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Relato de Caso

Forma acelerada da fibrose pulmonar idiopática no pulmão nativo após transplante pulmonar unilateral

Accelerated form of interstitial pulmonary fibrosis in the native lung after single lung transplantation

Rogério Rufino, Kalil Madi, Omar Mourad, Angelo Judice, Giovanni Marsico, Carlos Henrique Boasquevisque

ABSTRACT

We report the case of a 56-year-old patient who underwent left single lung transplantation for idiopathic pulmonary fibrosis (IPF). Despite the high level of immunosuppression after the surgery, there was rapid progression to IPF in the native (right) lung as demonstrated by thoracoscopic lung biopsy. After 104 days on mechanical ventilation, the patient underwent right lung transplant and was discharged from the hospital on postoperative day 26.

Keywords: Idiopathic pulmonary fibrosis; Lung transplantation; Case reports [publication type].

RESUMO

Relatamos o caso de um paciente de 56 anos submetido a transplante pulmonar unilateral esquerdo em decorrência de fibrose pulmonar idiopática (FPI). No pós-operatório imediato, sob intensa imunossupressão, houve progressão rápida da FPI no pulmão nativo direito, confirmada pela biópsia pulmonar videotoracoscópica, necessitando de ventilação mecânica durante 104 dias até a realização de outro transplante pulmonar à direita. Obteve alta hospitalar após o 26º dia do segundo pós-operatório.

Palavras-chave: Fibrose pulmonar; Transplante de pulmão; Relatos de casos [tipo de publicação].

Introdução

A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é uma doença crônica com evolução progressiva para a falência respiratória incapacitante, apesar do tratamento farmacológico. Outras pneumonias intersticiais idiopáticas, como a pneumonia intersticial descamativa, o acute interstitial pneumonia/ diffuse alveolar damage (AIP/DAD, pneumonia intersticial aguda/dano alveolar difuso), a pneumonia intersticial linfocítica, a pneumonia intersticial não-específica, a pneumonia em organização criptogênica e a bronquiolite respiratória associada à doença intersticial pulmonar, podem possuir curso clínico, terapêutico e prognóstico mais favorável do que a FPI.(1) Dessa forma, para os pacientes com FPI, o transplante de pulmão se qualifica como uma das opções de tratamento.

Relatórios dos centros de transplantes de pulmão coletados e publicados pela Sociedade Internacional de Transplante Coração-Pulmão em 2003 citam que a FPI é a segunda de todas as doenças na indicação de transplante, atrás apenas dos casos de enfisema pulmonar.(2)

Os critérios para indicação do transplante de pulmão não são os mesmos para todas as doenças. Nos pacientes com FPI, considera-se a capacidade vital ou a capacidade pulmonar total = 60% do previsto, a relação da difusão do monóxido de carbono (DCO) corrigido pelo volume alveolar = 50% do previsto, a gasometria arterial com pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2) = 55 mmHg e a diferença alvéolo-arterial de oxigênio = 30 mmHg em repouso.(2) Nos critérios clínicos, o aumento progressivo da dispnéia se constitui como indicativo de transplante, devendo estar associado à piora da função pulmonar ou ao agravamento dos escores de capacidade laborativa.(1,3,4)

O caso clínico-tomográfico-patológico abaixo demonstra a evolução fibrosante acelerada no pulmão contralateral nativo, caracterizando um subtipo de FPI, com agudização do quadro clínico, deterioração da função pulmonar, intensificação dos infiltrados pulmonares e manutenção do padrão histológico de pneumonia intersticial usual (PIU).(5)

