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Artigo Original

Fatores de risco de complicações pulmonares em pacientes com sarcoma após toracotomia para a ressecção de nódulos pulmonares

Risk factors for pulmonary complications in patients with sarcoma after the resection of pulmonary nodules by thoracotomy

Rogério Santos Silva, Paulo Sérgio Siebra Beraldo, Flávia Ferretti Santiago, Daniel Sammartino Brandão, Eduardo Magalhães Mamare, Thomas Anthony Horan

ABSTRACT

Objective: To identify the risk factors for pulmonary complications after thoracotomy for the resection of pulmonary nodules in patients with sarcoma. Methods: A retrospective cohort study involving 68 consecutive patients diagnosed with sarcoma and submitted to a total of 174 thoracotomies for the resection of pulmonary nodules. The dependent variable was defined as the occurrence of any postoperative pulmonary complications. The independent variables were related to the patient, underlying diagnosis, and type of surgical procedure. We analyzed the data using a multivariate generalized estimating equations model with logistic link function and a symmetric correlation structure. Results: Complications were observed in 24 patients (13.8%, 95% CI: 9.0-19.8), and there was one death. The mean length of hospital stay was twice as long in the patients with postoperative complications as in those without (18.8 ± 10.0 days vs. 8.6 ± 6.0 days; p < 0.05). The variables that correlated with the outcome measure were the type of resection (wedge vs. anatomic; OR = 3.6; 95% CI: 1.5-8.8), the need for blood transfusion (OR = 9.8; 95% CI: 1.6-60.1), and the number of nodules resected (OR = 1.1; 95% CI: 1.0-1.1). The multivariate model showed an area under the ROC curve of 0.75 (95% CI: 0.65-0.85). Conclusions: Postoperative pulmonary complications were common after pulmonary nodule resection in patients with sarcoma, occurring in approximately 10% of the procedures. The occurrence of such complications can be expected when techniques other than wedge resection are employed, when blood transfusion is required, and when a great number of nodules are resected. Therefore, it is possible to identify patients at risk for pulmonary complications, who should be closely monitored in the immediate postoperative period. In such patients, all preventive measures should be taken.

Keywords: Sarcoma; Neoplasm metastasis; Risk; Thoracotomy; Thoracic surgery.

RESUMO

Objetivo: Identificar os fatores de risco para complicações pulmonares em pacientes com sarcoma após serem submetidos a toracotomia para a ressecção de nódulos pulmonares. Métodos: Estudo de coorte retrospectivo com 68 pacientes consecutivos com diagnóstico de sarcomas e submetidos a 174 toracotomias para a ressecção de nódulos pulmonares. A variável dependente foi definida como a ocorrência de qualquer complicação pulmonar pós-operatória. As variáveis independentes foram relacionadas com o paciente, o diagnóstico de base e o tipo de procedimento cirúrgico. Os dados foram analisados segundo um modelo multivariado de estimação de equações generalizadas, com uma função de ligação logística e uma estrutura de correlação simétrica. Resultados: Houve 24 complicações (13,8%; IC95%: 9,0-19,8), incluindo um óbito. Os pacientes que apresentaram complicações pós-operatórias tiveram um tempo médio de internação duas vezes superior àqueles sem complicações (18,8 ± 10,0 dias vs. 8,6 ± 6,0 dias; p < 0,05). As variáveis que se correlacionaram com o desfecho foram o tipo de ressecção (em cunha ou anatômica; OR = 3,6; IC95%: 1,5-8,8), necessidade de transfusão sanguínea (OR = 9,8; IC95%: 1,6-60,1) e número de nódulos ressecados (OR = 1,1; IC95%: 1,0-1,1). O modelo multivariado obtido exibiu uma área sob a curva ROC de 0,75 (IC95%: 0,65-0,85). Conclusões: As complicações pulmonares pós-operatórias após a ressecção de nódulos pulmonares em pacientes com sarcoma não foram raras, ocorrendo em cerca de 10% dos procedimentos. A ocorrência dessas complicações pode ser antecipada pelo uso de ressecção não em cunha, necessidade de hemotransfusão e maior número de nódulos ressecados. Assim, já no pós-operatório imediato, é possível identificar pacientes de risco, que devem ser estritamente monitorizados durante o período pós-operatório imediato. Para esses pacientes, todas as medidas preventivas devem ser tomadas.

