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Asma ocupacional

2006 - Vol.32 - Supplement 2

INTRODUÇÃO

Depois da pele, o trato respiratório é o sistema orgânico em maior contato com o meio ambiente. A poluição ocupacional e ambiental na forma de poeiras, fumos, vapores e gases tóxicos são fatores de risco importantes para o sistema respiratório e, em conjunto com fatores genéticos, doenças respiratórias na infância e tabagismo, constituem-se nos principais determinantes da função pulmonar na idade adulta.

A asma brônquica tem uma prevalência populacional entre 5% e 10%.(1) Atualmente, a asma relacionada ao trabalho (ART) é a doença respiratória associada ao trabalho de maior prevalência em países desenvolvidos,(2) exceto na África do Sul.(3) A incidência e a prevalência da ART variam de acordo com os perfis econômicos regionais, e estruturas dos sistemas de saúde, previdenciário e legal.(4) Diferentemente das pneumoconioses, a ART afeta preferentemente adultos jovens em idade produtiva, com implicações socioeconômicas importantes.(5-6)

A ART tem sido a principal doença identificada em um ambulatório especializado em doenças ocupacionais respiratórias em São Paulo (SP).(7) Um dos fatores determinantes para o encaminhamento preferencial de suspeitos de ART a serviços especializados é a investigação clínica, que embora não seja complexa, exige um tempo prolongado para a obtenção de dados, assim como a curiosidade e dedicação do especialista em entender, estudar e saber investigar os agravos ocupacionais passíveis de causarem doenças em trabalhadores expostos.

DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

A ART engloba a asma ocupacional (AO) e a asma agravada pelo trabalho. Conceitualmente, a primeira seria uma doença ocupacional propriamente dita e a segunda, uma doença relacionada ao trabalho.

A definição mais citada de AO é "obstrução reversível ao fluxo aéreo e/ou hiperreatividade brônquica devida a causas e condições atribuíveis a um determinado ambiente de trabalho e não a estímulos externos".(8)

A asma agravada pelo trabalho ou asma agravada pelas condições de trabalho é a asma previamente existente, assintomática ou não, que se agravou devido a uma exposição ocupacional a agentes químicos ou físicos.(8-9)

Estas definições são sujeitas a algumas considerações. Nota-se que, com freqüência, os casos de AO desencadeiam crises por estímulos inespecíficos tais como exercícios físicos, infecções e outros, situando-se um pouco além da definição acima proposta.(10) Pacientes com asma pré-existente podem desenvolver uma sensibilização específica a um agente ocupacional reconhecidamente alergênico, e podem ser considerados como casos de AO. Casos de síndrome de disfunção reativa de vias aéreas, mais conhecidas como reactive airways dysfunction syndrome - RADS, são considerados como de AO por parte dos autores, porém a sua ocorrência fora do ambiente ocupacional é freqüente, o que não se encaixa na definição de doença ocupacional. O relato de asma pré-existente muitas vezes não pode ser comprovado.

Recentemente, propôs-se classificar a ART de acordo com o período de indução dos sintomas, em duas categorias.(11) A primeira, com latência ou imunológica, caracterizada pela asma relacionada ao trabalho após um período de latência, abrange: asma relacionada ao trabalho causada por agentes de alto e de baixo peso molecular para os quais um mecanismo imunológico mediado por IgE tem sido documentado; asma ocupacional induzida por agentes ocupacionais específicos (por exemplo, cedro-vermelho) e que também se inicia após um período de latência, mas em que ainda não foi identificado um mecanismo imunológico mediado por imunoglobulinas tipo IgE. A segunda, sem latência ou não imunológica, refere-se à asma induzida por irritantes denominada síndrome da disfunção reativa de vias aéreas, que pode ocorrer após uma única ou múltiplas exposições a um agente irritante não específico, em altas concentrações.

