INTRODUÇÃOO derrame pleural neoplásico é uma complicação freqüente nos pacientes oncológicos. A descoberta de células malignas no líquido pleural ou na biópsia da pleura parietal significa disseminação ou progressão da doença primária e redução da expectativa de vida dos pacientes com câncer.(1) A média de sobrevida após o diagnóstico de derrame pleural metastático varia de três a treze meses, na dependência do estágio e tipo de tumor primário. O menor tempo de sobrevida é observado em casos de derrame pleural secundário a câncer de pulmão. Em contrapartida, a maior média de sobrevida é vista em pacientes portadores de derrame pleural secundário a câncer de ovário.(2)
ETIOLOGIA E PATOGÊNESEDerrames pleurais exsudativos volumosos devem ser sempre suspeitos de terem etiologia maligna.(1) O carcinoma de pulmão é a causa mais comum de derrame pleural, sendo responsável por quase um terço dos derrames metastáticos, seguido pelo câncer de mama e pelos linfomas. Tumores menos comumente associados à formação de líquido pleural neoplásico são os carcinomas de ovário e do trato gastrintestinal. Em 5% a 10% dos casos de derrame neoplásico o sítio primário não é identificado.(2-4)
O mecanismo do comprometimento pleural metastático mais freqüente é a disseminação vascular das células tumorais de órgãos distantes para o pulmão e para a pleura visceral, com implantes secundários na pleura parietal. A pleura visceral costuma estar envolvida em 87% dos casos de metástases, enquanto que isto ocorre com a pleura parietal em apenas 47% dos casos avaliados por necropsia. Outros mecanismos possíveis são a invasão direta da parede torácica (em câncer de origem pulmonar primária, de parede torácica e carcinoma de mama), a disseminação hematogênica diretamente para a pleura parietal e o envolvimento linfático. Além disto, o aumento da permeabilidade capilar por resposta inflamatória e a interferência com a integridade da drenagem linfática por comprometimento mediastinal podem contribuir para o acúmulo anormal de líquido no espaço pleural.(2,4)
O termo derrame pleural paramaligno está reservado para aqueles derrames que não são resultado direto de envolvimento neoplásico da pleura. Entre os derrames pleurais paramalignos podemos incluir os causados por pneumonite obstrutiva, obstrução do ducto torácico (quilotórax), embolia pulmonar e derrame transudativo resultante de atelectasia pós-obstrução brônquica. O derrame paramaligno pode também ser resultante de radioterapia ou uso de drogas como ciclofosfamida, procarbazine, bleomicina ou metrotexate.(2,4)
É importante a diferenciação entre os derrames neoplásicos e os paramalignos, pois a estratégia terapêutica é completamente diversa, assim como o prognóstico.(5)
DIAGNÓSTICOAchados clínicosO diagnóstico de derrame pleural neoplásico requer a demonstração citológica (no líquido pleural) ou histológica (no fragmento de pleura) de células neoplásicas. Devemos lembrar que um pequeno percentual de pacientes com neoplasia pode desenvolver derrame pleural devido a patologias não neoplásicas, como insuficiência cardíaca, infecções e hipoproteinemia.
Os derrames pleurais neoplásicos são geralmente volumosos e sintomáticos.(1) Dispnéia é o sintoma mais comum, ocorrendo em mais de 50% dos casos, podendo estar acompanhada de dor torácica e tosse. Uma pequena porcentagem de pacientes pode se apresentar assintomática e o achado de derrame pleural ser incidental através de exame físico e/ou radiografia de tórax.(4)
A dispnéia é causada principalmente por derrames volumosos, mas pode ocorrer também em virtude de diminuição da complacência da caixa torácica, desvio contralateral do mediastino, diminuição do volume pulmonar ipsilateral e estímulo dos reflexos pulmonares e da parede torácica.(6)
A dor torácica é usualmente relacionada ao envolvimento da pleura parietal, arcos costais e estruturas intercostais. Outros sintomas podem ser referidos dependendo do tumor primário, como a dor torácica associada à invasão de parede no mesotelioma ou a hemoptise relacionada ao carcinoma broncogênico.
