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Avaliação hemodinâmica da hipertensão pulmonar

2005 - Vol.31 - Supplement 2

INTRODUÇÃO

A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é uma condição definida pela presença de pressão arterial pulmonar média > 25 mmHg em repouso ou > 30 mmHg em exercício.(1-2) É resultante de um grupo de doenças de diferentes etiologias, caracterizadas por aumento progressivo da resistência vascular pulmonar, que culminam em falência ventricular direita e morte prematura, se não tratadas apropriadamente. Em 2003, durante o Terceiro Simpósio Mundial sobre Hiper-tensão Arterial Pulmonar, em Veneza (Itália), algumas modificações foram propostas para a classificação dessa enfermidade. Dentre as principais, o termo "Hiper-tensão Arterial Pulmonar Primária" foi substituído por "Hipertensão Arterial Pulmonar Idiopática".(1)Oobjetivo deste artigo é revisar sucintamente os principais aspectos do estudo hemodinâmico nesta condição.

ESTUDO HEMODINÂMICO NA HAP

O estudo hemodinâmico é necessário nos paci-entes com HAP para confirmar o diagnóstico em questão, avaliar o grau de comprometimento hemo-dinâmico da doença e testar a vasorreatividade do leito vascular pulmonar.(1) Os seguintes parâmetros devem ser obtidos em condições basais: freqüência cardíaca, pressão média no átrio direito, pressões no ventrículo direito (sistólica e diastólica final), pressões na artéria pulmonar (AP) (sistólica, dias-tólica e média), pressão capilar pulmonar, débito cardíaco (pelo método de termodiluição ou de Fick), pressão arterial, resistência vascular pulmonar (RVP), resistência vascular sistêmica, saturação arterial sistêmica de oxigênio e saturação venosa mista na artéria pulmonar ou na veia cava superior nos casos de curto-circuito arteriovenoso.

Como já foi comentada acima, a presença de pressão média na AP > 25 mmHg em repouso ou > 30 mmHg em exercício é diagnóstica da doença. Entretanto, tais valores devem estar associados a RVP indexada > 3 unidades Wood e a pressão capilar pulmonar = 15 mmHg.(1)

Em pacientes sintomáticos, em classe funcional I e II, com HAP leve estimada pela ecocardiografia, o estudo hemodinâmico é realizado não só para confirmar o diagnóstico, mas também para identificar aqueles pacientes que necessitam de procedimentos diagnósticos e terapêuticos adicionais. A avaliação da PCP ajuda a diferenciar os pacientes portadores de doença cardíaca esquerda.(1)

Nos pacientes com HAP moderada a grave, o estudo hemodinâmico tem implicações prognósticas.(3) Pacientes com pressão média elevada no átrio direito (> 12 mmHg) e na AP (> 65 mmHg) e com redução do débito cardíaco e da saturação venosa mista de oxigênio possuem pior prognóstico.(3-4) Além disto, pacientes que apresentam res-posta favorável ao teste de reatividade vascular pulmonar (ver abaixo) possuem melhor prognóstico.(5-7)

Apesar de o estudo hemodinâmico poder ser realizado na beira do leito com o cateter de Swan-Ganz, preferencialmente deve-se levar o paciente ao laboratório de cateterismo para que a manipu-lação dos cateteres seja realizada sob monitoração fluoroscópica.

TESTE DA VASODILATAÇÃO PULMONAR

Estudos publicados no início da década de 1990 sugeriram que o uso crônico dos bloquea-dores dos canais de cálcio (BCCa) aumentava a sobrevida daqueles pacientes com HAP que respondiam agudamente ao teste da vasodilatação pulmonar.(5) Desde então, este teste vem sendo aplicado com o objetivo de se identificar este im-portante subgrupo de pacientes.(6-7) Como os BCCa estão contra-indicados na presença de instabi-lidade clínica ou insuficiência cardíaca direita gra-ve, o teste não deve ser aplicado nestas situações.(2)

No decorrer dos anos, vários tipos de vasodi-latadores foram empregados para a realização do teste. Classicamente, os BCCa foram os mais utili-zados e serviram de padrão ouro com o qual outras drogas foram comparadas. Entretanto, devido à sua meia-vida prolongada, à sua ação não seletiva e à ocorrência de graves efeitos adversos, apenas os agentes de curta duração são empregados nos dias de hoje, minimizando os riscos em potencial do teste.(1-2) Além disto, recomenda-se que apenas os centros com experiência no manejo dos pacientes com HAP façam este tipo de procedimento.(1-2) Preferencialmente, o teste deve ser realizado com o óxido nítrico (NO) inalatório ou com a prostaciclina (epopostrenol) endovenosa.(2) O NO inala-tório é de fácil administração (via máscara facial), tem custo limitado e possui ação seletiva na vas-culatura pulmonar, sendo provavelmente o agente que apresenta o melhor perfil de segurança.(8) Em nosso meio, a prostaciclina venosa é pouco utili-zada por ser de alto custo. Além disto, tem o potencial de causar hipotensão arterial sistêmica. A adenosina endovenosa pode ser empregada quando nenhum dos agentes anteriores estiver disponível.(2)

