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Vigilância epidemiológica e doenças ocupacionais respiratórias

2006 - Vol.32 - Supplement 2

INTRODUÇÃO

O objetivo primordial de se instituir sistemas de vigilância epidemiológica em Saúde Pública é garantir o correto monitoramento das doenças.
Vigilância epidemiológica pode ser definida como um sistema contínuo de coleta sistemática, análise e disseminação dos dados. Desta maneira morbidade e mortalidade podem ser reduzidas, melhorando-se as condições de saúde da população.(1)

Os resultados gerados pela vigilância epidemio-lógica podem ser úteis para orientar ações imediatas em casos que tenham extrema importância em termos de saúde pública - por exemplo, os casos de síndrome respiratória aguda grave (SARS) que ocorreram recentemente na Ásia e no Canadá - mensurar a importância das doenças, estudar fatores de risco e populações expostas, avaliar ações que estão sendo implementadas facilitando a alocação de recursos de forma eficaz, identificar a necessidade de implementação de novos programas e avaliar o desempenho dos já existentes.

Para que esses programas sejam eficazes é necessária estrita colaboração entre pneumologistas e profissionais de saúde pública. Diversos elementos são essenciais para o funcionamento de programas de vigilância epidemiológica e devem ser considerados na elaboração desses programas: profissionais qualificados, armazenamento dos dados, controle de qualidade e manutenção confidencial dos dados.(2)

A análise de dados de vigilância epidemiológica pode não responder a todas as questões relacionadas à epidemiologia das doenças ocupacionais, mas em conjunto com dados de toxicologia, higiene industrial e resultados de investigações nos locais de trabalho e na comunidade, possibilita a obtenção de informações relevantes para os profissionais envolvidos na prevenção e controle das doenças ocupacionais.(3)

Embora nenhum país tenha um sistema de vigilância epidemiológica para doenças ocupacionais que seja totalmente abrangente e completo, existem diversas fontes de dados que proporcionam valiosas informações sobre a freqüência e causa dessas doenças, as quais são descritas a seguir.

Sentinel Event Notification System for Occupational Risks (SENSOR)

O Sistema de Notificação de Eventos Sentinela para Riscos Ocupacionais, conduzido pelo Instituto de Doenças Ocupacionais dos EUA (National Institute for Occupational Safety and Health - NIOSH), existe desde 1987. Através de um acordo de cooperação entre o National Institute for Occupational Safety and Health e secretarias de estado de saúde, uma rede de especialistas reporta os casos para um centro coordenador onde eles são analisados e a partir do qual ações de investigação e intervenção são originadas. Duas doenças ocupacionais são cobertas pelo sistema: silicose e asma ocupacional.(4)

Quanto à silicose, atualmente três estados mantém esse programa: Michigan, New Jersey e Ohio. Os casos são identificados através de certificados de óbito, revisão de dados de alta hospitalar ou notificação direta pelo hospital e notificações feitas pelos médicos. Em Michigan e Ohio, os dados de indenizações trabalhistas também são revisados.
Os casos são confirmados após revisão dos prontuários e entrevistas por telefone. No período de 1989 a 1998 foram notificados 1.180 casos de silicose, sendo 589 em Michigan, 400 em Ohio e 191 em New Jersey. A maioria dos casos estava relacionada com a exposição à sílica na indústria metalúrgica (58,1%).(4)

Com relação à asma ocupacional, o programa é conduzido em quatro estados: Califórnia, Massachusetts, Michigan e New Jersey. Relatos médicos reportando a doença são a principal fonte de dados deste sistema. Em Michigan e New Jersey, prontuários médicos são revisados e em Massachusetts registros de alta hospitalar são monitorados. A confirmação dos casos é feita de forma semelhante à da silicose. Entre 1993 e 1999, o Sentinel Event Notification System for Occupational Risks recebeu 2.526 notificações de asma relacionada ao trabalho. Desse total, 508 casos foram classificados como asma agravada pelo trabalho e o restante como asma ocupacional (1.780 casos) e síndrome de disfunção reativa das vias aéreas (238 casos). Produtos químicos foram os possíveis agentes causadores mais freqüentemente reportados (20% dos casos).(4)

