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Artigo Original

Metodologia para caracterização de proficiência em leitura de resultados baciloscópicos para o diagnóstico da tuberculose

Methodology for characterizing proficiency in interpreting sputum smear microscopy results in the diagnosis of tuberculosis

Francisco Duarte Vieira, Julia Ignez Salem, Antônio Ruffino-Netto, Susana Alles de Camargo, Regina Ruivo Ferro e Silva, Lúcia Cristina Corrêa Moura, Meire Jane Vilaça, José Vitor da Silva

ABSTRACT

Objective: To propose a methodology for characterizing proficiency in sputum smear microscopy for acid-fast bacilli (AFB) in the diagnosis of tuberculosis and to determine the number of microscopies necessary to establish this proficiency, as well as the quality of the transcription of results, the causes of the discrepancies in the readings (rater or microscope used), and the criterion for classification of microscopy results that poses the most difficulty in characterizing proficiency. Methods: Four hundred sputum smear microscopies for the diagnosis of tuberculosis were analyzed through double-blind readings by six professionals who usually read/supervise microscopies performed in public health care facilities. The sample was stratified to obtain, at least, a reliability of 90% in the double-blind readings, an α error of 5%, and a precision of 3%. The results were analyzed using observed reliability and the kappa index. Results: Thirteen errors (0.27%) were found in the transcription of results. Reliability increased when the three distinct categories of positive results (AFB+, AFB++, and AFB+++) were grouped or when inconclusive results were excluded from the analysis. The quantification of the bacterial load was the classification criterion that posed the most difficulty in establishing proficiency. Using higher quality microscopes increased reliability. Reliability values stabilized only from the reading of 75 microscopies onward. Conclusions: Double-blind sputum smear microscopy readings using a panel containing 75 slides (36 negative, 4 inconclusive, and 35 positive) proved to be appropriate for characterizing proficiency in sputum smear microscopy for the diagnosis of tuberculosis when such proficiency is intended to reproduce laboratory routine.

Keywords: Tuberculosis; Microscopy; Reproducibility of results.

RESUMO

Objetivo: Propor uma metodologia para caracterizar proficiência na pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) em baciloscopias de escarro para diagnóstico da tuberculose, assim como determinar o número necessário de baciloscopias para estabelecer essa proficiência, a qualidade da transcrição dos resultados, as causas das discordâncias nas leituras (leitor e/ou microscópio utilizado) e o critério de classificação de resultados baciloscópicos que causa maior dificuldade na caracterização de proficiência. Métodos: Quatrocentas baciloscopias de escarro para diagnóstico da tuberculose foram analisadas, mediante leituras duplo-cegas, por seis profissionais que usualmente efetuam leitura/supervisão de baciloscopias realizadas na rede básica de saúde. A amostragem foi determinada visando a obter, no mínimo, 90% de concordância nas leituras duplo-cegas, erro α de 5% e precisão de 3%. Os resultados foram analisados mediante concordância observada/ índice kappa. Resultados: Constataram-se 13 erros de transcrição dos resultados (0,27%). A concordância aumentou quando as três categorias distintas de resultados baciloscópicos positivos (BAAR+, BAAR++ e BAAR+++) foram agrupadas ou foram excluídos da análise os exames com resultados inconclusivos. A quantificação da carga bacilar foi o critério de classificação que causou maior dificuldade para caracterização de proficiência. A qualidade do microscópio utilizado foi importante para o aumento da concordância. A estabilização dos valores de concordância somente foi obtida a partir da leitura de 75 baciloscopias. Conclusões: O uso de leituras baciloscópicas duplo-cegas utilizando-se painel composto por 75 lâminas (36 negativas, 4 inconclusivas e 35 positivas) mostra-se adequado para caracterizar a proficiência em baciloscopia para diagnóstico da tuberculose quando essa proficiência pretende reproduzir a rotina laboratorial.

Palavras-chave: Tuberculose/diagnóstico; Microscopia; Reprodutibilidade dos testes.