Relato de caso

Homem, 56 anos, com diagnóstico de FPI (clínicofuncional-tomográfico-patológico) há cinco anos, evoluiu progressivamente com dispnéia a mínimos esforços e tosse mucóide escassa, intensa e de difícil controle. Apresentava, no mês do transplante pulmonar, hipoxemia e hipercapnia (PaO2 57 mmHg e pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial 45 mmHg, em repouso e no ar ambiente ao nível do mar), DCO 29% do previsto, capacidade vital forçada 40,8% (1,41 L) e o volume expiratório forçado no primeiro segundo 52,6% (1,31 L). A cintilografia perfusional pulmonar demonstrava fluxo arterial de 76,7% para o pulmão direito e 23,3%, para o pulmão esquerdo. Os exames laboratoriais para o diagnóstico de doenças do colágeno e o inquérito epidemiológico para as doenças intersticiais conhecidas foram negativos. Durante os cinco anos de acompanhamento, tinha utilizado corticosteróides (prednisona 0,25 a 1 mg/kg/dia), imunossupressores (azatioprina ou ciclofosfamida 0,5 a 2 mg/kg/dia) e antifibrótico/imunomodulador (interferon-.1b) por quatro meses. O transplante foi unilateral à esquerda, correspondendo à menor perfusão arterial e maior intensidade do acometimento do interstício pela tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR). No pós-operatório imediato evoluiu com instabilidade torácica devido à fratura de três arcos costais, em decorrência da tração de costelas osteopênicas durante o fechamento da ferida cirúrgica, e com isquemia de reperfusão pulmonar grave (relação PaO2/fração inspirada de oxigênio = 124). Permaneceu em ventilação mecânica (VM) invasiva por dez dias, traqueostomizado, e recuperando-se progressivamente da hipoxemia. O esquema de imunossupressão iniciado foi composto pela ciclosporina 5 mg/kg de 12/12 h, prednisona 0,5 mg/ kg/dia e azatioprina 2 mg/kg/dia, além do anticorpo anti-receptor da interleucina-2 basiliximab no 1º e 4º dias pós-operatório e da metilprednisolona 1 g no pré-operatório. Obteve alta da unidade de terapia intensiva para o quarto da unidade semi-intensiva, mas no 8º dia na unidade semiintensiva houve exacerbação da dispnéia, associada ao retorno da tosse seca e de progressiva estertoração crepitante em todo o hemitórax direito, sendo re-encaminhado para a unidade de terapia intensiva. Uma nova avaliação foi feita através de TCAR, broncofibroscopia com lavado broncoalveolar (LBA) e biópsia transbrônquica do lobo inferior esquerdo e do lobo superior direito. Todas as culturas foram negativas, o LBA tinha padrão neutrofílico, sem eosinófilos ou macrófagos com hemossiderina, e o histopatológico não foi conclusivo. Foi realizada arteriografia pulmonar e, posteriormente, vídeotoracoscopia com biópsia pulmonar em três diferentes regiões do lobo superior direito para assegurar a representatividade da doença (Figuras 1 e 2). A arteriografia não demonstrava doença tromboembólica.









As culturas do material da biópsia foram negativas para bactérias, fungos e micobactérias. As pesquisas de citomegalovírus e herpes simples foram negativas. A imunofluorescência direta para Chlamydia pneumoniae, Legionella pneumophila e Mycoplasma pneumoniae, bem como a antigenúria para L. pneumophila sorotipo 1 foram negativas. O estudo histológico do pulmão direito nas três áreas biopsiadas demonstrava padrão exclusivo de PIU, semelhante ao pulmão nativo esquerdo (Figura 3). Foi realizada a pulsoterapia com metilprednisolona 1 g por três dias consecutivos, permanecendo sob VM invasiva e com posterior evolução para sepse por Klebsiella pneumophila e Pseudomonas aeruginosa. No 141º dia de internação, sob VM invasiva há 109 dias, em uso de noradrenalina (0,2 µg/kg/dia), um transplante do pulmão nativo direito foi realizado - transplante seqüencial bilateral com intervalo de meses - apesar das contra-indicações relativas: dose elevada de corticosteróide (acima de 20 mg/dia), ventilação mecânica e tratamento da sepse.(6) Após 31 dias do segundo transplante, o paciente obteve alta hospitalar, sem necessidade de oxigênio e, atualmente, após dois anos, permanece sob acompanhamento com novo esquema imunossupressor: sirolimus 2,5 mg/dia, azatioprina 50 mg/dia e prednisona 5 mg/dia.





Discussão

Na década de 60, alguns autores realizaram estudos em doenças pulmonares intersticiais idiopáticas utilizando material de biópsia pulmonar e estabeleceram padrões histológicos distintos nas pneumonias intersticiais idiopáticas.(7,8) Atualmente, sabe-se que o padrão histológico pode ser semelhante em muitas doenças, como o padrão PIU para a FPI, doenças do colágeno, asbestose, sendo necessária a avaliação conjunta da TCAR, da função pulmonar, do quadro clínico e da resposta terapêutica para estabelecer adequadamente o diagnóstico.(1) O paciente apresentava padrão de PIU na biópsia pulmonar realizada cinco anos antes dos transplantes.

O AIP/DAD, ou doença de Hammam-Rich, apresenta rápida progressão clínica (semanas), difusas áreas de vidro fosco na TCAR e padrão histológico indistinguível da síndrome da angústia respiratória aguda (SARA).(2,9,10) Nesse caso, a membrana hialina que caracteriza a SARA e o DAD não foi evidenciada nos materiais estudados.

