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Manifestações sistêmicas na doença pulmonar obstrutiva crônica

Systemic manifestations in chronic obstructive pulmonary disease

Victor Zuniga Dourado, Suzana Erico Tanni, Simone Alves Vale, Márcia Maria Faganello, Fernanda Figueirôa Sanches, Irma Godoy

ABSTRACT

Chronic obstructive pulmonary disease is progressive and is characterized by abnormal inflammation of the lungs in response to inhalation of noxious particles or toxic gases, especially cigarette smoke. Although this infirmity primarily affects the lungs, diverse extrapulmonary manifestations have been described. The likely mechanisms involved in the local and systemic inflammation seen in this disease include an increase in the number of inflammatory cells (resulting in abnormal production of inflammatory cytokines) and an imbalance between the formation of reactive oxygen species and antioxidant capacity (leading to oxidative stress). Weakened physical condition secondary to airflow limitation can also lead to the development of altered muscle function. Chronic obstructive pulmonary disease presents diverse systemic effects including nutritional depletion and musculoskeletal dysfunction (causing a reduction in exercise tolerance), as well as other effects related to the comorbidities generally observed in these patients. These manifestations have been correlated with survival and overall health status in chronic obstructive pulmonary disease patients. In view of these facts, the aim of this review was to discuss findings in the literature related to the systemic manifestations of chronic obstructive pulmonary disease, emphasizing the role played by systemic inflammation and evaluating various therapeutic strategies.

Keywords: Pulmonary disease, chronic obstructive/complications; Nutritional status; Exercise tolerance;

RESUMO

A doença pulmonar obstrutiva crônica é progressiva e está relacionada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões à inalação de partículas e/ou gases tóxicos, sobretudo a fumaça de cigarro. Embora acometa primariamente os pulmões, diversas manifestações extrapulmonares relacionadas a esta enfermidade têm sido descritas. O aumento do número de células inflamatórias, que resulta em produção anormal de citocinas pró-inflamatórias, e o desequilíbrio entre a formação de radicais livres e a capacidade antioxidante, resultando em sobrecarga oxidativa, provavelmente são mecanismos envolvidos na inflamação local e sistêmica. Além disso, a diminuição do condicionamento físico secundária às limitações ventilatórias pode estar envolvida no desenvolvimento de alterações musculares. A doença pulmonar obstrutiva crônica apresenta diversas manifestações sistêmicas que incluem a depleção nutricional, a disfunção dos músculos esqueléticos, que contribui para a intolerância ao exercício, e as manifestações relacionadas a co-morbidades comumente observadas nestes pacientes. Essas manifestações têm sido relacionadas à sobrevida e ao estado geral de saúde dos pacientes. Nesse sentido, esta revisão tem como objetivo discutir os achados da literatura relacionados às manifestações sistêmicas da doença pulmonar obstrutiva crônica, ressaltando o papel da inflação sistêmica, e algumas perspectivas de tratamento.

Palavras-chave: Doença pulmonar obstrutiva crônica/complicações; Estado nutricional; Toterância ao exercício;

INTRODUÇÃO

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é definida como doença respiratória prevenível e tratável, caracterizada por obstrução crônica ao fluxo aéreo que não é totalmente reversível. Essa obstrução é progressiva e está relacionada a resposta inflamatória anormal dos pulmões à inalação de partículas e/ou gases tóxicos, sobretudo a fumaça de cigarro.
Embora a DPOC acometa os pulmões, há diversas manifestações sistêmicas relacionadas a esta enfermidade.(1) As manifestações locais e sistêmicas da DPOC estão resumidas na Figura 1.