Introdução

A pesquisa microscópica de bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) em amostras clínicas de escarro, a qual é denominada rotineiramente de baciloscopia, é o método prioritário para o diagnóstico e acompanhamento dos casos de tuberculose pulmonar. A execução é rápida, fácil e de baixo custo. Entretanto, observa-se uma variação de resultados na visualização e quantificação dos BAAR quando a baciloscopia é realizada por diferentes profissionais (denominados leitores), visto que "o grau e a freqüência do erro - por excesso ou por defeito - variam de uma pessoa para a outra e também, conforme as épocas, no indivíduo".(1) Nesse sentido, é fundamental a implementação de um sistema de garantia da qualidade da baciloscopia.

Segundo recomendações do Consenso Global,(2) o sistema de controle de qualidade da baciloscopia da tuberculose inclui três componentes: controle de qualidade interno, melhoria da qualidade e controle de qualidade externo (CQE). O CQE permite que os laboratórios participantes avaliem sua capacidade pela comparação dos seus resultados aos de outros laboratórios da rede (laboratório central e intermediário). Esse processo abrange três métodos: teste de proficiência executado por meio de exame de painéis contendo esfregaços baciloscópicos, releitura cega das baciloscopias por laboratório hierarquicamente superior e supervisão executada por profissional de laboratório de referência (denominado supervisor) para revisar a qualidade das baciloscopias e das leituras executadas nos laboratórios sob sua jurisdição.

No Brasil, o CQE limita-se apenas à releitura dos esfregaços baciloscópicos pela comparação entre os resultados obtidos nos laboratórios locais e regionais e a reavaliação das lâminas feita nos Laboratórios Centrais de Saúde Pública, também conhecida como supervisão indireta. Entretanto, é coerente afirmar que, para a execução satisfatória desse componente do CQE, faz-se necessário que o leitor ou o supervisor responsável pelas releituras tenham comprovada proficiência em leituras baciloscópicas, isto é, tenham sido aprovados em um teste de proficiência em baciloscopia da tuberculose.

Na realização de testes de proficiência, o Consenso Global(2) sugere o uso de um entre quatro modelos de painéis, cada um com 10 lâminas baciloscópicas. A variação se dá no número de baciloscopias com diferentes classificações diagnósticas (negativas, inconclusivas, BAAR+, BAAR++ e BAAR+++). Entretanto, alguns autores(3,4) indicam que essas quantificações não possuem consenso geral entre os envolvidos com a qualidade da baciloscopia da tuberculose.

Devido à controvérsia sobre o tema, o presente trabalho teve como principal objetivo propor uma metodologia que permita caracterizar a proficiência na pesquisa de BAAR em baciloscopias para o diagnóstico da tuberculose, assim como verificar o número necessário de baciloscopias para o estabelecimento dessa proficiência, mediante a análise da concordância intraleitor e interleitor em leituras baciloscópicas duplo-cegas. A metodologia adotada também permitiu avaliar a qualidade da transcrição dos resultados, determinar se as discordâncias nas leituras baciloscópicas dependiam dos leitores (deficiências técnicas) e/ou do equipamento utilizado (microscópio) e verificar qual critério de classificação de resultados baciloscópicos causa maior dificuldade para a caracterização de proficiência.

Métodos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (processo nº 006/2004). Quatrocentas lâminas baciloscópicas para o diagnóstico da tuberculose foram analisadas, mediante leituras duplo-cegas, por seis profissionais que efetuam leitura ou supervisão de baciloscopias realizadas na rede básica de saúde. A amostragem foi determinada visando a obter, no mínimo, 90% de concordância nas leituras duplo-cegas, um erro α de 5% e uma precisão de 3%.

Com o objetivo de simular a rotina dos profissionais atuantes no diagnóstico da tuberculose, as lâminas baciloscópicas foram preparadas e coradas(5) a partir de 400 amostras seqüenciais de escarro, de pacientes anônimos sintomáticos respiratórios com suspeita de tuberculose pulmonar, coletadas em unidades laboratoriais da rede básica de saúde de Manaus. Realizou-se uma leitura microscópica preliminar para detecção de BAAR visando a verificar se as lâminas baciloscópicas preenchiam todos os critérios de classificação de resultados adotados no Brasil.(5) Preliminarmente constatou-se que 46% das baciloscopias apresentavam resultados negativos, 4%, resultados inconclusivos e 50%, resultados positivos.

