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Artigo Original

Aspectos clínicos da tuberculose pulmonar em idosos atendidos em hospital universitário do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Clinical aspects of pulmonary tuberculosis in elderly patients from a university hospital in Rio de Janeiro, Brazil

João Paulo Cantalice Filho, Clemax Couto Sant`Anna, Márcio Neves Bóia

ABSTRACT

Objective: To evaluate clinical aspects and the diagnosis of pulmonary tuberculosis (PT) in the aged. Methods: We compared 117 patients over 60 years of age (elderly group) and 464 patients aged 15 to 49 years old (nonelderly group) treated at the Thoracic Diseases Institute of the Federal University of Rio de Janeiro, from 1980 to 1996. Results: Previous history of PT was predominant in the elderly group (OR = 2.09; 95% CI = 1.26-3.45; p = 0.002), whereas household contact with PT was predominant in the nonelderly group (OR = 0.26; 95% CI = 0.10-0.66; p = 0.002). Mean time for diagnosis was 90 days in the elderly group and 60 days in the nonelderly group. In the elderly group, dyspnea (OR = 1.64; 95% CI = 1.06-2.53; p = 0.018) and weight loss (OR = 1.66; 95% CI = 1.01-2.82; p = 0.047) were predominant. In the nonelderly group, hemoptysis (OR = 0.51; 95% CI = 0.32-0.81; p = 0.002), chest pain (OR = 0.62; 95% CI = 0.40-0.97; p = 0.027) and fever (OR = 0.55; 95% CI = 0.35-0.86; p = 0.006) were more common. The most common radiological abnormalities were infiltrates and cavitations. Bilateral involvement was more common in the elderly patients (OR = 1.76; 95% CI = 1.12-2.78; p = 0.009). There were no differences between the two groups regarding positivity for Mycobacterium tuberculosis identified through tuberculin skin testing, sputum smear microscopy and culture. Conclusions: There are few clinical and laboratory differences between the age groups. The delayed diagnosis in the elderly group can be explained by the low clinical suspicion in these patients.

Keywords: Tuberculosis, pulmonary; Aged; Signs and symptoms, respiratory; Diagnosis.

RESUMO

Objetivos: Avaliar as características clínicas e diagnósticas da tuberculose pulmonar (TP) em idosos. Métodos: Foram comparados 117 pacientes com 60 anos de idade ou mais (idosos) e 464 pacientes entre 15 e 49 anos (não idosos), acompanhados no Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de 1980 a 1996. Resultados: Nos idosos, predominou história prévia de TP (OR = 2,09; IC95% = 1,26-3,45; p = 0,002) enquanto o contato intradomiciliar de TP predominou nos não idosos (OR = 0,26; IC95% = 0,10-0,66; p = 0,002). O tempo mediano para diagnóstico alcançou 90 dias nos idosos e 60 dias nos não idosos. No grupo idoso, prevaleceu a dispnéia (OR = 1,64; IC95% = 1,06-2,53; p = 0,018) e o emagrecimento (OR = 1,66; IC95% = 1,01-2,82; p = 0,047). Nos não idosos, prevaleceu a hemoptise (OR = 0,51; IC95% = 0,32-0,81; p = 0,002), a dor torácica (OR = 0,62; IC95% = 0,40-0,97; p = 0,027) e a febre (OR = 0,55; IC95% = 0,35-0,86; p = 0,006). No padrão radiológico, predominaram as infiltrações e as cavitações; porém, o acometimento bilateral foi mais freqüente nos idosos (OR = 1,76; IC95% = 1,12-2,78; p = 0.009). Não houve diferenças nas positividades do teste tuberculínico, baciloscopia e cultura de Mycobacterium tuberculosis. Conclusões: Há poucas diferenças clínicas e laboratoriais entre os grupos etários e o maior tempo de diagnóstico nos idosos deve-se à menor suspeição médica nestes pacientes.

Palavras-chave: Tuberculose pulmonar; Idoso; Sinais e sintomas respiratórios; Diagnóstico.

