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Comunicação Breve

Heterogeneidade de resposta por IFN-γ a cepas clínicas de Mycobacterium tuberculosis em humanos

Heterogeneidade de resposta por IFN-γ a cepas clínicas de Mycobacterium tuberculosis em humanos

Vinícius Ribeiro Cabral, Cláudia Ferreira de Souza, Fernanda Luiza Pedrosa Guimarães, Maria Helena Feres Saad

ABSTRACT

Mycobacterium tuberculosis is one of the most successful human pathogens. Highly virulent strains, which are more easily transmitted than are less virulent strains, elicit variable immune responses. We evaluated the Th1 responses (IFN-γ production) in healthy volunteers after stimulation with various strains. Our results show that the individuals with negative tuberculin skin test (TST) results were not necessarily naive to all of the strains tested, whereas individuals with positive TST results did not respond to all of the strains tested. Drug-resistant strains induced a lower mean level of IFN-γ production than did drug-sensitive strains. One possible practical application of this finding would be for the prediction of responses to treatment, in which it might be advantageous to have knowledge of the estimated IFN-γ production elicited by a specific isolated strain.

Keywords: Tuberculosis; Polymorphism, restriction fragment length; Mycobacterium tuberculosis; Immunity, cellular; Interferon-gamma.

RESUMO

Mycobacterium tuberculosis é um dos mais bem sucedidos patógenos do homem. As cepas virulentas são mais facilmente transmitidas, induzindo respostas imunes variáveis. Avaliamos a resposta celular tipo Th1, através da produção de IFN-γ, como resposta a cepas com padrões diversos em voluntários sadios. Nossos resultados mostraram que indivíduos com teste tuberculínico (TT) negativo já tiveram contato com algumas das cepas testadas, ao passo que indivíduos com TT positivo não responderam a todas as cepas testadas. Cepas resistentes induziram uma média menor de produção de IFN-γ que aquelas sensíveis. Uma possível aplicação prática disto seria que a produção de IFN-γ, em relação a uma cepa isolada específica, poderia auxiliar na previsão da resposta ao tratamento dos pacientes.

Palavras-chave: Tuberculose; Polimorfismo de fragmento de restrição; Mycobacterium tuberculosis; Imunidade celular; Interferon gama.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde,(1) com base em uma resposta de hipersensibilidade a PPD, aproximadamente um terço da população mundial está infectado por Mycobacterium tuberculosis. Paradoxalmente, a resposta imune humana impede, de maneira bastante eficiente, o crescimento desse patógeno, mas não é capaz de erradicá-lo de maneira eficaz. A história natural da tuberculose indica que apenas 10% dos indivíduos infectados correm o risco de desenvolver a doença em algum momento de sua vida. Entretanto, a maioria dos indivíduos infectados possivelmente corre o risco de reativação da doença quando o sistema imune é suprimido ou quando há reinfecção por uma nova cepa. Alguns estudos demonstraram uma correlação entre a virulência de M. tuberculosis e a ausência de resposta Th1 em modelos murinos.

Outros sugeriram que certas cepas, tipicamente aquelas com características especiais, como a cepa Beijing, interagem de maneira distinta com o hospedeiro, induzindo respostas imunes diferentes de acordo com seu potencial de transmissão.(2,3) No presente estudo, avaliamos a habilidade de isolados clínicos e não clínicos de cepas resistentes ou sensíveis de M. tuberculosis para induzir respostas imunes protetoras mediadas por IFN-γ em voluntários saudáveis. O delineamento do estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição.

As cepas clínicas foram isoladas de pacientes com tuberculose pulmonar. A cepa de M. tuberculosis H37Rv foi obtida junto ao American Type Culture Collection (Manassas, VA, EUA). As características das diversas cepas são descritas na Tabela 1. O teste de sensibilidade foi realizado por meio do método das proporções em meio de Löwenstein-Jensen (LJ),(4) e o padrão da sequência de inserção 6110 (SI6110) foi obtido por meio da análise de RFLP.(5,6) Recrutamos 11 voluntários saudáveis, os quais foram submetidos ao teste tuberculínico (TT). Dos 11 voluntários, 6 apresentaram resultado positivo (TT+, induração ≥ 5 mm) e 5 apresentaram resultado negativo (TT−). Nenhum dos voluntários tinha histórico de tuberculose. Todos os voluntários assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.