Devido ao estágio avançado da doença primária, muitos pacientes podem apresentar sintomas gerais como perda de peso, anorexia, caquexia e/ou adenomegalias. Entretanto, em alguns casos, o derrame pleural é a única manifestação que sugere malignidade.
Os dados propedêuticos caracterizam a presença de líquido na cavidade pleural, sendo idênticos aos encontrados nos derrames de qualquer etiologia. Através de uma anamnese cuidadosa, bem como pela procura de sinais clínicos específicos, é possível inferir diversos aspectos indicativos da origem do derrame pleural em pacientes portadores de neoplasia.
Diagnóstico imagenológicoA radiografia do tórax é o recurso diagnóstico mais prático. O achado radiológico de derrames pleurais maciços é freqüente em pacientes com neoplasia.(4) A definição de derrame pleural maciço implica na presença de derrame pleural ocupando a totalidade do hemitórax, enquanto derrame pleural volumoso pode ser definido como líquido pleural ocupando mais de 50% do hemitórax.(3,7) Em uma série de 46 pacientes com derrames pleurais maciços, 67% eram de etiologia neoplásica. Entretanto, cerca de 15% dos pacientes apresentaram-se com derrames mínimos (< 500 ml) e relativamente assintomáticos.(8) Quando a radiografia de tórax revela a presença de derrame pleural bilateral com área cardíaca normal, o diagnóstico de derrame pleural neoplásico não deve ser negligenciado, principalmente na suspeita de carcinomas primários extratorácicos.(7) A ausência de desvio de mediastino (principalmente em derrames volumosos) implica na presença de um mediastino fixo por obstrução brônquica (atelectasia) ou pelo envolvimento pleural extenso, encarcerando o pulmão, como observado nos mesoteliomas.(3,7)
A tomografia computadorizada de tórax em portadores de neoplasia pode demonstrar precocemente a presença de derrames míninos, não observados na radiografia convencional, sendo auxiliar na avaliação de linfonodomegalias e do parênquima pulmonar, bem como na identificação de metástases pleurais, pulmonares ou à distância.(3,9) Também tem sido utilizada para diferenciar derrame pleural maligno de benigno e guiar procedimentos diagnósticos como biópsias pleurais.(3,6,10)
A ultra-sonografia pode auxiliar não somente na identificação de lesões pleurais como também na localização mais precisa da coleção pleural quando da realização de uma toracocentese, sobretudo em derrames pequenos ou loculados, evitando assim, possíveis complicações deste procedimento.(3,6)
A ressonância magnética tem sua utilização limitada no diagnóstico de derrames malignos, sendo, entretanto, útil na avaliação da extensão da doença neoplásica.(10)
A tomografia por emissão de pósitrons tem sua utilidade referida principalmente em pacientes com mesoteliomas, para avaliação da extensão da doença. Também têm sido referidos trabalhos avaliando sua efetividade no diagnóstico diferencial de derrames pleurais, sendo estes dados ainda muito incipientes.(11)
DIAGNÓSTICO INVASIVOToracocenteseAo nos depararmos com um derrame uni ou bilateral sem aumento da área cardíaca, a etiologia neoplásica deve ser sempre considerada. Portanto, uma vez estabelecido o diagnóstico clínico e imagenológico do derrame pleural, a etapa subseqüente consiste na análise do líquido pleural e de suas características físicas, bioquímicas e citopatológicas. Embora a neoplasia seja uma causa comum de derrames sero-hemorrágicos, cerca de 50% dos derrames neoplásicos não são macroscopicamente hemáticos.(3)
Ao considerarmos a hipótese de malignidade, é razoável que os seguintes exames sejam avaliados em uma primeira abordagem do líquido pleural obtido por toracocentese: proteína total, desidrogenase lática, glicose, pH, amilase, contagem total e diferencial de células nucleadas (citologia quantitativa e qualitativa) e citologia oncótica.
