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Artigo Original

Tabagismo entre pacientes internados em um hospital universitário no sul do Brasil: prevalência, grau de dependência e estágio motivacional

Smoking among patients hospitalized at a university hospital in the south of Brazil: prevalence, degree of nicotine dependence, and motivational stage of change

Rafael Balsini Barreto, Mariângela Pimental Pincelli, Rafael Steinwandter, André Pacheco Silva, Jóice Manes, Leila John Marques Steidle

ABSTRACT

Objective: To determine the prevalence and profile of smoking among hospitalized patients at a university hospital in the south of Brazil. Methods: This was a descriptive cross-sectional study involving patients over 18 years of age hospitalized for over 24 h at the Federal University of Santa Catarina University Hospital, located in the city of Florianópolis, Brazil. The patients were interviewed on two distinct occasions. We collected demographic data, socioeconomic data, and data regarding smoking. Results: We interviewed 235 patients: 44 (18.7%) were smokers; 77 (32.8%) were former smokers; 114 (48.5%) were nonsmokers; and 109 (46.7%) were passive smokers. The mean age of the smokers was 45.7 ± 15.2 years, and 29 (65.9%) were male. Among the smokers, the median age at smoking initiation was 15 years; the mean smoking history was 32 ± 30.2 pack-years; 36 (81.9%) smoked up to 20 cigarettes/day; 20 (45.4%) had a high or very high degree of nicotine dependence; 32 (72.7%) had already tried to quit smoking; 39 (88.7%) would like to quit smoking; 32 (72.7%) would accept smoking cessation treatment; 13 (29.5%) smoked during hospitalization; and 13 (29.5%) suffered withdrawal syndrome. Regarding the motivation to quit smoking, the number of patients in the "preparation" and "action" stages of change increased from admission to discharge (from 31.8% to 54.8%). Conclusions: The prevalence of smoking in this study was similar to that reported in other studies conducted in Brazil. The results suggest that our sample was significant regarding the population of hospitalized smokers, who are motivated to quit smoking during hospitalization and require a systematized approach for doing so.

Keywords: Smoking/epidemiology; Hospitalization; Smoking cessation.

RESUMO

Objetivo: Avaliar a prevalência e o perfil do tabagismo em pacientes internados em um hospital universitário no sul do Brasil. Métodos: Estudo descritivo transversal com pacientes maiores de 18 anos hospitalizados há mais de 24 h no Hospital Universitário da Universidade de Santa Catarina em Florianópolis. Os pacientes foram entrevistados em duas ocasiões distintas. Dados demográficos, socioeconômicos e ligados ao tabagismo foram coletados. Resultados: Foram entrevistados 235 pacientes: 44 (18,7%) eram tabagistas; 77 (32,8%) eram ex-tabagistas; 114 (48,5%) eram não tabagistas e 109 (46,7%) eram tabagistas passivos. A média de idade dos fumantes foi de 45,7 ± 15,2 anos, e 29 (65,9%) eram do sexo masculino. Entre os fumantes, a mediana da idade de início do tabagismo foi de 15 anos; a carga tabágica média foi de 32 ± 30,2 anos-maço; 36 (81,9%) tinham consumo diário de até 20 cigarros; 20 (45,4%) tinham grau de dependência à nicotina elevada ou muito elevada; 32 (72,7%) já haviam tentado cessar, 39 (88,6%) gostariam de cessar, 32 (72,7%) aceitariam receber tratamento, 13 (29,5%) fumaram durante a internação, e 13 (29,5%) apresentaram síndrome de abstinência. Houve um aumento no número de pacientes nos estágios motivacionais de preparação e ação durante a internação (de 31,8% para 54,8%). Conclusões: A prevalência de tabagismo no estudo foi semelhante à encontrada em outros estudos no Brasil. Os resultados sugerem que nossa amostra foi significativa em relação à população de fumantes hospitalizados, que se encontra motivada à cessação do hábito tabágico durante a hospitalização, necessitando de uma abordagem sistematizada para a cessação.

Palavras-chave: Tabagismo/epidemiologia; Hospitalização; Abandono do hábito de fumar.