Amostras de sangue foram coletadas, e as PBMCs foram preparadas conforme descrito por Tavares et al.(7) Obteve-se a estimulação in vitro de 106 células/poço por meio de incubação, durante três dias, com uma suspensão contendo 105 bacilos/poço e, como controle positivo, 5 µg/mL de PHA (Sigma, St. Louis, MO, EUA). O sobrenadante das culturas celulares livres de bactérias foi coletado e armazenado imediatamente a −70°C para a quantificação de IFN-γ por meio de ELISA (R&D Systems, Minneapolis, MN, EUA). Níveis de IFN-γ > 100 pg/mL foram considerados positivos. A suspensão de bacilos foi preparada através do cultivo das cepas em meio de LJ a 37°C durante três semanas. O crescimento fresco foi removido, colocado em um tubo contendo pérolas de vidro de 3 mm e agitado em vórtice durante 1 min. Após a adição de PBS-Tween 80 a 5%, o crescimento micobacteriano foi disperso (através de aspirações múltiplas com uma agulha 25G), agitado em vórtice e meticulosamente lavado duas vezes com PBS por meio de centrifugação. Aguardamos 30 min até que as partículas maiores remanescentes decantassem, e, após esse período, a contagem de células do sobrenadante foi ajustada para 1 na Escala de McFarland e, em seguida, para o número desejado. Verificamos a ausência de grumos celulares na suspensão por meio de baciloscopia para BAAR. Os resultados foram expressos em média ± ep. Os dados foram analisados por meio do teste t de Student não paramétrico. O ponto de corte para IFN-γ foi 100 pg/mL, a menos que os níveis de fundo fossem maiores nas células de controle não estimuladas. Nesse caso, foi considerado positivo um valor pelo menos duas vezes maior que o do controle.

A Tabela 2 mostra a produção de IFN-γ após a estimulação com as diversas cepas. Como esperado, a maioria dos voluntários TT+ produziram IFN-γ em resposta a estimulação com as cepas testadas. Embora algumas das cepas testadas não tenham sido reconhecidas, a intensidade da resposta, na maioria dos casos, apresentou correlação positiva com a reação do TT. A cepa de M. tuberculosis multirresistente 046, com dez cópias de SI6110 e pertencente a um cluster, foi a cepa que induziu mais frequentemente uma resposta imune na amostra como um todo, além de ter induzido tal resposta em 1 (20%) dos 5 voluntários com TT−. Isso indica que, apesar de terem apresentado TT−, alguns dos indivíduos saudáveis já haviam tido contato com alguma cepa de M. tuberculosis. Entretanto, é possível também que isso indique uma reação cruzada com micobactérias ambientais. Sabe-se que os antígenos PPD e H37Rv induzem respostas Th1 em indivíduos com TT+. Um voluntário com TT− apresentou resposta citocínica à cepa H37Rv e a mais uma cepa. Entretanto, em toda a amostra, a produção elevada de IFN-γ correlacionou-se positivamente com a induração do TT, exceto no caso de um indivíduo com TT+, no qual nem a H37Rv nem nenhuma outra cepa provocou a produção de IFN-γ. O fato de que alguns indivíduos com TT+ vindos de áreas endêmicas não responderam a cepas micobacterianas pode ser relevante em testes de vacinas e no uso de métodos diagnósticos baseados na análise da resposta por IFN-γ, que têm sido usados comercialmente para identificar indivíduos com infecção tuberculosa latente. Devido ao fato de que certos isolados clínicos, inclusive o H37Rv, produzem respostas diversas em humanos, assim como ao fato de que virtualmente todas as novas vacinas contra a tuberculose (a maioria das quais contém a cepa H37Rv) são testadas em animais, ainda não se sabe se novas vacinas (cujos alvos sejam outras cepas) propiciarão o mesmo nível de proteção que vacinas cujo alvo é essa cepa padrão propiciam. Relatou-se recentemente que cepas clínicas de M. tuberculosis produzem respostas variadas da doença em modelos animais.(8) São necessários mais estudos para esclarecer a influência que a sensibilidade estimada da análise da resposta por IFN-γ exerce sobre os níveis de IFN-γ em indivíduos com infecção tuberculosa latente.