Inflamação das vias aéreas e destruição do parênquima pulmonar são as alterações características da DPOC e contribuem para a limitação ao fluxo aéreo, que é o marcador funcional da doença. Entretanto, o quadro clínico e as repercussões no estado geral de saúde do paciente sofrem a influência das manifestações sistêmicas da DPOC e reforçam a necessidade de abordagem multidimensional que contemple todos os componentes da doença.(2)

Além da inflamação presente nas vias aéreas, há evidências de inflamação sistêmica nos pacientes com DPOC, mas a relação entre inflamação local e sistêmica não está estabelecida.(2-3) Existem também evidências de desequilíbrio entre a formação de radicais livres de oxigênio e a capacidade antioxidante que resulta em sobrecarga oxidativa nos pulmões. Este desequilíbrio está envolvido na patogênese da doença e pode causar lesão celular, hipersecreção mucosa, inativação de antiproteases e aumentar a inflamação pulmonar por meio da ativação de fatores de transcrição.(4)

Há evidências recentes de alterações similares às que ocorrem no pulmão, isto é, o estresse oxidativo e a inflamação podem estar envolvidos nos mecanismos de desenvolvimento dos efeitos sistêmicos da DPOC.(4) Pacientes com DPOC apresentam perda de peso, indicador independente de desfecho da doença.(5) Perda da massa magra do corpo também resulta em disfunção muscular periférica, diminuição da capacidade para realizar exercícios e da qualidade de vida, alterações que são importantes determinantes de prognóstico e sobrevida em pacientes com DPOC.(6-7) Portanto, índices que incluem manifestações locais e sistêmicas da DPOC podem ser mais adequados para avaliar a sobrevida destes pacientes. De fato, a avalia-ção e medidas para melhorar o estado nutricional e a tolerância ao exercício fazem parte das recomendações da Iniciativa Global para a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.(8)

Tendo em vista as repercussões negativas das manifestações sistêmicas da DPOC na tolerância ao exercício, no prognóstico e na sobrevida dos pacientes, esta revisão tem o objetivo de discutir os principais achados da literatura relacionados às manifestações sistêmicas da DPOC. Serão abordadas a depleção nutricional, a disfunção dos músculos esqueléticos periféricos e as manifestações relacionadas às co-morbidades comumente encontradas em pacientes com DPOC. Além disso, o papel da inflamação sistêmica e as perspectivas de tratamento serão discutidos. As bases de dados Medline e Lilacs foram consultadas, utilizando-se os unitermos relacionados aos tópicos desta revisão e o período de pesquisa foi restrito às publicações referentes aos últimos quinze anos.

ESTADO NUTRICIONAL

A perda de peso começou a ser descrita como um sinal clínico na evolução dos pacientes com DPOC na década de 1960 e tem sido associada a menor sobrevida.(9) A prevalência da desnutrição é variável, oscilando entre 26% e 47% dos pacientes portadores de DPOC.(10-11)
Estudos retrospectivos indicam que reduções do peso do corpo, resultando em valores abaixo de 90% do peso ideal e em valores baixos de índice de massa corpórea, são fatores prognósticos negativos independentemente da gravidade da doença.(5) Há relação inversa entre o índice de massa corpórea e a sobrevida em pacientes com DPOC.(5,12) Em todos os grupos, a perda de peso está associada com mortalidade aumentada; além disso, pacientes com DPOC grave e índice de massa corpórea menor que 25 kg/m2 apresentam aumento da sobrevida quando ocorre ganho de peso.(13)

Várias etiologias são propostas para a deficiência nutricional observada nos pacientes com DPOC. Entretanto, os mecanismos envolvidos ainda não estão totalmente esclarecidos.(14) Desequilíbrio entre a ingestão e o gasto energético, devido à diminuição da ingestão ou aumento do gasto energético, parece ser o fator envolvido na maioria dos casos.(15) Os possíveis mecanismos envolvidos na perda de peso em pacientes com DPOC estão apresentados esquematicamente na Figura 2.






