Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
10805
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Correlação dos achados tomográficos com parâmetros de função pulmonar na fibrose pulmonar idiopática em não fumantes

Correlation of tomographic findings with pulmonary function parameters in nonsmoking patients with idiopathic pulmonary fibrosis

Agnaldo José Lopes, Domenico Capone, Roberto Mogami, Daniel Leme da Cunha, Pedro Lopes de Melo, José Manoel Jansen

ABSTRACT

Objective: To correlate tomographic findings with pulmonary function parameters in patients with idiopathic pulmonary fibrosis (IPF). Methods: A cross-sectional study was carried out, in which 30 nonsmoking patients with IPF were evaluated. Using a semiquantitative scoring system, the following high-resolution computerized tomography (HRCT) findings were quantified: total interstitial disease (TID), reticular abnormality/honeycombing, and ground-glass opacity (GGO). The functional variables were measured by spirometry, forced oscillation technique (FOT), helium dilution method, as well as the single-breath method of measuring diffusion capacity of the lung for carbon monoxide (DLCO). Results: Of the 30 patients studied, 18 were female, and 12 were male, with a mean age of 70.9 years. We found that TID and reticular abnormality and honeycombing correlated significantly (negative correlations) with the measurements of forced vital capacity (FVC), total lung capacity (TLC), DLCO, and dynamic respiratory compliance were found, as well as that GGO correlated significantly (and positively) with residual volume/TLC. The ratio of forced expiratory flow between 25 and 75% of FVC to FVC (FEF25-75%/FVC) correlated positively with TID, reticular abnormality/honeycombing, and GGO. Conclusion: In IPF patients, the measurements of volume, diffusion, and dynamic compliance are the physiological variables which best reflect the extent of the interstitial disease on HRCT scans.

Keywords: Lung diseases, interstitial; Pulmonary fibrosis; Tomography, X-ray computed; Respiratory function tests.

RESUMO

Objetivo: Correlacionar os achados tomográficos com os parâmetros de função pulmonar em portadores de fibrose pulmonar idiopática (FPI). Métodos: Foi realizado um estudo de corte transversal, em que foram avaliados 30 pacientes não tabagistas, portadores de FPI. Utilizando um sistema de escore semiquantitativo, os seguintes achados na tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) foram quantificados: extensão total da doença intersticial (Tot), infiltrado reticular e faveolamento (Ret+Fav), e opacidade em vidro fosco (Vif). As variáveis funcionais foram mensuradas através de espirometria, técnica de oscilações forçadas (TOF), método da diluição com hélio e método da respiração única para medir a capacidade de difusão do monóxido de carbono (DLCO). Resultados: Dos 30 pacientes estudados, 18 eram mulheres e 12 eram homens, com média de idade de 70,9 anos. Foram encontradas correlações significativas de Tot e Ret+Fav com as medidas de capacidade vital forçada (CVF), capacidade pulmonar total (CPT), DLCO e complacência dinâmica do sistema respiratório (correlações negativas), e de Vif com volume residual/CPT (correlação positiva). A relação fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% da CVF/CVF (FEF25-75%/CVF) correlacionou-se positivamente com Tot, Ret+Fav e Vif. Conclusões: Em portadores de FPI, as medidas de volume, difusão e complacência dinâmica são as variáveis fisiológicas que melhor refletem a extensão da doença intersticial na TCAR.

Palavras-chave: Doenças pulmonares intersticiais; Fibrose pulmonar; Tomografia computadorizada por raios X; Testes de função respiratória.

Introdução

A fibrose pulmonar idiopática (FPI) é uma doença intersticial crônica fibrosante e, por definição, de etiologia desconhecida, limitada ao pulmão. É classificada como uma das formas de pneumonia intersticial idiopática, sendo caracterizada pelo padrão histológico de pneumonia intersticial usual (PIU).(1)

Na prática pneumológica, são os métodos de imagem e as provas de função respiratória os exames mais freqüentemente utilizados na condução dos casos de FPI. A biópsia pulmonar cirúrgica, embora seja essencial para a definição do diagnóstico de PIU, é método invasivo e, por isso, não está indicada durante o acompanhamento e avaliação da resposta terapêutica; além do mais, a região examinada pode não representar a anatomopatologia dos pulmões como um todo, o que dificulta os estudos de correlação.(1-3) Assim, tendo em vista o uso rotineiro dos exames radiológicos e dos testes de função pulmonar, é fundamental que se determine a correlação entre esses dois métodos.

