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Toracocentese e biópsia pleural

2006 - Vol.32 - Supplement 4

INTRODUÇÃO

A presença de uma coleção líquida no espaço pleural sempre traduz a existência de uma condição anormal, impondo a necessidade de se realizar uma toracocentese diagnóstica. Entretanto, para abordar a cavidade pleural com segurança, é necessário que haja uma quantidade mínima de líquido no espaço pleural. Light(1) sugere que pequenos derrames pleurais visualizados na radiografia convencional de tórax sejam avaliados também por radiografias em decúbito lateral. Nesta situação, se os derrames forem menores que 10 mm em radiografia em decúbito lateral, não devem ser rotineiramente abordados devido ao risco de complicações.
Caso seja imprescindível, a ultra-sonografia deve ser utilizada para melhor avaliar a localização e a quantidade de líquido e, deste modo, melhorar a acurácia do procedimento.

TORACOCENTESE

Não é necessário que a toracocentese seja realizada em centro cirúrgico, mas deve ser preferencialmente utilizado um local limpo e reservado para pequenos procedimentos. A toracocentese pode também ser realizada à beira do leito, de forma criteriosa e na dependência da rotina de cada serviço.

O local a ser puncionado deve ser delimitado através de um criterioso exame clínico e confirmado com uma radiografia de tórax ou ultra-sonografia.

A ultra-sonografia tem indicação em situações em que o exame clínico e radiológico não é conclusivo, existe uma escassa quantidade de líquido, ou há uma suspeita de derrame pleural encistado.(2)

O procedimento deve ser realizado preferencialmente com o paciente sentado, com os braços e a cabeça apoiados em travesseiros, sobre um anteparo (como uma mesa) ou com a mão ipsilateral ao derrame apoiada sobre o ombro contralateral. Os pacientes submetidos à ventilação mecânica, e aqueles nos quais as más condições clínicas não permitam este posicionamento, devem permanecer deitados em decúbito lateral do lado do derrame ou semi-sentados no leito.

O melhor local para se realizar a toracocentese deve ser determinado a partir da propedêutica, geralmente na região subescapular e sempre na borda superior do arco costal, para evitar o feixe vásculo-nervoso.

Os materiais utilizados para a realização da toracocentese devem estar disponíveis antes de se iniciar o procedimento: luvas estéreis; gaze; solução anti-séptica; campos estéreis; lidocaína a 2% sem vasoconstrictor; agulhas calibres 10 x 4,5 mm, 30 x 8 mm e 30 x 10 mm; seringas de 10 e 20 ml; Jelco® (Medex do Brasil, São Paulo, SP, Brasil) calibres 14 e 16; equipo de macrogotas para soro; frascos comuns ou a vácuo; esparadrapo.

Técnica
Uma vez que o paciente esteja adequadamente posicionado, e demarcado o local da punção, a pele do hemitórax acometido deve ser limpa com solução anti-séptica e o campo estéril posicionado.
Devem ser anestesiados com 10 ml de lidocaína todos os planos: pele, tecido subcutâneo, periósteo e pleura parietal. A anestesia da pele deve ser feita com agulha fina (10 x 4,5 mm) e utilizando-se apenas o suficiente para fazer um botão anestésico.

Efetua-se em seguida a anestesia por planos com injeção de lidocaína em pequenas quantidades até se atingir o espaço pleural, com o cuidado de sempre aspirar a seringa antes da próxima injeção do anestésico, evitando deste modo a possibilidade de injeção endovenosa do mesmo.

Ao se atingir o espaço pleural, e tendo sido identificada a presença de líquido, deve-se retirar a agulha e introduzir o Jelco® (calibre 14 ou 16), tomando-se o cuidado de se utilizar o pertuito previamente criado. Após a introdução do Jelco, o mandril deve ser removido, e mantido no espaço pleural somente o cateter plástico.

A seguir, conecta-se uma seringa de 20 ml para a retirada do líquido para exames. Sempre se deve tentar esvaziar todo o líquido contido no espaço pleural. No entanto, é prudente não retirar mais de 1.500 ml de líquido por sessão, em virtude do risco de edema pulmonar de reexpansão.
Recomenda-se ainda que o procedimento seja interrompido se o paciente apresentar desconforto respiratório, tosse ou hipotensão. Para a retirada do líquido, podem ser utilizados frascos comuns ou a vácuo. O uso do vácuo para o esvaziamento do conteúdo do espaço pleural não parece ocasionar aumento da morbidade.