Entretanto, o papel deste hormônio no desenvolvimento das alterações nutricionais, nestes pacientes, não é conhecido e para sua compreensão há necessidade de estudos adicionais.(17)

Deve-se, também, considerar que, freqüentemente, os pacientes com DPOC apresentam hipoxemia, principalmente nos estágios avançados da doença. Alguns dados da literatura sugerem que a hipoxemia poderia estimular a produção de mediadores inflamatórios e participar do desenvolvimento das alterações nutricionais dos pacientes com DPOC.(18)

Pacientes desnutridos apresentam dispnéia mais intensa, deterioração da qualidade de vida e menor capacidade para realizar exercícios.(19-20)
O valor do índice de massa corpórea e a perda de peso são fatores de risco para a hospitalização devida à exacerbação da doença, indicam pior prognóstico na evolução da exacerbação e podem determinar necessidade de ventilação mecânica.(21) Além disso, o tempo de sobrevida após exacerbação correlacionou-se, de forma independente, com o índice de massa corpórea(22) e valores baixos deste índice correlacionaram-se com aumento da morbidade pós-operatória em pacientes submetidos à cirurgia redutora de volume pulmonar.(23) A depleção nutricional está também associada ao aumento de mortalidade e da freqüência de hospitalizações em pacientes com DPOC em oxigenoterapia domiciliar prolongada.(25)

Perspectiva de tratamento
Recentemente foi publicada uma metanálise da Chocrane Library, em que foram reavaliados os estudos disponíveis sobre suplementação nutricional em pacientes com DPOC.(25) Os autores não encontraram efeitos da suplementação alimentar nas medidas antropométricas, função pulmonar ou capacidade para realizar exercícios. Entretanto, estudos recentes mostram efeitos positivos da suplementação alimentar em subgrupos de pacientes e em pacientes com alterações nutricionais menos acentuadas.(26)

Os esteróides anabólicos, apesar de seus efeitos colaterais, podem ser uma opção para induzir aumento da massa muscular e melhora funcional nos pacientes que não responderam à terapia nutricional tradicional.(26) Pacientes com DPOC que receberam esteróides anabólicos, por curtos períodos, apresentaram aumento da massa magra e ausência de efeitos colaterais significativos, mas não se constatou melhoria da tolerância ao exercício e da dispnéia.(26) Especificamente nas mulheres, entre os principais riscos provenientes da administração de andrógenos podem ser citados a masculinização, as reações de pele, os efeitos colaterais nos lipídios plasmáticos e as mudanças de comportamento.(27) A terapia prolongada com andrógenos pode aumentar os riscos de eventos cardiovasculares em virtude da diminuição do HDL colesterol. No que se refere à correlação da suplementação de andrógenos e desenvolvimento de câncer de mama, a literatura apresenta dados pouco consistentes.(27)

Nesse sentido, novas investigações são necessárias para a avaliação dos benefícios adicionais da terapia com esteróides anabolizantes relacionados à tolerância ao exercício e à qualidade de vida. Além disso, o tipo de exercício associado à terapia com anabolizantes deve ser investigado, tendo em vista que o treinamento de força apresenta maior influência do metabolismo de testosterona e de aminoácidos.(28)

ALTERAÇÕES DOS MÚSCULOS RESPIRATÓRIOS

Pacientes com DPOC freqüentemente apresentam fraqueza e diminuição da endurance dos músculos respiratórios. Os fatores que podem deteriorar a função e estrutura muscular podem ser classificados em dois grupos: musculares intrínsecos e musculares extrínsecos.(29) Dentre os fatores extrínsecos encontram-se alterações geométricas da parede torácica, do volume pulmonar e fatores metabólicos sistêmicos. Como fatores intrínsecos estão relacionadas mudanças no tamanho da fibra muscular, comprimento do sarcômero, massa e metabolismo muscular.(29)

A hiperinsuflação pulmonar é um dos fatores que prejudicam a função muscular. Ela altera a forma e a geometria da parede torácica e leva à redução crônica da zona de aposição do diafragma.(30) Além disto, o rebaixamento do diafragma reduz o comprimento das fibras, o qual é importante determinante da capacidade do músculo em gerar força.