Esta droga possui efeito vasodilatador potente nas artérias coronárias e pulmonares devido a sua ação específica nos receptores da musculatura lisa do vaso, resultando em relaxa-mento vascular. Entretanto, uma redução excessiva da resistência vascular sistêmica também pode ser observada, levando a hipotensão arterial. As dosa-gens, a via de administração, a duração e a meia-vida destes agentes estão expostas na Tabela 1.(1) O teste é bem descrito e conhecido em pacientes com HAP idiopática. Nestes pacientes, o nível de evidência para aplicação do teste é razoável, o benefício é significativo e o grau de recomendação é nível A.(2) O teste é menos estudado em pacientes com HAP associada a doenças do colágeno (ex: esclerodermia) ou a cardiopatias congênitas. Nestes pacientes, o nível de evidência para aplicação do teste é baseado em opiniões de peritos, o benefício é pequeno e o grau de recomendação é nível C.(2)

TABELA 1 Drogas utilizadas nos testes de reatividade vascular pulmonar



Várias definições de resposta positiva já foram empregadas na literatura, ora considerando-se apenas a pressão na AP, ora a RVP, ora ambas. Tais diferenças foram responsáveis por dificuldades na avaliação sistemática dos resultados do teste nas diversas séries existentes na literatura. Apesar de a definição precisa de uma resposta favorável ainda ser controversa, a Sociedade Européia de Cardio-logia recentemente chegou a um consenso: caracteriza-se uma resposta positiva ao teste de vasodilatação quando há uma redução na pressão média da AP de pelo menos 10 mmHg, atingindo-se um valor absoluto < 40 mmHg. O débito cardía-co deve permanecer inalterado ou sofrer incremen-to.(1-2) Os indivíduos que respondem agudamente, estimados em cerca de 10% a 15%, segundo as definições acima,(6,9) possuem maior probabilidade de apresentar resposta favorável ao uso crônico dos BCCa em altas doses. Estes pacientes são os únicos que podem ser tratados seguramente desta forma.(1) A administração empírica dos BCCa, não embasada no teste de vasorreatividade, não deve ser realizada devido à ocorrência de possíveis efei-tos adversos de alta gravidade.(1)

Outro conceito, introduzido recentemente, é o da resposta positiva de longo prazo.(9) Neste grupo se enquadram os pacientes que receberam altas doses de BCCa por vários meses e permaneceram em classe funcional I ou II, com parâmetros hemo-dinâmicos próximos aos normais. Infelizmente, apenas cerca de 50% dos respondedores agudos se comportam desta forma, não necessitando de outros agentes além dos BCCa.(9)

EFEITOS ADVERSOS DO TESTE DE VASODILATAÇÃO

O efeito adverso mais temido por ser o mais grave e poder levar a óbito é a hipotensão arterial sistêmica refratária. Esta ocorrência pode ser minimizada se os agentes de ação seletiva na vasculatura pulmonar e de curta duração forem utilizados (ex: NO). O teste agudo com BCCa por via oral, que possuem longa duração, não deve ser mais utilizado nos dias de hoje. Mesmo com agentes apropriados, graus mais leves de hipotensão sistêmica podem ocorrer, assim como episódios de reflexo vaso-vagal. Nestes casos, a administração de expansores intravasculares deve ser realizada com extremo cuidado para não sobre-carregar o ventrículo direito. A sedação deve ser evitada para não exacerbar esses efeitos colaterais.

RESUMO DOS PRINCIPAIS RESULTADOS DISPONÍVEIS NA LITERATURA

Em 1992, Rich ?????. estudaram 64 pacientes com HAP idiopática após a administração de nifedipina (20 mg) ou diltiazem (60 mg) por via oral.(5) As doses eram repetidas a cada uma hora até se atingir uma resposta favorável ou aparecerem efeitos colaterais. Nessa série, uma resposta posi-tiva, definida por redução > 20% na pressão média da AP e na RVP, foi observada em 26% dos paci-entes. Este grupo foi tratado subseqüentemente com altas doses de BCCa, atingindo-se uma sobrevida de 94% em cinco anos, valor significa-tivamente melhor que o na história natural dos pacientes com HAP primária.(3) Mesmo não sendo controlado, este estudo foi considerado um marco no manejo dos pacientes com HAP.

