INTRODUÇÃO
O tromboembolismo pulmonar agudo é uma situação clínica freqüente, e em geral revestida de gravidade. Ele pode ser definido como a migra-ção de um ou mais coágulos das veias sistêmicas para o leito vascular pulmonar.(1)
Nos últimos vinte anos, diante dos bons resultados das novas opções terapêuticas, observou-se um grande interesse no estudo da circulação sanguínea e em particular das diversas formas de embolias por trombos, incluindo-se neste grupo o tromboembolismo pulmonar crônico hipertensivo (TEPCH). Define-se TEPCH como o quadro de hipertensão pulmonar observado após um período mínimo de três meses depois de pelo menos um episódio de embolia de pulmão, desde que excluídas outras causas de hipertensão pulmonar.(2)
Estima-se que nos EUA 500.000 pessoas são acometidas por esta doença todos os anos. Aproximadamente 4% dos casos de tromboembolismo pulmonar agudo evoluem com hiper-tensão pulmonar secundária.(1,3)
O tratamento preferencial para estes casos é a tromboendarterectomia, embora para casos selecionados o transplante pulmonar possa ser considerado como alternativa. Este tratamento proporciona grande melhora na qualidade de vida dos pacientes,(4-6) com uma mortalidade pós-operatória baixa diante do procedimento de alta complexidade que é realizado.(6)
Os estudos sobre o uso de drogas como as prostaciclinas(7-8) e o sildenafil(9) para o preparo de pacientes para a cirurgia, ou para tratamento complementar, ou ainda naqueles em que a opção cirúrgica é contra-indicada, são incipientes e realizados em condições muito específicas, e não podem ser recomendados a não ser em protocolos científicos.
PROCEDIMENTOS DIAGNÓSTICOS
O diagnóstico de TEPCH deve ser considerado em todo paciente com dispnéia ao exercício inexplicada, mesmo naqueles com função pulmonar normal ou discretamente alterada em repouso.(2) Não é tão importante para diagnosticar o TEPCH a identificação dos fatores predisponentes para a trombose venosa, que possam justificar um quadro prévio. Entretanto, o aspecto clínico, laboratorial, e de diagnóstico por imagem contribuem muito para o esclarecimento diagnóstico. A pesquisa de trombofilias pode ajudar na identificação de fatores que possam estar alterados e contribuindo para tromboembolias de repetição em pacientes ade-quadamente anticoagulados.
A eletrocardiografia é muito limitada nos dias atuais para o auxílio diagnóstico do fenômeno tromboembólico pulmonar crônico hipertensivo. Por outro lado, a ecocardiografia assume um papel cada vez maior, com estudos de contratilidade de ventrículo direito, e com a possibilidade de estima-tivas seriadas de pressão de artéria pulmonar.(10-11)
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
No TEPCH o principal sintoma é a dispnéia progressiva, que pode estar acompanhada de tosse seca. A síncope e a opressão retroesternal aos esforços são mais comuns nos casos terminais, em que se observa a pressão na artéria pulmonar com valores muito elevados.