Nos pacientes com DPOC o diafragma trabalha com aumento de carga mecânica devido à limitação ao fluxo aéreo e às mudanças geométricas do tórax causadas pela hiperinsuflação pulmonar. Além da desvantagem mecânica, outras alterações como estado eletrolítico, mediadores pró-inflamatórios e fator de crescimento podem interferir na função muscular respiratória. O diafragma destes pacientes preserva a propriedade intrínseca de gerar pressão, mas a função muscular pode estar prejudicada pelos fatores extrínsecos.(31) Ocorrem também mudanças na estrutura do diafragma caracterizadas pelo aumento da fração de fibras tipo I e diminuição das fibras tipo II, e aumento da capacidade oxidativa de todas as fibras.(32) Estas adaptações indicam adaptação aeróbica do diafragma diante da doença, que é, entretanto, insuficiente para restabelecer a força e endurance aos valores normais.

ALTERAÇÕES DOS MÚSCULOS ESQUELÉTICOS PERIFÉRICOS

Os pacientes com DPOC que utilizam mais freqüentemente os recursos dos serviços de saúde apresentam força muscular de quadríceps significativamente menor que aqueles que utilizam estes serviços aproximadamente duas vezes por ano.(33) Valores de área de secção transversa da coxa, avaliada por tomografia, menores que 70 cm2 foram apontados como o principal preditor de mortalidade e como ponto em que o catabolismo prevalece em relação ao anabolismo nos pacientes com DPOC.(6,34) Estes resultados sugerem impacto significativo da estrutura e função muscular periférica no estado geral de saúde em pacientes com DPOC. Os músculos de pacientes com DPOC podem apresentar alterações de força, massa, morfologia e da bioenergética muscular, descritas abaixo.

Força e massa muscular
A fraqueza muscular é proporcional à perda de massa muscular.(29) Há evidências de que os pacientes com DPOC apresentam redução significativa de força de membros superiores e inferiores quando são comparados com congêneres controles.(35) Além disso, a área de secção transversa da coxa é significativamente menor em pacientes com DPOC.(35)

A redução de força muscular é predominante nos membros inferiores e, entre as explicações possíveis para este fato, podem ser citadas: atividades relacionadas ao desenvolvimento de marcha comumente evitadas pelos pacientes com DPOC em virtude da sensação de dispnéia, predomínio das atividades de vida diária realizadas com os membros superiores e grande número de músculos de cintura escapular responsáveis pela elevação dos braços que participam concomitantemente da respiração acessória. Estes mecanismos são os principais responsáveis por a força muscular de membros superiores estar relativamente preservada nos pacientes com DPOC.(29,35)

Morfologia muscular
A redução da atividade contráctil do músculo influencia o trofismo e o balanço entre síntese e degradação musculares.(37) Como conseqüência do desuso e da imobilização prolongados, há predomínio de perda de fibras de contração lenta em indivíduos saudáveis. Este perfil de fibras musculares já foi identificado em pacientes com DPOC.(38)

Além da redistribuição de fibras musculares observada em pacientes com DPOC, há evidências de que a área de secção transversal, tanto das fibras de contração lenta quanto das de contração rápida, está significativamente reduzida nos pacientes com DPOC.(38)

Bioenergética muscular
Em estudos feitos em material coletado através de biópsias do músculo vasto lateral foi observado que pacientes com DPOC apresentam redução significativa de enzimas oxidativas(39-41) e manutenção,(29,39,40-41) ou aumento,(29,41) de enzimas glicolíticas. Outra alteração bioenergética relatada em pacientes com DPOC é a redução do metabolismo de fosfocreatina muscular,(29) um dos principais fatores envolvidos no metabolismo anaeróbio aláctico.(42)