Palavras-chave: : Sarcoma; Metástase neoplásica; Risco; Toracotomia; Cirurgia torácica.

Introdução

Os sarcomas, notadamente o osteossarcoma, são tumores raros e agressivos, evoluindo precocemente com metástases.(1) Essas estão presentes, ao diagnóstico, em até 20% dos casos, predominantemente nos pulmões.(1,2) Todavia, a sobrevida média em cinco anos passou de 10-20%, nos anos 60, para 60-70%, no início da atual década.(1) Esse avanço decorreu de um tratamento multimodal, com radioterapia, quimioterapia e cirurgias para a ressecção do tumor primário e metástases. As toracotomias para ressecção de metástases, mesmo que múltiplas, foram incorporadas ao arsenal terapêutico como um importante determinante na sobrevida desses casos.(2)

Nas ressecções de metástases pulmonares dos sarcomas, até 12% dos pacientes apresentam complicações pulmonares, resultando em prolongamento da internação e mortalidade hospitalar de até 2%.(3-6) Entretanto, ainda não se encontram bem definidos quais seriam os fatores de risco para essas complicações. Esse conhecimento poderia ajudar em uma estratificação de risco, otimizando a decisão cirúrgica e definindo intervenções preventivas.

Assim, o objetivo do presente estudo foi identificar as variáveis independentes associadas a complicações pulmonares pós-operatórias em pacientes com sarcoma e submetidos à toracotomia para a ressecção de nódulos pulmonares com suspeita ou diagnóstico de metástases.

Métodos

Trata-se de um estudo de coorte hospitalar retrospectivo que incluiu 68 pacientes com diagnóstico de sarcomas os quais foram consecutivamente submetidos a 174 toracotomias para a ressecção de nódulos pulmonares no Hospital SARAH-Brasília, na cidade de Brasília (DF), entre janeiro de 2001 e outubro de 2008. O projeto foi avaliado e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa em seres humanos da instituição.

Todos os pacientes tiveram o tumor primário determinado histologicamente,(7) através de biópsia ou estudo anatomopatológico da peça cirúrgica. O nódulo pulmonar foi detectado através de TC de tórax, empregada rotineiramente como forma de rastreamento. Todos os pacientes foram considerados para o tratamento cirúrgico de uma provável metástase pulmonar quando atendiam aos seguintes preceitos básicos: tumor primário controlado; ausência de metástases extratorácicas; inexistência de outra modalidade terapêutica eficaz; função pulmonar e condições clínicas compatíveis; e contexto clínico-radiológico que indicasse ser a doença metastática totalmente ressecável.(8)

Os nódulos pulmonares foram ressecados com o menor sacrifício do parênquima normal adjacente, tornando, assim, a ressecção em cunha (5 mm de margem mínima) o procedimento mais comum. Os pacientes dessa série foram submetidos, no pré-operatório, a avaliação laboratorial e espirométrica. A liberação para o procedimento proposto somente foi obtida com a normalização do coagulograma, das séries vermelha e branca - particularmente naqueles submetidos à quimioterapia - e de resultados de função pulmonar aceitáveis.(9) Os pacientes profilaticamente receberam antimicrobianos, heparina e, dependendo das circunstâncias, intervenções não farmacológicas (deambulação precoce, compressão pneumática ou uso de meias elásticas em membros inferiores). Dependendo do caso, foram utilizados um ou dois drenos tubulares multiperfurados, de calibre variado, que eram retirados após a expansão pulmonar, avaliada pelo exame físico, radiografia, ausência de escape aéreo e drenagem líquida clara (< 200 mL/dia). O sistema de drenagem pleural ou mediastinal foi em selo d'água, com coletor de débito separado e com possibilidade de aspiração contínua (Pleur-evac; Genzyme Surgical Products Corp., Fall River, MA, EUA). Todos receberam analgesia peridural ou venosa contínua em bomba de tipo patient controlled analgesia no pós-operatório. O treinamento dos exercícios respiratórios era iniciado no pré-operatório, consistindo em tosse assistida, espirometria de incentivo e respiração profunda, sustentada e espontânea. Oxigenoterapia e ventilação mecânica não invasiva foram inicialmente utilizadas na presença de qualquer intercorrência que cursasse com hipóxia ou hipercapnia.