Desde a década de 1960, os resultados obtidos por métodos de imagem vêm sendo correlacionados com os alcançados por meio da função pulmonar. Inicialmente, a radiografia de tórax foi utilizada nesse tipo de estudo; entretanto, não se observou boa correlação entre o grau de extensão do envolvimento radiológico e a intensidade do distúrbio funcional na FPI.(4)

Outro método radiológico utilizado para correlação com a função pulmonar é a tomografia computadorizada do tórax de alta resolução (TCAR). Desde o seu surgimento, ela foi reconhecida como ferramenta importante na avaliação da FPI e, hoje, é considerada o melhor método para avaliar a extensão do acometimento pulmonar.(5) Isto estimulou a realização de estudos com o intuito de avaliar a correlação entre a extensão da doença intersticial e as anormalidades funcionais. Entretanto, devido à inclusão de portadores de doenças ocupacionais e do tecido conjuntivo, bem como de indivíduos fumantes e ex-fumantes nestas amostras, houve grande variabilidade nos resultados.(6-10) Alguns destes trabalhos e consensos internacionais enfatizam a marcante influência do enfisema na interpretação dos testes de função pulmonar, ressaltando sua interferência no estudo das correlações.(1,6,7)

Portanto, nosso objetivo foi o de correlacionar a imagem com a função pulmonar em portadores de FPI, não tabagistas. Para tal, utilizamos a TCAR e vários métodos de exame para a análise mais detalhada da função pulmonar, incluindo espirometria, técnica de oscilações forçadas (TOF), método da diluição com hélio e método da respiração única para medir a capacidade de difusão do monóxido de carbono (DLCO).

Métodos

De março de 2005 a novembro de 2006, foi realizado um estudo descritivo, de corte transversal, em que foram avaliados 41 pacientes não tabagistas com diagnóstico de FPI. A participação desses pacientes ocorreu após a ciência quanto ao objetivo do estudo e com o consentimento prévio, de acordo com as normas éticas vigentes. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Considerando os objetivos do estudo, foi adotado como critério de inclusão a presença de biópsia pulmonar cirúrgica compatível com o diagnóstico de PIU. Na ausência de material histopatológico, o doente só era elegível para a inclusão no estudo caso apresentasse todos os critérios maiores e pelo menos três menores, conforme segue(1,11):

 Critérios maiores: exclusão de doenças conhecidas que podem acometer o pulmão de forma semelhante, como as afecções do colágeno e a exposição ambiental e a medicamentos; função pulmonar com restrição e/ou alteração na troca gasosa; TCAR com infiltrado bibasal e 'pouco' vidro fosco; biópsia transbrônquica ou lavado broncoalveolar excluindo outras enfermidades conhecidas.
 Critérios menores: idade acima de 50 anos; dispnéia de início insidioso sem causa aparente; duração da doença por mais de três meses; estertores bibasais do tipo velcro.

Foram excluídos os pacientes tabagistas e ex-tabagistas, os portadores de asma brônquica, e aqueles com história prévia de outra doença pleuropulmonar ou insuficiência cardíaca congestiva.