Embora a maioria dos derrames neoplásicos sejam exsudatos, a existência de um pequeno percentual de transudatos (derrames paramalignos, concomitância com doenças sistêmicas como a insuficiência cardíaca) direciona-nos a iniciarmos a exploração bioquímica com os critérios de Light.(12)
Aproximadamente um terço dos derrames neoplásicos têm pH < 7,3 e muitas vezes estão associados a níveis baixos de glicose (< 60 mg/dl).(3,6) Baixos níveis de pH e glicose parecem ser marcadores de doença avançada no espaço pleural, podendo estar associados a menor sobrevida e a uma pior resposta à pleurodese.(13-14) Porém, devido a estudos que não encontraram associação entre sobrevida e baixo pH, a análise destes parâmetros deve ser feita em conjunto com o estado geral do paciente, tipo histológico do tumor e resposta terapêutica à toracocentese.(3,6)
Elevados níveis de amilase na ausência de ruptura de esôfago podem indicar a etiologia neoplásica do líquido pleural,(15) principalmente nos derrames pleurais associados ao adenocarcinoma de pulmão e ao adenocarcinoma de ovário.(6,15)
A análise citológica do líquido pleural é o método mais simples de se obter o diagnóstico de derrame neoplásico. No entanto, o achado de células malignas depende de alguns fatores, como extensão da doença, tipo histológico e habilidade do citologista. Desta maneira, a efetividade diagnóstica da citologia varia de 62% a 90%.(3,16) Na forte suspeita de malignidade, caso a primeira amostra de citologia oncótica resulte negativa, deve ser colhida uma segunda amostra na tentativa de se aumentar a chance de positividade.
Não há diferença na sensibilidade diagnóstica entre a citologia oncótica e a realização de cell block, obtido por centrifugação do líquido e emblocamento em parafina do sedimento. No entanto, embora a relação entre custo e benefício não justifique a realização de cell block rotineiramente,(6) esta é uma técnica que pode ser adicionada ao arsenal diagnóstico como uma ferramenta auxiliar.
Outros exames, como imunohistoquímica com anticorpos para marcadores tumorais e análise cromossômica, têm sido propostos para auxiliar no diagnóstico definitivo, apresentando, porém, baixas sensibilidade e especificidade.(3,16) A identificação de anaploidia do ácido desoxirribonucléico através de citometria de fluxo pode detectar citologias falso negativas, auxiliando o citologista em uma revisão de lâmina. A análise cromossômica pode ser útil em casos de linfomas e leucemias.(3,16)
Marcadores tumorais do líquido pleural têm um papel secundário no diagnóstico dos derrames neoplásicos. São úteis mais como marcadores de evolução da doença e na diferenciação entre adenocarcinomas e o mesotelioma.(3,16) A pesquisa de argyrophilic nucleolar organizer region (AgNOR) é bastante útil na identificação de derrame maligno por mesotelioma ou carcinoma, em conjunto com outros métodos de citologia.(16)
Biópsia de pleuraEm derrames neoplásicos, a efetividade da bió-psia fechada (por agulha) é menor que a da citologia do líquido pleural. A biópsia da pleura parietal é efetiva entre 40% e 75% dos casos e depende do estágio do tumor, da extensão do comprometimento da pleura parietal, do número de amostras representativas e da experiência do profissional.(3,6)
A biópsia cirúrgica por toracoscopia vídeo-assistida ou por toracoscopia médica apresenta uma efetividade diagnóstica acima de 95%. Em um estudo de 208 derrames pleurais a sensibilidade para o diagnóstico de neoplasia foi de 62% para a citologia, 44% para a biópsia fechada e 95% para a biópsia cirúrgica. A combinação das sensibilidades da citologia e da biópsia fechada foi de 74%, sendo, portanto, inferior à observada na biópsia por toracoscopia. A combinação dos três métodos foi diagnóstica em 97% dos casos.(17)
TRATAMENTOSendo o derrame pleural neoplásico uma manifestação de doença maligna avançada e sistemicamente disseminada, o tratamento é paliativo e deve ser baseado em fatores como expectativa de sobrevida, capacidade de desempenho nas atividades cotidianas, sintomatologia e doença de base. Os objetivos fundamentais são os de controlar de forma duradoura o derrame, aliviar ou suprimir os sintomas diretamente relacionados à doença e reexpandir o pulmão, preferencialmente com o método mais simples, de baixo custo e com mínimo tempo de hospitalização. Os métodos de tratamento compreendem um amplo espectro, desde o tratamento não cirúrgico (simples observação ou tratamento com quimioterapia sistêmica para neoplasias responsivas), passando por métodos pouco invasivos (toracocenteses de repetição e as diversas formas de pleurodese, com ou sem o uso de pleuroscopia), até, excepcionalmente, métodos cirúrgicos de maior porte, como pleurectomia parietal com ou sem decorticação pulmonar.