Em resumo, pacientes com DPOC apresentam baixa capacidade oxidativa, capacidade glicolítica normal ou aumentada e metabolismo anaeróbio aláctico diminuído.(39,41) A redução do metabolismo anaeróbio aláctico,(29) responsável por atividades de alta intensidade e curta duração,(42) associa-da à redução da atividade oxidativa, reforça o predomínio do sistema anaeróbio láctico em pacientes com DPOC,(43) o que resulta em lactacidose precoce e intolerância ao exercício.(29)

ETIOLOGIA DA DISFUNÇÃO DOS MÚSCULOS ESQUELÉTICOS PERIFÉRICOS

A Figura 3 apresenta resumidamente os principais fatores etiológicos da disfunção dos músculos esqueléticos periféricos em pacientes com DPOC. As alterações nos músculos esqueléticos têm sido relacionadas a vários fatores, incluindo a diminuição do condicionamento físico, metabolismo de aminoácidos, inflamação sistêmica e estresse oxidativo. A seguir, os diferentes mecanismos são descritos brevemente.





Diminuição do condicionamento
Quando expostos a situações dinâmicas repetidas, os pacientes com DPOC apresentam aumento da demanda ventilatória, que os obriga a evitar tais atividades e, em conseqüência, são acometidos por sedentarismo crônico.(29) Este, por sua vez, reduz a força e a massa musculares, e a capacidade aeróbia, o que resulta em demanda ventilatória ainda mais intensa para as mesmas atividades dinâmicas, fechando o ciclo denominado dispnéia-sedentarismo-dispnéia.(29) Devido a estes conhecimentos e aos achados da literatura, surgiu a necessidade de investigações relacionadas às alterações musculares que poderiam ser responsáveis pela intolerância ao exercício em pacientes com DPOC.(15,29)

A redistribuição de fibras musculares, com aumento do percentual de fibras do tipo I, diminuição de enzimas oxidativas e manutenção de enzimas glicolíticas comumente encontrados em pacientes com DPOC, é relacionada à hipoxemia por alguns autores.(15) Entretanto, a redistribuição de fibras musculares já foi relatada por diversos autores como conseqüência do imobilismo, situação que acomete principalmente as fibras do tipo I. Além disso, o fato de as alterações funcionais, morfológicas e bioenergéticas serem totalmente reversíveis após programas de recondicionamento adequados(39) reforçam a participação da diminuição crônica do condicionamento como principal mecanismo de disfunção dos músculos esqueléticos periféricos.

As alterações bioenergéticas encontradas nos pacientes com DPOC são explicadas, em parte, pela diminuição crônica do condicionamento freqüentemente presente nesses pacientes. Em indivíduos normais, durante períodos de inatividade, inicialmente ocorre redução da capacidade aeróbia devido à redução do volume sistólico e do débito cardíaco e, posteriormente, ocorre redução da capacidade de extração de oxigênio.(42) Em indivíduos normais, a densidade mitocondrial pode ser aumentada, dobrando seu valor em cinco semanas de treinamento. No entanto, uma semana de inatividade é responsável pela perda de 50% do que foi adquirido em cinco semanas de treinamento.(42) Três ou quatro semanas de recondicionamento são necessárias para que a densidade mitocondrial recupere a densidade prévia.(42)

No mesmo sentido, quando a biópsia é realizada no músculo tibial anterior(44) ou deltóide(45) as alterações enzimáticas encontradas no vasto lateral não se confirmam. Em um estudo que avaliou o perfil enzimático de tibial anterior em pacientes com DPOC, não tratados com corticosteróides (n = 15), pacientes recebendo tratamento com prednisolona (n = 14) e em controles homogêneos (n = 10) os resultados não evidenciaram nenhuma alteração do perfil enzimático nos dois grupos de pacientes com DPOC. De maneira semelhante, alguns autores(45) avaliaram o perfil enzimático e de fibras musculares em biópsia de deltóide em pacientes com DPOC e em indivíduos controles homogêneos. Estes autores não obtiveram resultados diferentes entre os grupos: não houve redistribuição de fibras musculares e a concentração de citrato-sintetase mostrou-se semelhante no grupo de pacientes com DPOC e nos controles.

