO2 ambiente e graduação de DVIP por ecocardiografia apresentou significância estatística limítrofe (r = −0,368; p = 0,05).



Síndrome hepatopulmonar foi diagnosticada em 16 dos 28 casos estudados (57,1% dos pacientes), considerando-se a concomitância de DVIP e aumento do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio. Entretanto, quando foram considerados os 51 pacientes submetidos à triagem ecocardiográfica para DVIP, a prevalência de síndrome hepatopulmonar foi de 31,4% (16 de 51 casos).

Foi encontrada uma correlação inversa entre a DLCO e a graduação de DVIP por ecocardiografia (r = −0,406; p = 0,01). A DLCO média foi significativamente maior entre pacientes com DVIP graus 1 e 2 em relação ao grupo com DVIP graus 3 e 4 (p = 0,03; Tabela 3).

A gravidade da doença de base, conforme a classificação de Child-Pugh, não apresentou correlação significativa com a graduação de DVIP por ecocardiografia (r = −0,13; p = 0,48). Da mesma forma, não foi encontrada relação entre o tempo decorrente do diagnóstico da doença hepática e a graduação de DVIP por ecocardiografia.

Dos 28 pacientes com DVIP identificada por ecocardiografia com contraste, 21 (75%) tiveram quantificação de shunt pelos métodos cintilográfico e gasométrico, 6 (21,4%) apenas pelo método cintilográfico e 1 (3,6%) apenas pelo método gasométrico. Dessa forma, foram realizadas 27 cintilografias e 22 gasometrias com oxigênio a 100%. A quantificação de shunt não pôde ser realizada devido a problemas de adesão em 4 casos (3 casos de teste com oxigênio a 100% e 1 de cintilografia). Outros 3 pacientes não realizaram o teste com oxigênio a 100% por intercorrências clínicas, instaladas após a realização dos dois primeiros exames (pneumonia lentamente resolutiva, agravamento de ascite e realização de transplante hepático).

A média ± dp dos valores de shunt por cintilografia nos 27 pacientes submetidos ao exame foi 14,9 ± 9% do débito cardíaco, variando entre 6,9% e 39%. A mediana foi 12%. Nenhum dos pacientes teve uma fração de shunt considerada normal (inferior a 6%) por este método. Observou-se correlação positiva entre a graduação de DVIP por ecocardiografia e as frações de shunt medidas por cintilografia (r = 0,567; p < 0,001; Figura 1).



A média dos valores de shunt pelo teste com oxigênio a 100% foi de 9,8 ± 3,9%, variando entre 4% e 19%. A PaO2 final no teste variou entre 317,8 mmHg e 615 mmHg (média, 513,6 mmHg), sendo significativamente maior entre aqueles pacientes com DVIP graus 1 e 2 em relação ao grupo com DVIP graus 3 e 4 (542,2 mmHg vs. 384 mmHg; p < 0,001). A mediana foi 9,5%. Um paciente (4,5%) teve uma fração de shunt considerada normal (menor que 5%) por este método, sendo este paciente portador de DVIP grau 1 por ecocardiografia e normoxêmico em ar ambiente. Observou-se uma relação estatisticamente significativa entre a graduação de DVIP por ecocardiografia e o valor de shunt aferido por gasometria com oxigênio a 100% (rs = 0,609, p < 0,01).

O shunt determinado por cintilografia apresentou correlação significativa com o mensurado pela gasometria com oxigênio a 100% (r = 0,666; p < 0,001). A correlação entre as medidas do shunt obtidas pelos dois métodos e a comparação dos resultados através da representação gráfica de Bland & Altman são demonstrados na Figura 2. A média da diferença do shunt determinado pelos dois métodos foi de 4,3 ± 3,8%. Em 3 casos houve uma maior discrepância entre os resultados dos dois métodos, tendo a cintilografia superestimado o shunt em 2 casos e subestimado em outro.



Discussão

Dos parâmetros funcionais pulmonares analisados, a principal anormalidade observada foi uma redução na DLCO, que apresentou correlação inversa com o grau de DVIP. Este achado é congruente com os dados da literatura.(16) Também se verificou uma frequência elevada de aumento do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio e de hipocapnia, ambos com correlação significativa com o grau de DVIP. Os efeitos do tabagismo podem ter contribuído para as alterações de trocas gasosas aqui descritas, mas as anormalidades vasculares decorrentes da hepatopatia são possivelmente os fatores predominantes.(17-20)

A PaO2 média encontrou-se dentro dos limites normais. Levando-se em conta a exclusão de pacientes com comorbidades respiratórias, isso reflete um grau baixo a moderado de DVIP encontrado em grande parte dos casos, uma vez que 78,5% dos casos foram graus 1 ou 2 por ecocardiografia, e a maioria apresentou shunt inferior a 20% por cintilografia. De acordo com a literatura, a ecocardiografia é frequentemente positiva em pacientes com gases arteriais normais, presumivelmente refletindo um nível de DVIP insuficiente para se refletir nas trocas gasosas.(3,8,11,12)

Observou-se uma relação estatisticamente significativa entre hipoxemia e graduação de DVIP por ecocardiografia, sendo que os pacientes com maior grau de DVIP tiveram uma PaO2 em ar ambiente significativamente mais baixa. Poucos estudos avaliaram a relação entre a graduação de DVIP por ecocardiografia e os níveis de oxigenação arterial. Alguns autores verificaram uma PaO2 média em ar ambiente significativamente menor entre pacientes com opacificação ventricular de ao menos 2 cruzes (grau 2) em relação aos que não tinham evidência de DVIP por ecocardiografia.(12) Outros autores relataram a evolução de um caso após o transplante hepático, em que observaram aumento da PaO2 à medida que havia redução da graduação das DVIP por ecocardiografia (escala de Donovan).(21) Em outro estudo, não foi possível demonstrar uma diferença estatisticamente significativa na PaO2 média entre os grupos com DVIP grau 1 e com DVIP graus 2 a 4, possivelmente pelo tamanho da amostra. No entanto, em 81% daqueles pacientes que tinham DVIP mas não síndrome hepatopulmonar, a DVIP foi graduada como 1+.(14)

No presente estudo, foi encontrada uma correlação estatisticamente significativa entre um maior grau de DVIP, avaliado por ecocardiografia, e as frações de shunt calculadas pelos dois métodos quantitativos, a cintilografia e a gasometria com oxigênio a 100%.