O objetivo primordial no tratamento do derrame pleural maligno é a melhora da dispnéia. A intensidade da dispnéia, por sua vez, é dependente do volume do derrame e da condição do pulmão e da pleura (presença de linfangite carcinomatosa, obstrução brônquica ou encarceramento pulmonar por neoplasia).(1,3,7)
ObservaçãoDerrames pleurais malignos de pequeno volume, minimamente sintomáticos, não progressivos e não recidivantes podem ser acompanhados somente com observação clínica.(1,3) No entanto, esta não é uma recomendação uniformemente aceita, pois alguns autores argumentam que este pode ser o momento ideal do controle do derrame por pleurodese. Um paciente minimamente sintomático encontra-se geralmente com o estado geral preservado, boa capacidade de desempenho e com o pulmão idealmente capacitado para a reexpansão e, portanto, com baixo risco cirúrgico e alta probabilidade de sucesso no controle definitivo do derrame neoplásico. Esta é uma questão não resolvida e que aguarda mais dados para uma posição definitiva.
Tratamento sistêmicoNos pacientes com neoplasia responsiva ao tratamento quimioterápico sistêmico e com dispnéia controlada, recomenda-se, pelo menos inicialmente, o tratamento não cirúrgico. Enquadram-se nesta condição os linfomas, carcinoma de mama, carcinoma de pulmão de pequenas células, câncer da próstata, câncer de ovário, tumores germinativos e câncer de tireóide.(1,3,7,9)
Esta conduta justifica-se pois, em muitas situações, o tratamento sistêmico pode controlar o tumor, sendo o derrame pleural absorvido espontaneamente. No entanto, se o derrame for sintomático ou refratário ao tratamento sistêmico, deve ser abordado.
Toracocenteses repetidasEste é considerado o método ideal para alívio da dispnéia em pacientes com sobrevida curta. Deve ser visto como um procedimento paliativo apenas, uma vez que a taxo de reacúmulo de líquido pleural após 30 dias da toracocentese é próxima de 100%.
Adicionalmente, o seu uso aumenta o risco de contaminação da cavidade pleural e de loculação do derrame, tornando mais difícil a realização de outros procedimentos mais eficazes. Assim, como método definitivo de tratamento, seu uso está contra-indicado, exceto em pacientes terminais com expectativa de sobrevida menor que um mês, com doença muito avançada e grave comprometimento da capacidade de desempenho.(1) É recomendado que não mais de 1.500 ml de líquido sejam retirados em uma toracocentese diagnóstica ou terapêutica, pelo risco potencial de edema pulmonar de reexpansão.(3,7) Esta entidade deve ser lembrada quando, após a retirada de líquido pleural, observa-se dispnéia progressiva, tosse não controlada ou dor torácica crescente, mais freqüentemente de localização retroesternal. Se a pressão intrapleural estiver sendo medida quando da realização de toracocentese, é considerado seguro continuar a retirada de líquido enquanto não cair abaixo de -20 cmH2O.(1,3,7)
Drenagem pleuralA drenagem da cavidade pleural pode ser utilizada para alívio da dispnéia. No entanto, este procedimento não é recomendado isoladamente para controle definitivo do derrame maligno, uma vez que a recidiva do derrame após drenagem, quando não é realizado um procedimento concomitante de pleurodese, é elevada.
A drenagem pleural com cateteres de fino calibre (10 a 14F) tem sido uma alternativa bastante interessante em pacientes com pulmão não expansivo após a toracocentese ou em pacientes com baixos índices de performance status (Karnofsky < 70 ou ECOG > 2). Este procedimento alivia a dispnéia, principal fator limitante nestes pacientes, é bem tolerado e permite o tratamento ambulatorial ou domiciliar supervisionado.