A pneumonia nosocomial (bacteriana, viral, protozoária ou fúngica), a pneumonia eosinofílica aguda, a pneumonia em organização criptogênica e o tromboembolismo pulmonar foram investigados pelos métodos áureos: biópsia para os processos infecciosos e infiltrativos parenquimatosos e arteriografia para o envolvimento vascular, com resultados negativos.(1,11)

A rejeição aguda ou crônica não acontece no pulmão nativo e o infiltrado pulmonar induzido por drogas foi excluído pelo comprometimento unilateral.(12)

Em 1993, alguns autores publicaram três casos de FPI agudizados com evolução rápida para insuficiência respiratória aguda.(5) O achado da celularidade do LBA demonstrava neutrofilia, e o da histologia, o padrão PIU sem membranas hialinas. Todos os três pacientes realizaram a pulsoterapia com metilprednisolona na dose de 1 g por três dias consecutivos, evoluindo com melhora clínica progressiva. Em 1999,(13) outros autores descreveram uma variante da FPI em dois pacientes que evoluíram rapidamente para falência respiratória aguda, que foi denominada agudização não-infecciosa ou aceleração da FPI. Em 2002,(14) outro caso de FPI com rápida evolução para óbito foi descrito com as mesmas características. Em ambos os casos, não foi obtido sucesso terapêutico com o tratamento utilizando doses elevadas de corticosteróides.

Alguns autores relataram que a rápida deterioração da FPI (ou fase acelerada da FPI) pode ter como causa fatores não-identificáveis e que esse diagnóstico só deve ser feito excluindo-se as causas identificáveis.(15)

Outros autores descrevem uma subdivisão da FPI, num estudo randomizado e duplo cego para a avaliação do interferon-.1b na FPI, denominada de forma acelerada, que se caracteriza pela progressão rápida da dispnéia (menos de um mês), opacidades recentes de distribuição difusa na TCAR, acentuação da hipoxemia e rápido desenvolvimento para insuficiência respiratória aguda, na ausência de infecção e outros diagnósticos alternativos, além de considerar que essa síndrome seja a provável responsável por cerca de 40% dos óbitos nos pacientes com FPI.(16)

De acordo com os dados da International Society for Heart and Lung Transplantation de 2006,(2) mais de 50% dos transplantes para FPI são unilaterais. A FPI é um modelo ideal de doença para o transplante unilateral, pois a ventilação e a perfusão são direcionadas preferencialmente para o enxerto.(17) No entanto, o pulmão nativo pode ser fonte potencial de complicações, inclusive como 'hepatização' do pulmão nativo, fato ainda não relatado na literatura.

As imagens radiográficas demonstravam condensação dos lobos médio, superior e inferior direito, e o diagnóstico estabelecido foi de exacerbação da FPI no pulmão nativo, caracterizado principalmente pelo aspecto histológico de PIU (infiltrado não-uniforme e multifocal, com espessamento inflamatório e fibroso do interstício alveolar, cistos pulmonares, fibrose peribronquiolar, hiperplasia alveolar e ausência de membranas hialinas) e pelas ausências de crescimento microbiano nos tecidos pulmonares e de descompensação cardiovascular. Sabe-se que na FPI, o pulmão se torna progressivamente colapsado, o que pode simular imagens de condensações pulmonares. A variante acelerada da FPI está sendo recentemente descrita e deve ter o seu diagnóstico caracterizado pela exclusão de outras causas de exacerbações. A literatura menciona, no transplante pulmonar unilateral, a progressão crônica da FPI no pulmão nativo, não havendo relatos de progressão aguda. Este é o primeiro caso da literatura nacional descrito como FPI na sua fase acelerada.

Agradecimentos

Aos Drs. Roberto José de Lima e Margareth Pretti Dalcolmo e a toda equipe do CTI do pós-operatório do Hospital Barra D'Or.

Referências

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* Trabalho realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e no Hospital Barra D'Or, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Professor Adjunto de Pneumologia e Tisiologia. Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
2. Professor Titular do Departamento de Patologia. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
3. Cirurgião Torácico do Hospital Barra D'Or, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
4. Doutor em Cirurgia Torácica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
5. Professor Adjunto de Cirurgia Torácica do Departamento de Cirurgia. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Carlos Henrique Boasquevisque. Rua Voluntários da Pátria, 389/228, Botafogo, CEP 22270-000, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Tel/Fax 55 21 2527-6871. E-mail: cboasquevisque@uol.com.br
Recebido para publicação em 25/9/2006. Aprovado, após revisão, em 21/11/2006.

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