Os seis profissionais participantes, denominados leitores, realizam atividades de leitura ou de supervisão de baciloscopias executadas na rede básica de saúde, sendo dois representantes da região Centro-Oeste e um representante de cada uma das outras macro-regiões geográficas do Brasil (Norte, Nordeste, Sudeste e Sul). Esses profissionais foram identificados como A, B, C, D, E e F, e os resultados das leituras duplo-cegas, como A1/A2, B1/B2, C1/C2, D1/D2, E1/E2 e F1/F2, respectivamente. Uma síntese do fluxo de procedimentos é apresentada na Figura 1.



Na preparação das baciloscopias, utilizaram-se lâminas com extremidade fosca na qual se realizou o registro seqüencial com grafite. Como cada lâmina baciloscópica seria submetida a 12 leituras microscópicas (seis leituras duplo-cegas) em lente de imersão e em diferentes equipamentos, as lâminas foram recobertas com lamínulas aderidas com Entellan para protegê-las de contaminação e perda da coloração devido à limpeza (retirada do óleo de imersão), fatores esses que poderiam afetar de maneira adversa a releitura das baciloscopias.(6)

O envio das baciloscopias aos profissionais leitores foi efetuado conforme as normas de biossegurança vigentes para a remessa de material biológico por via aérea.(7) Com o objetivo de verificar deficiências técnicas e/ou eliminar divergências de concordância induzidas pelo equipamento, cada profissional utilizou o mesmo microscópico de seu local de trabalho para realizar as leituras baciloscópicas duplo-cegas (leitura e releitura). Todos receberam instruções e documentos de procedimentos para a realização das leituras microscópicas. A cada dia, 25 lâminas foram analisadas, número esse que é indicado por Van Deun e Portaels(8) para a leitura diária por microscopistas experientes. Assim, as 400 baciloscopias analisadas formaram 16 blocos de lâminas.

Durante a leitura de cada lâmina baciloscópica, os números de BAAR encontrados em cada campo microscópico examinado foram registrados pelos leitores em papéis quadriculados para o estabelecimento da média e a emissão dos resultados.(5) Os resultados foram transcritos para uma ficha de transcrição de resultados de leituras baciloscópicas contendo informações sobre o número da lâmina e a data de leitura do bloco de 25 lâminas. O mesmo procedimento foi adotado na releitura, sendo que o mesmo foi precedido pela troca do número de registro das lâminas entre as 25 que compunham cada bloco. Essa ação foi executada por um profissional não participante das leituras baciloscópicas o qual manteve o banco de dados em sigilo até o término da investigação.

Para que os resultados obtidos nas leituras e releituras fossem fidedignos, conferiram-se as informações transcritas do papel quadriculado para a ficha de transcrição de resultados, e registraram-se os erros detectados para posterior análise. Os resultados constantes nos papéis quadriculados é que foram digitados em uma planilha eletrônica elaborada utilizando-se o programa Epi Info para Windows, versão 3.3.2. O resultado baciloscópico mais constante obtido pelos diferentes leitores em cada lâmina foi considerado a leitura padrão da mesma e identificado como P1 (leitura) e P2 (releitura).

Para verificar se as discordâncias nas leituras baciloscópicas dependiam dos leitores (deficiências técnicas) e/ou do equipamento utilizado (microscópio), foram calculados a concordância observada e o índice kappa intraleitor dos resultados baciloscópicos da leitura duplo-cega. Também foram calculadas as concordâncias interleitor e leitor/leitura padrão. Os cálculos foram realizados utilizando-se o programa Epi Info para MS-DOS, versão 6.04d, sendo que a interpretação do kappa foi estabelecida conforme as recomendações de Pereira(9).

