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Cartas ao Editor

Dispositivos intra-traqueais: próteses ou órteses?

Intratracheal stent: prosthesis or orthesis?

Ricardo Mingarini Terra, Helio Minamoto, Fabio Biscegli Jatene

Caro editor:

Nos últimos anos observamos, em nosso ambulatório de doenças traqueais, aumento no número de pacientes com estenoses longas ou com condição clínica precária, ou seja, não candidatos a tratamento cirúrgico. O tubo-T de silicone e outros dispositivos intra-traqueais sejam de silicone ou metálicos autoexpansíveis, vieram atender a este grupo de pacientes. Com o aumento da demanda, aumentou também a experiência com o uso destes dispositivos e, por conseguinte, as dúvidas quanto a indicações, modelos e técnicas. Apesar da efervescência intelectual, a literatura nacional é pobre neste tema, observamos que dúvidas elementares como terminologia ainda não estão resolvidas. A denominação em inglês para tais dispositivos é prosthesis ou stent, porém, em português existe discordância entre especialistas quanto à denominação correta, seria prótese ou órtese?

Na busca pelo termo mais adequado tivemos a oportunidade de conhecer o interessantíssimo trabalho do Prof. Joffre Rezende, professor emérito da Universidade Federal de Goiás e autor do livro Linguagem Médica.(1) Observamos que esta dúvida também afligia outras especialidades e o Prof. Rezende já havia escrito sobre o tema, segue um trecho de seu artigo:

"Prótese e próstese são duas palavras de origem grega, formadas com o mesmo tema, thésis, do verbo títhemi, colocar, acrescentar. Diferem entre si quanto ao prefixo pró- ou prós-. Pró- tem o sentido de "na frente", "diante de", e prós- "junto a", "sobre", "próximo". Em grego clássico também já havia, pré-formados, os termos próthesis e prósthesis, o primeiro na acepção de "colocação à frente", "diante de" e o segundo no sentido de acréscimo, adição. A diferença semântica dos prefixos pró- e prós- não se manteve nas traduções para as línguas modernas e os dois tornaram-se formas variantes de uma mesma palavra.

Nas línguas modernas, a forma prothèse foi primeiramente empregada em francês, em 1695. Do francês prothèse passou para as demais línguas neolatinas com as adaptações próprias a cada idioma.

Órtese, apesar da semelhança com prótese, tem etimologia muito diversa. Órtese é oriundo da palavra grega orthósis, formada, por sua vez, de orthós, reto, direito, e o sufixo -sis. Este sufixo grego expressa ação, estado ou qualidade. Orthósis, no caso, é a ação de endireitar, de tornar reto, retificar.

A alteração gráfica de orthose para orthèse ocorreu em francês arbitrariamente, a partir de 1975, sem nenhuma razão que a justificasse. Do francês estendeu-se a outros idiomas. Em português o acento tônico deslocou-se para a primeira sílaba, de que resultou órtese. É provável que a substituição de orthose por orthèse, em francês, tenha se operado por analogia com prothèse."(2)

Ainda não nos parecia claro que dispositivos traqueais devessem ser considerados próteses, já que não substituem a traquéia. Por outro lado, o termo órtese também deixou de nos parecer adequado uma vez que o objetivo de tais dispositivos não é exatamente retificar a traquéia. Optamos por consultar pessoalmente o Prof. Rezende e expor nossa dúvida:

"A maior confusão deriva de uma equivocada interpretação do verdadeiro significado de órtese. Os melhores dicionários da língua portuguesa, como o Aurélio, o Houaiss,(3) e o dicionário de termos médicos de Luis Rey,(4) averbam unicamente ortose; não se referem à órtese. Também em inglês, no paradigma dos dicionários médicos, que é o Dorlands,(5) só encontramos orthosis. Orthosis (ortose) é definido em todos os léxicos, desde sua origem e em todos os idiomas, como um termo de Ortopedia, usado para designar qualquer aparelho de uso externo destinado a corrigir deformidades, congênitas ou adquiridas, ou dificuldades de sustentação do corpo, tais como talas, coletes, muletas, cadeiras ortopédicas etc.

Prótese designava, de início, unicamente a substituição de um órgão ou parte dele por um sucedâneo artificial. Com o avanço tecnológico na área médica, surgiram novos recursos para correção de defeitos anatômicos ou deficiências funcionais que utilizam dispositivos especiais que não se enquadram na definição original de prótese ou de órtese (ortose). Seria necessário criar-se um novo termo para esta terceira modalidade de dispositivos.

Entretanto, ocorreu um fenômeno que é comum em todos os idiomas, que é o da extensão semântica, segundo o qual uma palavra já existente na língua, amplia o seu significado ou adquire um novo significado, sem excluir o anterior. É o que se verifica com o termo prótese. No Aurélio já são registradas duas acepções:1) Cir. Substituto artificial de um órgão ou parte dele. 2) Qualquer aparelho que auxilie ou aumente uma função natural.

É inteiramente falsa a dicotomia prótese/órtese, que conduz à errônea idéia de que o que não é prótese é órtese. Concluindo, entendo que cânulas, tubos, moldes, stents e outros dispositivos destinados a melhorar ou corrigir um déficit funcional devem ser considerados também como próteses; jamais como órteses."

Concluimos, portanto, que devem ser chamados genericamente de próteses traqueais todos os dispositivos intra-traqueais utilizados para manutenção da luz traqueal, sejam estes: Tubo-T, próteses de silicone ou metálicas autoexpansíveis.

REFERÊNCIAS

1. Rezende JM. Linguagem médica, 3a ed. Goiânia: AB Editora, 2004.
2. Rezende JM. Prótese, próstese e órtese. Rev Patol Trop. 2006;35(1):71-2.
3. Houaiss A, Villar MS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. 2001.
4. Rey L. Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan SA.1999.
5. Dorland's Illustrated Medical Dictionary, 28a ed Philadelphia: W.B. Saunders; 1994.
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1. Aluno de pós-graduação; Médico Assistente do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo (SP) Brasil.
2. Doutor; Médico Assistente do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo (SP) Brasil.
3. Professor Titular; Diretor do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - São Paulo (SP) Brasil.


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