A variável dependente dicotômica foi definida como qualquer complicação pulmonar entre o pós-operatório e a alta hospitalar. Consideraram-se tão somente as complicações registradas no prontuário e que motivaram uma decisão clínica.(10) Assim, por exemplo, uma complicação infecciosa, como pneumonia ou empiema, somente foi computada quando houve dados laboratoriais, clínicos e radiológicos compatíveis, e a prescrição de um antimicrobiano foi associada. O pneumotórax e/ou escape aéreo prolongado somente foram considerados como uma complicação no caso de redrenagem ou prolongamento por mais de cinco dias do tempo de drenagem, mesmo quando os pacientes haviam sido submetidos previamente à aspiração contínua. Todo episódio de dispneia associada à hipóxia e com necessidade de suporte ventilatório, invasivo ou não, foi considerado como insuficiência respiratória aguda e teve sua causa investigada. Enquadraram-se nesse perfil, por exemplo, as atelectasias. Por último, somente foram valorizados os sangramentos pós-operatórios que necessitaram de reposição volêmica ou revisão cirúrgica.

Foram consideradas, além do gênero e idade, outras variáveis relacionadas ao pré e perioperatório.No primeiro caso, computamos o tipo histológico da neoplasia primária, estadiamento,(11) quimioterapia neoadjuvante, história de tabagismo, principais parâmetros espirométricos, comorbidades e toracotomias prévias. Com relação ao perioperatório, avaliamos tempo e tipo de cirurgia, número de nódulos ressecados, perdas sanguíneas e hemotransfusões.

Os resultados foram expressos na forma de média ± dp, mediana (intervalo interquartílico) ou proporção (IC95%), indicando-se eventualmente os valores extremos. Foram empregados os testes t de Student, qui-quadrado, exato de Fisher e de Mann-Whitney. O nível de significância estatística foi definido em p < 0,05, e os testes foram bicaudais.

Na análise multivariada, consideramos tanto o total de pacientes (n = 68), como de toracotomias (n = 174). Com isso, não violamos o princípio da independência dos dados, já que alguns desfechos eventualmente incidiram nos mesmos pacientes, mas em procedimentos cirúrgicos diferentes. Assim, utilizou-se um modelo múltiplo de estimação de equações generalizadas(12) - do inglês, generalized estimating equations (GEE) - com uma função de ligação logística e uma estrutura de correlação simétrica. Inicialmente, uma análise univariada foi conduzida quando valores críticos de p < 0,25 foram considerados para a inclusão da variável independente, posteriormente, na análise multivariada.(13) O modelo GEE múltiplo foi construído por exclusões consecutivas das variáveis independentes através do teste da razão de verossimilhança.(13) A multicolinearidade foi também estudada com o objetivo de verificar a existência de variáveis independentes que apresentassem correlação ou associação. A validação do modelo final foi conduzida com a curva ROC.(14) Os pacotes estatísticos Statistical Analysis System, versão 9.13 (SAS Institute, Cary, NC, EUA) e Statistical Package for the Social Sciences, versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) foram utilizados para o tratamento dos dados.

Resultados

Foram investigados 68 pacientes, sendo 44 homens (64,7%), com uma relação homem:mulher de 1,8:1,0. A mediana da idade dos pacientes na primeira cirurgia foi de 21,5 anos (variação: 7-70 anos). No diagnóstico histológico do processo de base, predominaram os sarcomas ósseos (62,0%), seguidos dos de partes moles (38,0%). Dentre os sarcomas ósseos, o osteossarcoma respondeu por 81,0% dos casos. Entre os sarcomas de partes moles, predominaram os sinoviais (42,0%; Tabela 1).



Quanto ao hábito tabágico, resgatamos essa informação no prontuário de somente 44 pacientes (65,0%), que foram submetidos a 90 cirurgias. Do total desses pacientes, a maioria era de não fumantes (29 pacientes, 66,0%). Dos 15 remanescentes, 9 eram ex-fumantes e 6 eram fumantes.