Para a análise de qual critério de classificação de resultados baciloscópicos causa maior dificuldade na caracterização de proficiência, agruparam-se as diferentes categorias diagnósticas de resultados baciloscópicos, e calculou-se a concordância observada segundo os resultados de cada leitor.

Para a determinação do número mínimo de baciloscopias necessário para avaliar a proficiência em baciloscopia para o diagnóstico da tuberculose, foi analisada a concordância observada em blocos de 50, 75, 100 e 125 baciloscopias buscando estabelecer o momento em que os leitores obtivessem valores iguais ou superiores a 90% em três conjuntos analisados para cada bloco.

Resultados

Na análise das transcrições dos resultados do papel quadriculado para as fichas de transcrição de resultados, constataram-se 13 erros (0,27%) no universo de 4.800 leituras baciloscópicas, sendo 7 considerados de grande importância por serem erros falso-negativos.

A concordância intraleitor foi primeiramente analisada segundo a classificação diagnóstica de resultados baciloscópicos, a qual é padronizada em cinco categorias: inconclusivos, negativos, BAAR+, BAAR++ e BAAR+++. Posteriormente, considerando-se que os resultados de positividade apresentam diferenças apenas no número de BAAR e que essas diferenças não são consideradas discordâncias diagnósticas(2), agruparam-se essas categorias, e obtiveram-se os resultados de concordância para três (negativos, inconclusivos e positivos para BAAR) e duas categorias (negativos e positivos para BAAR). Os valores encontrados estão apresentados na Tabela 1.



Os valores da concordância observada e do kappa intraleitor, interleitor e leitor/leitura padrão, utilizando-se apenas três categorias diagnósticas (negativos, inconclusivos e positivos para BAAR) nas 400 baciloscopias analisadas, podem ser visualizados na Tabela 2.



A análise de qual critério de classificação de resultados baciloscópicos causa maior dificuldade na caracterização de proficiência gerou os dados expostos na Tabela 3.



A concordância observada nos blocos de 50, 75, 100 e 125 baciloscopias para a determinação do número mínimo de baciloscopias necessário para avaliar a proficiência é apresentada na Tabela 4.



Discussão

Os erros de muita importância (falso-negativos ou falso-positivos) na transcrição dos resultados das leituras baciloscópicas são considerados erros graves pelo Consenso Global.(2). Trabalhos científicos relacionados ao tema não mencionam esses erros graves ou, no máximo, os colocam sem dados estatísticos e como informação pessoal ou de outro autor, como é encontrado no editorial de Van Deun(10). Entretanto, esse tipo de erro pode, inclusive, acarretar processo jurídico contra o analista responsável e a instituição na qual trabalha. Um resultado falso-positivo acarreta sofrimento humano e custos financeiros, enquanto um resultado falso-negativo acarreta custos à sociedade, causa danos ao paciente pela demora no diagnóstico e faz com que os médicos percam a confiança nos serviços ofertados.(11)

Ao se verificar se as discordâncias nas leituras baciloscópicas dependiam dos leitores, constatou-se um aumento da concordância (Tabela 1) quando se agruparam as três categorias distintas de resultados positivos (BAAR+, BAAR++ e BAAR+++) ou se excluíram da análise os exames com resultados inconclusivos. Quando se analisaram apenas os valores de kappa obtidos com as cinco categorias de resultados baciloscópicos, constatou-se que cada leitor teve interpretação de boa concordância intraleitor (kappa variando de 0,61 a 0,80), com exceção do leitor A, cujo resultado teve interpretação de ótima concordância (kappa de 0,81 a 0,99). Vale ressaltar que o leitor A realizou as leituras baciloscópicas em microscópio moderno com resolução e definição de campo visual superiores aos dos equipamentos utilizados pelos demais leitores. Conseqüentemente, a qualidade do microscópio utilizado parece ter importância na obtenção de valores maiores de concordância, visto que o único diferencial entre os leitores foi o tipo e a qualidade do equipamento.

