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Relato de Caso

Utilização de endoprótese metálica no tratamento de estenose brônquica após transplante pulmonar

Treatment of bronchial stenosis after lung transplantation using a self-expanding metal endobronchial stent

Marcos Naoyuki Samano, Marlova Luzzi Caramori, Ricardo Henrique de Oliveira Braga Teixeira, Helio Minamoto, Paulo Manuel Pêgo Fernandes, Fabio Biscegli Jatene, Sérgio Almeida de Oliveira

ABSTRACT

Although the incidence of bronchial anastomosis as a complication of lung transplantation has decreased in recent years, it remains a significant cause of morbidity and mortality in these patients. Treatment options include balloon dilatation, laser photocoagulation, placement of a stent (silicone or metal), and performing a second operation. We report the case of a patient who presented bronchial stenosis after left lung transplantation and was treated with a self-expanding metal alloy (nitinol) stent (UltraflexÒ). Despite the fact that this was the first case of stenosis treated in this fashion in Brazil, the positive clinical response, in agreement with results reported in the literature, indicates that this treatment is a viable alternative in such cases.

Keywords: Lung transplantation. Tracheal stenosis. Prosthesis and implants. Stents. Postoperative complications.

RESUMO

As complicações decorrentes da anastomose brônquica nos transplantes pulmonares, embora tenham diminuído ao longo do tempo, ainda figuram como um dos principais fatores de morbi-mortalidade nesses pacientes. As formas de tratamento dessas complicações incluem dilatação por balão, fotocoagulação por laser, endopróteses de silicone e metálicas, e reoperação. Relata-se o caso de um paciente que apresentou estenose brônquica após transplante pulmonar unilateral esquerdo, cujo tratamento foi realizado com endoprótese metálica auto-expansível de nitinol (UltraflexÒ). Embora seja um caso pioneiro no Brasil, a boa resposta clínica, concordante com os dados da literatura, sugere que esse tratamento seja uma boa alternativa nesses casos.

Palavras-chave: Transplante de pulmão. Estenose traqueal. Próteses e implantes. Complicações pós-operatórias.

INTRODUÇÃO

As complicações decorrentes da anastomose brônquica nos transplantes pulmonares continuam sendo um dos principais fatores de aumento de morbi-mortalidade nesse grupo de pacientes. Estima-se que ocorram em 27% dos pacientes submetidos a transplantes pulmonares e que 13% destes pacientes necessitem de broncoscopia intervencionista no tratamento das complicações.(1,2) Embora alguns centros tenham certa experiência com a utilização de próteses auto-expansíveis, não há dados sobre o seu uso no Brasil. A seguir, relata-se o caso de um paciente que evoluiu com estenose brônquica após o transplante pulmonar, tratado com implante de endoprótese metálica auto-expansível.

RELATO DO CASO

Um paciente de 57 anos, do sexo masculino, ex-tabagista, era portador de enfisema pulmonar grave. Houve piora progressiva nos últimos dois anos, inclusive com necessidade de internação e ventilação mecânica. Desde então, fazia uso contínuo de oxigênio suplementar, apresentando dispnéia aos mínimos esforços e tosse produtiva, principalmente matinal. Fazia uso já havia longa data de 30 mg/dia de prednisona e encontrava-se emagrecido, com índice de massa corpórea de 16,7. A espirometria apresentava volume expiratório forçado no primeiro segundo de 0,59 L (18% do previsto) e capacidade vital forçada de 1,88 L (46%). A gasometria com cateter de O2 a 2 L/min com PaO2 de 138 mmHg e PaCO2 de 85 mmHg. A cintilografia pulmonar perfusional quantitativa evidenciava 35% de perfusão à esquerda.

Após avaliação protocolar de rotina, o paciente foi incluído em lista de espera e submetido a transplante pulmonar unilateral esquerdo.

O doador foi um paciente de 38 anos, do sexo masculino, tipo sangüíneo B, vítima de acidente vascular cerebral hemorrágico. O transplante foi realizado através de toracotomia póstero-lateral esquerda, com anastomose brônquica pela técnica de telescopagem, utilizando fios inabsorvíveis de polipropileno 4-0. O tempo total de isquemia foi de três horas.

