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Artigo Original

Estudo descritivo da freqüência de micobactérias não tuberculosas na Baixada Santista

Descriptive study of the frequency of nontuberculous mycobacteria in the Baixada Santista region of the state of São Paulo, Brazil

Liliana Aparecida Zamarioli, Andréa Gobetti Vieira Coelho, Clemira Martins Pereira, Ana Carolina Chiou Nascimento, Suely Yoko Mizuka Ueki, Erica Chimara

ABSTRACT

Objective: The present study aims at describing the frequency of nontuberculous mycobacteria (NTM) species identified through laboratory testing of samples collected from non-sterile sites (sputum), as well as its frequency in HIV-infected and non-HIV-infected individuals in the Baixada Santista region of the state of São Paulo, Brazil, in the period from 2000 to 2005. Methods: Retrospective analysis of sputum smear microscopy results and culture was conducted based on the records on file at the Instituto Adolfo Lutz-Santos, the regional tuberculosis laboratory. Results: We analyzed 194 NTM strains isolated from 125 individuals, of whom 73 (58.4%) were HIV-negative and 52 (41.6%) were HIV-positive. Thirteen different species were identified: Mycobacterium kansasii; M. avium complex; M. fortuitum; M. peregrinum; M. gordonae; M. terrae; M. nonchromogenicum; M. intracellulare; M. flavescens; M. bohemicum; M. chelonae; M. shimoidei; and M. lentiflavum. In 19.2% of the cases, the bacteriological diagnosis was confirmed by isolation of the same species in at least two consecutive samples. Conclusions: Our results show the importance of including systematic identification of NTM in the laboratory routine, and that its integration into the clinical routine could improve the characterization of the disease, thereby informing the planning of effective control measures in specific populations, such as individuals presenting tuberculosis/HIV co-infection.

Keywords: Mycobacteria, atypical; Laboratory techniques and procedures; HIV; Tuberculosis.

RESUMO

Objetivo: Este estudo teve por objetivo descrever a freqüência das espécies de micobactérias não tuberculosas (MNT) identificadas laboratorialmente a partir do isolamento de sítios não estéreis (escarro) de indivíduos infectados ou não pelo vírus HIV na Baixada Santista (SP), período de 2000 a 2005. Métodos: Foi realizada análise retrospectiva dos resultados de baciloscopia e cultura, disponíveis nos registros do laboratório regional de tuberculose, Instituto Adolfo Lutz-Santos. Resultados: Analisou-se 194 cepas de MNT correspondentes a 125 indivíduos, sendo 73 (58,4%) HIV negativos e 52 (41,6%) HIV positivos. Foram identificadas 13 diferentes espécies: Mycobacterium kansasii; complexo M. avium; M. fortuitum; M. peregrinum; M. gordonae; M. terrae; M. nonchromogenicum; M. intracellulare; M. flavescens; M. bohemicum; M. chelonae; M. shimoidei; e M. lentiflavum. Em 19,2% dos casos obteve-se diagnóstico bacteriológico confirmado pelo isolamento da mesma espécie em no mínimo duas amostras consecutivas. Conclusões: Os resultados mostram a importância da realização sistemática da identificação de MNT na rotina laboratorial e sua integração com a clínica, podendo contribuir na caracterização da doença e ações de efetivo controle, como nas populações co-infectadas tuberculose e HIV.

Palavras-chave: Micobactérias atípicas; Técnicas e procedimentos de laboratório; HIV; Tuberculose.

Introdução

O gênero Mycobacterium é representado por espécies pertencentes ao complexo M. tuberculosis e M. leprae além de outras, normalmente saprófitas, que podem ser patógenos oportunistas e causar lesões graves. Estes microrganismos são conhecidos atualmente como micobactérias não tuberculosas (MNT).(1-3)

Entre mais de 120 espécies de MNT conhecidas, ­aproximadamente um terço está associada a doenças em humanos.(4) O potencial de patogenicidade das espécies de MNT é variável, podendo causar infecção pulmonar ou extrapulmonar principalmente em indivíduos susceptíveis ou imunocomprometidos como os co-infectados pelo HIV.(1,3,5-7)

Estudos mostram que há uma variabilidade geográfica marcante tanto na prevalência quanto na distribuição das espécies responsáveis pelas doenças causadas por MNT.(3) Observa-se que, nos países desenvolvidos, a incidência de tuberculose diminuiu e a ocorrência de MNT em doenças pulmonares aumentou. A pandemia da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) foi o que mais contribuiu para este aumento.(8-11) Nos países em desenvolvimento, pouco se sabe sobre a ocorrência das MNT em indivíduos HIV negativos e positivos. No Brasil, verifica-se um aumento da doença por MNT após a epidemia da AIDS, mas os dados sobre a freqüência das espécies e a prevalência da doença ainda não são corretamente conhecidos.(12,13)

Devido à alta prevalência da tuberculose e co-infecção tuberculose e HIV na região da Baixada Santista (SP), este estudo teve por objetivo descrever a freqüência das espécies de MNT identificadas a partir de isolados clínicos de indivíduos HIV negativos e positivos procedentes das unidades de saúde da região.