IMPORTÂNCIA DA ART

Estimativas de incidência variam entre países, sendo de 3 a 18 casos por milhão de indivíduos por ano nos EUA, 50 por milhão de indivíduos por ano no Canadá e 187 por milhão de indivíduos por ano na Finlândia.(12) Utilizando-se casos diagnosticados no Município de São Paulo para o ano de 1995, demonstrou-se uma incidência de 17 casos por milhão de indivíduos registrados, uma provável subestimativa da incidência real.(13)

Na Espanha, a prevalência de AO é de 5%, nos EUA de 14%, na Finlândia de 29%, e chega a 36% de todos os casos de asma no Canadá.(12)

A ART é responsável por 5% a 10% de todos os casos de asma em adultos,(14) o que demonstra sua importância como problema de saúde pública.

Os casos identificados de ART representam apenas uma parcela da totalidade de casos desta doença. O diagnóstico de ART tem sido subestimado porque há: múltiplas causas potenciais devido a inúmeros poluentes industriais; variabilidade dos sintomas e ocorrência de reações asmáticas com fases tardias, o que dificulta a suspeita diagnóstica pelos serviços de saúde; necessidade de procedimentos diagnósticos específicos mais prolongados e nem sempre acessíveis; não previsibilidade da crise e da persistência dos sintomas.

No Quadro 1 estão resumidos os agentes mais comumente reconhecidos e o tipo de atividade profissional associada à asma ocupacional.(11)





HISTÓRIA NATURAL DA ART

A incidência da ART na população depende de diversos fatores, como a susceptibilidade individual, o perfil econômico regional, o número de indivíduos expostos ao agente sensibilizante e o nível da exposição.

A exposição é o mais importante determinante da ART. Na asma ocupacional com latência, quanto maior for o grau de exposição maior será a prevalência da doença. A duração da exposição não é importante. Aproximadamente 40% dos indivíduos com AO desenvolveram sintomas dentro de dois anos da exposição e 20% desenvolveram sintomas após dez anos de exposição.(15)

Atopia e tabagismo são fatores de risco importantes na asma ocupacional IgE dependente. A maioria dos trabalhadores expostos ao psílio que desenvolveram asma eram atópicos.(16) Padeiros com atopia tinham dezesseis vezes mais chance de desenvolver sensibilização a agentes ocupacionais, e a asma induzida por exposição a animais de laboratório foi aproximadamente duas vezes mais comum em atópicos que em não atópicos.(17) Entretanto, para agentes de baixo peso molecular, atopia e tabagismo não são fatores de risco importantes para o desenvolvimento de ART.(18)

Sintomas compatíveis com rinite precedendo sintomas de asma são freqüentemente encontrados, notadamente em casos de exposição a agentes de alto peso molecular.

MECANISMOS DE INDUÇÃO

Existe uma série de características fisiopatológicas comuns entre a asma ocupacional e a não ocupacional. A principal característica comum é a inflamação, que pode ser demonstrada na contração da musculatura lisa das vias aéreas, edema e acúmulo de fluido nas vias aéreas, e perda do suporte elástico do parênquima pulmonar.(12)

A hiperreatividade brônquica, isto é, a reação exagerada através de um estímulo broncoconstrictor, é uma característica também comum nas duas situações. Entretanto a patogênese da hiperreatividade na AO, variável no tempo e que pode se acentuar ou retornar quando da reexposição ao agente sensibilizante, ou após a realização de testes com inalação de agentes específicos, é desconhecida.

Os testes de broncoprovocação específicos podem induzir a vários tipos de resposta asmática funcional, como a imediata, tardia, bifásica ou atípica. Este método é considerado o padrão ouro para a confirmação de asma ocupacional.(19)

A ART pode ser induzida por mecanismos imunogênicos e não imunogênicos. Como já mencionado, os primeiros relacionam-se com a asma ocupacional com latência, ao passo que os não imunogênicos são conhecidos como asma sem latência. Os mecanismos imunes são mediados por IgE, normalmente presentes por exposições a agentes de alto peso molecular, como antígenos biológicos e, também, agentes de baixo peso molecular, como por exemplo sais de platina que atuam como haptenos. Costumam causar reações do tipo imediato ou bifásica (imediata e tardia). Entretanto, uma série de agentes, como por exemplo metais e isocianatos, não se demonstram IgE específicos, sendo provável a participação de linfócitos T na patogênese da asma. A AO não imunogênica é causada por exposição a irritantes, que agem diretamente na mucosa brônquica, como em exposições a névoas ácidas, amônia e outras e, normalmente, dependem da concentração do irritante e do tempo de exposição.(20)