Introdução

As estimativas para a situação mundial da tuberculose (TB) no período 2002-2020 são da ordem de 1 bilhão de infectados, 150 milhões de doentes e 36 milhões de óbitos, ratificando a TB como a principal causa de morte por doenças infecciosas em adultos nos países em desenvolvimento. A Organização Mundial de Saúde identificou um grupo de 22 países onde ocorrem 80% dos casos de TB no mundo, no qual o Brasil ocupa a 15ª posição, com 116.000 casos novos.(1) Na velhice, os sinais e sintomas de apresentação da TB são difíceis de aferir pela freqüente coexistência de outras doenças respiratórias, cardiovasculares ou sistêmicas, de quadro clínico semelhante, e pela sua inespecificidade, se comparados aos pacientes não idosos. Desta maneira, queixas constitucionais - febre; hiporexia; emagrecimento - e sintomas respiratórios inespecíficos - tosse seca; dispnéia; dor torácica - podem ser manifestações isoladas da doença.(2-4) Alguns autores destacam, ainda, a dificuldade do idoso em relatar suas queixas devido ao déficit de memória, estados confusionais, senilidade e problemas de fala, além de eventualmente atribuí-los, erradamente, a outras doenças.(3,5,6) Como resultado desta combinação de fatores, há uma demora maior na suspeição clínica, com agravamento das condições gerais.(2) Os métodos diagnósticos com freqüência não são tão eficientes como em não idosos:(2,3) a baciloscopia e cultura de escarro podem ser negativas, os achados radiológicos inespecíficos(2,5) e o papel do teste tuberculínico extremamente controverso.(7-10) No Brasil, os poucos estudos desenvolvidos, apesar de enfatizarem as dificuldades técnicas no manejo da tuberculose pulmonar (TP) do idoso, não revelam diferenças clínicas e radiológicas significativas como a maioria dos relatos da literatura.(11-13) Esses estudos referem-se a grupos populacionais específicos, não se dispondo de outros trabalhos mais abrangentes sobre o tema. No estado do Rio de Janeiro, em função da preocupante situação epidemiológica da TB e das características demográficas da população,(14) as diferenças de apresentação da doença ganham importância. Raros estudos abordaram este tema em alguns municípios: em Niterói, foi estimado em 7,6% a participação de idosos entre os casos de TB(15) e, em Campos dos Goytacazes, foi verificado um nível ascendente da taxa de incidência dos idosos entre 1997 e 2000, sempre superior ao encontrado na população geral.(16) Este trabalho foi realizado em função do quadro epidemiológico da TP no Brasil, que apresenta uma população idosa cada vez maior,(14) ao mesmo tempo em que convive com a manutenção da endemia de TP. O objetivo deste estudo foi contribuir com o conhecimento dos principais aspectos clínicos e diagnósticos da TP em pacientes idosos: descrever a apresentação clínico-radiológica da doença, averiguar a freqüência de positividade dos métodos diagnósticos e analisar o aspecto biológico e social da TP em diferentes faixas etárias.

Métodos

Este estudo adotou o modelo de caso-controle retrospectivo e foi desenvolvido a partir dos prontuários registrados no arquivo nosológico do Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IDT-UFRJ), no período de janeiro de 1980 a dezembro de 1996. Deste universo, foram eleitos 117 casos (idosos com idade mínima de 60 anos) e 464 controles (não idosos com idade entre 15 e 49 anos), totalizando 581 pacientes, mantendo uma relação de 4 controles por caso. Estes foram selecionados no período de 30 dias antes ou após o surgimento de cada caso, sem outro tipo de pareamento.