Estes sinais e sintomas encontrados são muito inespecíficos, e isoladamente revelam pouco valor na identificação do TEPCH pois são comuns as diversas etiologias que compõem o quadro de hipertensão pulmonar. Entretanto, em indivíduos com fatores predisponentes bem caracterizados, história de tromboembolismo pulmonar prévio e estes achados clínicos, associados a exames radiológicos torácicos, apesar de inespecíficos, podem trazer importante contribuição para a elucidação diagnóstica do TEPCH.(2)
RADIOGRAMA DE TÓRAX
Em TEPCH a análise radiológica raramente é normal. Em um levantamento realizado na Disciplina de Pneumologia do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com 26 pacientes com TEPCH em avaliação para tromboendarterectomia, observou-se que 61% dos pacientes apresentavam aumento do ventrículo direito, 19% redução da vascularização, e 23% outras anormalidades, com destaque para o aumento do tronco da artéria pulmonar. Deve ser salientado que nenhum radiograma foi normal.(2)
CINTILOGRAFIAS PULMONARES
Quando a cintilografia pulmonar é normal, o diagnóstico de embolia crônica pode ser afastado. Deve-se salientar também que o padrão cintilográfico pode subestimar a extensão real da doença. Atualmente existe a tendência a não se indicar as cintilografias pulmonares na busca do diagnóstico de tromboembolismo pulmonar agudo, quando o paciente apresenta insuficiência respiratória importante, e doenças pulmonares difusas obstrutivas e/ou restritivas.(12) A justificativa é que nestes pacientes o número de casos classificados como indeterminados é muito alto, o que obriga o médico com grande freqüência a solicitar novos exames para a confirmação do diagnóstico. Em TEPCH, nos dias de hoje, este exame está sendo substituído em muitos casos pela angiotomografia computa-dorizada pulmonar helicoidal multislice.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA HELICOIDAL
É recente o grande interesse na utilização da angiotomografia no diagnóstico de embolia pulmonar. Esta técnica consiste na aquisição de imagens vasculares em um tomógrafo helicoidal, após injeção de contraste em veia periférica. Substitui com vantagens os mapeamentos inalatórios e perfusionais nos casos em que o diagnóstico cintilográfico indeterminado é elevado, ocorrência comum em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica, asmáticos em crise e em pacientes com insuficiência cardíaca ou insuficiência respiratória grave. Além disto, a técnica tomográfica permite a avaliação de derrame pleural e pericárdico, das características da pleura, opacidades e linfonodomegalias.(10) No mesmo exame também é possível a avaliação dos membros inferiores com o intuito de se identificar vasos com trombose venosa profunda, local freqüente de liberação de êmbolos para o pulmão, embora existam discus-sões sobre a maior exposição à radiação na opção pelo exame combinado.
Pela técnica tomográfica podemos observar também algumas características que permitem a separação do fenômeno tromboembólico agudo do TEPCH. A perfusão em mosaico, isto é, com regiões de hipertransparência entremeadas com áreas de maior densidade radiológica, presença de trombos excêntricos e alargamento do tronco da artéria pulmonar, sugerindo hipertensão, são no seu conjunto bem característicos de TEPCH.(1)
É possível que, no futuro, técnicas tomográficas helicoidais como o multislice possam substituir exames invasivos como a arteriografia pulmonar, considerada referência para o diagnóstico de todas as formas de tromboembolismo pulmonar agudo, e para o estadiamento vascular dos portadores de TEPCH candidatos ao tratamento cirúrgico através da tromboendarterectomia.(2)
RESSONÂNCIA MAGNÉTICA
Esta técnica, como a tomografia computadorizada, permite a visualização direta da falha de enchimento do vaso, com a vantagem de não se irradiar o paciente, nem se utilizar contraste iodado. Entretanto, é mais dispendiosa, demorada e menos disponível que a tomografia computadorizada.(1) A não ser em pacientes com alergia ao iodo, ou com insuficiência renal importante, o uso da angiorressonância magnética para o estadiamento vascular na doença tromboembólica crônica hipertensiva é bastante restrito.(2)
ARTERIOGRAFIA PULMONAR
A arteriografia pulmonar é o exame definitivo para o estadiamento vascular do TEPCH(2). Os melhores resultados são obtidos quando o cateter através do qual o meio de contraste será injetado está posicionado na artéria pulmonar direita ou esquerda. Este procedimento, além de permitir uma boa visão contrastada da vasculatura pulmonar ipsilateral, também é capaz de proporcionar a quantificação da pressão da artéria pulmonar, que deve ser sempre realizada junto com a medida da resistência vascular pulmonar, débito cardíaco e pressão capilar pulmonar.
No TEPCH observam-se falhas de preenchimento vascular pelo meio de contraste não tão bem definidas, que refletem os diferentes e complexos padrões de organização e recanalização parcial dos trombos.(13) Este exame permite um bom estadiamento vascular, avalia o estado das artérias pulmonares e seus ramos, e localiza bem trombos acessíveis cirurgicamente. Estas informações são necessárias para um bom preparo pré-operatório daqueles pacientes portadores de TEPCH candidatos à tromboendarterectomia.
A arteriografia é um procedimento invasivo, e portanto não é desprovida de riscos, e também é muito pouco disponível, e de custo bastante elevado, o que limita muito sua ampla utilização. Em 1.350 pacientes(14) que foram submetidos à arteriografia pulmonar da Duke University, ocorreram três mortes a ela diretamente relacionadas. Este método até hoje continua como a referência para o diagnóstico de qualquer episódio tromboem-bólico agudo ou crônico.
PREVENÇÃO
A colocação de filtro em via cava é prática comum no pré-operatório, e utilizada na totalidade dos casos submetidos a este procedimento cirúrgico por Jamieson et al.(6) Entretanto, outros autores dispensam este procedimento.(10) A anticoagulação pós-operatória é mandatória em todos os pacientes.(10)
A reoperação, apesar de ser um procedimento incomum, é realizada com bons resultados.(6)
RECOMENDAÇÕES PARA TROMBOENDARTERECTOMIA
Diagnóstico
A) Hipertensão pulmonar: quadro clínico e
ecocardiograma
B) Cintilografia / Angiotomografia helicoidal
Estadiamento e prognóstico
A) Arteriografia
Indicações para tromboendarterectomia
A) Classe funcional III ou IV
B) Resistência vascular pulmonar maior que
300 dina.cm-5.seg-1 ou aumento de pressão
arterial sob exercício
C) Último episódio tromboembólico há mais
de três meses
D) Arteriografia com trombos possivelmente
abordáveis cirurgicamente
E) Ausência de co-morbidades não cardíacas
importantes
Contra-indicações
A) Embolia ou neoplasia fora de controle
B) Doença pulmonar obstrutiva grave
C) Insuficiência renal moderada ou grave
Prevenção
A) Filtro de cava no pré-operatório: existe
controvérsia, pois há um grupo europeu com
grande número de casos em que não se colocou
o filtro no pré-operatório
B) Anticoagulação permanente
REFERÊNCIAS
1. Palevsky HI, Kelley MA, Fishmab AP. Pulmonary thromboembolic disease. In: Fishman AP. Pulmonary diseases and disorders. 2th ed. New York: McGraw - Hill;1999. p.1297-329.
2. Terra-Filho M. Uso racional dos métodos diagnósticos na doença tromboembólica pulmonar In: Faresin SM, Stelmach R, Oliveira MVC, Stirbulov R, editores. Pneumologia: atualização e reciclagem. 5a ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. p.239-44
3. Pengo V, Lensing AW, Prins MH, Marchiori A, Davidson BL, Tiozzo F, Albanese P, Biasiolo A, Pegoraro C, Iliceto S, Prandoni P; Thromboembolic Pulmonary Hypertension Study Group. Incidence of chronic thromboembolic pulmonary hypertension after pulmonary embolism. N Engl J Med. 2004;350(22):2257-64.
4. Jatene FB, Bernardo WM, Monteiro R, Hueb AC, Terra-Filho M, Oliveira SA. Tratamento cirúrgico da hipertensão pulmonar tromboembólica. Rev Soc Cardiol Est São Paulo. 2000;10(5):640-51.
5. Genta PR, Jatene FB, Terra-Filho M. Quality of life and shortness of breath before and after pulmonary thromboendarterectomy [abstract]. Am J Respir Crit Care Med. 2002;165(Suppl):A329.
6. Jamieson SW, Kapelanski DP, Sakakibara N, Manecke GR, Thistlethwaite PA, Kerr KM, et al. Pulmonary endarterectomy: experience and lessons learned in 1,500 cases. Ann Thorac Surg. 2003;76(5):1457-62, discussion 1462-4.
7. Kramm T, Eberle B, Krummenauer F, Guth S, Oelert H, Mayer E. Inhaled iloprost in patients with chronic thromboembolic pulmonary hypertension: effects before and after pulmonary thromboendarterectomy. Ann Thorac Surg. 2003;76(3):711-8.
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9. Ghofrani HA, Schermuly RT, Rose F, Wiedemann R, Kohstall MG, Kreckel A, et al. Sildenafil for long-term treatment of nonoperable chronic thromboembolic pulmonary hypertension. Am J Respir Crit Care Med. 2003; 167(8):1139-41.
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11. Sbano JCN, Tsutsui JM, Terra-Filho M, Mathias Junior W. Papel da ecodopplercardiografia na avaliação da hipertensão pulmonar. J Bras Pneumol. 2004;30(1):78-86.
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14. Mills SR, Jackson DC, Older RA, Heaston DK, Moore AV. The incidence, etiologies, and avoidance of complications of pulmonary angiography in a large series. Radiology. 1980;136(2):295-9.