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Editorial

Avaliação da reação em cadeia da polimerase no diagnóstico da tuberculose pulmonar em pacientes indígenas e não indígenas

Evaluating the efficiency of polymerase chain reaction in diagnosing pulmonary tuberculosis in indigenous and non-indigenous patients

Afrânio Lineu Kritski

Com o objetivo de conter o aumento global da tuberculose (TB) foi proposta a estratégia DOTS pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1993. Essa estratégia enfatiza a descentralização do diagnóstico e tratamento para aumentar o acesso da população ao sistema de saúde enquanto se mantém a qualidade do cuidado através de sua supervisão, controle de qualidade e monitoramento. As metas da OMS têm sido a detecção de 70% dos pacientes com TB ativa e a cura de pelo menos 85% dos casos detectados. Nos países que alcançaram elevados níveis de implantação da estratégia DOTS, a taxa global de cura aumentou de 60% para 82%; entretanto, a detecção de casos permaneceu em 43%.(1)

Portanto, o aumento na detecção de casos de TB pulmonar passou a ser considerado uma estratégia global adicional para o período de 2006 a 2009.(2) A maioria dos estudos que avaliam técnicas de biologia molecular para o diagnóstico de TB foi realizada em países industrializados, sendo que poucas séries avaliaram a utilidade clínica de tais técnicas em condições de rotina.(3-5) Nos países em desenvolvimento, a análise de técnicas de biologia molecular na área diagnóstica não tem sido priorizada, devido ao seu preço elevado, às dificuldades técnicas e operacionais de implantação, mesmo em laboratórios de referência, e à ausência de informação acerca de sua pertinência clínica e/ou de sua relação de custo-efetividade nos diferentes cenários clínicos. Entre os poucos relatos descritos nestas regiões, a maioria dos estudos que avaliam novos métodos moleculares no diagnóstico da TB baseia-se em critérios diagnósticos laboratoriais ou no uso de informações clínicas para avaliar os resultados discrepantes,(6-7) e os laboratórios não utilizam com freqüência os controles de qualidade e/ou de biossegurança necessários.(8) Apenas recentemente foram descritos dados acerca de sua relação de custo-efetividade em condições de rotina, em um estudo realizado num país africano, em que se observou que o uso da PCR foi custo-efetiva em comparação com os métodos tradicionais.(9)

Pelo acima exposto, um estudo sobre a acurácia da PCR para o diagnóstico da TB pulmonar realizado num Estado da federação brasileira, o Estado do Amazonas, publicado por Salem et al. nesta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia, é de elevada relevância e pertinência.(10) Os autores comentam as possíveis alternativas para um problema antigo: o baixo rendimento diagnóstico da baciloscopia de amostra respiratória no diagnóstico de TB pulmonar em populações indígenas no Brasil.(11)

Neste estudo, em amostras respiratórias selecionadas, utilizando a cultura como padrão ouro, a acurácia (sensibilidade e especificidade) da PCR foi comparada com a baciloscopia in natura e pós-concentração e com a cultura para micobactéria. Foram ressaltados pelos autores alguns aspectos importantes: menor sensibilidade da baciloscopia direta e pós-concentração em amostras de escarro entre indígenas (variou de 0 a 1,2%) do que entre não indígenas (variou de 25% a 44,7%); maior ocorrência de micobactérias atípicas em indígenas (11%) do que em não indígenas (3,3%); elevada taxa de resultados falso-positivos da PCR (14%), principalmente em amostras clínicas de indígenas que continham micobactérias atípicas. Esses resultados sugerem a existência de regiões do DNA nestas micobactérias homólogas à seqüência IS6110 do complexo M. tuberculosis.

Infelizmente, no estudo descrito por Salem et al. não foram realizadas técnicas adicionais de biologia molecular nas cepas de micobactérias não tuberculosas, por terem elas sido descartadas após identificação como não pertencentes ao complexo M. tuberculosis. Tal análise poderia confirmar ou não os resultados mencionados por alguns autores sobre a presença de resultados falso-positivos para PCR com IS6110 em isolados de micobactérias atípicas;(12) e caso presentes nesta população do Amazonas, em quais micobactérias atípicas apresentam regiões do DNA homólogas à seqüência IS6110 do complexo M. tuberculosis.

Entretanto, merecem destaque os seguintes aspectos positivos: este é um dos raros manuscritos com metodologia científica apropriada sobre a acurácia da PCR no diagnóstico de TB pulmonar em pacientes indígenas e/ou indivíduos não imunossuprimidos e residentes em regiões de elevada prevalência de infecção por micobactérias atípicas; foi utilizada a PCR com primers que amplificam a seqüência IS6110, recentemente descrita numa metanálise como a seqüência que produz maior acurácia no diagnóstico de tuberculose;(13) os resultados oriundos do estudo foram corretamente comentados na discussão quanto às suas limitações.