O laboratório Instituto Adolfo Lutz-Santos é a referência regional para o diagnóstico bacteriológico da tuberculose na Baixada Santista e para onde são enviadas todas as amostras para a realização de cultura de micobactérias da rede pública.

Métodos

Foi feita uma análise retrospectiva dos dados de registros da rotina laboratorial de amostras respiratórias (escarro) de indivíduos com suspeita de tuberculose encaminhadas ao laboratório de micobactérias do Instituto Adolfo Lutz-Santos, no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2005.

As informações deste estudo foram obtidas do livro de registro de baciloscopia e cultura do laboratório e incluíram: nome, sexo, idade, sorologia para HIV, resultados de baciloscopia, cultura e identificação das espécies de MNT.

As técnicas laboratoriais (baciloscopia e cultura) foram as rotineiramente utilizadas pelo Instituto Adolfo Lutz-Santos e padronizadas conforme normas e recomendações descritas no Manual de Bacteriologia da Tuberculose do Ministério da Saúde.(14-17) Neste estudo, definiu-se como cepa cada isolamento de cultura bacteriana da mesma espécie, obtido das amostras de escarro.

Para a confirmação do diagnóstico laboratorial das MNT, utilizou-se o critério da Associação Torácica Americana,(1) que recomenda o isolamento da mesma espécie em três culturas positivas com baciloscopias negativas, ou duas culturas positivas e uma baciloscopia positiva, coletadas no período de um ano. Foram utilizadas, portanto, as seguintes técnicas:

 aciloscopia pelo método de coloração de Ziehl-Neelsen foi realizada por microscopia para contagem semiquantitativa do bacilo álcool-ácido resistente e pesquisa do fator corda.(14)

 ultura para o isolamento das espécies de micobactérias foi realizada em meio sólido de Lowenstein-Jensen e em meio líquido do sistema automatizado MB/Bact® (bioMerieux, Marcy l'Etoile, França).(14)

Na fenotipagem, as cepas foram submetidas à triagem macroscópica (morfologia e pigmentação das colônias) e análise microscópica (morfologia do bacilo álcool-ácido resistente, pesquisa do fator corda e outros microorganismos contaminantes) para identificação presuntiva. As cepas com colônias pigmentadas ou acromógenas lisas que não apresentaram formação de corda no exame microscópico tiveram classificação presuntiva de MNT e foram submetidas aos testes fenotípicos de análise do tempo e da temperatura de crescimento, testes enzimáticos e de inibição de crescimento em presença de drogas. As cepas que apresentaram resultados não-conclusivos nos testes foram classificadas de acordo com o tempo de crescimento e a pigmentação, como micobactéria de crescimento lento acromógena, crescimento lento escotocromógena, crescimento lento fotocromógena, crescimento rápido acromógena, crescimento rápido ­escotocromógena e crescimento rápido fotocromógena.(15,18,19)

A identificação molecular das espécies foi realizada pelo método de proteína C reativa e análise de restrição de um fragmento de 441 pb do gene hsp65 (PRA-hsp65). O DNA, extraído a partir da massa bacteriana após 10 min de fervura em água ultrapura, foi amplificado com os primers Tb11 e Tb12 como descrito em um estudo de 1993.(20) Os fragmentos amplificados foram digeridos separadamente com as enzimas BstEII e HaeIII e seus produtos separados por corrida eletroforética em gel de agarose a 3%. O padrão de restrição foi analisado visualmente e comparado com o PRASITE para obtenção da espécie.(21)

Resultados

No período de estudo foram analisadas 194 cepas de MNT provenientes de 125 indivíduos, apresentando 142 cepas (76,2%) com resultados conclusivos para a identificação das espécies e 52 cepas (26,8%) com resultados inconclusivos (Tabela 1).



Avaliando-se as cepas inconclusivas notou-se que 30 (15,5% das 194 cepas) foram negativas para os testes de identificação do complexo M.  ­tuberculosis, denominadas neste estudo de MNT e 16 (8,2% das 194 cepas) foram classificadas de acordo com o tempo de crescimento e produção de pigmento. Seis cepas (3% das 194) eram culturas mistas que, após isolamento e separação de colônias com morfologia distinta, apresentaram identificação de duas espécies diferentes de micobactérias. As principais espécies identificadas de MNT foram M. kansasii (33,6%), complexo M. avium (17%) e M. fortuitum (13,4%), correspondendo a 64% do total das cepas analisadas (Tabela 1).

Dos 125 indivíduos com suspeita de micobacterioses, com idade entre 18 a 75 anos, 94 (75,2%) eram do sexo masculino com maior prevalência na faixa etária entre 40 a 49 anos (36,8%). Deste grupo de indivíduos, 58,3% eram HIV negativos e 41,6% positivos.