Foram incluídos neste estudo pacientes com TP que atenderam aos seguintes requisitos: diagnóstico de certeza ou probabilidade de TP, segundo as normas do Ministério da Saúde(17) (foram considerados, também, os achados histopatológicos compatíveis com TP, como processo inflamatório crônico granulomatoso com necrose de caseificação e infiltrado histiocitário de células multinucleadas); acompanhamento clínico exclusivo do IDT-UFRJ; e utilização do esquema I (dois meses de rifampicina + isoniazida + pirazinamida seguidos por quatro meses de rifampicina + isoniazida).(17-19) Foram definidos os seguintes critérios de exclusão de pacientes, para assegurar a homogeneidade da amostra estudada: mudança de diagnóstico; suspeita inicial de micobacteriose não tuberculosa ou de multirresistência farmacológica; co-infecção pelo vírus HIV; e faixa etária entre 50 e 59 anos. Optou-se pela exclusão desta faixa etária porque nas faixas até 49 anos está a maior incidência da doença na população brasileira(20) além de esta supressão permitir uma definição clara, com intervalo de 10 anos, entre idosos e não idosos. Todas as informações foram colhidas mediante consultas aos prontuários médicos, conforme os laudos das equipes clínica e cirúrgica do hospital além dos serviços de bacteriologia, radiologia e anatomia patológica. Foram pesquisadas as seguintes variáveis: gênero (masculino, feminino), idade (anos), cor (branca, parda, preta ou ignorada), naturalidade (estado), residência (municípios classificados como capital, região metropolitana, interior e outros estados), história prévia de TP, contato com TP, sintomas respitatórios (tosse, expectoração, dispnéia, hemoptise e dor torácica); sintomas constitucionais (febre, adinamia, sudorese, hiporexia, emagrecimento), tempo sintomático (em dias, do início dos sintomas até o diagnóstico), baciloscopia direta (técnica de Ziehl-Neelsen) dos espécimes disponíveis (escarro, lavado brônquico, lavado broncoalveolar, fragmento pleural, líquido pleural), cultura para micobactérias (meio de Löwenstein-Jensen), exame histopatológico (coloração hematoxilina-eosina), teste tuberculínico - reação de Mantoux ou purified protein derivative RT 23 e aspectos radiológicos da telerradiografia de tórax em incidências pósteroanterior e perfil (infiltrados, cavidades, alterações pleurais - derrames, pleuris e pneumotórax - massa pulmonar). Os testes de qui-quadrado ou teste de Fisher foram utilizados para a comparação de variáveis categóricas entre os grupos, e o teste de Mann-Whitney para a comparação de médias de uma variável numérica (tempo sintomático). Utilizou-se o odds ratio e o respectivo intervalo de confiança de 95% como medida de associação das diversas exposições entre os grupos idosos e não-idosos. O nível de significância adotado foi o de 5% (p < 0,05). A análise estatística foi processada no software SAS System. O estudo foi aprovado por Comitê de Ética, de acordo com as disposições da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Foram analisadas as características sócio-epidemiológicas dos idosos e não idosos descritas na Tabela 1. Do total de 581 pacientes com TP, 391 (67,3%) eram do sexo masculino e 190 (32,7%) do feminino. A média de idade da população total foi 38,5 anos, variando de 15 a 87 anos. O grupo de idosos foi constituído de pacientes com idade entre 60 e 87 anos, com média de 66,6 ± 16,5 anos. O grupo de não idosos teve idade média de 31,4 ± 9 anos, variando entre 15 e 49 anos. No grupo de idosos, a história prévia de TP predominou em cerca de 31% dos pacientes e foi cerca de duas vezes mais comum neste grupo de idade. No grupo não idoso, o contato com TP em 34% foi significativo (p = 0,002). As demais características pessoais relacionadas à TP estão descritas na Tabela 2.






O tempo sintomático da TP foi aferido em 566 pacientes e variou de 0 a 720 dias. O tempo mediano de 90 dias para os idosos e 60 dias para os não idosos demonstrou bem a significância entre os grupos (p = 0,0001). Houve, no entanto, casos extremos de idosos com tempo sintomático superior a 1 ano. Os sintomas respiratórios foram estudados em 578 pacientes e estiveram presentes em 561. Cento e doze (96,5%) eram idosos e 449 (97,2%) não idosos. A Tabela 3 revelou a freqüência e discriminação destes sintomas entre os grupos. Nesta análise, a tosse foi o sintoma igualmente mais comum em toda a amostra (acima de 80%) e ficou evidente a associação significativa da dispnéia com os idosos e da hemoptise e dor torácica com os não idosos. A dispnéia foi relatada em 52 (44,8%) idosos e 153 (33,1%) não idosos (p = 0,018); a hemoptise em 216 (46,7%) não idosos e 36 (31%) idosos (p = 0,002) e a dor torácica em 220 (47,6%) não idosos e 42 (36,2%) idosos (p = 0,027).





A ocorrência de sintomas constitucionais foi freqüente em ambos os grupos (Tabela 3). No entanto, analisando-se separadamente cada sintoma, identificou-se que a febre foi estatisticamente mais comum nos não idosos (p = 0,006), com 314 (69,3%) relatos, enquanto o emagrecimento o foi nos idosos (p = 0,047) com 87 (79,1%) relatos. Os demais itens pesquisados (adinamia; sudorese; hiporexia) não mostraram diferença significativa.





A Tabela 4 sintetiza os achados dos principais métodos diagnósticos de TP. A freqüência de positividade dos métodos diagnósticos foi elevada nos dois grupos. Apenas 12 pacientes idosos (10,3%) e 34 pacientes não idosos (7,3%) preencheram diagnóstico por probabilidade. Os demais obtiveram confirmação bacteriológica. O único método bacteriológico a ter comprovada significância estatística a favor dos não idosos foi a baciloscopia do lavado brônquico, positiva em 60 (47,6%) não idosos contra 11 (28,2%) idosos (p = 0,032). A baciloscopia do escarro teve positividade semelhante entre os grupos, variando de 65,1% nos idosos a 69,4% nos não idosos. A cultura do escarro, igualmente, apresentou elevada positividade em toda a amostra (acima de 72%), não havendo significância estatística. O teste tuberculínico também mostrou igual reatividade entre os grupos (acima de 75%), enquanto as alterações radiológicas do tórax mais encontradas foram infiltrados (acima de 90%) e cavitações (acima de 70%). O radiograma torácico, porém, não revelou predominância de nenhum destes achados nos grupos estudados (Tabela 4). A extensão da doença, entretanto, avaliada pela uni ou bilateralidade das lesões, apresentou diferença estatisticamente relevante nos idosos, com 50% de relatos de lesões bilaterais, contra 36% de não idosos (p = 0,009). O estudo histopatológico pleural, pouco usado nesta população de pacientes, teve desempenho regular nos dois grupos, com positividade de 50% nos idosos e 61% nos não idosos.