Utilizaram-se os seguintes instrumentos para a avaliação clínica, radiológica e funcional:
a) Protocolo sistemático de avaliação clínica, incluindo exame físico e uma anamnese detalhada dos antecedentes ocupacionais e das exposições no ambiente doméstico,
Correlação dos achados tomográficos com parâmetros de função pulmonar na fibrose pulmonar idiopática em não fumantes especialmente quanto a poeiras inorgânicas e a ambientes propícios à exposição a inalantes orgânicos. Também foi utilizado um questionário dirigido para a inclusão dos pacientes, com perguntas relativas a tempo de diagnóstico, tratamento da doença, sintomas respiratórios e co-morbidades. Através deste instrumento, a dispnéia foi graduada com base na escala da American Thoracic Society.(12)

b) Teste de função pulmonar constituído por TOF, espirometria, método de diluição com hélio e método de respiração única para a DLCO. A TOF foi realizada por meio de um analisador de impedância, tendo sido avaliados os seguintes parâmetros: resistência no intercepto (R0), slope (inclinação) do componente resistivo da impedância (S), resistência média relacionada a vias aéreas (Rm) e complacência dinâmica do sistema respiratório (Crs,dyn).(13) Os demais testes foram realizados no sistema Collins Plus Pulmonary Function Testing Systems (Warren E. Collins, Inc., Braintree, MA, EUA) e seguiram a padronização e interpretação da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(14) Foram adotadas as equações de Pereira (espirometria) e as de Neder (volumes pulmonares estáticos e difusão) na interpretação dos seguintes parâmetros(15-17):
 espirometria: capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), relação VEF1/CVF, fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% da CVF (FEF) e relação FEF/CVF;25-75%25-75%
 método de diluição com hélio: volume residual (VR), capacidade pulmonar total (CPT) e relação VR/CPT;
 método da respiração única para medir DLCO.

c) TCAR, com a seguinte técnica: aparelho GE, modelo HISPEED; cortes com espessura de 1,0 mm, intervalo de tempo de 1,5 s e incremento de 10 mm; reconstrução da imagem com matriz de 512 × 512 pontos, utilizando-se algoritmo de alta resolução; largura de janela de 1000 UH; nível médio de janela de -700 UH. A interpretação dos achados tomográficos foi feita de forma consensual entre quatro radiologistas com grande experiência em doença intersticial; na ausência de material histológico, aceitou-se o diagnóstico de

FPI pela TCAR apenas mediante a concordância de todos os leitores e o preenchimento dos critérios clínicos e funcionais acima descritos. Inicialmente, a TCAR foi analisada de forma geral (sem considerar níveis de corte), procurando-se os seguintes achados: nódulos, opacidades em vidro fosco, infiltrado reticular, faveolamento (cistos <3 mm e >3 mm), bronquiectasias de tração, áreas de aprisionamento de ar e enfisema.(18,19) Posteriormente, a TCAR foi avaliada quanto à extensão e intensidade do envolvimento pulmonar intersticial, considerando-se cinco níveis de corte: 1) origem dos grandes vasos; 2) croça da aorta; 3) carina; 4) confluência das veias pulmonares; e 5) 1 cm acima do diafragma direito.(6,19-21) Através de um sistema de avaliação semiquantitativa, cada um desses níveis (direito e esquerdo, separadamente, totalizando 10 níveis) foi analisado quanto aos seguintes aspectos:

 Escore de extensão total da doença intersticial (Tot) (incluindo infiltrado reticular, faveolamento, vidro fosco e outras alterações):
0) nenhuma alteração;
1) doença intersticial envolvendo =5% da área;
2) doença intersticial envolvendo 6 a 25% da área;
3) doença intersticial envolvendo 26 a 49% da área;
4) doença intersticial envolvendo 50 a 75% da área; e
5) doença intersticial envolvendo >75% da área.(10,22,23)

 Escore de extensão do infiltrado reticular e faveolamento (Ret+Fav):
0) nenhum infiltrado reticular ou faveolamento;
1) infiltrado reticular sem nenhum faveolamento;
2) faveolamento (com ou sem infiltrado reticular) envolvendo <25% da área;
3) faveolamento envolvendo 25 a 49% da área;
4) faveolamento envolvendo 50 a 75% da área; e
5) faveolamento envolvendo >75% da área.(10,22,23)