Atualmente, há cerca de 250 agentes sensibilizantes descritos.(21) Há uma tendência a um aumento gradativo de agentes, uma vez que os processos produtivos estão em constante reformulação, com a incorporação de novas substâncias químicas ao mercado.

DIAGNÓSTICO DA ART

A caracterização da ART deve incluir o diagnóstico de asma e o estabelecimento da relação com o trabalho. Pode-se suspeitar de ART em todo caso de asma com tempo de início na fase adulta ou de piora da asma na fase adulta.

Consensos internacionais(22) têm sugerido que para se obter o diagnóstico de AO os seguintes critérios devem ser adotados: (A) diagnóstico de asma; (B) início da asma após a entrada no local de trabalho; (C) associação entre sintomas de asma e trabalho; e (D) um ou mais dos seguintes critérios - (1) exposição a agentes no trabalho que possam apresentar risco de desenvolvimento de asma ocupacional; (2) mudanças no volume expiratório forçado no primeiro segundo ou no pico de fluxo expiratório (PFE) relacionadas à atividade de trabalho; (3) mudanças na reatividade brônquica relacionadas à atividade de trabalho; (4) positividade para um teste de broncoprovocação específico; ou (5) início da asma com uma clara associação com exposição a um agente irritante no local de trabalho.

A padronização da definição do diagnóstico de ART na prática do Município de São Paulo tem sido de se adotar os critérios A + B + C + D1 e/ou D2 e/ou D3 e/ou D4 para a AO, A + B + C + D5 para a síndrome da disfunção reativa de vias aéreas e A + C + D2 para a asma agravada pelo trabalho.(23)

História clínica e ocupacional
A caracterização da asma brônquica é o primeiro passo para o diagnóstico. Para a caracterização da asma pode-se utilizar um questionamento aberto de sintomas assim como questionários estruturados de asma, como o módulo de asma do International Study of Asthma and Allergies in Childhood.(24) A confirmação diagnóstica deve ser feita com a demonstração de reversibilidade ao broncodilatador na espirometria, e/ou variabilidade do pico de fluxo igual ou maior que 20% no período analisado e/ou um teste de provocação brônquica inespecífico positivo.

A relação entre a exposição e os sintomas deve ser caracterizada. O broncoespasmo pode ser imediato, ao final da jornada de trabalho, ou noturno. Pode haver uma combinação de sintomas imediatos e tardios, sendo que eles guardam uma relação direta com o mecanismo patogênico envolvido. O questionamento sobre sintomas durante os fins de semana, férias e períodos de tempo fora da jornada de trabalho é de grande auxílio. O período de recuperação funcional e clínica também guarda relação com o mecanismo patogênico envolvido.(25)