As evidências de perfil enzimático e de fibras musculares inalterados em músculo postural e de membros superiores vão de encontro ao desuso como causa principal das alterações musculares em pacientes com DPOC. Primeiro porque o tibial anterior tem função na manutenção da postura e, portanto, é composto essencialmente de fibras do tipo I e está constantemente ativo. Em segundo lugar, porque a maioria das atividades de vida diária são realizadas com os membros superiores, o que proporciona atividade quase constante para o deltóide. O alto grau de atividades destes músculos, provavelmente, garante a preservação da função, estrutura e bioenergética muscular.

Influência do metabolismo de aminoácidos
Algumas manifestações da DPOC influenciam negativamente o metabolismo de aminoácidos e promovem perda muscular nos pacientes acometidos.(37) Os pacientes com DPOC apresentam alterações no perfil de aminoácidos no plasma e nos músculos esqueléticos.(37) Concentrações séricas mais baixas de glutamato, glutamina e alanina foram encontradas em pacientes enfisematosos com depleção nutricional.(46) Além disso, os aminoácidos de cadeia ramificada, principalmente a alanina, encontram-se em baixas concentrações plasmáticas nos pacientes com DPOC. Esta redução apresenta-se mais evidente nos pacientes com baixo peso.(47)

Estes aminoácidos desempenham várias funções importantes: a alanina interfere na gliconeogênese; a glutamina é metabolizada no fígado e no trato gastrintestinal e fornece energia para os leucócitos e fibroblastos; e o glutamato participa de todas as reações de transaminação nos músculos esqueléticos.(37)

Influência da inflamação sistêmica
O fator de necrose tumoral alfa, a IL-1 e a IL-6 contra-regulam a produção de fator de crescimento insulina-simile-1 (IGF-1), que media a ação anabólica do hormônio do crescimento,(48) e o aumento da IL-6 tem correlação negativa com a testosterona e a dehidroepiandosterona, que também possuem ação anabólica.(34) O efeito negativo da IL-6 na capacidade funcional de indivíduos idosos já foi descrita por alguns autores.(49) Níveis mais elevados de IL-6 estão associados a menor sobrevida e a prejuízo significativo da capacidade funcional em indivíduos idosos.(50)

Influência do metabolismo pró-antioxidante
Alguns autores sugerem a participação do desequilíbrio do metabolismo pró-antioxidante em pacientes com DPOC como mecanismo importante na determinação da disfunção dos músculos esqueléticos nessa população.(51-52) Em 2003, alguns autores(51) avaliaram o estresse oxidativo sistêmico proveniente de exercício localizado de quadríceps. Os autores mensuraram os níveis plasmáticos de substâncias reagentes do ácido tiobarbitúrico e a produção de radicais oxidantes derivados do oxigênio, como índice do estresse oxidativo, e os níveis de vitamina E, como antioxidantes. Os pacientes com DPOC mostraram resistência muscular de quadríceps significativamente menor que os indivíduos controles homogêneos. A concentração de substâncias reagentes do ácido tiobarbitúrico foi significativamente maior nos pacientes com DPOC após seis horas da realização do exercício. Os níveis de vitamina E foram significativamente menores e houve correlação negativa expressiva entre substâncias reagentes do ácido tiobarbitúrico e vitamina E nos pacientes com DPOC, diferentemente do ocorrido nos indivíduos controles.