Também em 1992, Shrader ?????. estudaram o comportamento de 15 pacientes com HAP (11 com a forma idiopática) após administração de adeno-sina endovenosa seguida de nifedipina via oral.(10) A dose utilizada de adenosina foi de 50 mcg/kg/ min, com incrementos de 50 mcg/kg/min a cada dois minutos até a dose máxima de 350 mcg/kg/ min. Houve queda comparável da RVP após o uso de ambas drogas.
Em 1993, Groves ?????. estudaram a resposta aguda da administração endovenosa de epopros-tenol em 44 pacientes com HAP idiopática.(11) Resposta favorável foi definida por declínio na RVP > 30% e redução na pressão média da AP > 10%. As doses utilizadas foram de 1 a 12 ng/kg/min, com incrementos de 1 a 2 ng/kg/min a cada 5 a 15 minutos. Neste estudo, 30% dos pacientes foram considerados respondedores e a positividade aguda foi preditiva da resposta prolongada com o uso dos BCCa. Sitbon ?????., em 1995, realizaram estudo semelhante, no qual 37% de seus 35 pacientes apresentaram resposta favorável ao epoprostenol (2,5 a 10 ng/kg/min), definida por redução na RVP > 30%.(12)

Com o acúmulo progressivo da experiência com o uso do NO em diferentes situações clínicas ocorrido na década de 1990, diversos investiga-dores descreveram os efeitos agudos deste gás medicinal nos pacientes com HAP. Em 1998, Sitbon et al. relataram os resultados do uso de NO por via inalatória (máscara facial) na concentração de 10 ppm em 33 pacientes com HAP idiopática.(8) Uma resposta vasodilatadora significativa, definida por queda na pressão média da AP e na RVP > 20%, foi observada em 10 pacientes, 9 dos quais também apresentaram resposta favorável ao uso dos BCCa. Os não respondedores ao NO também não apresentaram resposta aos BCCa. Entretanto, como neste último grupo houve 9 eventos adversos sérios associados ao uso dos BBCa, sugeriu-se que o teste agudo de vasodilatação teria melhor perfil de segurança com o NO devido a sua ação seletiva na vasculatura pulmonar. No mesmo ano, Ricciardi ??
??. relataram os resultados do uso agudo do NO em 17 pacientes com HAP idiopática antes do teste clássico com nifedipina.(13) A resposta positiva foi definida por queda > 20% na pressão média da AP ou na RVP. Sete pacientes responderam à admi-nistração de NO e também de nifedipina, enquanto que 9 dos 10 pacientes não respondedores à NO também não responderam à nifedipina. Tais padrões de resposta caracterizam a alta correlação existente entre os efeitos dos dois agentes. Entretanto, corroborando os resultados de Sitbon, sérios eventos adversos foram observados com o uso da nifedipina, incluindo um óbito.

Em um estudo recente, Opitz ?????. compararam as respostas agudas do uso do iloprost inalatório e do endovenoso, do epoprostenol e do oxigênio inalatório.(14) Os efeitos observados do iloprost inalatório foram redução significativa da RVP e da pressão média da AP, sem resultar em vasodilatação sistêmica, sugerindo uma resposta mais seletiva e semelhante à decorrente do uso do NO. Este agente provavelmente terá papel importante no teste agudo de reatividade vascular pulmonar.

COMENTÁRIOS

O teste da vasodilatação pulmonar com agentes de curta duração, preferencialmente o NO, deve ser empregado nos pacientes com HAP em situação clínica estável, sem insuficiência cardíaca congestiva grave, antes da introdução dos BCCa. Somente os pacientes com redução substancial da pressão na AP e/ou da RVP são candidatos a receber croni-camente os BCCa.

REFERÊNCIAS

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3. D'Alonzo GE, Barst RJ, Ayres SM, Bergofsky EH, Brundage BH, Detre KM, et al. Survival in patients with primary pulmonary hypertension. Results from a national prospective registry. Ann Intern Med. 1991;115(5):343-9.
4. Sitbon O, Humbert M, Nunes H, Parent F, Garcia G, Herve P, et al. Long-term intravenous epoprostenol infusion in primary pulmonary hypertension: prognostic factors and survival. J Am Coll Cardiol. 2002;40(4):780-8.
5. Rich S, Kaufmann E, Levy PS. The effect of high doses of calcium-channel blockers on survival in primary pulmonary hypertension. N Engl J Med. 1992;327(2):76-81.
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11. Groves BM, Badesch DB, Turkevich D. Correlation of acute prostacyclin response in primary (unexplained) pulmonary hypertension with efficacy of treatment with calcium channel blockers and survival. In: Weir K, editor. Ion flux in pulmonary vascular control. New York, NY: Plenum Press; 1993. p.317-30.
12. Sitbon O, Brenot F, Denjean A, Bergeron A, Parent F, Azarian R, et al. Inhaled nitric oxide as a screening vasodilator agent in primary pulmonary hypertension: a dose response study and comparison with prostacyclin. Am J Respir Crit Care Med. 1995;151(2 Pt 1):384-9.
13. Ricciardi MJ, Knight BP, Martinez FJ, Rubenfire M. Inhaled nitric oxide in primary pulmonary hypertension: a safe and effective agent for predicting response to nifedipine. J Am Coll Cardiol. 1998;32(4):1068-73.
14. Opitz CF, Wensel R, Bettman M, Schaffarczyk R, Linscheid M, Hetzer R, et al. Assessment of the vasodilator response in primary pulmoanry hypertension: Comparing prostacyclin and iloprost administered by either infusion or ihalation. Eur Heart J. 2003;24(4):356-65.

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