A história ocupacional é de fundamental importância e parte integrante do estabelecimento do nexo causal. Entende-se por nexo causal a relação entre causa e efeito. O estabelecimento do nexo não implica na descoberta do agente envolvido. História ocupacional é o detalhamento das atividades profissionais do paciente, produtos presentes na sua função e também no ambiente que o cerca, processo produtivo, ritmo de trabalho, carga horária, riscos percebidos e periodicidade de manuseio de substâncias suspeitas. A relação temporal entre a exposição suspeita e o quadro clínico é de fundamental importância para o estabelecimento do nexo. Atividades fora do ambiente de trabalho, como hobbies, também devem ser relacionadas. Não há um "aprendizado formal" em história ocupacional - é necessário ter presente que a simples indagação de "profissão" que aprendemos nas escolas médicas como parte da anamnese é insuficiente e pouco informativa em relação a exposições de risco respiratório. Portanto, a curiosidade do profissional que investiga um caso suspeito, o estudo e as vivências práticas são ingredientes básicos para se obter dados de boa qualidade.
Com freqüência, é necessário que o local de trabalho seja visitado para um correto entendimento da exposição e avaliação das substâncias a que o paciente se expôs.
Ocasionalmente, a história ocupacional é indicativa do agente, porém, na maior parte dos casos, a exposição é composta por diferentes substâncias, o que faz com que se obtenha, num primeiro momento, uma relação de produtos suspeitos. Durante a avaliação, questões relacionadas com a ventilação do ambiente são fundamentais. A presença ou ausência de sintomas similares e/ou diagnósticos prévios de ART em outros trabalhadores podem ser um importante dado epidemiológico. Uma sugestão de questionário específico para ART pode ser encontrada nos anexos da referência 8.(8)

A documentação objetiva das alterações nos testes de função pulmonar e testes imunológicos deve ser feita sempre que possível. A sensibilidade e especificidade para os vários métodos diagnósticos empregados são diferentes.(15) O Quadro 2 comenta cada um dos diferentes métodos.





Os testes cutâneos e sorológicos podem ser utilizados de forma análoga e complementar. Ambos podem ser inespecíficos como o teste de puntura (prick test) com alérgenos ambientais ou a dosagem sérica de IgE total. Através destes testes, classifica-se o paciente como atópico ou não, o que auxilia na exploração, juntamente com dados clínicos e ocupacionais. Para alguns agentes, como para os sais de platina, insetos, animais de laboratório e anidridos ácidos, os testes imunológicos possibilitam a confirmação da sensibilização, sendo no Brasil padronizados pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (Patchkit test ). Os testes específicos cutâneos e sorológicos indicam que houve sensibilização a determinado agente, porém não são indicadores definitivos da etiologia da AO.

A espirometria, medidas seriadas de PFE e os testes de broncoprovocação, inespecífica e específica, são importantes componentes da exploração diagnóstica.

A espirometria é útil para a avaliação clínica do paciente. Pacientes que na consulta inicial apresentam espirometria alterada costumam ter mau prognóstico clínico. A espirometria realizada antes e após a jornada de trabalho não tem sensibilidade suficiente para se estabelecer relação entre asma e atividade, por não detectar reações tardias, porém pode ser útil quando o paciente revela sintomas imediatos ou durante a jornada de trabalho.

O melhor método de estabelecimento do nexo causal quando o paciente encontra-se no trabalho é a realização de medidas seriadas de PFE (curva de pico de fluxo). A orientação para a realização da curva depende de dados da história clínica e ocupacional. Em situações que
caracteristicamente causam sintomas imediatos, os registros podem ser de curta duração com medidas seriadas a cada hora ou a cada duas horas. Os dados são colocados em gráficos e analisados visualmente.(26) Quando os sintomas são noturnos e recorrentes, é necessário que os registros sejam prolongados, incluindo um período de afastamento. Uma possibilidade de se monitorizar o PFE é realizá-lo durante duas semanas no local de trabalho e comparar os resultados obtidos com medidas efetuadas em duas semanas de afastamento. O número mínimo de medidas realizadas durante o dia é de quatro e os melhores resultados são quando estas medidas são realizadas a cada duas horas, sempre em triplicata. Há um programa computacional de domínio público(27) que plota a curva, gera diversos parâmetros de análise e expressa os resultados de forma probabilística. As curvas também podem ser analisadas de forma estatística, comparando-se a variabilidade das medidas em períodos de trabalho e afastamento.
Das diversas equações propostas, aquela mais utilizada e fácil para a análise destas medidas, após serem selecionados os melhores PFE de cada período medido, é:


melhor PFE - pior PFE x 100%
_________________________
média dos PFE


O valor é considerado anormal quando estiver acima de 20%.(26)
A curva de pico de fluxo deve ser efetuada sempre que possível. Na experiência do Município de São Paulo, apenas 38% dos pacientes suspeitos puderam realizá-la, pois muitos estavam fora do trabalho no momento da investigação, alguns tinham asma grave, com risco de agravamento se reexpostos, e alguns não tinham um nível educacional suficiente para o registro dos valores do PFE.(23)