Os valores de concordância observada sem agrupamento das categorias de positividade também foram analisados (Tabela 1). Mesmo assim, nenhum dos leitores obteve o grau de concordância de 90% previsto no presente trabalho. Por outro lado, a média da concordância observada (81,2%) é similar à média da concordância relatada no trabalho de Martinez-Guarneros et al. (83%).(4) A diferença em relação ao valor máximo de concordância (100%) pode ser resultado de deficiência técnica dos leitores na quantificação de BAAR ou de inconsistência na reprodutibilidade da baciloscopia em razão de limitações inerentes à própria técnica. Entre as limitações se destaca a dificuldade de realizar a leitura dos mesmos campos microscópicos em dois momentos distintos,(3) mesmo que exista uma padronização que determine o posicionamento inicial do primeiro campo microscópico a ser analisado e a direção que deve ser seguida para a leitura de 100 campos.(5)

Na seqüência da análise da Tabela 1, fica evidente que ao se excluir a variável de quantificação de BAAR, representada pelo número de cruzes dos resultados baciloscópicos, tem-se um aumento nos valores da concordância intraleitor. Apesar de a diferenciação em cruzes não ser condição primordial para o diagnóstico da tuberculose, ela é importante para o acompanhamento terapêutico, uma vez que fornece ao profissional de saúde informação acerca da efetividade dos medicamentos prescritos.(12)

Quando se analisa a Tabela 2, constata-se que os leitores D e E foram os que tiveram os maiores valores de concordância interleitor e leitor/leitura padrão. Apesar de os leitores A e E terem obtido valores de concordância intraleitor iguais e melhores, foram os leitores D e E que obtiveram os maiores valores de concordância leitor/leitura padrão, ficando o leitor A com o terceiro maior valor. Como o leitor A foi o único que realizou suas leituras baciloscópicas em microscópio moderno com resolução e definição de campo visual superiores aos dos equipamentos utilizados pelos demais leitores, seus resultados contribuíram em menor proporção para a composição da leitura padrão, talvez sendo esse o motivo de esse leitor ter tido valores de concordância leitor/leitura padrão inferiores aos obtidos pelos leitores D e E. Com base nesses resultados, pode-se deduzir que, na caracterização de proficiência, o microscópio é uma variável de interferência nos resultados, principalmente se a proficiência é baseada em painéis que têm como resultado de referência o laudo emitido pelo organizador dos mesmos.

Segundo o Consenso Global,(2) é de se esperar que a concordância em análises baciloscópicas duplo-cegas seja próxima de 95% para esfregaços altamente positivos (BAAR++ e BAAR+++) e de 30 a 50% para os esfregaços inconclusivos (1-9 BAAR/100 campos). Valores inferiores aos da concordância relatada indicam deficiência técnica sugestiva de qual ou quais critérios de classificação de resultados baciloscópicos é responsável pela maior dificuldade na caracterização de proficiência. Assim, os valores de concordância apresentados na Tabela 3, relativos aos resultados do agrupamento BAAR++ e BAAR+++, do agrupamento BAAR+, BAAR++ e BAAR+++ e do agrupamento BAAR+, BAAR++, BAAR+++ e inconclusivos, todos considerados resultados positivos para efeito de diagnóstico, demonstram erro de quantificação na leitura microscópica. Esses erros podem resultar de deficiência técnica ou do fato de que os leitores não sistematizaram adequadamente a leitura baciloscópica conforme as instruções e os documentos de procedimentos enviados aos mesmos para a realização das leituras microscópicas.

A sistematização pode ter relação tanto com o posicionamento inicial do primeiro campo microscópico a ser analisado, o que conseqüentemente modifica os demais campos devido ao desvio de direção, como com a contagem do número de BAAR em cada campo analisado. É mais provável que o problema seja realmente de sistematização, uma vez que se obteve concordância acima de 90% em resultados propícios a fornecer falso-negativos, como é o caso da concordância obtida entre BAAR+ e negativos (97,5%) e entre inconclusivos e negativos (92,2%). Portanto, os leitores demonstraram competência em detectar BAAR, mesmo quando em pequena quantidade.

