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Relato de Caso

Gravidez em paciente com microlitíase alveolar pulmonar grave

Pregnancy in a patient with severe pulmonary alveolar microlithiasis

José Osmar Bezerra de Souza Filho, Cristiane Maria Cavalcante Silveira, Aline Barreto da Cunha, Valéria Goes Ferreira Pinheiro, Francisco Edson de Lucena Feitosa, Marcelo Alcântara Holanda

ABSTRACT

Pulmonary alveolar microlithiasis (PAM) is a rare disease that affects both lungs. It is characterized by the presence of small calculi (calcium phosphate) within the alveolar spaces. We report the case of a 26-year-old female whose diagnosis was based on characteristic findings on chest X-rays and high-resolution computed tomography scans. The patient, 28 weeks pregnant, was rehospitalized 10 months after the diagnosis, presenting hypoxemic acute respiratory failure and severe restrictive ventilatory defect on spirometry. After 32 completed weeks of gestation (228 days), she was submitted to cesarean section, and the outcome was successful for mother and newborn. PAM has a variable clinical course. It is suggestive of an autosomal recessive inheritance pattern and has been associated with positive family history. The etiology of PAM is unclear, and many authors speculate that there is a local enzymatic defect responsible for the intra-alveolar accumulation of calcium. Reports of patients with PAM who become pregnant are exceptional, and this is the first case described in Brazil. The course of this disease is usually slow and progressive, and patients typically die of cardiorespiratory failure. The present case illustrates the need to offer female patients, especially those with advanced disease, genetic counseling and orientation regarding the risks of pregnancy. Currently, the only effective therapy is lung transplantation.

Keywords: Pulmonary alveoli; Pregnancy; Respiratory insufficiency.

RESUMO

A microlitíase alveolar pulmonar (MAP) é uma doença rara que atinge ambos os pulmões, caracterizada pela presença de pequenos cálculos (fosfato de cálcio) nos espaços alveolares. Relatamos o caso de uma paciente do sexo feminino, de 26 anos, cujo diagnóstico foi confirmado com base nos achados marcantes na radiografia de tórax e tomografia computadorizada de alta resolução. A paciente, gestante de 28 semanas, retornou ao hospital 10 meses após o diagnóstico apresentando insuficiência respiratória hipoxêmica e com distúrbio ventilatório restritivo grave à espirometria. Após completadas 32 semanas e 4 dias de gestação, foi submetida aparto cesariano, com sucesso para mãe e filha. A MAP tem evolução clínica variável. Tem provável caráter autossômico recessivo e associação com história familiar positiva. A etiologia é incerta, e muitos autores especulam que haja um defeito enzimático local responsável pelo acúmulo intra-alveolar de cálcio. Relatos de pacientes com MAP que engravidaram são excepcionais, sendo o presente caso o primeiro descrito no Brasil. O curso dessa doença costuma ser lentamente progressivo, e os pacientes geralmente falecem devido à insuficiência cardiorrespiratória. O presente caso ilustra a necessidade de se oferecer aconselhamento genético e orientações sobre o risco de gravidez às pacientes, especialmente em casos de doença avançada. Atualmente, a única terapia efetiva é o transplante pulmonar.

Palavras-chave: Alvéolos pulmonares; Gravidez; Insuficiência respiratória.

Introdução

A microlitíase alveolar pulmonar (MAP) é uma doença rara que atinge ambos os pulmões, caracterizada pela presença de pequenos cálculos (fosfato de cálcio) dentro dos espaços alveolares.(1) A etiologia permanece desconhecida.(2,3)

Em alguns casos há história familiar da doença, sugerindo um padrão de transmissão autossômico recessivo.(4)

A maioria dos pacientes são assintomáticos e, quando os sintomas aparecem, geralmente se encontram em fase avançada de doença. O diagnóstico se baseia em achados radiológicos, nos quais se observam infiltrados micronodulares radiopacos em ambos os pulmões, podendo ter um padrão reticular superposto difuso, configurando uma aparência em "tempestade de areia", termo que evidencia as microcalcificações difusas.(3,5-7)

Alguns pacientes podem apresentar, ao diagnóstico, sintomas como dispnéia, tosse produtiva, hemoptise e, menos comumente, dor torácica.(3)

Relatamos o caso de uma paciente com diagnóstico de MAP que engravidou e evoluiu com sucesso, sendo o segundo caso relatado na literatura mundial até o momento e o primeiro no Brasil.(4)