Outros autores(52) avaliaram, por meio de biópsia de vasto lateral, a atividade da glutationa reduzida e da glutationa oxidada em dezessete pacientes com DPOC e cinco indivíduos controles homogêneos. Quando os indivíduos foram submetidos a uma sessão apenas de treinamento submáximo, não houve diferenças significativas nos perfis de glutationa reduzida e de glutationa oxidada, tanto nos pacientes com DPOC quanto nos controles. Contudo, quando a análise foi realizada após um regime de treinamento de oito semanas (cinco sessões por semana), houve elevação significativa dos níveis de glutationa reduzida no grupo controle, ao passo que, nos indivíduos com DPOC, não houve diferença estatisticamente significativa. Estes achados sugerem a incapacidade dos pacientes com DPOC de melhorar sua capacidade antioxidante após um regime de condicionamento físico, diferentemente do que ocorre comumente em indivíduos saudáveis.

Perspectivas de tratamento

Exercício aeróbio
O exercício aeróbio é recomendado para indivíduos com DPOC e deve ser iniciado independentemente do estágio da DPOC em que o paciente se encontra.(8) Este tipo de treinamento aumenta a concentração de enzimas oxidativas mitocondriais, a capilarização dos músculos treinados, o limiar anaeróbio, o consumo máximo de oxigênio, e diminui o tempo de recuperação da creatina-fosfato, resultando em melhora da capacidade de exercício.(42)

Treino de força
Tendo em vista que a fraqueza muscular contribui para a intolerância ao exercício em portadores de doença pulmonar crônica, o exercício de força é uma opção racional no processo de reabilitação pulmonar.(29) Atualmente há evidências de que este treinamento pode resultar em melhora da qualidade de vida significativamente maior quando comparado com o exercício aeróbio.(53) Embora os pesquisadores e profissionais da saúde discutam a importância da força muscular na capacidade funcional dos pacientes com DPOC, não há consenso com relação à implementação do treinamento de força nos programas de reabilitação pulmonar.

Estimulação elétrica neuromuscular
A estimulação elétrica neuromuscular já é normalmente utilizada na reabilitação de pacientes com doença neuromuscular e ortopédica e, mais recentemente, há evidência crescente de que pode ser útil em pacientes que apresentam disfunção dos músculos esqueléticos periféricos e intolerância ao exercício, resultantes de doenças sistêmicas.(54)

A estimulação elétrica neuromuscular pode ser útil, principalmente nos pacientes que apresentam DPOC grave e disfunção muscular esquelética significativa. Os benefícios deste tipo de terapia podem ser particularmente evidentes nos pacientes com dispnéia intensa, incapazes de se submeterem mesmo a atividades extremamente leves. Neste tipo de paciente, a estimulação elétrica neuromuscular pode aliviar os efeitos da disfunção muscular, tornando possível a participação em programas de reabilitação pulmonar que envolvam o condicionamento físico.(55)

Terapia antioxidante
O estresse oxidativo apresenta papel importante na fisiopatologia da DPOC. Neste sentido, a terapia antioxidante parece ser uma estratégia racional para os pacientes acometidos pela doença. Até o momento, o principal antioxidante disponível para tratamento de pacientes com DPOC é a N-acetilcisteína.(56) Este antioxidante pode reduzir a velocidade de declínio anual do volume expiratório forçado no primeiro segundo em pacientes com DPOC. Alguns autores,(56) em um estudo multicêntrico, não observaram nenhum efeito da N-acetilcisteína no volume expiratório forçado no primeiro segundo de 523 pacientes acompanhados por três anos. Entretanto, a capacidade residual funcio-nal apresentou-se significativamente reduzida no grupo submetido à N-acetilcisteína. Há necessidade de novas investigações, principalmente em relação aos efeitos da terapia antioxidante na progressão da DPOC, na freqüência de exacerbações e no alívio dos sintomas da doença.