 Escore de extensão do vidro fosco (Vif):
0) nenhum vidro fosco;
1) vidro fosco envolvendo =5% da área;
2) vidro fosco envolvendo 6 a 25% da área;
3) vidro fosco envolvendo 26 a 49% da área;
4) vidro fosco envolvendo 50 a 75% da área; e
5) vidro fosco envolvendo >75% da área. (10,22)

Para a análise dos dados da TCAR, a estimativa do envolvimento pulmonar foi obtida mediante a aplicação de um fator de influência ('peso') para corrigir as diferenças dos volumes pulmonares em cada nível, conforme se segue(19):

 origem dos grandes vasos - peso = 0,129;
 croça da aorta - peso = 0,190;
 carina - peso = 0,222;
 confluência das veias pulmonares - peso = 0,228; e
 1 cm acima do diafragma direito - peso = 0,230.

Ao final, somando-se os escores de cada nível, obteve-se os valores de Tot, Ret+Fav e Vif. Um exemplo da obtenção desses escores é mostrado na Figura 1.





Após a aplicação dos critérios clínicos e funcionais, a análise dos achados da TCAR e a revisão do material de biópsia pulmonar cirúrgica, 11 pacientes foram excluídos do estudo. Dessa forma, a amostra final constituiu-se de 30 pacientes portadores de FPI.

O programa estatístico utilizado foi o Statistica 5.01b (StatSoft, Inc., Tulsa, OK, EUA). Inicialmente, todas as variáveis foram analisadas de forma descritiva. Para as variáveis contínuas, essa análise foi feita através da observação dos valores mínimos e máximos e do cálculo de médias e desvios padrão; para as variáveis classificatórias, calcularam-se freqüências absolutas e relativas. Optou-se pelo uso do método paramétrico de Pearson no estudo das correlações entre os índices funcionais e os escores tomográficos, já que foi observada a distribuição normal de freqüência das variáveis. Neste trabalho, aceitou-se como resultados significantes aqueles com p = 0,05.

Resultados

As características clínicas da amostra estão demonstradas na Tabela 1. Dos 30 pacientes avaliados, 18 eram mulheres e 12 eram homens. A média de idade foi de 70,9 anos, variando de 51 a 93 anos. Em 15 dos 30 pacientes, o diagnóstico de FPI foi confirmado pela biópsia cirúrgica a céu aberto antemortem; nos demais, o diagnóstico foi estabelecido com base nos critérios da American Thoracic Society.(1)





A média e o desvio padrão dos índices de função pulmonar são descritos na Tabela 2. A síndrome restritiva foi diagnosticada em 26 pacientes da amostra (apenas quatro tinham CPT normal), sendo que, em 11 deles, havia fluxos normalizados por volume supranormais (relação FEF/CVF acima 25-75% de 150% do teórico).(15) Nenhum doente avaliado tinha limitação ao fluxo aéreo. A DLCO esteve abaixo do limite inferior da normalidade e abaixo de 40% do valor teórico em 29 e 17 doentes, respectivamente.





Com relação às alterações tomográficas, não observamos nódulos, áreas de aprisionamento de ar e lesões enfisematosas em nenhum dos exames, enquanto infiltrado reticular e faveolamento foram detectados em 30 e 26 casos, respectivamente. As opacidades em vidro fosco foram notadas em apenas 11 casos (36,7% da amostra) e, em todos eles, as áreas eram pouco extensas. A Tabela 3 mostra os principais achados tomográficos detectados nesse grupo de pacientes, assim como os valores das médias dos escores.





Os valores dos coeficientes de correlação linear entre os parâmetros de função pulmonar e os obtidos pelas análises tomográficas estão expressos na Tabela 4.





Na análise das 30 tomografias, os resultados foram melhores para as medidas de volume, complacência e difusão, que correlacionaram-se negativamente com os escores tomográficos. Em menor extensão, os fluxos expiratórios corrigidos (FEF/CVF) também apresentaram associação 25-75% com os escores avaliados (correlação positiva).