Relato de caso

M.V.P., sexo feminino, 26 anos, agricultora, foi encaminhada ao serviço de pneumologia do Hospital Universitário Walter Cantídio da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará para investigação diagnóstica em março de 2005. Referia dispnéia aos grandes esforços há 10 anos. Em alguns momentos apresentava sibilância. Nos últimos 4 anos, houve progressão da dispnéia, ocorrendo aos mínimos esforços, principalmente à noite, associada à tosse produtiva, com secreção esbranquiçada ou amarelada. Há 2 anos despertava à noite por dispnéia e, no último ano, apresentava crises diárias. Negava episódios de febre, hemoptise ou dor torácica. Ao exame físico, a paciente encontrava-se taquicárdica, taquipnéica, hipocorada e com cianose central e periférica. A saturação arterial de oxigênio era de 80%, sem uso de oxigênio suplementar. Na ausculta pulmonar havia murmúrio vesicular diminuído difusamente, com crepitações finas nos terços inferiores e na região anterior de ambos hemitórax. Apresentava baqueteamento digital. A radiografia simples de tórax evidenciou infiltrado pulmonar difuso, bilateral, exuberante e com densidade cálcica (Figura 1). A tomografia computadorizada de tórax de alta resolução (TCAR) revelou micronódulos calcificados distribuídos difusamente, com calcificações de espaço pleural e dos septos interlobulares (Figura 2). Foi realizado ecocardiograma transtorácico, que evidenciou leve hipertensão pulmonar com pressão sistólica da artéria pulmonar de 43 mmHg, com fração de ejeção de 58%. Foi estabelecido, então, o diagnóstico de MAP. Após a estabilização do quadro agudo, a paciente recebeu alta com orientação para uso de oxigênio domiciliar-1 L/min. Dez meses após o diagnóstico, a paciente retornou ao hospital gestante de 28 semanas e 2 dias, com piora da cianose e da dispnéia. Foi internada no serviço sendo iniciado cateter nasal de oxigênio (5 L/min). Os resultados da gasometria arterial foram os seguintes: pH, 7,34; pressão parcial arterial de gás carbônico, 43 mmHg; pressão parcial arterial de oxigênio, 49 mmHg; saturação arterial de oxigênio, 81%; bicarbonato, 22,7 mEq/L. Após estabilização do quadro hipoxêmico, utilizando-se máscara de Venturi a 35%, e melhora da dispnéia, a paciente foi transferida para a unidade pré-natal de alto risco da Maternidade Escola Assis Chateaubriand. A paciente permaneceu internada durante toda a gestação, em uso de oxigênio nasal (1 L/min), com saturação arterial em torno de 94%. Após 32 semanas e 4 dias de gestação, submeteu-se ao parto cesariano. Durante o mesmo, permaneceu em uso de máscara de Venturi a 50%, sem hipóxia. O recém-nascido apresentou-se reativo, chorando ao nascer, com fontanela normotensa e hidratada, pesando 1.960 g, com estatura de 42 cm, perímetro cefálico de 31,5 cm, perímetro torácico de 28,5 cm, adequados para idade gestacional, com icterícia zona III e boa resposta a fototerapia. O escore de Apgar no primeiro minuto foi 8 e, no segundo minuto, 9. Apresentou ausculta cardiopulmonar normal, com reflexos simétricos e presentes. Cerca de 1 ano e 8 meses após o parto, a paciente retornou ao ambulatório trazendo a criança, que teve desenvolvimento neuropsicomotor normal. A paciente evoluiu com piora progressiva da dispnéia nesse período. Foi realizada espirometria, com os seguintes resultados: capacidade vital forçada (CVF), 2,80 L (25,9% do previsto); volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), 2,59 L (13,9% do previsto); relação VEF1/CVF, 91,1% (75,6% do previsto); e fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF, 3,63 L/s (65% do previsto).
Caracterizou-se, portanto, um distúrbio ventilatório restritivo grave.

O exame foi interrompido por queixas de tontura e dores nos membros inferiores aos 4 minutos.





Discussão

O presente relato de caso demonstra que a MAP pode alcançar um estágio avançado em pacientes jovens. Além disso, o fato de uma gravidez ter sido levada a termo com sucesso em paciente com doença extensa ressalta a importância de se ofertar um planejamento familiar adequado a pacientes com esta doença em idade fértil. Trata-se de uma entidade clínica rara, caracterizada pela presença de pequenos cálculos de cálcio (calciferitos, calcosferitos ou microlitos) intra-alveolares.(8) Nas publicações com séries de casos, não há relatos de predominância por sexo.(8) A etiologia é incerta, e muitos autores especulam que haja um defeito enzimático local responsável pelo acúmulo ­intra-alveolar de cálcio.(2) Quando os sinais e sintomas clínicos surgem, o paciente geralmente apresenta um estado avançado da doença, restando para o mesmo, como terapêutica, o transplante pulmonar.(9)

Em uma revisão de 576 casos de MAP relatados na literatura, reportou-se que em cerca de 50% dos casos há uma história familiar positiva.(2)

Em relação ao quadro clínico, os sintomas mais comuns são dispnéia aos esforços e em repouso. Outros sintomas relatados são tosse produtiva, fadiga, dor torácica, hemoptise, palpitações, ­mal-estar, perda ponderal, estridor e cefaléia. Em um estudo com 10 pacientes diagnosticados com MAP, 2 não apresentavam queixas no início do quadro. Dos 10 pacientes, 4 apresentavam doença pulmonar restritiva e 6 apresentavam função pulmonar normal.(4,5)

Como método diagnóstico, a TCAR de tórax tem maior sensibilidade que a radiografia, pois evidencia melhor as alterações típicas, como espessamento de septo interlobular, opacidade em vidro fosco, enfisema paraseptal e espessamento intersticial subpleural, comuns em pacientes com MAP, além de evidenciar melhor a extensão da doença.(6-8)

No estudo supracitado com 10 pacientes com MAP, sugeriu-se que o número e a extensão das alterações encontradas na TCAR sejam proporcionais ao grau de perda de função pulmonar. As alterações radiológicas variaram em relação à extensão e às formas de apresentação, justificando o curso clínico não uniforme e imprevisível.(10)

Os principais diagnósticos diferenciais incluem tuberculose miliar, hemossiderose pulmonar, sarcoidose, pneumoconiose, amiloidose e calcificação pulmonar metastática associada à insuficiência renal crônica e à hemodiálise.(2,3)

A doença tem distribuição mundial. Segundo autores de uma revisão, há relatos de casos em 51 países, em 12 dos quais há pelo menos 10 casos descritos-França, Bulgária, Alemanha, Índia, Itália, Turquia, Japão, Rússia, Polônia, Espanha, Estados Unidos e Iugoslávia.(2)

Em relação às mulheres portadoras de MAP que engravidaram, há um
relato do caso de uma mulher de 36 anos que engravidou e chegou a termo, sendo o primeiro caso registrado no mundo de gestante portadora de MAP.(8)

O curso desta doença costuma ser lento, e os pacientes geralmente falecem devido à insuficiência cardiorrespiratória. Atualmente, a única terapia efetiva é o transplante pulmonar.(9)

Referências

1. Jankovic S, Pavlov N, Ivkosic A, Erceg I, Glavina-Durdov M, Tocilj J, et al. Pulmonary alveolar microlithiasis in childhood: clinical and radiological follow-up. Pediatr Pulmonol. 2002;34(5):384-7.

2. Mariotta S, Ricci A, Papale M, De Clementi F, Sposato B, Guidi L, et al. Pulmonary alveolar microlithiasis: report on 576 cases published in the literature. Sarcoidosis Vasc Diffuse Lung Dis. 2004;21(3):173-81.

3. Wang HY, Shen HH, Jiang ZN. Pulmonary alveolar microlithiasis: report of four familial cases. Chin Med J (Engl). 2004;117(6):950-2.

4. Al-Alawi AS. Familial occurrence of pulmonary alveolar microlithiasis in 3 siblings. Saudi Med J. 2006;27(2):238-40.

5. Barbolini G, Rossi G, Bisetti A. Pulmonary alveolar microlithiasis. N Engl J Med. 2002;347(1):69-70.

6. Wurche KD, Kubale R, Vallèe D, Ostertag H. Quantification of pulmonary alveolar microlithiasis in the CT [Article in German]. Rofo. 1987;147(1):36-8.

7. Julhl J, Crummy A. Interpretação Radiológica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

8. Marchiori E, Gonçalves CM, Escuissato DL, Teixeira KI, Rodrigues R, Barreto MM. Pulmonary alveolar microlithiasis: high-resolution computed tomography findings in 10 patients. J Bras Pneumol. 2007;33(5):552-7.

9. Bonnette P, Bisson A, el Kadi NB, Colchen A, Leroy M, Fischler M, et al. Bilateral single lung transplantation. Complications and results in 14 patients. Eur J Cardiothorac Surg. 1992;6(10):550-4.

10. Deniz O, Ors F, Tozkoparan E, Ozcan A, Gumus S, Bozlar U, et al. High resolution computed tomographic features of pulmonary alveolar microlithiasis. Eur J Radiol. 2005;55(3):452-60.




Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (CE) Brasil.
1. Estudante de Medicina. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (CE) Brasil.
2. Médica Residente em Clínica Médica. Hospital Universitário Walter Cantídio da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (CE) Brasil.
3. Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (CE) Brasil.
4. Supervisor do Programa de Residência Médica em Tocoginecologia e Obstetrícia. Maternidade Escola Assis Chateubriand da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (CE) Brasil.
5. Professor Adjunto do Departamento de Medicina Clínica. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (CE) Brasil.
Endereço para correspondência: Cristiane Maria Cavalcante Silveira. Rua Nogueira Acioli, 1080, apto. 801, Aldeota, CEP 60110-141, Fortaleza, CE, Brasil.
Tel 55 85 3366-8101. E-mail: crismcsilveira@hotmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 10/12/2007. Aprovado, após revisão, em 27/2/2008.

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