Apesar da positividade da ecocardiografia e da cintilografia em todos os casos, em termos funcionais neste estudo, não foi identificado nenhum caso de ausência total de resposta ao oxigênio a 100%, sendo que a PaO2 final após a inalação de oxigênio a 100% foi superior a 300 mmHg em todos os casos. Isto é compatível com o modelo teórico que explica o distúrbio difusão-perfusão, que se refere à dificuldade de realização de trocas gasosas nas moléculas centrais de hemoglobina no vaso dilatado.

Além da distância entre o alvéolo e as moléculas de hemoglobina na corrente central do vaso, o menor tempo de trânsito das células vermelhas no capilar pulmonar contribuiria para o agravamento do distúrbio. Esta anormalidade na oxigenação pode ser significativamente melhorada quando há o fornecimento de oxigênio a 100%, resultando em índices de shunt menores por este método. Juntamente com o distúrbio ventilação-perfusão e o shunt anatômico, o distúrbio difusão-perfusão é considerado um mecanismo central na gênese de hipoxemia relacionada à hepatopatia.(4,8,22)

Dados da literatura mostram que o método radioisotópico frequentemente superestima os valores de shunt obtidos pelo método gasométrico. Alguns autores, avaliando 8 pacientes portadores de síndrome hepatopulmonar, encontraram uma diferença individual entre os métodos que variou de 2% a 30%. A convergência dos valores de shunt medidos pelos dois métodos foi associada a shunt anatômico demonstrado por angiografia, enquanto a divergência foi relacionada a uma combinação de shunt anatômico e distúrbio de difusão.(23)

Conforme a literatura, a cintilografia é menos sensível que a ecocardiografia transtorácica na identificação de DVIP. A positividade da cintilografia em todos os casos submetidos ao exame (27/28 pacientes) no nosso grupo pode se dever a diferenças na interpretação do exame, uma vez que há um aspecto operador-dependente na demarcação de áreas com captação anormal do radiofármaco. Por outro lado, a correlação significativa entre os valores de shunt obtidos pela cintilografia com aqueles obtidos com os outros dois métodos, bem como com anormalidades na oxigenação arterial, são aspectos a serem considerados na valorização dos resultados com este método. Sobre o papel da cintilografia com radioisótopo na avaliação de pacientes com hepatopatia e hipoxemia, em concordância com alguns autores, consideramos que este método pode ser útil na avaliação de pacientes hipoxêmicos com baixa graduação de DVIP por ecocardiografia, nos casos em que a ecocardiografia apresenta dificuldades técnicas, como obesidade ou deformidades da caixa torácica, ou ainda naqueles em que há doença pulmonar associada, dificultando o diagnóstico de síndrome hepatopulmonar.(3) A análise combinada da gravidade do distúrbio de oxigenação e da medida de shunt pelo método com 99mTc-MAA pode ser útil na estratificação de risco dos pacientes com síndrome hepatopulmonar para mortalidade associada a transplante de fígado, com um pior prognóstico associado a uma PaO2 ≤ 50 mmHg e fração de shunt ≥ 20% por cintilografia.(7) No presente estudo, pacientes com maiores graus de DVIP (3 e 4) por ecocardiografia mostraram avançada dilatação do leito vascular, demonstrada por grande passagem das partículas do radiofármaco na cintilografia, com média de fração de shunt de 26%.

A ecocardiografia transtorácica é considerada menos sensível que a ecocardiografia transesofágica para a detecção de DVIP. Entre as vantagens da abordagem transtorácica estão o menor custo, o fato da sedação ser desnecessária e, teoricamente, o menor risco, especialmente entre portadores de varizes esofágicas.(2)

Conclui-se que a ecocardiografia transtorácica é um método útil e seguro para a avaliação da gravidade das DVIP em portadores de hepatopatia avançada. A classificação ecocardiográfica da intensidade das DVIP se relacionou com valores de shunt intrapulmonar obtidos pelos métodos quantitativos avaliados, bem como com anormalidades nas trocas gasosas pulmonares.

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Sobre os autores
Maria Angélica Pires Ferreira
Pneumologista. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Sérgio Saldanha Menna Barreto
Chefe do Serviço de Pneumologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Marli Maria Knorst
Professora Associada do Departamento de Medicina Interna. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS) Brasil.
Mario Reis Álvares da Silva
Hepatologista do Serviço de Gastroenterologia. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Antonio Furlan Pinotti
Cardiologista. Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.



Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Maria Angélica Pires Ferreira. Rua Balduino Roehrig, 98, Três Figueiras. CEP 91330-140, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 2101-8491. E-mail: mpiferreira@hcpa.ufrgs.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Fundo de Incentivo à Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Recebido para publicação em 23/1/2008. Aprovado, após revisão, em 27/6/2008.

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