Discussão

Neste trabalho, muito cuidado foi tomado a fim de eliminar os efeitos do tabaco nos testes de função pulmonar. Para este fim, foram analisados apenas pacientes não tabagistas. Da mesma forma, excluímos os portadores de asma brônquica associada, pois a limitação ao fluxo aéreo é uma das características da doença. Para a análise da TCAR, utilizamos o método de interpretação e quantificação visual das lesões, já que este é o que mais se aproxima da nossa prática pneumológica.

Em nossos casos, observamos que o distúrbio restritivo teve freqüência de 86,7%, diferentemente da maioria dos estudos que, não excluindo os indivíduos fumantes e ex-fumantes, observaram volumes pulmonares relativamente preservados em parcela significativa de suas casuísticas.(24,25) Esta diferença se deve ao efeito do enfisema que, por aprisionar o ar e hiperinsuflar os pulmões, em última análise, pode mascarar o efeito da fibrose na diminuição dos volumes pulmonares.(1) Com relação aos fluxos normalizados por volume, é interessante notar a média extremamente alta da relação FEF/CVF observada nos portadores de FPI 25-75% (150,4% em relação ao valor teórico). A presença desse achado é fundamental, uma vez que tem relação importante com o prognóstico.(26)

A técnica de oscilações forçadas ainda não dispõe de valores de normalidade para a complacência dinâmica. Entretanto, a extensão do efeito da fibrose na Crs,dyn dos pacientes estudados pode ser facilmente avaliada, considerando a média encontrada no presente estudo (10 mL/cmH2O) e os valores médios em indivíduos normais, reportados anteriormente (40 mL/cmH2O).(27)

Outro dado de função pulmonar que chama a atenção é a medida da capacidade de difusão, que esteve abaixo de 40% do valor teórico em 56,7% dos casos. Recentemente, um estudo apresentou sistema de graduação da FPI baseado apenas na análise da função pulmonar. Neste trabalho, os autores estabeleceram um ponto de corte de 40% do teórico na DLCO para separar os pacientes com doença limitada daqueles com doença avançada, e sugeriram que, na presença desta última, o transplante de pulmão estaria formalmente indicado.(2)

Na FPI, nenhum outro exame trouxe tanto auxílio na avaliação diagnóstica quanto a TCAR, que permite a aquisição de imagens detalhadas, próximas à anatomia macroscópica. Sua acurácia é de quase 90% para o diagnóstico da enfermidade.(1,23)

Além de permitir o diagnóstico precoce, a técnica também ajuda a estreitar o diagnóstico diferencial e permite a avaliação da atividade de doença e da extensão do acometimento intersticial. Em pacientes com FPI, a extensão da fibrose na TCAR tem sido mostrada por ser um dos índices de maior confiabilidade para o prognóstico.(1,28) Em nossa casuística, observamos a presença de faveolamento e bronquietasias de tração em 86,7% e 90% dos casos, respectivamente, estando de acordo com outros trabalhos que diagnosticaram estas lesões em até 96% dos casos.(5,10) O padrão de vidro fosco foi achado menos freqüente e, quando notado, as áreas eram pouco extensas.

Na amostra estudada, o Tot e o Ret+Fav apresentaram as maiores correlações com as medidas de volume, cuja tradução fisiopatológica é o processo de remodelamento e distorção da arquitetura pulmonar. Entretanto, no presente trabalho, os coeficientes de correlação de volumes com Tot e Ret+Fav foram muito superiores aos alcançados por outros autores.(5,6,29) Considerando o fato de que esses investigadores não excluíram os fumantes de suas amostras, essa discrepância pode ser atribuída à influência do enfisema nos parâmetros funcionais, aumentando os volumes pulmonares e, com isso, diminuindo a força da correlação.(1)