A cepa 238 resistente à isoniazida, abrigando um cluster com duas cópias de SI6110, induziu a produção de IFN-γ em apenas 2 dos voluntários (voluntários G e K), que apresentaram baixa positividade para IFN-γ e indurações de TT de 10 e 20 mm, respectivamente. Dentre os voluntários com TT+, a média de produção de IFN-γ foi menor para as cepas resistentes do que para as sensíveis (445,6 ± 155,6 pg/mL vs. 548,10 ± 153,9 pg/mL). O mesmo foi observado entre os voluntários com TT− (43,78 ± 12,73 pg/mL vs. 51,72 ± 14,25 pg/mL), embora a diferença não tenha sido significativa. De acordo com relatos prévios, algumas cepas endêmicas prevalentes, bem como aquelas com baixo número de cópias de SI6110, podem apresentar maior virulência e potencial de transmissão, estando associadas à ausência de resposta imune protetora e à supressão da produção de IL-1β, IFN-γ e TNF-α.(9-11) No presente estudo, cepas em cluster induziram uma resposta imune com menor frequência em voluntários com TT+. Entretanto, todas as cepas em cluster isoladas eram resistentes a antibióticos. A diminuição da produção de IFN-γ já foi descrita em pacientes infectados por cepas multirresistentes.(12,13) Nosso estudo obteve resultados similares, o que corrobora relatos de que cepas resistentes promovem downregulation da resposta Th1 e de que o grau de downregulation depende da cepa.

Em suma, observamos respostas imunes citocínicas heterogêneas para um painel de cepas clínicas de M. tuberculosis. Isso sugere uma diferença de cepa a cepa com relação aos fatores de virulência. Em geral, uma resposta imune eficaz provavelmente depende mais do hospedeiro do que da cepa infectante. Entretanto, observamos algumas respostas específicas relacionadas a características das cepas, como resistência a medicamentos. Isso sugere que uma estimativa da produção de IFN-γ provocada por uma cepa isolada específica pode ajudar a prever a resposta ao tratamento. Em nosso estudo, demonstramos que algumas cepas induzem ou mimetizam doença grave por meio de downregulation da resposta por IFN-γ, o que pode ter implicações na eficácia de testes diagnósticos baseados em células T. Além disso, nossos resultados sugerem que novas vacinas devem ser avaliadas no que tange a sua capacidade de gerar respostas imunes a outras cepas de M. tuberculosis, visto que demonstramos que as cepas clínicas características induzem respostas heterogêneas do hospedeiro.

Agradecimentos

Agradecemos a Mitchell Raymond Lisbon a revisão gramatical do texto em inglês.


Referências

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8. Ordway D, Palanisamy G, Henao-Tamayo M, Smith EE, Shanley C, Orme IM, et al. The cellular immune response to Mycobacterium tuberculosis infection in the guinea pig. J Immunol. 2007;179(4):2532-41.

9. Valway SE, Sanchez MP, Shinnick TF, Orme I, Agerton T, Hoy D, et al. An outbreak involving extensive transmission of a virulent strain of Mycobacterium tuberculosis. N Engl J Med. 1998;338(10):633-9. Erratum in: N Engl J Med 1998;338(24):1783.

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* Trabalho realizado no Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Maria Helena Féres Saad. Laboratório de Microbiologia Celular, Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Avenida Brasil, 4365, CEP 21045-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2598-4346. Fax: 55 21 2270-9997. E-mail: saad@ioc.fiocruz.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processos 573548/2008-0 e 470558/2008-3, e da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), processo E-26/111657/2008.
Recebido para publicação em 20/1/2010. Aprovado, após revisão, em 17/3/2010.


Sobre os autores

Vinícius Ribeiro Cabral
Biólogo. Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Cláudia Ferreira de Souza
Bióloga. Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Fernanda Luiza Pedrosa Guimarães
Bióloga. Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Maria Helena Feres Saad
Pesquisadora Titular III. Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

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