Todos os pacientes foram submetidos à ressecção radical do tumor primário, a exceção de 2 pacientes, acometidos primariamente na coluna vertebral. Nesses casos, o controle local, prévio à toracotomia, foi realizado com quimioterapia e radioterapia. Quanto ao estadiamento, 56 pacientes (82%) foram classificados em estágio IV, já que o exame histopatológico dos nódulos confirmou a metástase pulmonar. Os outros 12 casos (18%), submetidos a 15 toracotomias, tiveram estadiamento III ou inferior, porque o exame histopatológico do material ressecado foi negativo para metástase (nódulos fibrosos calcificados, bronquiolite obliterante, fungos, pneumonia intersticial descamativa e pneumonia eosinofílica).

Considerando-se o tempo de estudo até o mês de março de 2009, os pacientes dessa série exibiram uma mortalidade de 29,4%, com um tempo mediano de seguimento de 20,3 meses (variação: 3,1-120,4 meses). A curva de sobrevida (método de Kaplan-Meier) mostrou que 60% dos pacientes permaneceram vivos por 50 meses de seguimento, considerando-se a primeira toracotomia como referência.

O número de toracotomias por pacientes foi bastante variado, de 1 (29,0%) a 8 (apenas um caso), sendo que um terço se submeteu a 2 procedimentos, sem diferença entre os tipos de sarcomas (ósseos ou de partes moles). A grande maioria das toracotomias consistiu de ressecção em cunha (146 procedimentos, 83,9%), de forma isolada ou em concomitância a outras técnicas. As lobectomias e segmentectomias foram realizadas, respectivamente, em 14,9% e 12,1% de todos os procedimentos, de forma isolada ou em concomitância a outras técnicas.
Nenhuma diferença foi encontrada entre a lateralidade das toracotomias, com apenas 1 procedimento envolvendo ambos os lados simultaneamente. O tempo mediano das cirurgias foi de 90 min (variação: 70-150 min). A quimioterapia precedeu 132 toracotomias (75,9%).

No total, 815 nódulos foram ressecados (centrais ou periféricos), com uma mediana de 3, com variação de 1 a 54 nódulos/toracotomia.
Dezoito pacientes apresentaram pelo menos uma complicação respiratória no pós-operatório (26,5%; IC95%: 16,5-38,6). Considerando-se o total de toracotomias, 24 pacientes exibiram pelo menos uma complicação (13,8%; IC95%: 9,0-19,8). Um quarto dessas complicações correspondeu à pneumonia (25,0%), seguida de pneumotórax e sangramento (7,0% cada; Tabela 2). Um dos pacientes evoluiu para óbito após a ocorrência de tromboembolismo pulmonar, configurando uma mortalidade de 1,5% (IC95%: 0,0-8,2). Além desse fato, vale destacar que as toracotomias que causaram pelo menos uma complicação resultaram no dobro da média de internação (8,6 ± 6,0 dias vs. 18,8 ± 9,6 dias; p < 0,05). Nenhuma das toracotomias pelas quais os nódulos ressecados foram negativos para metástases apresentaram complicações.



Das variáveis contínuas, constatamos maiores perdas sanguíneas e maior número de nódulos periféricos ressecados entre as toracotomias que complicaram (p < 0,05; Tabela 3). Nenhum dos parâmetros espirométricos do período pré-operatório mostrou-se diferente entre os grupos.



Dentre as variáveis categóricas analisadas, três mostraram-se diferentes entre as toracotomias que complicaram ou não (Tabela 4). Constataram-se mais complicações nas toracotomias direitas, naquelas cujos pacientes receberam transfusão e nas que envolveram técnicas cirúrgicas mais complexas, ou seja, segmentectomias ou lobectomias. Não constatamos colinearidade entre sangramentos e transfusão, já que várias perdas foram controladas sem o uso de derivados sanguíneos.