O paciente apresentou evolução pós-operatória sem intercorrências, com um episódio de rejeição aguda grau II tratada com metil-prednisolona. Após quinze dias, a anastomose brônquica evidenciava reação enantemática e deposição de fibrina (Figura 1), sem repercussão clínica, e o paciente pôde receber alta no 30o dia pós-transplante. As fibrobron-coscopias ambulatoriais mostravam retração da anastomose com diminuição de sua luz. Decorridos três meses do transplante, o paciente começou a apresentar tosse, dispnéia a grandes esforços e sibilos em hemitórax esquerdo. Nova fibrobron-coscopia evidenciava estenose concêntrica de aproximadamente 4 mm de diâmetro (Figura 1) e a espirometria apresentava volume expiratório forçado no primeiro segundo de 0,9L (32% do predito) e capacidade vital forçada de 2,73L (79% do predito), com curva fluxo-volume compatível com obstrução de grande via aérea.





Optou-se inicialmente pela dilatação da estenose por balão CRE de 12 mm (Boston Scientific Inc.) havendo melhora significativa dos sintomas. Entretanto, houve recidiva da tosse e dispnéia após três semanas. Neste momento, optou-se pela broncoscopia rígida com auxílio de fluoroscopia, dilatação por balão CRE de 15 mm e colocação de endoprótese metálica de nitinol auto-expansível UltraflexÒ (Boston Scientific Inc.) 14 x 40 mm, recoberta (Figura 2).






Houve melhora imediata dos sintomas com desaparecimento dos sibilos e aumento de 95% dos valores de volume expiratório forçado no primeiro segundo (Figura 3). Decorridos quatro meses do procedimento, o paciente encontrava-se eupnêico, com aspecto broncoscópico preservado e sem complicações locais.






DISCUSSÃO

Entre vinte anos que separam o primeiro transplante pulmonar, realizado por James Hardy em 1963, e o primeiro sucesso, obtido em 1983 pelo grupo de Toronto (Toronto Lung Transplant Group), aproximadamente 40 transplantes, todos sem sucesso, foram realizados. Os insucessos foram relacionados principalmente à dificuldade da cicatrização da anastomose brônquica(3). Tal fato é decorrente da isquemia do brônquio, uma vez que a circulação brônquica não é restabelecida durante o transplante. Embora a anastomose das artérias brônquicas tenha sido defendida por alguns autores, ela mostrou-se tecnicamente difícil e ineficaz(4). Algumas técnicas, como a utilização de coto brônquico curto do doador, uso do omento ou pedículo de músculo intercostal e a telescopagem, mostraram-se efetivas na diminuição dos problemas relacionados à anastomose brônquica.

Apesar destes cuidados, as complicações de vias aéreas ainda são freqüentes e são caracterizadas ou por obstrução decorrente de fibrose (estenose) ou por obstrução dinâmica (broncomalácia). As opções terapêuticas na correção destas complicações incluem dilatação endoscópica por balão, fotocoagulação por laser, endopróteses de silicone e auto-expansíveis e reoperação. Burns et al.(5) consideram a dilatação por balão como um tratamento meramente paliativo, com melhora imediata e transitória dos sintomas. Em sua série, todos os pacientes submetidos à dilatação necessitaram implantação de endopróteses. Por outro lado, Chhajed et al.(6) observaram que 26% de seus pacientes com estenose após o transplante não necessitaram de outra terapêutica senão de dilatação, considerando esta sempre como a primeira opção por permitir avaliação da extensão da lesão, grau de inflamação e análise da árvore brônquica além da estenose. O laser pode ser utilizado na termoablação de tecido de granulação que cause obstrução brônquica, não sendo eficaz em obstruções decorrentes de broncomalácia. Além disso, a recidiva parece ser muito freqüente e não há experiência com seu uso em nosso meio.

As endopróteses de silicone tipo HoodÒ e Dumon foram inicialmente muito utilizadas. No entanto, a dificuldade da implantação e da manutenção em posição adequada, a freqüente impregnação por secreção, além da luz estreita em comparação ao calibre externo, fizeram com que estas endopróteses dessem lugar às metálicas(7).

Há quatro tipos de endopróteses metálicas utilizadas: Palmaz, Gianturco, Wallstent e Ultraflex. A primeira, uma endoprótese expansível por balão, por não possuir força radial centrífuga, permite compressão de sua malha. De fato, utilizando esta endoprótese, Lonchyna et al.(7) necessitaram fazer mais intervenções do que utilizando a endoprótese de WallstentÒ (5,22 contra 1,28 intervenções). Burns et al.(5) obtiveram índice de complicação de 36,7% com ela contra 10% da Wallstent.
A endoprótese de Gianturco, apesar de contar com pequenos ganchos para melhor adaptação, pode sofrer migração, conforme observaram Chhajed et al.(6) Devido à sua malha metálica esparsa, permite o crescimento do epitélio respiratório, não interferindo no batimento mucociliar. Não possuem elasticidade longitudinal, sendo de difícil remoção, existindo relatos de complicações fatais como hemoptise por perfuração vascular. Em contrapartida, Herrera et al.(8), utilizando apenas a endoprótese de GianturcoÒ, não observaram complicações e obtiveram bons resultados, com melhora imediata dos valores médios de volume expiratório forçado no primeiro segundo de 87% (50% a 290%).