National Occupational Respiratory Mortality System (NORMS)

O Sistema Nacional de Mortalidade por Doenças Respiratórias Ocupacionais também é desenvolvido pelo National Institute for Occupational Safety and Health, a partir de dados fornecidos pelo Centro Nacional de Estatística em Saúde (National Center for Health Statistics - NCHS). Os dados dos certificados de óbito abrangem todos os estados americanos desde 1968, entretanto nem todos os estados reportam códigos de ocupação e atividade industrial. As doenças incluídas neste sistema são: asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, bissinose, condições relacionadas com a inalação de fumos e vapores, pneumonite de hipersensibilidade, outras doenças intersticiais pulmonares, câncer de pulmão, mesotelioma maligno (após 1999), neoplasias malignas da pleura e peritôneo, tuberculose, infecções micobacterianas, placas pleurais, asbestose, silicose, pneumoconiose dos mineiros de carvão e pneumoconioses sem causa especificada.(4) As pneumoconioses foram apontadas como causa de óbito em 124.846 certificados no período de 1968 a 2000 nos EUA. Estes dados revelam que a taxa anual de mortalidade (ajustada para idade) para asbestose cresceu de 0,54/1.000.000 (77 mortes) em 1968 para 6,88/1.000.000 (1.493 mortes) em 2000, enquanto que a silicose e a pneumoconiose dos mineiros de carvão apresentaram uma tendência de queda. A inclusão de um código específico para mesotelioma maligno na nova versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) em 1999(5) propiciou o monitoramento da mortalidade pelo tumor nos EUA de forma fidedigna.(6) Nos anos de 1999 e 2000, 5.016 casos de mesotelioma foram reportados em todo o país, com uma taxa de mortalidade (ajustada para idade) de 11,52 mortes/milhão de habitantes/ano.(4)

Coal Workers' X-ray Surveillance Program (CWXSP)

O Programa de Monitoramento de Radiografias de Mineiros de Carvão foi estabelecido nos EUA por lei federal em 1970.(7) Com exceção da radiografia pré-admissional, a participação dos mineiros é voluntária, sendo sugerida a realização de radiografias a cada cinco anos. As radiografias são enviadas para o National Institute for Occupational Safety and Health e redistribuídas para leitores capacitados, que reportam os resultados para o Instituto. Além de gerenciar este programa, o National Institute for Occupational Safety and Health também é responsável pela certificação dos leitores (A e B "readers") de acordo com as normas da Organização Internacional do Trabalho para classificação das radiografias de pneumoconiose,(8) e pelo credenciamento e controle de qualidade dos locais onde são realizados os exames.(9) Entre 1996 e 2002, o Programa recebeu 35.983 radiografias de 31.179 mineiros de carvão em 23 estados americanos. A prevalência de pneumoconiose dos mineiros de carvão entre todos os mineiros estudados nesse período foi de 2,8% (862 casos), sendo que 62 casos apresentaram radiografias compatíveis com fibrose pulmonar maciça.(10)

Surveillance of Work-related & Occupational Respiratory Disease (SWORD)

O Sistema de Vigilância para Doenças Respiratórias Ocupacionais e Relacionadas ao Trabalho existe no Reino Unido desde 1988. Apesar de financiado por uma agência governamental, este Sistema é baseado em instituições acadêmicas, com o suporte da Sociedade Torácica Britânica (British Thoracic Society) e da Sociedade de Medicina Ocupacional (Society of Occupational Medicine). Aproximadamente 450 pneumologistas em todo o Reino Unido reportam qualquer novo caso de doença ocupacional (20 deles reportam mensalmente e o restante um mês por ano). As doenças incluídas são: asma ocupacional, doenças pleurais benignas e malignas, mesotelioma e pneumoconioses. As informações referentes aos casos e aos médicos que os reportaram são mantidas confidencialmente.(11) No período de 1990 a 1998, 26.984 notificações foram recebidas pelo Surveillance of Work-related & Occupational Respiratory Disease no Reino Unido. A maioria dos casos reportados foi de asma ocupacional (7.825 casos), seguida de doenças pleurais benignas (5.397 casos), mesotelioma maligno (5.127 casos), pneumoconioses (2.698 casos) e inalação de substâncias tóxicas (2.429 casos).(3)