Discussão

Na casuística de pacientes estudados, a proporção de homens (64,4%) e mulheres (35,6%) entre os não idosos seguiu o padrão da população com TP atendida nos Centros Municipais de Saúde do Rio de Janeiro, estimado pela Secretaria Municipal de Saúde.(21) Nos idosos, o predomínio masculino sugere duas hipóteses: a maior predisposição à TB do homem, por mecanismos biológicos ainda não comprovados, e/ou a maior exposição ao Mycobacterium tuberculosis por esta coorte no período em que ainda eram jovens e tinham maior circulação social.(20,22) O grupo não idoso teve maior proporção de negros (20%). Embora se reconheça a não representatividade de nossa casuística na população geral, não há por que se acreditar que os dois grupos estudados tenham tido um fator de encaminhamento ao IDT-UFRJ que os diferenciasse pela cor. Apesar de não ter havido significância estatística, é plausível considerar que a maior proporção de brancos na população idosa reflita seu melhor histórico sócio-econômico na população brasileira. A descrição da naturalidade dos pacientes reflete a forte presença nordestina no Rio de Janeiro. Sua procedência, em grande número, da área metropolitana sugere dificuldades de acesso a serviço de saúde próximo ao local de residência dos pacientes. No entanto, convém lembrar que o IDT-UFRJ, por se tratar de uma unidade de referência, sempre teve, no seu contingente de pacientes, casos mais complexos que as unidades primárias não conseguiram solucionar. Desta forma, é esperado que atenda pacientes de outros municípios e até mesmo de outros estados. Neste estudo, a história prévia de TP mostrou ser mais comum nos idosos, o que equivale a 31% de retratamentos. Apesar de haver um relativo consenso na literatura a respeito de a infecção endógena ser o principal mecanismo patogênico em 95% dos casos da TP nos idosos,(23) o quadro epidemiológico brasileiro hiperendêmico não é bem representado pelos países de baixa prevalência, onde a maioria destes estudos foi realizada. A contribuição da infecção exógena em nosso meio continua incerta. Fica em discussão o quanto de infecção recente representa os quase 70% de idosos que não tinham antecedentes da doença e que, mesmo assim, adoeceram. A presença de contato intradomiciliar, constatada em boa parte dos pacientes não idosos (34%), sugere que a infecção exógena possa ser um mecanismo importante neste grupo etário. Poucos idosos mencionaram este fator de risco; logo, a transmissão pode ter sido preferencialmente endógena ou não ter sido adequadamente aferida por um viés de informação.

Sintomas importantes na TP, como a tosse e Mesmo assim, mais da metade deste grupo relatou a expectoração, estiveram presentes em cerca de tal queixa causada pela doença. Os demais sintomas 80 e 65%, respectivamente, na população estudada. constitucionais que foram avaliados refletiram Este achado é relevante porque não caracteriza a muita semelhança entre os idosos e não idosos. Do ponto de vista clínico, a TP no idoso se assemelhou à sintomatologia respiratória tradicional. Por outro lado, somente queixas constitucionais pouco específicas, como o emagrecimento e a febre, foram mais observadas nos idosos, o que aumenta a necessidade de suspeição clínica para um diagnóstico correto. A literatura mostra predominância de sintomas inespecíficos(24) e diferentes achados respiratórios em cada série.(24,25) O tempo mediano dos sintomas clínicos nos idosos (90 dias) foi superior ao dos não idosos (60 dias), podendo refletir a baixa suspeita médica de TP para o idoso, em especial naqueles com predominância de sintomas inespecíficos e radiografia atípica.(25) Outro motivo seria a dificuldade do idoso em expressar suas queixas e a presença de doenças associadas, com sintomas semelhantes, que mascaram o quadro sintomático da TP, por várias semanas ou meses. Entretanto, há séries onde o tempo sintomático não diferiu entre faixas etárias, e sim em relação ao achado radiológico.(25,26) Neste estudo, não houve diferença no achado radiológico de infiltrados e cavitações. Desta forma, foi possível conceber que, radiologicamente, a suspeição da doença na amostra observada pôde ser feita nos dois grupos, não se encontrando formas radiológicas atípicas (lesões nos lobos inferiores, massas, atelectasia, etc.) no grupo idoso, como relatado em outros países cuja prevalência geral na população é bem menor que a brasileira.(25) A extensão da TP, avaliada pela uni ou bilateralidade, mostrou que a doença bilateral foi mais comum nos idosos, o que é compatível com a maior susceptibilidade imunológica e com o maior tempo sintomático observados neste grupo, sugerindo que a demora diagnóstica permite uma progressão maior da TP. Esta observação é reforçada no subgrupo de idosos acima de 70 anos. Nestes, a proporção de doença bilateral foi ainda maior. O teste tuberculínico, embora não tenha capacidade diagnóstica, mostrou que os doentes são reatores (acima de 75%) independente do fator idade, concordando com autores que demonstraram sensibilidade de até 80% no teste tuberculínico de idosos.(27) Outros, ao contrário, relataram maior sensibilidade da reação em jovens.(28)