A hipótese sobre a sistematização fica ainda mais evidente quando se constata os valores de concordância entre BAAR+ e inconclusivos (Tabela 3). Apesar de a concordância não ter atingido o padrão de 90%, esses são resultados que indicam a ausência de falso-positivos, sendo considerados apenas como erros de quantificação no número de bacilos. Como exposto anteriormente, esses erros podem ser resultantes de diferentes posicionamentos iniciais do primeiro campo microscópico nas etapas de leitura e releitura.

Na seqüência da análise da Tabela 3, constata-se que a concordância entre resultados inconclusivos é baixa, estando sua média (30,5%) no limite inferior do relatado no Consenso Global.(2) Apesar desse fato, constata-se que essa média tem maior relação com modificações dos resultados para critérios de BAAR+, pois a média da concordância entre resultados inconclusivos e negativos é de 92,2%, e a média da concordância entre BAAR+ e resultados negativos é de 97,5%. Portanto, isso indica que é baixo o número de discordâncias indicativas de resultados falso-positivos. Tal fato tem respaldo na concordância obtida entre BAAR+, resultados inconclusivos e resultados negativos, cuja média é de 86,5%, superior às obtidas nas análises dos agrupamentos de diferentes graus de resultados positivos ou do agrupamento desses com resultados inconclusivos. Esses resultados ampliam a hipótese de que os valores de concordância têm relação com a sistematização das leituras baciloscópicas em estudos duplo-cegos ou mesmo naqueles em que a releitura das lâminas é realizada por outros leitores.

Resumidamente, após a análise dos dados apresentados nas Tabelas 1 e 3, constata-se que foi a quantificação do número de bacilos que causou maior dificuldade na caracterização de proficiência. Portanto, qualquer um dos critérios de positividade causa dificuldade na determinação da proficiência.

Os resultados apresentados na Tabela 4 indicam que apenas os leitores A, D e E, assim como a leitura padrão, tiveram no máximo 3 conjuntos de baciloscopias com valores de concordância observada igual ou inferior a 90%. Como esse foi o critério estabelecido na proposta do presente estudo, realizou-se a análise do número necessário de lâminas baciloscópicas para a caracterização de proficiência com base nos resultados dos referidos leitores. O leitor A obteve médias constantes em todos os blocos examinados, indicando que, para o mesmo, 50 lâminas seriam suficientes para estabelecer sua proficiência. Entretanto, o leitor D somente obteve médias constantes a partir da leitura de 75 lâminas. O leitor E apresentou um aumento de média da concordância no bloco de 75 baciloscopias em relação ao de 50 baciloscopias e retornou ao mesmo valor do bloco de 50 baciloscopias no bloco de 100 baciloscopias. A leitura padrão mostrou uma tendência de estabilização a partir da leitura de 100 lâminas, apresentando valores superiores aos da leitura de 75 lâminas.

Mediante o exposto, tem-se, a partir do bloco de 75 lâminas, uma estabilização ou um aumento das médias da concordância, exceção feita ao leitor E. Os dados levam à conclusão de que um painel para a caracterização de proficiência em baciloscopia da tuberculose deve conter no mínimo 75 lâminas, abrangendo em torno de 48% de lâminas negativas, 5% de inconclusivas e 47% de positivas. No presente estudo esses percentuais corresponderam a 36 baciloscopias negativas, 4 inconclusivas e 35 positivas, sendo 10 BAAR+, 12 BAAR++ e 13 BAAR+++. A quantificação do número de bacilos é um fator determinante de maior ou menor concordância intraleitor, enquanto os resultados inconclusivos têm a função de verificação da competência dos leitores na questão dos resultados falso-negativos e falso-positivos duvidosos.

Apesar da composição sugerida, será a concordância intraleitor que estabelecerá a caracterização de proficiência. Assim, para garantir um ótimo padrão de proficiência, compatível com os leitores do presente trabalho, a concordância não deve ser inferior a 90% em qualquer painel elaborado para esse fim, independentemente do número de baciloscopias ou de suas composições. Entretanto, se a proficiência pretende reproduzir a rotina laboratorial, é aconselhável que se utilizem 75 baciloscopias, sendo 36 negativas, 4 inconclusivas e 35 positivas.