Contra-indicações
Não existem contra-indicações absolutas para a realização de uma toracocentese. Algumas situações, entretanto, merecem ser atentamente ponderadas. Na presença de lesões de pele, tais como queimaduras por radioterapia, herpes zoster ou piodermite, a toracocentese deve ser evitada, devido aos riscos de infecção e sangramento cutâneo.(2)

Pacientes em ventilação mecânica, ao serem submetidos à toracocentese, podem desenvolver pneumotórax em 6% a 10% dos casos. No entanto, em todos os casos estudados o tratamento com drenagem da cavidade resolveu a intercorrência.(3-5)

Alterações na coagulação constituem a principal contra-indicação da toracocentese. Alguns autores(6) relataram não haver aumento no risco de sangramento se o tempo de protrombina ou o tempo de tromboplastina parcial não forem maiores que duas vezes o valor normal. Da mesma forma, não foi referido aumento no risco de sangramento quando as plaquetas se apresentavam em níveis maiores que 25.000 mm3 ou mesmo em pacientes com níveis de creatinina superiores a 6 mg/dl. Não é necessária a utilização de terapêutica profilática, como transfusão de hemoderivados, em pacientes com coagulopatias leves, sem evidência clínica de sangramento.(6)

No entanto, para efeitos práticos, recomendamos corrigir primeiro as alterações de coagulação até níveis que permitam realizar o procedimento com segurança (plaquetas > 75.000; atividade de protrombina > 50% e creatinina < 6 mg/dl).

Complicações
Algumas complicações podem ocorrer após a toracocentese diagnóstica, sendo o pneumotórax a mais freqüente. Diversos estudos prospectivos referem uma incidência entre 3% e 19%(7-13) de pneumotórax iatrogênico pós-toracocentese. Apesar de não consistentemente comprovados, fatores como inexperiência do médico,(11,14-15) uso de agulhas de grosso calibre,(11,16) retirada de grandes volumes de líquido pleural,(9,11) múltiplas perfurações com agulha na tentativa de encontrar o líquido pleural,(11,17) presença de doença pulmonar obstrutiva crônica,(15) toracocenteses repetidas(15,17) e existência de loculações(18) têm sido referidos como fatores de risco para o aparecimento de pneumotórax após a toracocentese.
Entretanto, em um estudonenhum dos fatores descritos, exceto toracocenteses repetidas, foi relacionado à presença de pneumotórax.(13)

Outra complicação freqüente é a tosse, que ocorre geralmente no final da toracocentese,(11) devido à distensão abrupta dos espaços aéreos. Ela pode ser minimizada se forem retirados volumes inferiores a 1.500 ml.

A dor pode surgir logo no início do procedimento, e pode ser corrigida com uma melhor analgesia local e eventualmente sistêmica.

O desencadeamento do reflexo vago-vagal, traduzido por sudorese, desconforto geral e sensação de desmaio, também pode ocorrer após a toracocentese. Nesta situação, recomenda-se suspender o procedimento e retomá-lo posteriormente.

Hemotórax pode ocorrer quando um vaso é lacerado durante a punção, devendo-se considerar que estes casos podem ser evitados se a agulha for introduzida sempre na borda superior da costela, evitando-se assim o feixe vásculo-nervoso.

Outras complicações menos freqüentes são a infecção local, edema de reexpansão e lacerações hepáticas ou esplênicas inadvertidas.

A realização de radiografia de tórax imediatamente após a toracocentese com o objetivo de se avaliar a presença de possíveis complicações é controversa. Como a ocorrência de complicações é relativamente reduzida, estudos recentes questionam a necessidade de sua realização rotineira.(19-21) No entanto, consideramos prudente a realização de uma radiografia de controle após a punção do espaço pleural de forma rotineira, com o objetivo de se documentar as condições pós-toracocentese.