As malhas metálicas do Wallstent e do Ultraflex possuem resistência à compressão e força radial centrífuga uniforme, dispensando a necessidade de ganchos para fixação. Adaptam-se facilmente à tortuosidade da via aérea, mantendo uma luz efetiva. As complicações relacionadas a estes tipos de endopróteses incluem a dificuldade de remoção, formação de tecido de granulação e retenção de secreção. No único estudo comparativo existente, Chhajed et al.(2) analisaram retrospecti-vamente o uso das endopróteses Gianturco, Wallstent e Ultraflex, e obtiveram melhores resultados com o último tipo, com menor índice de reestenose (60%, 27% e 0, respectivamente), menor retenção de secreção (0, 27% e 0, respectivamente) e menor taxa de migração.

Concluíram que a Ultraflex possui menos complicações em longo prazo do que os dois outros modelos de endoprótese analisados.

Com o aumento do número de transplantes pulmonares realizados no Brasil, complicações relacionadas à anastomose brônquica, em especial as estenoses, tendem a se tornar mais freqüentes. O tratamento através da implantação de endopróteses, embora seja paliativo, é o mais utilizado, devido às dificuldades encontradas na reoperação desses pacientes. O bom resultado obtido com este paciente, aliado à ausência de complicações, está em concordância com os poucos trabalhos relatados até o momento. Embora este seja o primeiro caso relatado do uso de endoprótese Ultraflex em estenose de anastomose brônquica em nosso meio, a boa evolução deste paciente indica que a sua utilização pode constituir uma boa opção no tratamento dessa complicação.

Referências

1. Saad CP, Ghamande AS, Minai AO, Murthy S, Petterson G, DeCamp M, et al. The role of self-expandable metallic stents for the treatment of airway complications after lung transplantation. Transplantation 2003; 75: 1532-8.
2. Chhajed PN, Malouf MA, Tamm M, Glanville AR. Ultraflex stents for the management of airway complications in lung transplant recipients. Respirology 2003; 8:59-64.
3. Meyers BF, Patterson GA. Lung transplantation. In: Pearson FG, Cooper JD, Deslauriers J, Ginsberg RJ, Hiebert CA, Patterson GA, editors. Thoracic surgery. New York: Churchill Livingstone; 2002: 1085-114.
4. Kshettry VR, Kroshus TJ, Hertz MI, Hunter DW, Shumway SJ, Bolman III RM. Early and late airway complications after lung transplantation: Incidence and management. Ann Thorac Surg 1997; 63: 1576-83.
5. Burns KEA, Orons PD, Dauber JH, Grgurich WF, Stitt LW, Raghu S, et al. Endobronchial metallic stent placement for airway complications after lung transplantation: Longitudinal results. Ann Thorac Surg 2002; 74: 1934-41.
6. Chhajed PN, Malouf MA, Tamm M, Spratt P, Glanville AR. Interventional bronchoscopy for the management of airway complications following lung transplantation. Chest 2001; 120: 1894-9.
7. Lonchyna VA, Arcidi Jr. JM, Garrity Jr. ER, Simpson K, Alex C, Yeldandi V, et al. Refractory post-transplant airway strictures: successful management with wire stents. Eur J Cardiothorac Surg 1999; 15: 842-50.
8. Herrera JM, McNeil KD, Higgins RSD, Coulden RA, Flower CD, Nashef SAM, et al. Airway complications after lung transplantation: treatment and long-term outcome. Assoc Thorac Surg 2001; 71: 989-94.

* Trabalho realizado no Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo FMUSP, São Paulo, SP.
Endereço para correspondência: Fabio Biscegli Jatene. Av. Dr. Enéas Carvalho Aguiar, 44 - 2o andar bloco II sala 9. CEP 05403-000, São Paulo, SP. Tel: 55 11 3069-5248. E-mail: fabiojatene@incor.usp.br
Recebido para publicação em 25/5/04. Aprovado, após revisão, em 1/9/04.

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