A monitorização do PFE pode ser criticada porque depende da cooperação do indivíduo e da qualidade das manobras. A sua sensibilidade e especificidade quando comparadas com o teste de broncoprovocação específico, considerado padrão ouro, é de 72% e 89%, respectivamente.(23) Entretanto, há medidores de pico de fluxo eletrônicos, extremamente úteis para se avaliar a cooperação do paciente em relação a horários, fidelidade de registros e manobras corretas, podendo inclusive ser utilizados em pacientes com baixo nível educacional.

Os testes de provocação brônquica podem ser efetuados com agentes inespecíficos, como a histamina, metacolina ou carbacol, ou específicos, com agentes suspeitos. A provocação brônquica inespecífica tem duas utilidades em ART: confirmação do diagnóstico de asma, embora haja descrições de AO sem hiperreatividade brônquica, e acompanhamento da evolução do paciente após o afastamento da exposição. Uma diminuição progressiva da hiperreatividade no decorrer dos meses, associada à melhora sintomática, é indício de regressão clínica e, ocasionalmente, de cura da asma.

Os testes de provocação brônquica específicos são considerados padrão ouro no diagnóstico de AO. São de difícil padronização, uma vez que envolvem o controle de uma série de variáveis. Sua realização pode reproduzir os sintomas presentes no ambiente de trabalho. Estes testes devem ser realizados em centros especializados, geralmente em câmaras de exposição e é necessário monitorar o nível de exposição do agente suspeito. Dependendo do agente suspeito é possível realizar-se provocação brônquica específica pelo método de Pepys,(28) que não demanda monitorização da concentração do agente suspeito, como por exemplo poeiras de madeira, farinha e outros.

Para evitar a ocorrência de reações asmáticas graves, os testes devem ser iniciados com baixas concentrações do agente, sendo elas aumentadas gradativamente. Testes com resultados falso negativos podem ocorrer quando os indivíduos são testados com agentes errados, quando estiverem afastados da exposição por um longo tempo ou quando a reatividade brônquica estiver normal.(22)

Diagnóstico da ART em casos de investigação limitada
Embora os métodos diagnósticos disponíveis permitam o estabelecimento do nexo e até do agente causal, nem sempre é possível aplicá-los. No Município de São Paulo, 50% dos pacientes chegam ao consultório já demitidos, ou afastados do trabalho por algum motivo.(23) Este fato dificulta, porém não inviabiliza o diagnóstico.
Uma história de associação temporal entre asma e exposição no local de trabalho a um agente sensibilizante não é um dado suficientemente específico para se fazer o diagnóstico definitivo de AO,(25) porém, com freqüência, é o único dado do qual se dispõe em trabalhadores fora da atividade de trabalho no momento da avaliação. Nessas situações, o diagnóstico de AO é estabelecido de acordo com os critérios mencionados no início desta seção: diagnóstico de asma, início dos sintomas após o início da atividade suspeita, exposição a um agente reconhecidamente indutor de AO e história compatível com AO.

Em casos de asma agravada pelas condições de trabalho, o diagnóstico é mais restritivo, associando-se aos critérios acima uma documentação objetiva da relação de sintomas com o trabalho, uma vez que laudos de ART em pacientes com asma pré-existente são freqüentemente contestados por colegas.

EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO

O tratamento medicamentoso da ART segue os mesmos preceitos do tratamento da asma e não é objeto desta revisão.

A maioria dos indivíduos com ART com latência não se recuperam totalmente, mesmo após o afastamento do agente causal, e desenvolvem uma incapacidade permanente para a função relacionada.(29) Muitos pacientes, uma vez sensibilizados, tendem a reagir a concentrações baixas do agente sensibilizante, o que dificulta a permanência no ambiente de trabalho. A retirada do ambiente de trabalho onde ocorreu a possível exposição é o procedimento ideal para o tratamento dos indivíduos com asma ocupacional.