Um estudo recente demonstrou que a drenagem com cateter fino foi eficaz em cerca de 90% dos pacientes com derrame maligno (eficácia total de 38,8% e parcial de 50%), com obtenção de pleurodese espontânea em 43% dos pacientes. A drenagem mediana foi de 56 dias, com complicações consideradas mínimas, sendo que 90% dos pacientes não necessitaram de outro procedimento.
PleurodeseA instilação na cavidade pleural de substâncias esclerosantes determina uma intensa reação inflamatória aguda das superfícies pleurais, de rápida instalação (menos de doze horas) e que resulta em intensa fibrose e sínfise do espaço pleural através de mecanismos ainda não completamente esclarecidos. Este processo pressupõe aposição das pleuras visceral e parietal, mediante drenagem de todo o líquido acumulado e reexpansão pulmonar.(1,3,6-7,18-19)
O resultado da pleurodese é melhor alcançado quando alguns pré-requisitos básicos são obedecidos (Quadro 1).(1,3,6-7,19)
Os agentes indutores de pleurodese mais freqüentemente usados podem ser de natureza citotóxica, como os antineoplásicos (bleomicina), agentes cáusticos (nitrato de prata), antibióticos (tetraciclina e seus derivados doxiciclina e minociclina) e o talco, que pode ser usado em aerossol (polvilhamento) ou em suspensão em soro fisiológico.(3,7) Várias outras drogas já foram usadas no passado e em pequenas séries de pacientes, tais como cisplatina, etoposide, mitomicina C, fluoracil, citarabina, interleucina-2, interferon e C. parvum.(3,7)
As principais condições de indicação e contra-indicação da pleurodese são encontradas nos Quadros 2 e 3.(1,3,19)
A reexpansão pulmonar é fundamental para a indicação da pleurodese, e pode ser constatada após o esvaziamento por toracocentese, por drenagem ou pela observação direta durante a realização de pleuroscopia ou videotoracoscopia.(3,7,19)
Considerando que um agente ideal de pleurodese deve ser altamente eficaz, de baixo custo e facilmente disponível, drogas como a bleomicina (custo elevado) e tetraciclina e derivados (pouco disponíveis comercialmente) têm sido relegadas a um segundo plano e não serão comentadas neste capítulo. Dentre os agentes mais disponíveis na atualidade estão o talco e o nitrato de prata.
Pleurodese com talcoO talco é um agente de pleurodese altamente efetivo (70% a 90% de sucesso),(1,3,5,20) é livre de asbestos e pode ser esterilizado a seco por raios gama ou por óxido de etileno.
Deve ser usado na dose de 2 a 5 g, e não há evidência definida de que haja diferença se usado em aerossol ou em suspensão em soro fisiológico.(1,3,19-20) As complicações mais comuns após o seu uso são febre e dor torácica. A febre ocorre nas primeiras doze horas após o uso, varia entre 38 e 39 ºC e dura aproximadamente 72 horas. A intensidade da dor torácica é variável, podendo requerer o uso adequado de analgesia, se muito intensa. Empiema pleural pode ocorrer, mas é uma complicação pouco freqüente. Uma complicação importante é a ocorrência de síndrome do desconforto respiratório agudo, tendo havido descrição de alguns casos fatais.(1,3,21) Recomenda-se, no sentido de evitar esta complicação, o uso de, no máximo, 5 g de talco e não se realizar pleurodese bilateral simultânea.(3,21) Outra complicação igualmente rara, mas potencialmente grave, é a disseminação sistêmica de cristais de talco. Para evitar tal complicação, recomenda-se o uso de dose baixa de talco, bem como evitar o uso de pleurodese bilateral simultânea e não se realizar múltiplas biópsias pleurais ou pulmonares no mesmo tempo cirúrgico.(21-22)
O uso de talco em aerossol ou por polvilhamento requer anestesia geral e ventilação mono-pulmonar, e é realizado através de dois orifícios da pleuroscopia. O talco suspenso em oxigênio é usado em pequenas quantidades (2 a 5 g). Com este método, obtém-se uma dispersão muito uniforme em toda a superfície pleural após o esvaziamento total do derrame. O uso de talco em suspensão (em 100 ml de soro fisiológico) é feito através do dreno torácico, e pode ser realizado à beiro do leito e sob sedação leve. Idealmente deve ser realizado em ambiente cirúrgico e com sedação, pois a infusão do talco em suspensão pode causar dor de forte intensidade. Em ambos os métodos, os drenos de tórax devem ser mantidos até que a drenagem seja mínima (inferior a 100-200 ml/dia), o que, em geral, acontece em três a cinco dias. Ambos os métodos têm vantagens e desvantagens e os resultados são semelhantes.(20)
Pleurodese com nitrato de prataO nitrato de prata é uma substância altamente cáustica que foi usada no passado com sucesso para pleurodese em pneumotórax. Estudos experimentais e clínicos recentes indicam que o nitrato de prata a 0,5% apresenta elevada eficácia para indução de pleurodese no derrame pleural maligno. Em um estudo envolvendo 47 pacientes, 24 receberam 5 g de talco em suspensão e 23 receberam nitrato de prata (20 ml a 0,5%). O talco foi eficaz em 21/24 casos (87,5%) e o nitrato de prata em 22/23 (95,6%).(24) Todos os pacientes toleraram o procedimento sem manifestações adversas importantes. Ao contrário do talco, este agente deve ser diluído em água destilada estéril, com o cuidado de preparação do pó e manutenção em frasco estéril protegido da luz até a diluição e uso imediato.