Essa suposição também pode ser fundamentada na análise das correlações obtidas de Tot e Ret + Fav com a medida de Crs,dyn. A complacência citada representa as propriedades do sistema respiratório como um todo, incluindo a complacência pulmonar, que constitui a expressão mais fidedigna da alteração na mecânica pulmonar em pacientes com FPI sem a coexistência de enfisema. A Crs,dyn tem como expressão física a relação da variação de volume pela variação de pressão total no sistema respiratório (pressão alveolar subtraída pela pressão atmosférica). Representa, na prática, a facilidade com que o sistema respiratório, incluindo os pulmões e a parede torácica, alcança a CPT. Sabe-se que a redução de volume diminui tanto a complacência pulmonar quanto a da parede torácica, o que pode explicar, ao menos em parte, os resultados obtidos.(13) Uma vez que sua medida é feita por meio não-invasivo, a Crs,dyn representa elevado potencial na avaliação desses pacientes. demais, pelo nosso conhecimento, não há estudo na literatura correlacionando Crs,dyn com achados da TCAR em FPI.

O vidro fosco foi inicialmente relacionado ao conteúdo celular inflamatório, indicativo de atividade de doença; entretanto, mais recentemente, a lesão foi identificada em associação a áreas de fibrose septal pouco intensa ou de faveolamento com cistos muito pequenos, abaixo do limite de resolução da TCAR e, portanto, pode não refletir a atividade inflamatória.(1,30) A correlação significativa obtida entre o escore de extensão total do vidro fosco (Vif) e VR/CPT (correlação positiva) é difícil de explicar, uma vez que o aumento da relação VR/CPT não discrimina nada isoladamente, devendo ser interpretada considerando os parâmetros que a compõem. Vale ressaltar, entretanto, que, em fibroses intersticiais, o aumento dessa relação não implica necessariamente doença associada das vias aéreas.(14)

Nestes pacientes, todos os escores tomográficos avaliados correlacionaram-se positivamente com FEF 25-75%/CVF. Esse é um achado importante, uma vez que o aumento dessa relação é uma tradução fiel da maior pressão elástica exercida pelo tecido conjuntivo depositado anormalmente no parênquima, mantendo as vias aéreas abertas.

Na FPI, a DLCO é mais sensível do que outros testes de repouso, podendo estar diminuída mesmo quando os volumes estáticos ainda estão preservados; sua alteração reflete tanto a perda de volume sangüíneo capilar quanto o desequilíbrio entre ventilação e perfusão.(1) Conforme trabalhos prévios, observamos, nesta amostra, correlação significativa entre a medida de difusão e os escores de Tot e Ret+Fav.(6,8,10,26) Este dado mostra a importância do valor da difusão durante o seguimento da FPI, uma vez que, mesmo excluindo os portadores de enfisema, a medida manteve-se fortemente associada aos achados compatíveis com fibrose na TCAR.

É pertinente uma análise crítica dos resultados do presente estudo e de suas limitações. PIU é o padrão histológico que identifica pacientes com FPI. Entretanto, na amostra avaliada, metade dos pacientes não tinha material de biópsia cirúrgica disponível, fato este que exigiu a adoção de parâmetros clínicos, radiológicos e funcionais como critérios de inclusão ou exclusão. Outra limitação é o uso do escore semiquantitativo para avaliar a extensão das anormalidades na TCAR, embora trabalhos prévios tenham mostrado uma mínima variação inter-observador plenamente aceitável.(18) Além do mais, a TCAR, neste estudo, foi avaliada por quatro radiologistas experientes, o que aumenta a confiabilidade dos resultados.

Em conclusão, o presente estudo mostra que, em indivíduos portadores de FPI não fumantes, são as medidas de volume, difusão e complacência as variáveis fisiológicas que melhor refletem a extensão da doença na TCAR.

Agradecimentos

Agradecemos aos médicos que, de alguma forma, auxiliaram na realização deste trabalho: Alberto José da Araújo; André da Costa Furtado; Angela Santos Ferreira; Arnaldo José Noronha; Hermano Albuquerque de Castro; Isabela Cristina Torres de Mendonça; Jacyr Antônio Abbud Filho; Jaime da Cunha Barros; Lilian Pinto de Azevedo Oliveira; Luiz Augusto Alves Carneiro Vianna; Mara Negreiros Carvalho; Pedro Cezar Fagundes; Roger Abramino Levy; Rogério de Mattos Bártholo; Thaís Emanuele Leite Ribeiro; e Thiago Prudente Bártholo.