Se isto não for possível, deve-se tentar diminuir a exposição, alem de monitorar periodicamente o PFE e realizar acompanhamento médico. A utilização de equipamentos de proteção respiratória individuais é possível em certas situações, porém devem ser apropriados para evitar-se o contato com o agente suspeito e o paciente deve ser acompanhado.

A hiperreatividade brônquica persistente está associada com a inflamação das vias aéreas e pode perpetuar-se. A duração dos sintomas, a gravidade da asma no período do diagnóstico expressa pela espirometria e pelo grau de reatividade brônquica, a duração total da exposição e a duração da exposição após o aparecimento dos sintomas são fatores determinantes importantes para o prognóstico.(19)
Portanto, o diagnóstico precoce e a retirada da exposição são a chave de uma boa recuperação clínica.

ASPECTOS MÉDICO-LEGAIS

O diagnóstico de ART implica em notificação através da Comunicação de Acidente de Trabalho, que é um documento do Ministério da Previdência e Assistência Social, mesmo que não implique em afastamento do trabalho. A Comunicação de Acidente de Trabalho pode ser emitida pela empresa, pelo sindicato ou por qualquer profissional de saúde envolvido na investigação do caso. Com este documento, o trabalhador afetado será submetido a uma perícia médica pelo Instituto Nacional do Seguro Social para avaliação do nexo causal e incapacidade, critérios utilizados no julgamento de direito a benefício previdenciário.
A incapacidade diferencia-se da disfunção, de acordo com as definições a seguir.(30) A disfunção é a redução da função do sistema respiratório, sendo habitualmente avaliada por testes de função pulmonar em repouso e exercício, e por questionários de avaliação de sintomas, notadamente a dispnéia (tarefa primariamente médica). A incapacidade é o efeito global da disfunção na vida do paciente, expressa pela impossibilidade de realizar adequadamente uma tarefa no trabalho ou na vida diária, devido à disfunção. A incapacidade não é relacionada apenas a condições médicas, mas envolve fatores mais complexos tais como: idade, sexo, medidas antropométricas, educação, condição psicológica e socioeconômica, e tipo de requerimento energético da ocupação, constituindo-se numa atribuição médico-administrativa.

A importância da emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho prende-se a dois fatos relevantes: é o único documento em que é possível se obter informações estatísticas sobre morbidade respiratória, excetuando-se a tuberculose e a síndrome da imunodeficiência adquirida, que contam com registros próprios; a caracterização de doença ocupacional ou doença relacionada ao trabalho pela previdência social confere ao trabalhador estabilidade mínima de um ano após o seu retorno ao trabalho.

Considerações Finais

Nos últimos anos, alguns Consensos têm procurado orientar e uniformizar os procedimentos dos profissionais no diagnóstico de pacientes com asma ocupacional. O entendimento dos mecanismos envolvidos na asma ocupacional tem levado a um reconhecimento dos muitos agentes etiológicos, melhora dos métodos diagnósticos, no tratamento farmacológico e no conhecimento da história natural desta doença. Apesar disto, muitas observações experimentais estão em estágio muito preliminar. Devido a importância médica, social e as conseqüências econômicas programas de prevenção, detecção e acompanhamento devem ser implementados, em particular, nos ambientes de trabalho de alto risco.

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* Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil; Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor-HCFMUSP - São Paulo (SP) Brasil e Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO - São Paulo (SP) Brasil.
1. Professora Livre-Docente de Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) Brasil.
2. Doutor em Medicina pela Disciplina de Pneumologia - Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - InCor-HCFMUSP - São Paulo (SP) Brasil.
3. Doutor em Saúde Pública pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Ana Luisa Godoy Fernandes. Rua Botucatu, 740, 3º andar - CEP 04023-062, São Paulo, SP, Brasil. Tel: 55 11 50841268. E-mail: analuisa@pneumo.epm.br

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