Pleurectomia parietal com ou sem decorticação
Trata-se de uma intervenção cirúrgica de grande porte, que está raramente indicada, no tratamento de pacientes com doença neoplásica sistêmica e com mau prognóstico.(1,3) A mortalidade operatória é de 10% a 13% dos casos.(25) Uma alternativa menos invasiva é o uso de videotoracoscopia em pacientes altamente selecionados. Ela deve ser reservada a pacientes jovens, com boa capacidade de desempenho e com expectativa de vida maior que seis meses, que apresentam encarceramento pulmonar ou nos quais a pleurodese falhou, ou ainda naqueles casos em que o derrame pleural neoplásico é um achado durante uma toracotomia.(1,3) Por todas estas razões, esta operação de grande porte somente encontrará indicação em caráter de exceção.
Tratamento do derrame pleural maligno com pulmão encarceradoQuando, após a toracocentese, não há expansão pulmonar adequada, devemos optar por toracocenteses de alívio em pacientes com curta expectativa de vida.
O uso de shunt pleuroperitonial, desviando o derrame pleural para a cavidade peritoneal, é também uma alternativa que pode oferecer alívio duradouro da dispnéia. O paciente pode "bombear" o líquido pleural para o abdome quando houver piora da dispnéia, aliviando a pressão intrapleural. Os resultados são bons e as complicações estão relacionadas à oclusão do cateter ou a infecção. A disseminação de células neoplásicas na cavidade peritoneal não é um fator limitante, em virtude do mau prognóstico da situação clínica e do caráter de doença disseminada.(1,3) No entanto, em virtude do alto custo, este procedimento não é recomendado para uso rotineiro na prática clínica.
Uma outra alternativa é a colocação de cateteres de longa duração, já disponíveis no mercado (tipo "pig tail"). A colocação destes cateteres pode ser feita com anestesia local, em caráter ambulatorial e a drenagem faz-se por gravidade. O paciente e sua família são instruídos para o manejo domiciliar ou o paciente pode vir ao hospital periodicamente para esvaziar o derrame. Este é um método cada vez mais utilizado na atualidade, sendo considerado uma solução simples e prática para o controle do derrame pleural neoplásico recidivante com pulmão não passível de reexpansão. (Figura 1)
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* Trabalho realizado em conjunto pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS - Porto Alegre (RS) Brasil.
1. Professora Livre-Docente da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP; Chefe do Grupo de Pleura do Serviço de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
2. Professor de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital São Lucas da PUCRS. Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica.
3. Professor Livre-Docente. Membro do Grupo de Pleura da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP. Professor de Cirurgia Torácica da Faculdade de Medicina de Jundiaí. Presidente da Comissão de Pleura da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) 2005-2006.
Endereço para correspondência: Lisete R. Teixeira. Disciplina de Pneumologia, USP. Rua Dr. Enéas de C. Aguiar, 44, Laboratório de Pleura, Prédio II, 10º andar, Cerqueira César - CEP: 01246-903, São Paulo. Tel: 55 11 3069-5695.