BIÓPSIA PLEURAL POR AGULHA

A biópsia de pleura por agulha com a finalidade de se obter fragmentos da pleura parietal tem sido tradicionalmente indicada no diagnóstico diferencial dos derrames pleurais exsudativos. Desde 1989, a American Thoracic Society preconiza este procedimento como rotina em derrames pleurais com etiologia sugestiva de câncer ou tuberculose.(22)

Atualmente, devido ao aparecimento de novos métodos e técnicas diagnósticos, a indicação da biópsia pleural por agulha como primeira abordagem para diagnóstico, principalmente da tuberculose, é controversa.(1,23)

O número mínimo de fragmentos necessários para análise por anatomia patológica pode variar, porém os resultados são melhores quando são obtidos entre duas e quatro amostras. Estudos indicam que, para um desempenho diagnóstico adequado no exame histológico, são necessários pelo menos dois fragmentos de pleura parietal.(24-25)

Técnica
As mesmas considerações apontadas para a realização da toracocentese com relação ao local da realização do procedimento, material utilizado e técnicas de anti-sepsia e analgesia são válidas para a biópsia pleural por agulha. Na realização da biópsia é feita uma pequena incisão na pele, usando-se preferencialmente uma lâmina de bisturi no 11, através da qual se introduzirá a agulha.

Entre as agulhas utilizadas destacam-se a de Abrams e a de Cope.(27-28) Não existe diferença significativa entre as duas agulhas com relação ao desempenho diagnóstico.(27) A grande maioria dos serviços no Brasil utiliza rotineiramente a agulha de Cope, mesmo sem evidência de claras razões para esta escolha.

Contra-indicações
A principal contra-indicação para a realização da biópsia de pleura é a presença de distúrbios da coagulação.(2) Pacientes em uso de anticoagulantes ou com tempo de sangramento alterado não devem ser submetidos a este procedimento. Nos casos nos quais a contagem total de plaquetas é inferior a 50.000/mm3, recomenda-se corrigir esta alteração antes de se proceder à toracocentese com biópsia pleural.

Nos casos de empiema pleural, a biópsia não é recomendada, em decorrência do risco de desenvolvimento de abscesso subcutâneo no local da biópsia.(26)

Outras contra-indicações relativas incluem os pacientes não colaborativos e a presença de lesões e/ou infecções na pele.

REFERÊNCIAS

1. Light RW. Pleural diseases. 4th ed. Lippincott, Williams & Wilkins; 2001.
2. Teixeira LR, Seicento M, Vargas FS. Toracoceentese diagnóstica e biópsia pleural. In: Vargas FS, Teixeira LR, Marchi E. Derrame pleural. São Paulo: Roca; 2004. p. 92-102
3. Godwin JE, Sahn SA. Thoracentesis: a safe procedure in mechanically ventilated patients. Ann Intern Med. 1990;113(10):800-2. Comment in: Ann Intern Med. 1991;114(5):431.
4. McCartney JP, Adams JW 2nd, Hazard PB. Safety of thoracentesis in mechanically ventilated patients. Chest. 1993;103(6):1920-1.
5. Fartoukh M, Azoulay E, Galliot R, Le Gall JR, Baud F, Chevret S, et al. Clinically documented pleural effusions in medical ICU patients: how useful is routine thoracentesis? Chest. 2002;121(1):178-84.
6. McVay PA, Toy PT. Lack of increased bleeding after paracentesis and thoracentesis in patients with mild coagulation abnormalities. Transfusion. 1991;31(2):164-71.
7. Kohan JM, Poe RH, Israel RH, Kennedy JD, Benazzi RB, Kallay MC, et al. Value of chest ultrasonography versus decubitus roentgenography for thoracentesis. Am Rev Respir Dis. 1986;133(6):1124-6.
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12. Grodzin CJ, Balk RA. Indwelling small pleural catheter needle thoracentesis in the management of large pleural effusions. Chest. 1997;111(4):981-8.
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24. Jimenez D, Perez-Rodriguez E, Diaz G, Fogue L, Light RW. Determining the optimal number of specimens to obtain with needle biopsy of the pleura. Respir Med. 2002; 96(1):14-7.
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26. Chalhoub M, Arruda S, Fidelis R, Barreto AP, Barral Neto M. Análise da biópsia em 107 pacientes sem líquido pleural. J Pneumol. 1999;25(3):141-6.
27. Morrone N, Algranti E, Barreto E. Pleural biopsy with Cope and Abrams needles. Chest. 1987;92(6):1050-2.
28. De Menezes Lyra R. A modified outer cannula can help thoracocentesis after pleural biopsy. Chest. 1997;112(1):296.
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* Trabalho realizado na aculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
1. Doutora em Pneumologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
2. Membro do Grupo de Pleura da Disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Roberta Sales. Rua Dr. Enéas de C. Aguiar, 44, Laboratório de Pleura, Prédio II, 10º andar, Cerqueira César - CEP: 01246-903, São Paulo, SP, Brasil. Tel: 55 11 3069-5695.

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