Surveillance of Work-related and Occupational Respiratory Diseases in South Africa (SORDSA)

O Sistema Sul-Africano para Vigilância Epidemiológica de Doenças Respiratórias Ocupacionais foi estabelecido em 1996 e é semelhante ao Surveillance of Work-related & Occupational Respiratory Disease, contando com notificações voluntárias de pneumologistas e médicos e enfermeiras do trabalho em todo o país. O programa é uma iniciativa conjunta das sociedades de Pneumologia, Medicina do Trabalho e Enfermagem do Trabalho da África do Sul, sendo financiado em parte pela Organização Mundial de Saúde. Formulários simples são utilizados para notificação de catorze condições (asma ocupacional, asma induzida por irritantes, inalação acidental, pneumonite de hipersensibilidade, bronquite industrial, doença pulmonar obstrutiva crônica, tuberculose e doenças infecciosas relacionadas ao trabalho, placas pleurais, espessamento pleural difuso, mesotelioma, câncer de pulmão, pneumoconioses e outras - bissinose, rinites, etc.) e suas relações com o ambiente de trabalho (tipo de indústria, atividade, agentes). Um total de 5.297 casos de doença ocupacional respiratória foi reportado no período de 1996 a 2000 na África do Sul. Pneumoconiose foi a causa mais freqüente (3.028 casos), seguida por acidentes por inalação de substâncias tóxicas (429 casos), tuberculose associada a pneumoconiose (360 casos), doença pulmonar obstrutiva crônica associada a pneumoconiose (297 casos), asma ocupacional (291casos) e tuberculose ocupacional (149 casos).(12)

Finnish Registry of Occupational Diseases (FROD)

O Registro de Doenças Ocupacionais da Finlândia existe desde 1964 e é mantido pelo Instituto de Saúde Ocupacional em Helsinki. Os casos registrados provêm de três fontes: notificações de médicos das províncias (todos os médicos são obrigados, desde 1974, a notificar os casos de doenças ocupacionais diagnosticadas), requerimentos feitos a companhias de seguro e casos dia-gnosticados no Instituto de Saúde Ocupacional. O Registro inclui, além das doenças respiratórias, outras doenças ocupacionais, como dermatites, perda auditiva e lesões por esforço repetitivo.(13)

Surveillance of Australian Workplace Based Respiratory Events (SABRE)

O Sistema Australiano de Eventos Respiratórios Ocupacionais funciona nos estados de Tasmânia e Vitória (desde 1997) e Nova Gales do Sul (desde 2001). Baseado em notificações voluntárias e anônimas de pneumologistas e médicos do trabalho, este sistema utiliza formulários semelhantes aos do Surveillance of Work-related and Occupational Respiratory Diseases in South Africa. Em Vitória e Tasmânia, até 2002 haviam sido reportados 644 casos de pneumopatias ocupacionais. Asma ocupacional foi o principal diagnóstico (203 casos). Outras doenças reportadas foram: doença pleural benigna (153 casos), pneumoconioses (66 casos), mesotelioma maligno (51 casos) e inalação de substâncias tóxicas (33 casos). Na versão do Sistema utilizada em Nova Gales do Sul, até março de 2004, foram feitas 1.680 notificações, sendo 863 casos de doenças respiratórias ocupacionais, com 932 dia-gnósticos. As doenças relacionadas ao asbesto foram as mais diagnosticadas: espessamento pleural difuso (244 casos), mesotelioma maligno (219 casos), placas pleurais (178 casos) e asbestose (119 casos). Quarenta e sete casos de asma ocupacional e 33 de silicose foram reportados nesse período.(14-15)