Agradecimentos

Expressamos nossa gratidão aos seguintes órgãos financiadores: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Demanda Social - CAPES/DS - e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas/Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FAPEAM/MS/CNPq (Processo nº 981/05). Gostaríamos de agradecer ao Laboratório Central de Saúde Pública do Estado do Amazonas, na figura da farmacêutica bioquímica Oneide Silva. Agradecemos também à Maria de Fátima Barbosa, do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Universidade Federal do Amazonas, o auxílio técnico na cobertura das lâminas.

Referências


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2. APHL/CDC - Association of Public Health Laboratories/ Centers of Disease Control and Prevention. External Quality Assessment for AFB Smear Microscopy. Washington, DC: APHL; 2002.

3. Paramasivan CN, Venkataraman P, Vasanthan JS, Rahman F, Narayanan PR. Quality assurance studies in eight State tuberculosis laboratories in India. Int J Tuberc Lung Dis. 2003;7(6):522-7.

4. Martinez-Guarneros A, Balandrano-Campos S, Solano-Ceh MA, Gonzalez-Dominguez F, Lipman HB, Ridderhof JC, et al. Implementation of proficiency testing in conjunction with a rechecking system for external quality assurance in tuberculosis laboratories in Mexico. Int J Tuberc Lung Dis. 2003;7(6):516-21.

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6. Van Deun A, Roorda FA, Chambugonj N, Hye A, Hossain A. Reproducibility of sputum smear examination for acid-fast bacilli: practical problems met during cross-checking. Int J Tuberc Lung Dis. 1999;3(9):823-9.

7. International Air Transport Association, and International Civil Aviation Organization. Dangerous goods regulations. Montreal: International Air Transport Association; 2003.

8. Van Deun A, Portaels F. Limitations and requirements for quality control of sputum smear microscopy for acid-fast bacilli. Int J Tuberc Lung Dis. 1998;2(9):756-65.

9. Pereira MG. Epidemiologia: teoria e prática. 6th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002.

10. Van Deun A. External quality assessment of sputum smear microscopy: a matter of careful technique and organisation. Int J Tuberc Lung Dis. 2003;7(6):507-8.

11. WHO/IUATLD. International Course on the Management of Tuberculosis Laboratory Networks in Low-Income Countries. Ottawa, Canadá. 2000.

12. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica. 6. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.

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Trabalho realizado no Laboratório de Micobacteriologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA - Manaus (AM) Brasil.
1. Farmacêutico Bioquímico do Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal - LACEN/DF - Brasília (DF) Brasil.
2. Pesquisador Titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA - Manaus (AM) Brasil.
3. Professor Titular do Departamento de Medicina Social. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP/USP - Ribeirão Preto (SP) Brasil.
4. Farmacêutica Bioquímica do Laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Sul - LACEN/RS. Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde - FEPPS - Porto Alegre (RS) Brasil.
5. Biomédica Pesquisadora do Laboratório I de Santo André. Instituto Adolfo Lutz - IAL - São Paulo (SP) Brasil.
6. Farmacêutica Bioquímica do Laboratório Central de Saúde Pública da Paraíba - LACEN/PB - João Pessoa (PB) Brasil.
7. Técnica em Patologia Clínica do Laboratório Central de Saúde Pública do Amazonas - LACEN/AM - Manaus (AM) Brasil.
8. Técnico em Patologia Clínica do Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal - LACEN/DF - Brasília (DF) Brasil.
Endereço para correspondência: Julia Ignez Salem. INPA/CPCS, Av. André Araújo, 2.936, CEP 69060-001, Manaus, AM, Brasil.
Tel 55 92 3643-3058. Fax 55 92 3643-3061. E-mail: salem@inpa.gov.br
Recebido para publicação em 17/4/2007. Aprovado, após revisão, em 2/8/2007.

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