Quanto aos métodos bacteriológicos, em todos os materiais, a cultura para micobactérias teve freqüência de positividade maior do que a baciloscopia direta. No caso do escarro, sua alta positividade foi equivalente nos dois grupos, acima de 70%, mostrando ser um bom espécime para diagnóstico de TP também nos idosos. Estes dados acompanham os de outros países com situação epidemiológica variada, que também mostraram rendimento semelhante da baciloscopia direta e da cultura de idosos e jovens.(29) O único material que revelou predominância de faixa etária foi o lavado brônquico, com melhor freqüência de positividade nos não idosos. Entretanto, é um método em desuso hoje em dia, geralmente substituído pelo escarro induzido ou lavado broncoalveolar em pacientes com expectoração escassa. A biópsia pleural teve boa positividade; porém, foi pouco usada no grupo idoso, impedindo uma análise desta
faixa etária. Nos não idosos, a cultura foi positiva em 39%, e a histopatologia sugestiva em 61% das lâminas. O percentual de diagnóstico de probabilidade foi baixo nos dois grupos do atual estudo. Isto sugere que, quando lembrada pela equipe médica, a confirmação bacteriológica, radiológica ou histopatológica da TB não foi difícil, mesmo nos indivíduos idosos, sugerindo que podemos confiar nos métodos usuais de diagnóstico de TP neste grupo etário. Este trabalho e outros da literatura nacional(12,13) apontam para um quadro sintomático relativamente semelhante entre jovens e idosos. A freqüência de positividade dos exames bacteriológicos convencionais foi semelhante nos dois grupos. Porém, a demora diagnóstica foi a regra para a maioria dos pacientes idosos, provavelmente em função de se associar a TP apenas à população jovem e empobrecida. Este fenômeno também acontece em países desenvolvidos,(23) mas não se justifica num meio de alta prevalência como o Brasil, onde a hipótese diagnóstica de TP em idosos sintomáticos respiratórios e constitucionais deve ser sempre considerada.

O presente estudo apresenta limitações metodológicas do modelo retrospectivo adotado e possibilidade de haver viés de informação devido ao uso de dados secundários. Mesmo assim, ficou clara a existência de aspectos biológicos e epidemiológicos relacionados à TP nos idosos, como o sexo masculino e a história prévia de TP. Quanto ao aspecto clínico, foi possível distinguir que o conjunto sintomático respiratório e constitucional não revelou diferenças entre os grupos. Separadamente, porém, foi possível estabelecer algumas associações de interesse: a dispnéia e o emagrecimento são mais comuns nos idosos, enquanto a hemoptise, a dor torácica e a febre, nos não idosos. A radiologia torácica não evidenciou formas atípicas na apresentação dos idosos ou imagens predominantes em quaisquer dos grupos. A bilateralidade, no entanto, foi mais comum nos idosos e parece ter relação com o maior tempo demandado para o diagnóstico. Como há poucas diferenças na apresentação clínica e na positividade dos principais métodos diagnósticos, este achado sugere uma baixa suspeição médica de TP neste grupo etário.

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* Trabalho realizado no Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IDT-UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Médico do Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IDT-UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
2. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
3. Professor Adjunto de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: João Paulo Cantalice Filho. Rua Pereira Nunes, 153, apto. 602, CEP 20511-120, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2562-2010. Fax 21 2298-3147. E-mail: jpcantalice@hucff.ufrj.br
Recebido para publicação em 30/6/2006. Aprovado, após revisão, em 26/3/2007.

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