REFERÊNCIAS

1. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Updated guidelines for evaluating public health surveillance systems: recommendations from the Guidelines Working Group. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2001;50(RR-13):1-35.
2. Wagner GR. Health screening and surveillance of mineral dust exposed workers. Recommendation for the ILO Workers Group. Geneva. World Health Organization, 1996.
3. Meredith S, Blanc PD. Surveillance: clinical and epidemiological perspectives. In: Harber P, Balmes J, Schenker M. Occupational and environmental respiratory disease. St Louis: Mosby: 1996. p.7-23.
4. National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH). 2003. Work-Related Lung Disease Surveillance Report 2002 [text on the Internet]. Atlanta: Center for Diseases Control and Prevention: 2003. DHHS (NIOSH) Number 2003-111. [cited 2005 Jul 20]. Available from: http://www.cdc.gov/niosh/docs/2003-111/2003-111.html
5. World Health Organization. ICD-10: International Classification of Diseases and Related Health Problems. 10th ed. Geneva: World Health Organization; 1992.
6. Pinheiro GA, Antão VC, Bang KM, Attfield MD. Malignant mesothelioma surveillance: a comparison of ICD 10 mortality data with SEER incidence data in nine areas of the United States. Int J Occup Environ Health. 2004;10(3):251-5.
7. U.S. Departament of Labor. Mine Safety and Health Administration. Protecting Miner´s Safety and Health Since 1978. Federal Coal Mine Health and Safety Act of 1969. Public Law no. 91-173 [text on the Internet]. Arlington, MSHA; 30 dez 1969. [cited 2005 Jul 19]. Available from: http://www.msha.gov/solicitor/coalact/69act.htm.
8. International Labor Office. Guidelines for the use of ILO International Classification of Radiographs of Pneumoconiosis. Geneva, Switzerland: International Labor Office, 1980. (Occupational Safety and Health Series, 22).
9. National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH). Pneumoconiosis. Coal Worker´s X-ray Surveillance Program [text on the Internet]. Atlanta: Center for Diseases Control and Prevention. [cited 2005 Jul 20]. Available from: http://www.cdc.gov/niosh/topics/pneumoconioses/default.html
10. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Pneumoconiosis prevalence among working coal miners examined in federal chest radiograph surveillance programs - United States, 1996-2002. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2003;52(15):336-40.
11. THOR. The Health and Occupation Reporting Network. Surveillance of Work-Related & Occupational Respiratory Disease [text on the Internet]. Manchester: The University of Manchester. [cited 2005 Aug 25]. Available from: http://www.coeh.man.ac.uk/thor/sword.htm
12. Surveillance of Work-Related and Occupational Respiratory Diseases in South Africa (SORDSA) [home page on Internet]. Johannesburg: NCOH: 2000. [cited 2005 Oct 10]. Available from: http://www.asosh.org/Programmes/SORDSA/SORDSA.htm
13. European Agency for Safety and Health at Work. Finnish statistics Register of Occupational Diseases [text on the Internet]. Helsinki, Finland; 2004. [last update 2004 Dez 3; cited 2005 Oct 15]. Available from: http://europe.osha.eu.int/systems/osm/reports/Finnish_system_009.stm
14. SABRE Project. Surveillance of Australian Workplace Based Respiratory Events [home page on the Internet]. Sydney: The SABRE Project. [cited 2005 Jul 10]. Available from: http://www.sabrensw.org/default.htm
15. MONASH University. Department of Epidemiology and Preventive Medicine. Abramson M, Elder D, Sim M; Australian Lung Foundation. SABRE - Surveillance of Australian Workplace Based Respiratory Events [text on the Internet]. Available from: http://www.med.monash.edu.au/epidemiology/oeh/sabre.html
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* Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Professor Assistente Doutor da Área de Saúde Ocupacional do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciência Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
2. Professor Adjunto de Pneumologia (licenciado) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Ericson Bagatin. Rua Borges Lagoa, 564, cj. 81/82, Vila Clementino - CEP 04038-000, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: ebagatin@fcm.unicamp.br

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