Foram testados modelos considerando-se somente as variáveis pré-operatórias, somente as variáveis intraoperatórias e ambas. Na análise univariada, nenhuma variável pré-operatória apresentou p < 0,25.
Também na análise univariada, valores de p < 0,25 foram encontrados para as seguintes variáveis intraoperatórias: número de nódulos superficiais, número total de nódulos, ressecção em cunha, tempo de cirurgia, perda sanguínea e ocorrência de transfusão. Do ponto de vista pragmático, optamos por incluir no modelo somente o número total de nódulos ressecados. O modelo GEE múltiplo empregado identificou que transfusão, técnicas cirúrgicas mais complexas (ressecção anatômica) e total de nódulos ressecados foram fatores de risco independentes (Tabela 5). O modelo multivariado obtido exibiu uma área sob a curva (ASC) ROC significativa (ASC = 0,75; IC95%: 0,65-0,85).





Discussão

Numa série consecutiva de 68 pacientes com sarcoma ósseo ou de partes moles, submetidos a 174 toracotomias para ressecção de nódulos pulmonares, observamos 14% de complicações pulmonares pós-operatórias. As variáveis associadas com essas complicações foram o tipo de ressecção, a necessidade de transfusão sanguínea e o número de nódulos retirados.

O estudo tem algumas limitações que devem ser destacadas. Trata-se de um levantamento retrospectivo com base em prontuários. Como tal, é sujeito a vieses de aferição, seleção e informação.(16) Destacamos a possibilidade de uma tendenciosidade centrípeta,(16) já que foi conduzido em uma instituição de referência.(6,17) Entretanto, os pacientes aqui estudados foram semelhantes aos de outras casuísticas, considerando-se gênero, idade, tipo histológico, sobrevida, abordagem cirúrgica e critérios de indicação das ressecções.(7,18) As comorbidades foram infrequentes, já que se tratava de uma série constituída essencialmente por jovens, razão pela qual não foram consideradas.

Pelo mesmo motivo, aliado ao fato de que eram pacientes estáveis, sem evidência clínica de síndrome consumptiva ou de hipoproteinemia, não foram solicitados outros exames laboratoriais, embora a literatura demonstre a importância prognóstica da pré-albumina nas complicações pós-operatórias de ressecção pulmonar.(19) Por último, destacamos que outra limitação do estudo foi o número limitado de eventos em relação ao total de variáveis independentes investigadas (overfitting).(20)

Destacamos que foram estudados pacientes consecutivos, envolvendo variáveis de fácil obtenção e sem perdas no seguimento. A instituição trabalha com prontuários eletrônicos,(21) o que garantiu o registro de eventos clínicos de interesse, de forma objetiva, atualizada e fidedigna. Ademais, a atenção interdisciplinar aos pacientes dessa série, nos períodos pré, peri e pós-operatório, foi estável durante os anos investigados. Por último, a abordagem estatística foi robusta, envolvendo modelos GEE(10) e validação com a curva ROC.(12)

Apenas quatro outros estudos mencionaram o percentual de complicações pulmonares pós-toracotomia para a ressecção de metástases pulmonares por sarcomas, que variaram entre 0% e 12%, com mortalidade de até 2%.(3-6) Um desses estudos foi conduzido na própria instituição, nos anos 90.(6) Embora nossas taxas de morbidade e mortalidade tenham sido dentro desses limites, observamos diferentes complicações pulmonares. Numa das séries mais citadas, com mortalidade de 1,5%, 40% das complicações foram de empiemas e fístulas.(3) Já na série prévia em nosso hospital, predominaram as fístulas (5 em 7 casos de complicações).(6) No presente estudo, observamos que 40% dos eventos foram pneumonia e pneumotórax, com dois casos de tromboembolismo pulmonar. Essas variações podem decorrer de diferentes critérios diagnósticos, curso clínico e disponibilidade propedêutica.(9)

Antes de comentarmos os fatores de risco que identificamos, discutiremos brevemente as variáveis que não se mostraram independentes. Quanto ao gênero, nenhum outro modelo de predição de complicação pulmonar pós-cirúrgica mostrou um risco diferenciado entre homens e mulheres, independentemente do local ou do diagnóstico da doença de base. Não encontramos nenhuma influência da idade, talvez pelo fato de que na série predominaram jovens. A literatura considera que, se houver maior risco, esse é a partir dos 80 anos de idade.(22,23) A quimioterapia neoadjuvante foi utilizada em 80% dos pacientes neste estudo e também não se associou com complicações pós-operatórias.