OUTROS EFEITOS

Influência do uso de corticosteróides
Associada à disfunção muscular, a osteoporose também é freqüente em pacientes com DPOC. O uso de corticosteróides, tanto inalatórios como sistêmicos, pode causar perda óssea nestes pacientes, mas há também estudos que mostram diminuição da densidade óssea naqueles que não receberam corticosteróides.(57)

Pacientes em uso de corticosteróides por tempo prolongado, maior que um mês, podem apresentar significativa diminuição dos níveis de testosterona, causando disfunção sexual.(17) A dosagem de corticosteróides e o nível sérico de testosterona são inversamente proporcionais, provavelmente pela supressão da secreção de hormônio de liberação de gonadotropinas, pela glândula pituitária, induzida pelos corticosteróides.(17)

O uso prolongado de corticosteróides está associado com diminuição e perda de força muscular em pacientes com DPOC quando comparados a pacientes que não recebem corticosteróides. Em estudos com ratos foi visto que os CE estimulam a proteólise e inibem tanto a síntese protéica como o transporte de aminoácidos para as células musculares. Corticosteróides e acidose ativam a via da ubiquitina, conhecida por aumentar a degradação protéica, principalmente naqueles pacientes em uso de corticosteróides devido a exacerbações.(17)

Doenças cardiovasculares
Pacientes com valores baixos de volume expiratório forçado no primeiro segundo apresentam maior risco de mortalidade devida a doenças cardiovasculares; tem sido mostrada associação entre valores basais de função pulmonar e incidência de doença coronariana e doenças cerebrovasculares.(58) O processo inflamatório presente nos pacientes com DPOC pode ser o mecanismo responsável por esta associação.(3)

Alguns autores,(59) em um estudo com 6.629 pacientes, mostraram correlação entre a obstrução de via aérea, a inflamação sistêmica e o aumento de doenças cardíacas. A presença de processo inflamatório, evidenciada pela elevação da proteína C-reativa, aumentou em até duas vezes o risco de doenças cardíacas no grupo de pacientes com obstrução grave em relação ao grupo em que não havia alterações na espirometria.

No mesmo sentido, doses baixas de corticóide inalatório, de 50 a 200 mcg, reduziram o risco de infarto agudo do miocárdio em pacientes com DPOC.(60) Este estudo levanta a hipótese da ação antiinflamatória do corticóide pela modificação da expressão de genes relacionados à inibição da síntese de citoquinas como a IL-2, IL-6 e fator de necrose tumoral alfa, de adesão endotelial, de enzimas e de outras proteínas envolvidas na inflamação. Porém, estudos adicionais são necessários para investigar os efeitos do tratamento antiinflamatório no risco de infarto agudo do miocárdio em pacientes com DPOC.

CONCLUSÃO

De acordo com o discutido acima, a DPOC deve ser considerada uma doença sistêmica e as manifestações extrapulmonares devem ser consideradas na avaliação de sua gravidade. Além disso, o tratamento destas manifestações pode modificar o prognóstico desses pacientes. A realização de novas investigações relacionadas à elucidação das manifestações sistêmicas faz-se necessária para o desenvolvimento de novas estratégias de tratamento, principalmente quanto ao estado nutricional e à disfunção dos músculos esqueléticos periféricos, o que pode resultar em melhora da tolerância ao exercício e do estado geral de saúde desses pacientes.

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* Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista "Julio Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
1. Professor Adjunto da Universidade Federal dos Vales do Jequinhonha e Mucuri - UFVJM - Diamantina (MG) Brasil.
2. Médica Pneumologista da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista "Julio Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
3. Doutoranda do Programa de Pós-graduação de Fisiopatologia em Clínica Médica do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista "Julio Mesquita Filho"- UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
4. Professora Livre-Docente Adjunta da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Julio Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Victor Zuniga Dourado. Rua Peixe Vivo, 119 apto 203, Bela Vista - CEP 39100-000, Diamantina, MG, Brasil. E-mail: vzuniga@universiabrasil.net
Recebido para publicação em 20/6/05. Aprovado, após revisão, em 7/7/05.

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