Pelo acima exposto, os dados obtidos suscitam a necessidade de se implantar o cultivo para micobactéria de rotina e não apenas a baciloscopia de escarro para o diagnóstico de TB pulmonar entre indígenas, e não somente para pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana ou em suspeita de TB resistente, conforme proposto pelo Ministério da Saúde. Além disso, em países em desenvolvimento como o Brasil, torna-se urgente a realização de outros estudos de acurácia e/ou desempenho de novas tecnologias diagnósticas para doenças negligenciadas que analisem os resultados laboratoriais em associação com variáveis sociodemográficas, clínicas e radiológicas, usualmente não incluídas nos estudos de pesquisadores de laboratórios de referência. Ademais, ensaios clínicos pragmáticos devem também ser priorizados pelos pesquisadores, formuladores de políticas públicas em colaboração com o órgão regulatório (Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA), na definição da utilidade clínica dessas novas tecnologias e sua relação de custo-efetividade para posterior implantação no Sistema Único de Saúde.

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization. Global tuberculosis control: surveillance, planning, financing. WHO Report 2005. Geneva: World Health Organization; 2005. (WHO/HTM/TB/2005.349).

2. World Health Organization. Stop TB new diagnostics working group: strategic plan 2006-2015. Geneva: WHO; 2006.

3. Brodie D, Schluger NW. The diagnosis of tuberculosis. Clin Chest Med. 2005:26(2):47-71.

4. Perkins MD. New diagnostic tools for tuberculosis. Int J Tuberc Lung Dis. 2000;4(12):S182-8.

5. Cantazaro A, Perry S, Clarridge JE, Dunbar S, Goodnight-White S, LoBue PA, et al. The role of clinical suspicion in evaluating a new diagnostic test for active tuberculosis: results of a multicenter prospective trial. JAMA. 2000; 283(5):639-45. Erratum in: JAMA. 2000;284(13):1663.

6. Kivihya-Ndugga L, van Cleeff M, Juma E, Kimwomi J, Githui W, Oskam L, Schuitema A, et al. Comparison of PCR with the routine procedure for diagnosis of tuberculosis in a population with high prevalences of tuberculosis and human immunodeficiency virus. J Clin Microbiol. 2004;42(3):1012-5.

7. Sperhacke RD, Mello FC, Zaha A, Kritski A, Rosseti ML. Detection of Mycobacterium tuberculosis by a polymerase chain reaction colorimetric dot-blot assay. Int J Tuberc Lung Dis. 2004;8(3):312-7.

8. Suffys P, Palomino JC, Cardoso Leão S, Espitia C, Cataldi A, Alito A, et al. Evaluation of the polymerase chain reaction for the detection of Mycobacterium tuberculosis. Int J Tuberc Lung Dis. 2000;4(2):179-83.

9. van Cleeff M, Kivihya-Ndugga L, Githui W, Ng'ang'a L, Kibuga D, Odhiambo J, et al. Cost-effectiveness of polymerase chain reaction versus Ziehl-Neelsen smear microscopy for diagnosis of tuberculosis in Kenya. Int J Tuberc Lung Dis. 2005;9(8):877-83.

10. Salem JI, Santos RMC, Ogusku MM, Miranda MJ, dos-Santos MC. Avaliação da PCR no diagnóstico da tuberculose pulmonar em pacientes indígenas e não indígenas. J Bras Pneumol. 2006;32(3):234-40.

11. Sousa AO, Salem JI, Lee FK, Verçosa MC, Cruaud P, Bloom BR, et al. An epidemic of tuberculosis with a high rate of tuberculin anergy among a population previously unexposed to tuberculosis, the Yanomami Indians of the Brazilian Amazon. Proc Natl Acad Sci USA. 1997;94(24):13227-32.

12. Hellver TJ, DesJardin LE, Beggs ML, Yang Z, Eisenach KD, Cave MD, et al. IS6110 Homologs are present in multiple copies in mycobacteria other than tuberculosis-causing mycobacteria. J Clin Microbiol. 1998;36(3):853-4. Comment in: J Clin Microbiol. 1997;35(7):1769-71.

13. Flores LL, Pai M, Colford JM Jr, Riley LW. In-house nucleic acid amplification tests for the detection of Mycobacterium tuberculosis in sputum specimens: meta-analysis and meta-regression. BMC Microbiol. 2005;5::55.
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Afrânio Lineu Kritski
Coordenador do Programa Academico de Tuberculose do
Complexo Hospitalar IDT-HUCFF e Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.



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