Relembramos que os pacientes somente foram liberados para a intervenção cirúrgica após a normalização de parâmetros clínicos e hematimétricos. Embora a efetividade da quimioterapia neoadjuvante ainda não tenha sido demonstrada formalmente nesses casos, pelo menos, com base em nossos resultados, podemos concluir que essa intervenção não teve repercussão pós-cirúrgica negativa. Por último, nem toracotomias prévias, nem nenhum dos parâmetros espirométricos mostraram-se como variáveis independentes. Muitos dos nossos pacientes passaram por ressecções pulmonares prévias e apresentavam uma redução significativa da função pulmonar. As evidências mostram que se VEF1 for ≤ 1,5-2 L ou ≤ 80% do previsto, o paciente deverá ter a função pulmonar pós-operatória calculada.(8) Essa estimativa considera procedimentos maiores, não aplicada nas ressecções em cunhas e segmentectomias. De qualquer forma, os cirurgiões e clínicos envolvidos nesta série sempre levaram em consideração, no processo decisório, os parâmetros espirométricos e o porte da ressecção.

Demonstramos que pacientes hemo­transfundidos tiveram uma chance 10 vezes maior de exibir pelo menos uma complicação pulmonar pós-operatória. Essas transfusões não se associaram com o tipo de procedimento (cunha vs. não cunha), perda sanguínea perioperatória ou o número de nódulos ressecados. Sabe-se que a hemotransfusão está associada a uma maior chance de óbito em pacientes graves e de complicações pulmonares em pacientes clínicos ou cirúrgicos.(24,25) Na clínica oncológica, como esses pacientes são politransfundidos, sabe-se que o uso de hemoderivados pode aumentar o risco de complicações infecciosas, erro humano, reação hemolítica e doença do enxerto contra o hospedeiro.(26)

A análise multivariada mostrou que qualquer outro tipo de ressecção, que não fosse exclusivamente ressecção em cunha, aumentou a chance de uma complicação pulmonar em 260%. A ideia que prevalece aqui é procedermos à exé­re­se do maior número de nódulos possíveis, com a máxima preservação do parênquima. Como esses pacientes se submetem a ressecções seriadas, procedimentos mais radicais, como lobectomias e segmentectomias, foram, sempre que possível, evitados. A escolha preferencial recaiu sobre ressecções em cunha, utilizadas idealmente para nódulos superficiais, embora questões como a localização, o tamanho e o distanciamento entre os nódulos influenciem, sobremaneira, a técnica cirúrgica a ser adotada.(2)

O modelo final mostrou que cada nódulo ressecado implicou em uma chance 5% maior de complicação pulmonar pós-operatória. Esta constatação é coerente com o conhecimento de que o número de nódulos metastáticos pulmonares tem estreita relação com o prognóstico. A série do Registro Internacional de Metástases Pulmonares,(18) na qual se relatou que 42% dos tumores eram sarcomas, mostrou que a sobrevida em cinco anos entre pacientes com metástase única, dois/três nódulos e mais de três nódulos metastáticos foi, respectivamente, de 43%, 34% e 27%.

No início dessa década, um estudo em nossa instituição incluiu 40 pacientes com sarcomas submetidos à ressecção de metástases pulmonares.(6) A casuística de então apresentava, em diversos aspectos, características semelhantes com a da presente série. Eram pacientes jovens (média de 24 anos), 60% eram homens, 55% apresentavam osteossarcomas, tinham sobrevida média em cinco anos de 65% e apresentaram taxa de complicação pós-toracotomia de 11,7% (IC95%: 4,8-22,6). As mesmas características para a série atual foram, respectivamente, 22 anos de idade, 65% de homens, 50% de osteossarcomas, sobrevida média em 4,2 anos após a toracotomia inicial de 60% e taxa de complicação de 13,8% (IC95%: 9,0-18,0).

Entretanto, nesses quase 10 anos de intervalo, o número médio de toracotomias por paciente na instituição aumentou de 1,5 para 2,6, enquanto o número médio de nódulos ressecados por toracotomia diminuiu de 13,0 para 4,5, sem aumento na morbidade pós-operatória. Localizamos apenas nove outros estudos que trouxeram essas informações. Quanto ao número médio de toracotomias por pacientes, não encontramos nenhum valor acima de 3, predominando a faixa de 1,5 a 1,9.(2-5,27-29) Quanto ao número de nódulos ressecados por procedimento, foram identificados apenas dois estudos com valores médios abaixo de 3,(3,4) enquanto o máximo registrado foi o de 12 nódulos/toracotomia.(2,5) Considerando que a história natural da doença não mudou nesses 10 anos, é razoável concluirmos que os atuais pacientes sofreram mais toracotomias, com menos nódulos ressecados. É razoável pensarmos que o acompanhamento desses pacientes vem sendo mais próximo, com frequente controle clínico e de imagem, criando-se condições de detecção precoce de novos nódulos pulmonares.(18) Sabe-se que um curto intervalo livre de doença é um importante fator prognóstico, mas que não contraindica ressecções sequenciais.(30)

O presente estudo reveste-se de especial importância porque envolve uma série de pacientes jovens, com um tumor raro e de prognóstico reservado. Esse quadro vem sofrendo modificações nas últimas décadas, notadamente após o advento da quimioterapia e de estratégias cirúrgicas mais agressivas.(1) No cenário nacional e mundial, nenhuma outra investigação indexada se debruçou especificamente sobre os fatores de risco de complicações após a ressecção de metástases pulmonares nesses pacientes. Um modelo preditivo idealmente serviria para estratificar pacientes em faixas de risco, diferenciando seu tratamento em função do prognóstico. No caso de fatores de risco controláveis, medidas preventivas poderiam ser úteis. O modelo a que chegamos nesta investigação envolve três variáveis independentes modificáveis. Dependendo do volume e das circunstâncias do sangramento, vários recursos são disponíveis para se evitar transfusões. Quanto à técnica cirúrgica e ao número de nódulos, esses resultados são coerentes com a conduta contemporânea de seguimento sistemático e de ressecções conservadoras e seriadas.

Assim, concluímos que as complicações pulmonares após a ressecção de nódulos pulmonares em pacientes com sarcomas não foram eventos raros, ocorrendo em cerca de 1 para cada 10 procedimentos. O tipo de ressecção cirúrgica, a necessidade de transfusão sanguínea e o número de nódulos ressecados foram as variáveis que se mostraram associadas com essas complicações. A partir desses resultados é possível, já no pós-operatório imediato, identificar os potenciais pacientes de risco, redobrando as medidas preventivas e de vigilância. Teoricamente, todas as variáveis independentes identificadas são passíveis, direta ou indiretamente, de controle, podendo-se minimizar ainda mais a morbidade e mortalidade dessas intervenções.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer a Eduardo Freitas da Silva, professor do Departamento de Estatística da Universidade de Brasília, a assessoria e condução das análises estatísticas que esse projeto demandou.


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* Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação do Centro SARAH de Formação e Pesquisa, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, SARAH-Brasília, Brasília (DF) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo Sérgio Siebra Beraldo. MSPW Quadra 18, Conjunto 5, lote 3, casa H, Park-Way, CEP 71741‑805, Brasília, DF, Brasil.
Tel 55 61 3319-1625. Fax 55 61 3319-1538. E-mail: beraldo8@terra.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 12/4/2010. Aprovado, após revisão, em 28/6/2010.


Sobre os autores

Rogério Santos Silva
Fisioterapeuta. Programa de Oncologia, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, SARAH-Brasília, Brasília (DF) Brasil.

Paulo Sérgio Siebra Beraldo
Coordenador. Associação das Pioneiras Sociais, Centro SARAH de Formação e Pesquisa, Brasília (DF) Brasil.

Flávia Ferretti Santiago
Médica Oncologista. Programa de Oncologia, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, SARAH-Brasília, Brasília (DF) Brasil.

Daniel Sammartino Brandão
Cirurgião Torácico. Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, SARAH-Brasília, Brasília, (DF) Brasil.

Eduardo Magalhães Mamare
Cirurgião Torácico. Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, SARAH-Brasília, Brasília, (DF) Brasil.

Thomas Anthony Horan
Cirurgião Torácico. Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação, SARAH-Brasília, Brasília, (DF) Brasil.

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