Utilizando os critérios da Associação Torácica Americana(1) para a confirmação laboratorial do diagnóstico de MNT, 101 (80,8%) dos 125 ­indivíduos não tiveram confirmação diagnóstica. Dos 24 ­indivíduos (19,2% do total) que tiveram confirmação diagnóstica, 12 (50%) apresentaram três ou mais cepas positivas da mesma espécie e os demais indivíduos apresentaram duas cepas positivas da mesma espécie e uma baciloscopia positiva no período de um ano.

Discussão

As MNT apresentam-se como agentes oportunistas na maioria dos indivíduos e têm a possibilidade de simplesmente colonizarem o organismo em indivíduos imunocompetentes, e, nos imunossuprimidos, de causarem doença grave. Desta forma, torna-se imperiosa a necessidade de estabelecer critérios seguros para diferenciar colonização de infecção. Além do estabelecimento de critérios clínico-epidemiológico e radiológico para a pesquisa definitiva das MNT, é necessária a utilização de métodos laboratoriais que possibilitem a correta identificação das espécies, visando o tratamento e acompanhamento dos casos.(7)

A primeira questão no diagnóstico laboratorial é determinar se a presença destes agentes significa simples colonização ou doença. Neste estudo, utilizando as recomendações da Associação Torácica Americana(1) para o diagnóstico laboratorial das MNT em materiais não estéreis (escarro) verificou-se que 80,8% dos indivíduos apresentaram apenas um resultado de cultura positiva, não confirmando diagnóstico para MNT. Esse número está próximo de 79,8% relatado por um estudo,(22) ao analisar 1892 cepas de origem pulmonar de sítios não estéreis, no período de 1991-1997, o que mostra que o problema da falta de integração entre a clínica e o laboratório continua, pois não são garantidos diversos isolamentos para estabelecimento do diagnóstico bacteriológico.

Apesar de o presente estudo identificar 19,2% dos casos com diagnóstico laboratorial conclusivo para MNT, esse pode ser considerado um resultado favorável quando comparado ao estudo supracitado,(22) que confirmou 7,8% dos casos laboratorialmente, isolando a mesma espécie em 3 ou mais amostras.

Das 13 espécies de MNT identificadas no presente estudo, verificou-se uma ampla diversidade de micobactérias: M. kansasii, complexo M. avium, M. fortuitum, M. peregrinum, M. gordonae, M. terrae, M. nonchromogenicum, M. ­intracellulare, M. f­lavescens, M. bohemicum, M. chelonae, M. shimoidei e M. lentiflavum. Essa diversidade tem sido obtida devido à implantação da técnica de PRA-hsp65, ferramenta importante na definição das espécies recentemente descritas e que possuem significado clínico.

As espécies de M. kansasii (16%) e M. fortuitum (11,2%) apresentaram maior freqüência em indivíduos HIV negativos e as do complexo M. avium (10,4%) em HIV positivos, o que reforça os dados encontrados por outros autores quanto à freqüência dessas espécies em diferentes regiões.(3,8,13,18,22) Diferente do resultado do estudo de 2003(23) que, ao analisar 72 culturas de indivíduos HIV negativos e positivos com suspeita de micobacterioses, identificou: 5,6% de M. avium e 2,7% de M. kansasii, os dados referentes à freqüência de MNT na Baixada Santista mostram uma freqüência diferente de outras regiões em que normalmente se observa M. avium como o mais freqüente.(13,22) No presente estudo, M. kansasii foi o mais freqüente, colocando em evidência um problema que ainda não havia sido detectado na região.

Diante da diversidade das espécies de MNT encontradas na região da Baixada Santista (SP), nota-se a importância da realização sistemática da identificação de MNT na rotina laboratorial por meio de técnicas padronizadas. A observação de culturas mistas reforça esta importância, uma vez que M. tuberculosis pode ser mascarado na presença de outra micobactéria com morfologia semelhante, dificultando o diagnóstico e retardando o tratamento. Desta forma, considera-se oportuna a interação do laboratório com a clínica, a fim de garantir os diversos isolamentos do mesmo sítio, contribuindo para caracterização da doença e ações de efetivo controle, especialmente em populações com alta prevalência de tuberculose e co-infecção tuberculose e HIV.

Referências


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Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental Jean Carlo Kohmann da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - e no Laboratório de Hepatologia Experimental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
1. Aluno do Curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas. Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
2. Aluno do Curso de Medicina. Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
3. Aluno do Curso de Doutorado da Pós-graduação em Pneumologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
4. Fisioterapeuta. Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre- FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
5. Professora Titular de Fisiologia Humana. Universidade Luterana do Brasil - ULBRA - Canoas (RS) Brasil.
6. Cirurgião Torácico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS) Brasil.
7. Professor Associado do Departamento de Cirurgia, Disciplina de Cirurgia Torácica. Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo Francisco Guerreiro Cardoso. Pavilhão Pereira Filho, Santa Casa de Porto Alegre, Rua Prof. Annes Dias, 285, 1-PPF, CEP 90020-090, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3221-2232. E-mail: cardosop@gmail.com
Recebido para publicação em 9/10/2007. Aprovado, após revisão, em 26/11/2007.

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