Referências

1. American Thoracic Society. Idiopathic pulmonary fibrosis: diagnosis and treatment. International consensus statement. American Thoracic Society (ATS), and the European Respiratory Society (ERS). Am J Respir Crit Care Med. 2000;161(2 Pt 1):646-64.

2. Egan JJ, Martinez FJ, Wells AU, Williams T. Lung function estimates in idiopathic pulmonary fibrosis: the potential for a simple classification. Thorax. 2005;60(4):270-3.

3. Webb WR, Müller NL, Naidich DP. Diseases characterized primarily by linear and reticular opacities. In: Webb WR, Müller NL, Naidich DP, editors. High-resolution CT of the lung. 2nd ed. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins; 1996. p. 109-48.

4. Staples CA, Müller NL, Vedal S, Abboud R, Ostrow D, Miller RR. Usual interstitial pneumonia: correlation of CT with clinical, functional, and radiologic findings. Radiology. 1987;162(2):377-81.

5. Lynch DA, Travis WD, Muller NL, Galvin JR, Hansell DM, Grenier PA, et al. Idiopathic interstitial pneumonias: CT features. Radiology. 2005;236(1):10-21.

6. Wells AU, King AD, Rubens MB, Cramer D, du Bois RM, Hansell DM. Lone cryptogenic fibrosing alveolitis: a functional-morphologic correlation based on extent of disease on thin-section computed tomography. Am J Respir Crit Care Med. 1997;155(4):1367-75. Erratum in: Am J Respir Crit Care Med 1997;156(2 Pt 1):676-7.

7. Xaubet A, Agusti C, Luburich P, Roca J, Monton C, Ayuso MC, et al. Pulmonary function tests and CT scan in the management of idiopathic pulmonary fibrosis. Am J Respir Crit Care Med. 1998;158(2):431-6.

8. Wells AU, Desai SR, Rubens MB, Goh NS, Cramer D, Nicholson AG, et al. Idiopathic pulmonary fibrosis: a composite physiologic index derived from disease extent observed by computed tomography. Am J Respir Crit Care Med. 2003;167(7):962-9.

9. Best AC, Lynch AM, Bozic CM, Miller D, Grunwald GK, Lynch DA. Quantitative CT indexes in idiopathic pulmonary fibrosis: relationship with physiologic impairment. Radiology. 2003;228(2):407-14.

10. Lynch DA, David Godwin J, Safrin S, Starko KM, Hormel P, Brown KK, et al. High-resolution computed tomography in idiopathic pulmonary fibrosis: diagnosis and prognosis. Am J Respir Crit Care Med. 2005;172(4):488-93.

11. Costabel U, King TE. International consensus statement on idiopathic pulmonary fibrosis. Eur Respir J. 2001;17(2):163-7.

12. Stulbarg MS, Adams L. Manifestations of respiratory disease. In: Murray JF, Nadel JA, editors. Textbook of respiratory medicine. 2nd ed. Philadelphia: WB Saunders; 1994. p.511-28.

13. Melo PL, Werneck MM, Giannella-Neto A. Avaliação de mecânica ventilatória por oscilações forçadas: fundamentos e aplicações clínicas. J Pneumol. 2000;26(4):194-206.

14. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Diretrizes para Testes de Função Pulmonar. J Pneumol. 2002;28(Supl 3):S1-S238.

15. Pereira CAC, Barreto SP, Simões JG, Pereira FWL, Gerstler JG, Nakatani J. Valores de referência para espirometria em uma amostra da população brasileira adulta. J Pneumol.1992;18(1):10-22.

16. Neder JA, Andreoni S, Castelo-Filho A, Nery LE. Reference values for lung function tests. I. Static volumes. Braz J Med Biol Res. 1999;32(6):703-17.