Introdução

O Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC) é o maior hospital-escola do estado de Santa Catarina, com importante contribuição à sociedade catarinense, não só na formação de profissionais da área de saúde, como também na cobertura assistencial que realiza. Localizado em Florianópolis, é um centro de referência terciária para todo o estado e conta com cerca de 290 leitos. No entanto, nesse hospital, a abordagem rotineira dos pacientes tabagistas internados ainda não é uma realidade.

A Organização Mundial de Saúde afirma que o tabagismo é a maior causa evitável de doenças, invalidez e mortes prematuras.(1) No país, a região com maior percentual de fumantes é a Sul, com 19,0% de tabagistas (22,5% em homens e 15,9% em mulheres). Segundo o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), Florianópolis tem uma prevalência de tabagismo de 17,5%, sendo 20,0% no sexo masculino e 15,3% no sexo feminino.(2,3)

Sabe-se que durante a hospitalização é aconselhável valorizar e identificar a dependência ao tabaco, já que a internação constitui uma boa janela de oportunidade para abordar e iniciar o tratamento do tabagismo, considerando-o como doença. Por outro lado, a cessação, muitas vezes imposta pela hospitalização, pode desencadear síndrome de abstinência de nicotina, com necessidade de tratamento e controle, condição esta frequentemente negligenciada pelos profissionais de saúde. A internação permite, ainda, abordar e monitorar o paciente mais intensamente, a fim de transformar este episódio de "interrupção tabágica obrigatória" em uma tentativa bem sucedida de cessação.(4-6) Dessa forma, informações a respeito das características dos pacientes tabagistas hospitalizados são necessárias para um maior entendimento da dimensão do problema, com o objetivo de justificar e implantar futuros programas de tratamento dirigidos a essa população.

Métodos

Realizou-se um estudo de delineamento descritivo transversal com dois pontos de observação, em um intervalo de três meses, em 2010.

A população estudada foi composta de pacientes maiores de 18 anos, hospitalizados por mais de 24 h, nas diversas unidades do HU-UFSC, que disponibilizava 290 leitos para internações. Foram excluídos os pacientes hospitalizados nas UTIs, assim como os pacientes com incapacidade de responder ao questionário ou aqueles que se recusaram a participar da pesquisa.

A coleta dos dados foi realizada pelos pesquisadores e colaboradores, devidamente treinados, em datas previamente determinadas - um fim de semana no outono e outro no inverno, pois nessas estações se prevê uma maior prevalência de pacientes internados, possibilitando a entrevista de um maior número de pacientes. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSC, sob o parecer de número 720/10. Todos os pacientes foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e assinaram o termo de consentimento previamente a sua realização.

O instrumento de pesquisa utilizado foi um questionário com perguntas fechadas que envolveram dados de identificação, dados demográficos e dados socioeconômicos. Considerou-se fumante o indivíduo que consumia, ao menos, um cigarro diário por um período não menor que um mês ou aquele que cessou o fumo por um período inferior a trinta dias. Já o ex-fumante foi caracterizado como aquele que cessou seu hábito há mais de um mês.(7) Adicionalmente, foram investigadas as características comportamentais ligadas ao tabagismo, incluindo a avaliação sobre o interesse na cessação, a investigação acerca de tentativas prévias de cessação e os possíveis recursos utilizados, o estágio motivacional(8) em que se encontravam imediatamente antes da internação e o estágio no momento da entrevista. Também se investigou as razões que pudessem auxiliar ou dificultar a cessação tabágica e a predisposição dos pacientes em aceitar uma abordagem relacionada à cessação do hábito de fumar durante a internação. Foram ainda avaliados o grau de dependência à nicotina, através do questionário de Fagerström(9) e a presença ou não de síndrome de abstinência a essa droga, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição, revisada.(10)

Os dados foram analisados com o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 17 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As variáveis contínuas foram submetidas ao teste de Kolmogorov-Smirnov para avaliar sua distribuição. As variáveis contínuas normais foram expressas através de média e desvio-padrão, enquanto as não normais foram apresentadas sob a forma de mediana e intervalo interquartílico. As variáveis categóricas foram expressas em termos de frequência e proporção. As diferenças entre as variáveis foram analisadas através dos testes de qui-quadrado, para as variáveis categóricas, e através dos testes t de Student e Mann-Whitney, quando pertinentes, para as variáveis contínuas. Foi considerado o valor de p < 0,05 para significância estatística.

Resultados

A primeira coleta de dados, realizada nos dias 15 e 16 de maio de 2010, envolveu 127 pacientes hospitalizados. A segunda coleta, que ocorreu nos dias 28 e 29 de agosto, incluiu 108 pacientes. A população final do estudo foi composta pelos entrevistados nas duas coletas, com características demográficas semelhantes, e que totalizou 235 participantes (Tabela 1).



Nessa população, a prevalência de tabagistas, de ex-tabagistas e daqueles que referiram nunca ter fumado na vida foi de 18,7%, 32,8% e 48,5%, respectivamente. A prevalência de tabagismo passivo foi elevada (46,7%). A maioria dos participantes era do sexo feminino (n = 131; 55,7%) e casada (n = 149; 63,4%). A média de idade foi de 49,4 ± 18,2 anos. Quase metade da amostra era analfabeta ou possuía o ensino fundamental incompleto. A renda familiar teve como mediana 3 salários mínimos. A maioria dos pacientes não praticava atividade física regularmente e não costumava ingerir bebidas alcoólicas regularmente (84,3% e 77,9%, respectivamente; Tabela 1).

Considerando-se especificamente a população dos 44 tabagistas, observou-se idade média de 45,7 ± 15,2 anos, com predomínio do sexo masculino (65,9%) e de casados (52,3%). Na questão da escolaridade, os analfabetos e aqueles com o estudo fundamental incompleto somaram 23 pacientes (52,3%). A mediana da renda mensal era de 2,5 salários mínimos por família (Tabela 1). Apenas 7 tabagistas (15,9%) praticavam alguma atividade física de forma regular. Quanto à ingestão de bebidas alcoólicas, 19 pacientes (43,2%) consumiam-nas regularmente (Tabela 1).

A Tabela 1 mostra, ainda, a comparação do grupo de tabagistas com o grupo de nunca fumantes. Houve diferenças estatisticamente significativas nos seguintes aspectos: os tabagistas tinham predominância do sexo masculino; estado civil com menos relações estáveis; escolaridade mais baixa; e maior número de pessoas que ingeriam bebidas alcoólicas.

A Figura 1 mostra a distribuição dos pacientes internados nas diversas alas do hospital, divididos conforme seu status tabágico. Destaca-se a maior prevalência de tabagistas entre os pacientes da clínica médica.



Considerando-se especificamente as características do tabagismo nesta população, observou-se que a mediana de idade de início foi de 15 anos. A média do tempo de tabagismo era de 28,1 ± 17,2 anos, com média de carga tabágica de 32,0 ± 30,2 anos-maço e mediana diária de consumo de 20 cigarros/dia (Tabela 2).



O resultado do questionário de Fagerström, que avaliou o grau de dependência nicotínica, revelou uma média de escore de 4,6 ± 2,3 (Tabela 2). A dependência foi considerada elevada ou muito elevada (escore de Fagerström ≥ 6) em 20 pacientes (45,4% dos tabagistas).

A grande maioria dos pacientes (75,0%) começou a fumar por influência de amigos ou familiares. Os principais fatores relatados como dificultadores da cessação do hábito de fumar foram achar o hábito de fumar muito prazeroso e ter medo da abstinência (em 63,6% e 51,3%, respectivamente; Tabela 2). Dos 44 tabagistas entrevistados, notou-se que 32 (72,7%) deles já haviam tentado parar de fumar, sem sucesso, e 23 desses 32 pacientes fizeram-no sem nenhuma ajuda (Tabela 2).

Analisando-se a presença de comorbidades relacionadas ao tabaco, tem-se que a maioria (63,7%) apresentava uma ou mais comorbidades (Tabela 2). As mais frequentes foram gastrite, em 22,7%; insuficiência arterial periférica, em 22,7%; doença arterial coronariana, em 18,2%; DPOC, em 15,9%; ataque isquêmico transitório/acidente vascular encefálico, em 9,1%; neoplasias malignas, em 6,8%; e doença pulmonar intersticial, em 4,5%.

Em relação à presença de sintomas respiratórios no último ano, 81,9% apresentavam um ou mais sintomas (Tabela 2). Os mais frequentes foram dispneia, em 52,3%; tosse seca, em 52,3%; desconforto faríngeo, em 43,2%; e tosse produtiva, em 36,4%. Todos os tabagistas fumavam cigarros industrializados, e 8 deles também fumavam o tabaco em outras formas, sendo o cigarro de palha a mais comum.

A maioria dos entrevistados (70,5%) revelou não ter fumado durante a internação, e 13 deles (29,5%) apresentaram síndrome de abstinência de nicotina. Dos fumantes, 39 (88,6%) manifestaram o desejo de cessar definitivamente o hábito de fumar, enquanto 32 (72,7%) afirmaram que aceitariam receber tratamento durante a hospitalização. Os principais motivos pelos quais os pacientes tinham o desejo de parar de fumar foram a preocupação com a condição atual de saúde, em 94,9%; a preocupação com a saúde que pode vir a adquirir no futuro, em 84,6%; o desejo de melhorar o bem-estar familiar, em 59,0%; e o fato de que o tabagismo é um mau exemplo para os filhos, em 56,4% (Tabela 3).



Quanto à motivação para a cessação do hábito de fumar, encontrou-se que, imediatamente antes da internação, o estágio motivacional mais encontrado foi o de pré-contemplação (40,9%). Durante a internação, predominou o estágio motivacional de ação (34,1%). Antes de serem internados, apenas 31,8% encontravam-se nos estágios de preparação ou ação, enquanto, durante a hospitalização, essa proporção passou para 56,8% (Figura 2).



Discussão

A prevalência encontrada de 18,7% de tabagistas, somada à de 32,8% de ex-tabagistas, demonstra o impacto e a importância do tabagismo no universo de pacientes hospitalizados. Os resultados também evidenciaram que 45,4% deles apresentavam dependência elevada ou muito elevada à nicotina. A maioria dos pacientes tabagistas tinha comorbidades relacionadas ao tabaco e apresentava sintomas respiratórios. A maior parte da população referia já ter tentado parar de fumar; porém, poucos utilizaram algum recurso para a cessação. A síndrome de abstinência foi detectada em 29,5% dos pacientes tabagistas. Grande parte deles gostaria de parar de fumar e aceitaria uma abordagem para a cessação durante a internação. As razões mais frequentes para parar de fumar foram a preocupação atual e a preocupação futura com a saúde. Durante a hospitalização, um maior número de pacientes em estágio motivacional de preparação e ação foi identificado.

Ao comparar os resultados encontrados com os estudos de população geral, como o VIGITEL 2008(2) e a Pesquisa Especial sobre Tabagismo (PETab),(3) as prevalências mostraram-se semelhantes: 17,5% de tabagistas em na cidade de Florianópolis, de acordo com o VIGITEL, e 17,1% de tabagistas para a população do estado de Santa Catarina, segundo o PETab. Ao compararmos os resultados do presente estudo com os de outros estudos envolvendo pacientes internados em hospitais gerais, encontramos uma concordância entre os resultados, que oscilaram entre 11,5% e 22,6%.(11-13)

Ao se comparar a população de fumantes com a de nunca fumantes, encontrou-se, também, outros dados concordantes com os estudos nacionais, como a escolaridade mais baixa (até ensino médio completo) - 93,2% dos tabagistas não completaram o ensino médio contra 63,2% da população nunca fumante.

A média de idade dos tabagistas hospitalizados foi de 45,7 ± 15,2 anos. Tal média foi a mais baixa encontrada entre os poucos estudos que avaliam o tabagismo intra-hospitalar (de 51,3 ± 16,8 anos a 58 ± 17 anos).(11-13) Ainda que seja uma população de meia idade, ela já se mostra sofrendo os efeitos deletérios dos anos de tabagismo: a maioria já apresentava comorbidades relacionadas ao tabaco, e 81,9% tinham, ao menos, um sintoma respiratório. Essa elevada prevalência de sintomas respiratórios contrasta com os dados de um recente estudo no Brasil,(11) que mostrou que 58% dos pacientes tabagistas eram sintomáticos do ponto de vista respiratório, porcentagem menor que a encontrada no presente estudo, apesar de a média de idade naquele estudo ter sido mais avançada.

Quase metade dos pacientes tabagistas apresentava um grau de dependência à nicotina considerado elevado ou muito elevado. Uma grande proporção iniciou o tabagismo precocemente e fumava, na época da entrevista, uma mediana de 20 cigarros/dia. Trata-se, assim, de uma população com características relacionadas ao insucesso da cessação tabágica, já que esse é um grupo que sofre mais com a síndrome de abstinência e necessita de uma abordagem comportamental e medicamentosa mais efetiva, uma vez que pode apresentar um elevado número de recaídas.(5) Isso foi claramente observado: dos tabagistas, 72,7% já haviam tentado parar de fumar, e 71,9% não haviam utilizado recurso algum.

Até o momento da entrevista, 29,5% dos tabagistas referiram ter fumado durante a hospitalização. Dentre eles, 5% fumaram dentro das dependências internas do hospital, enfermaria ou banheiros, locais que deveriam ser ambientes 100% livres de tabaco. Os presentes dados concordam com um estudo(14) que envolveu 602 tabagistas hospitalizados, dos quais 25% fumaram durante a hospitalização e 4% fumaram dentro do hospital, sendo o banheiro o local preferido (71%). Em outro estudo, envolvendo 358 pacientes tabagistas hospitalizados,(15) foi demonstrado que 24% fumaram durante a internação. Ambos os estudos ressaltam que o tempo de hospitalização e a síndrome de abstinência são os fatores determinantes para que o paciente fume.

A prevalência da síndrome de abstinência, detectada através da presença de quatro ou mais sintomas,(10) entre os pacientes hospitalizados tabagistas foi de quase um terço. Nenhum dos pacientes identificados estava recebendo tratamento para essa condição. Em um estudo nos EUA, de grande base populacional,(14) estimou-se que 89% dos tabagistas tiveram, ao menos, um sintoma de abstinência nas primeiras 48 h de internação. Tal fato torna-se importante, pois a síndrome de abstinência é um fator dificultador na cessação do hábito de fumar, e essa deve ser identificada e tratada.(5)

Apesar de a hospitalização poder atuar como um fator dificultador para a cessação do tabagismo por gerar estresse, insegurança e ansiedade no paciente, a hospitalização pode funcionar como indutora da cessação, uma vez que torna o hábito de fumar mais difícil e permite uma reflexão do paciente sobre seus hábitos de vida. O fato de que 88,6% dos pacientes terem relatado que gostariam de parar de fumar e que 72,7% aceitariam algum tipo de tratamento corrobora o conceito de que a internação é uma boa janela de oportunidade para iniciar a abordagem do paciente tabagista.(16)

Embora a internação possa ou não sensibilizar os pacientes, o fato é que 94,9% consideraram a preocupação com a saúde atual e futura como uma das principais razões para parar de fumar. É necessário mais estudos com pacientes hospitalizados no Brasil para podermos avaliar o impacto das abordagens focadas na motivação, cujo objetivo é a cessação tabágica a longo prazo.

Mais dados que confirmam a ideia de que a internação é um bom momento para iniciar-se a terapia da dependência à nicotina podem ser vistos na Figura 2. Antes da internação, 68,2% dos tabagistas encontrava-se na fase de pré-contemplação ou contemplação, que são os estados motivacionais que mais se distanciam da cessação efetiva. Em um estudo nos EUA,(17) valendo-se da população geral, foi pesquisada a distribuição das pessoas nos diferentes estágios motivacionais e foi relatado que as pessoas dividiam-se nos estágios de pré-contemplação, de contemplação e de preparação em 40%, 40% e 20%, respectivamente. O estágio de ação não foi levado em conta, pois o estudo envolveu apenas fumantes diários no momento da entrevista. Caso se exclua o estágio de ação do presente estudo, a porcentagem de pacientes em pré-contemplação e contemplação, antes da internação, chegaria a 78,9%. Não obstante, durante a internação, 56,8% já se encontravam em estágio de preparação ou de ação, estágios motivacionais significativamente mais próximos à cessação. Alguns pacientes tabagistas já se encontravam em ação antes da internação, ou seja, eram classificados no grupo de fumantes apenas por não terem completado 30 dias de abstinência. Após a hospitalização, esse número aumentou significativamente (250%). Os resultados do presente estudo apontam para a internação como um fator de mudança do estágio motivacional em relação ao tabagismo, caracterizando essa população como mais próxima à mudança da condição de tabagista.

Por ter sido aplicado um questionário cujas respostas dependiam totalmente da perspectiva do paciente, com exceção de alguns poucos itens que tinham de ser pesquisados em prontuários, os dados podem ter sido falseados pelo chamado efeito Hawthorne, em que o sujeito submetido a uma pesquisa responde conforme aquilo que ele intui que o pesquisador gostaria de ouvir. Para se obter o estágio motivacional para a cessação tabágica, foi utilizada a escala motivacional de Prochaska e DiClemente, que embora seja considerada pouco acurada, é a mais utilizada em nosso meio por já ter sido anteriormente validada. A escala de Richmond(18) tem sido utilizada em alguns estudos como um instrumento específico para avaliar a motivação para a cessação do hábito de fumar; porém, essa ainda não está validada para uso no Brasil. Outro ponto passível de crítica no presente estudo poderia ser a ausência da medida do monóxido de carbono exalado, uma medida biológica de tabagismo recente, de tal forma a não subestimar a prevalência de tabagistas. Não fez parte da análise estatística se a possibilidade de um procedimento cirúrgico ou se o setor de internação do paciente (clínica médica, clínica cirúrgica, ginecologia/obstetrícia ou emergência) influenciaria na mudança do estágio motivacional.

Em síntese, a presente investigação apresenta o tabagismo como uma questão prevalente também durante a internação e que esse é frequentemente negligenciado. À semelhança de outras unidades de saúde, uma abordagem dirigida ao tratamento da dependência à nicotina ainda não faz parte da rotina do HU-UFSC. Justamente pela população de tabagistas hospitalizados ser altamente dependente, com alta carga tabágica, idade de início do tabagismo na juventude e com grande quantidade de cigarros fumados ao dia, ela necessita de uma abordagem sistematizada, durante a internação, de forma que a cessação seja iniciada e bem sucedida. No sentido de otimizar essa abordagem, torna-se necessário o desenvolvimento de um amplo programa na instituição, focando na capacitação de médicos, enfermeiros e outros profissionais cujo contato com os pacientes é intenso, na disponibilização de medicação para auxiliar a luta contra o tabagismo e na implementação de estratégias dirigidas aos pacientes tabagistas, com especial atenção aos internados. Tal programa deve ser estendido após a alta hospitalar, de forma a garantir a manutenção da abstinência ao tabaco.


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Trabalho realizado no Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.
Endereço para correspondência: Rafael Balsini Barreto. Rua Almirante Lamego, 748, apto. 203C, Centro, CEP 88015-600, Florianópolis, SC, Brasil.
Tel. 55 48 3322-3162. E-mail: rafaelbalsinibarreto@gmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 31/3/2011. Aprovado, após revisão, em 29/9/2011.


Sobre os autores

Rafael Balsini Barreto
Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

Mariângela Pimentel Pincelli
Professora Adjunta. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

Rafael Steinwandter
Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

André Pacheco Silva
Médico Residente. Departamento de Clínica Médica, Hospital Universitário, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

Jóice Manes
Médica Residente. Departamento de Clínica Médica, Hospital Universitário, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

Leila John Marques Steidle
Professora Adjunta. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

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