17. Neder JA, Andreoni S, Peres C, Nery LE. Reference values for lung function tests. III. Carbon monoxide diffusing capacity (transfer factor). Braz J Med Biol Res. 1999;32(6):729-37.

18. Collins CD, Wells AU, Hansell DM, Morgan RA, MacSweeney JE, du Bois RM, et al. Observer variation in pattern type and extent of disease in fibrosing alveolitis on thin section computed tomography and chest radiography. Clin Radiol. 1994;49(4):236-40.

19. Wells AU, Rubens MB, du Bois RM, Hansell DM. Serial CT in fibrosing alveolitis: prognostic significance of the initial pattern. AJR Am J Roentgenol. 1993;161(6):1159-65.

20. Chan TY, Hansell DM, Rubens MB, du Bois RM, Wells AU. Cryptogenic fibrosing alveolitis and the fibrosing alveolitis of systemic sclerosis: morphological differences on computed tomographic scans. Thorax. 1997;52(3):265-70.

21. Copley SJ, Wells AU, Sivakumaran P, Rubens MB, Lee YC, Desai SR, et al. Asbestosis and idiopathic pulmonary fibrosis: comparison of thin-section CT features. Radiology. 2003;229(3):731-6.

22. Kazerooni EA, Martinez FJ, Flint A, Jamadar DA, Gross BH, Spizarny DL, et al. Thin-section CT obtained at 10-mm increments versus limited three-level thin-section CT for idiopathic pulmonary fibrosis: correlation with pathologic scoring. AJR Am J Roentgenol. 1997;169(4):977-83.

23. Misumi S, Lynch DA. Idiopathic pulmonary fibrosis/usual interstitial pneumonia: imaging diagnosis, spectrum of abnormalities, and temporal progression. Proc Am Thorac Soc. 2006;3(4):307-14.

24. Cherniack RM, Colby TV, Flint A, Thurlbeck WM, Waldron JA Jr, Ackerson L, et al. Correlation of structure and function in idiopathic pulmonary fibrosis. Am J Respir Crit Care Med. 1995;151(4):1180-8.

25. Doherty MJ, Pearson MG, O'Grady EA, Pellegrini V, Calverley PM. Cryptogenic fibrosing alveolitis with preserved lung volumes. Thorax. 1997;52(11):998-1002.

26. Schwartz DA, Helmers RA, Galvin JR, Van Fossen DS, Frees KL, Dayton CS, et al. Determinants of survival in idiopathic pulmonary fibrosis. Am J Respir Crit Care Med. 1994;149(2 Pt 1):450-4.

27. Di Mango AM, Lopes AJ, Jansen JM, Melo PL. Changes in respiratory mechanics with increasing degrees of airway obstruction in COPD: detection by forced oscillation technique. Respir Med. 2006;100(3):399-410.

28. Churg A, Müller NL. Cellular vs fibrosing interstitial pneumonias and prognosis: a practical classification of the idiopathic interstitial pneumonias and pathologically/radiologically similar conditions. Chest. 2006;130(5):1566-70.

29. Wells AU, Hansell DM, Rubens MB, Cailes JB, Black CM, du Bois RM. Functional impairment in lone cryptogenic fibrosing alveolitis and fibrosing alveolitis associated with systemic sclerosis: a comparison. Am J Respir Crit Care Med. 1997;155(5):1657-64.

30. Lynch DA. Ground glass attenuation on CT in patients with idiopathic pulmonary fibrosis. Chest. 1996;110(2):312-3.
_______________________________________________________________________________________
* Trabalho realizado no Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
1. Doutor em Medicina pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
2. Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil. Professor da Universidade Gama Filho - UGF - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
3. Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
4. Médico em treinamento do Serviço de Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
5. Professor Adjunto do Instituto de Biologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
6. Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Agnaldo José Lopes. Rua José do Patrocínio, 290/405, Grajaú, CEP 20560-160, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Tel 55 21 2576 2030. E mail: phel.lop@uol.com.br
Recebido para publicação em 21/12/2006. Aprovado, após revisão, em 26/3/2007.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia