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Artigo Original

Alterações da pressão de pico inspiratório e do volume corrente fornecidos por reanimadores manuais com balão auto-inflável em função do fluxo de entrada de oxigênio utilizado

Alterations in peak inspiratory pressure and tidal volume delivered by manually operated self-inflating resuscitation bags as a function of the oxygen supply rate

Armando Carlos Franco de Godoy, Ronan José Vieira, Eduardo Mello De Capitani

ABSTRACT

Objective: To assess possible alterations in the tidal volume and peak inspiratory pressure delivered by seven models of manually operated self-inflating resuscitation bags as a function of the oxygen supply rate used. Methods: The resuscitation bags tested were the following: Oxigel, models A and B; CE Reanimadores; ProtecSolutions; Missouri; Axmed; and Narcosul. For the measurements, a wall oxygen flow meter, a flow meter/respirometer, a resuscitation bag, a sensor (Tracer 5 unit), and a test lung were connected. In addition, the Tracer 5 unit was connected to a notebook computer. Oxygen supply rates of 1, 5, 10, and 15 L/min were used. Results: The tidal volume delivered by the Oxigel model A resuscitation bag when receiving oxygen at a rate of 15 L/min was approximately 99% greater than that delivered when receiving oxygen at a rate of 1 L/min. Similarly, peak inspiratory pressure was approximately 155% greater. Under the same conditions, the tidal volume delivered by the Narcosul resuscitation bag was 48% greater, and peak inspiratory pressure was 105% greater. The remaining resuscitation bags tested showed no significant alterations in the tidal volume or peak inspiratory pressure delivered. Conclusions: Under the resistance and compliance conditions used, the resuscitation bags in which the oxygen inflow is directed to the interior of the bag had the patient valve stuck at the inspiratory position when receiving oxygen at a rate ≥ 5 L/min, significantly increasing the tidal volume and peak inspiratory pressure delivered. This did not occur with the resuscitation bags in which the oxygen inflow is directed to the exterior of the bag.

Keywords: Oxygen/administration & dosage; Resuscitation; Equipment and supplies; Pulmonary ventilation; Intensive care.

RESUMO

Objetivo: Determinar possíveis alterações do volume corrente e da pressão de pico inspiratório fornecidos por sete modelos de reanimador manual com balão auto-inflável em função do fluxo de entrada de oxigênio utilizado. Métodos: Os reanimadores testados foram: Oxigel,modelos A e B; CE Reanimadores; ProtecSolutions; Missouri; Axmed; e Narcosul. Para as aferições, acoplaram-se um fluxômetro de oxigênio de parede, um fluxômetro/respirômetro, um reanimador, um sensor (aparelho Tracer 5) e um pulmão-teste. Além disso, acoplou-se o aparelho Tracer 5 a um notebook. Utilizaram-se fluxos de entrada de oxigênio de 1, 5, 10 e 15 L/min. Resultados: O volume corrente fornecido pelo reanimador Oxigel modelo A ao receber 15 L/min de oxigênio foi aproximadamente 99% maior que o fornecido ao receber 1 L/min de oxigênio. Da mesma forma, a pressão de pico inspiratório foi 155% maior. Nas mesmas condições, o volume corrente fornecido pelo reanimador Narcosul foi 48% maior, e a pressão de pico inspiratório foi 105% maior. Os demais reanimadores testados não apresentaram alterações significativas do volume corrente e da pressão de pico inspiratório fornecidos. Conclusões: Nas condições de resistência e complacência utilizadas, os reanimadores em que o fluxo de entrada de oxigênio é direcionado diretamente ao interior do balão tiveram a válvula do paciente presa em posição de inspiração ao receberem um fluxo ≥ 5 L/min, aumentando significativamente o volume corrente e a pressão de pico inspiratório fornecidos. Isso não ocorreu nos reanimadores em que o fluxo de entrada de oxigênio é direcionado ao exterior do balão.

Palavras-chave: Oxigênio/administração & dosagem; Ressuscitação; Equipamentos e provisões; Ventilação pulmonar; Cuidados intensivos.

Introdução

Os reanimadores manuais com balão auto-inflável são aparelhos utilizados com a finalidade de fornecer volume de ar com pressão positiva a pacientes com necessidade de suporte ventilatório.(1-3)

Esses reanimadores podem ser divididos em duas partes principais: o conector do paciente e o balão (unidade compressível), sendo que neste há, em alguns modelos, um encaixe onde se pode acoplar um reservatório de oxigênio (Figura 1). O balão é a parte a ser comprimida pelo operador com a finalidade de determinar o volume a ser injetado no sistema respiratório do paciente. Na parte anterior do balão há o conector do paciente, onde se pode acoplar a máscara de reanimação ou o tubo endotraqueal. No interior do conector do paciente há uma válvula direcional de ar, denominada válvula do paciente, e há, em alguns modelos, uma válvula limitadora de pressão.



Para fazer um reanimador manual com balão auto-inflável funcionar, o operador comprime o balão, ocasionando uma pressão supra-atmosférica, e isso faz com que a válvula do paciente obstrua a saída do conector do paciente, direcionando o ar para o sistema respiratório. Concomitantemente, a válvula de entrada de ar se fecha, obstruindo a saída do ar na porção posterior do reanimador. Quando o operador descomprime o balão, este se rearma, formando uma pressão subatmosférica, e isso faz com que a válvula de entrada de ar se abra e aspire o ar ambiente e/ou o oxigênio vindo da entrada de oxigênio ou o ar contido no interior do reservatório de oxigênio, quando este está acoplado ao balão. Em sincronia, a válvula do paciente retrocede até esbarrar em um anteparo, o que permite a exalação do ar que foi injetado no aparelho respiratório.

Frente ao fato de que diferentes modelos podem apresentar diferentes desempenhos funcionais,(1-7) e considerando que não foram encontradas publicações avaliando o desempenho dos reanimadores manuais com balão auto-inflável para adultos fabricados e/ou comercializados no Brasil, aliado ao fato de que esses reanimadores encontram-se amplamente disponíveis e são largamente utilizados em serviços de saúde extra- e intra-hospitalares, pareceu-nos justificável realizar uma avaliação, em bancada, do desempenho desses reanimadores.

O objetivo deste trabalho foi determinar a ocorrência de possíveis alterações do volume corrente e da pressão de pico inspiratório fornecidos por sete modelos de reanimador manual com balão auto-inflável em função do fluxo de entrada de oxigênio utilizado.

Métodos

A coleta de dados foi realizada na Unidade Respiratória do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas no período de janeiro de 2006 a janeiro de 2007.

Foram utilizados um pulmão-teste (Vent Aid, TTL-49504; Michigan Instruments, Grand Rapids, MI, EUA), um aparelho de medida de mecânica respiratória (Tracer 5; Intermed, São Paulo, Brasil), um fluxomêtro de oxigênio de parede (Becton Dickinson, Franklin Lakes, NJ, EUA); um fluxômetro/respirômetro (953; Oxigel, São Paulo, Brasil) e um notebook com o software Wintracer, versão 3.3 beta (Intermed, São Paulo, Brasil). Foram testados sete modelos de reanimador manual com balão auto-inflável: Oxigel, modelos A e B; CE
Reanimadores (São Paulo, Brasil); ProtecSolutions (Welllington, Nova Zelândia); Missouri (Embu, Brasil); Axmed (São Paulo, Brasil); e Narcosul (Porto Alegre, Brasil).

Os reanimadores testados apresentam as seguintes características em relação à forma de fornecimento de oxigênio ao balão: fluxo paralelo à válvula de entrada de ar-ProtecSolutions; fluxo perpendicular à válvula de entrada de ar-CE Reanimadores, Missouri, Oxigel modelo B e Axmed-e fluxo direcionado diretamente ao interior do balão-Oxigel modelo A e Narcosul (Figura 2).

O teste consistiu em acoplar o fluxômetro de oxigênio de parede ao fluxômetro/respirômetro, e este, ao reanimador manual com balão auto-inflável, que, por sua vez, foi acoplado ao sensor do aparelho Tracer 5. Esse sensor foi então acoplado ao pulmão-teste, e o aparelho Tracer 5, ao notebook (Figura 3).





O pulmão-teste foi ajustado em complacência de 0,05 L/cmH2O e resistência de 20 cmH2O/L/s e ventilado por cada um dos reanimadores em freqüência de 12 ciclos/min, utilizando-se as duas mãos, durante 20 min em cada fluxo de entrada de oxigênio. Todos os reanimadores foram manipulados pela mesma pessoa, e os fluxos de entrada de oxigênio utilizados e a freqüência respiratória foram aferidos continuamente pelos aparelhos acoplados ao sistema de teste.

Durante as manipulações dos reanimadores, conferiu-se a mobilidade da válvula do paciente, e as variáveis volume corrente e pressão de pico inspiratório detectadas pelo aparelho Tracer 5 foram transferidas para o notebook. As médias e os desvios padrão foram calculados utilizando-se os programas BioEstat 3.0 e Excel XP, e aplicou-se o teste estatístico ANOVA.

Resultados

A Tabela 1 mostra as médias e os desvios padrão do volume corrente e da pressão de pico inspiratório fornecidos pelos sete modelos de reanimador manual com balão auto-inflável ao receberem fluxos de oxigênio de 1, 5, 10 e 15 L/min.



O volume corrente fornecido pelo reanimador Oxigel modelo A ao receber 15 L/min de oxigênio foi aproximadamente 99% maior que o fornecido ao receber 1 L/min de oxigênio. O volume corrente fornecido pelo reanimador Narcosul foi aproximadamente 48% maior nas mesmas condições (Tabela 1).

A pressão de pico inspiratório fornecida pelo reanimador Oxigel modelo A ao receber 15 L/min de oxigênio foi aproximadamente 155% maior que a fornecida ao receber 1 L/min de oxigênio. A pressão de pico inspiratório fornecida pelo reanimador Narcosul foi aproximadamente 105% maior nas mesmas condições (Tabela 1).

A Figura 4 mostra a alteração da pressão de pico inspiratório fornecida pelos reanimadores manuais auto-infláveis em função dos fluxos de entrada de oxigênio de 1 e 15 L/min durante o ciclo respiratório. Observa-se aumento da pressão de pico inspiratório fornecida pelos reanimadores Oxigel/modelo A e Narcosul ao receberem 15 L/min de oxigênio, o que não ocorreu nos outros modelos testados.




Observou-se que os reanimadores Oxigel modelo A e Narcosul tiveram a válvula do paciente presa em posição de inspiração ao receberam fluxos de oxigênio ≥ 5 L/min, o que não foi detectado nos demais modelos testados.

Discussão

O aumento do volume corrente e da pressão de pico inspiratório durante ventilação com um reanimador manual com balão auto-inflável pode ocasionar complicações como: barotraumas,(8,9) pneumotórax,(10,11) dilatação ou ruptura gástrica ou esofágica com formação de pneumoperitônio(12) e aspiração do conteúdo gástrico.(13) Essas complicações associadas a determinadas situações clínicas podem ser potencialmente fatais.(9)

Observou-se visualmente que os reanimadores manuais com balão auto-inflável em que o fluxo de entrada de oxigênio é direcionado diretamente ao interior do balão (Oxigel modelo A e Narcosul) tiveram a válvula do paciente presa em posição de inspiração ao receberem um fluxo de oxigênio ≥ 5 L/min.
Isso ocorreu nesses modelos em razão de o fluxo de entrada de oxigênio ser direcionado diretamente ao interior do balão, aumentando a pressão dentro desse dispositivo e fazendo com que a válvula do paciente fique presa em posição de inspiração. Dessa forma, o fluxo de entrada de oxigênio é direcionado diretamente ao interior do pulmão-teste, levando ao aumento do volume corrente e da pressão de pico inspiratório.

Nossos resultados mostraram que, ao receber um fluxo de oxigênio de 15 L/min, o reanimador Oxigel modelo A mantinha o fornecimento de fluxo de oxigênio ao pulmão-teste após a fase expiratória, com conseqüente fornecimento de volume gasoso desde o término da expiração até o início da próxima compressão do balão, ocasionando elevação da pressão de pico inspiratório e do volume corrente fornecidos ao pulmão-teste. Nessas condições, podia-se ventilar o pulmão-teste, mas a vazão de ar deixava de ser feita pela saída de ar do conector do paciente e passava a ser feita pela válvula de pressão (Figura 2). Caso não houvesse manipulação do balão, a pressão no interior do sistema reanimador/pulmão-teste subia para 40 cmH2O, valor em que a válvula de pressão se abre.

Os reanimadores manuais auto-infláveis em que o fluxo de entrada de oxigênio é direcionado à porção externa do balão (Oxigel modelo B, Missouri, CE Reanimadores, ProtecSolutions e Axmed) não apresentaram alteração do volume corrente e da pressão de pico inspiratório fornecidos em função do fluxo de entrada de oxigênio utilizado, pois o fluxo de entrada de oxigênio utilizado não é direcionado ao interior do balão e, sendo assim, não afeta o desempenho da válvula do paciente.

Como pode ocorrer variação no funcionamento dos reanimadores manuais com balão auto-inflável em função do fluxo de entrada de oxigênio utilizado, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas devem adequar esse fluxo de entrada para que o equipamento funcione sem oferecer riscos ao paciente.

Durante a realização do teste, a freqüência respiratória empregada em cada reanimador foi de 12 ciclos/min utilizando-se as duas mãos, pois esse é o modo freqüentemente empregado durante as ventilações com o reanimador.(8,9,11,14)

Nas condições de resistência e complacência utilizadas, os reanimadores em que o fluxo de entrada de oxigênio é direcionado diretamente ao interior do balão tiveram a válvula do paciente presa em posição de inspiração ao receberem um fluxo de oxigênio ≥ 5 L/min, alterando o volume corrente e a pressão de pico inspiratório fornecidos. Isso não ocorreu nos modelos em que o fluxo de entrada de oxigênio é direcionado à porção externa do balão.

Referências

1. Maxwell LJ, Ellis ER. The effect on expiratory flow rate of maintaining bag compression during manual hyperinflation. Aust J Physiother. 204;50(1):47-9.

2. Tibballs J, Carter B, Whittington N. A disadvantage of self-inflating resuscitation bags. Anaesth Intensive Care. 2000;28(5):587.

3. Bennett S, Finer NN, Rich W, Vaucher Y. A comparison of three neonatal resuscitation devices. Resuscitation. 2005;67(1):113-8.

4. Carter BG, Fairbank B, Tibballs J, Hochmann M, Osborne A. Oxygen delivery using self-inflating resuscitation bags. Pediatr Crit Care Med. 2005;6(2):125-8.

5. Stemp LI. Manual resuscitators and spontaneous ventilation--an evaluation. Crit Care Med. 1992;20(10):1496.

6. Smith G. Problems with mis-assembly of adult manual resuscitators. Resuscitation. 2002;53(1):109-11.

7. Mazzolini DG Jr, Marshall NA. Evaluation of 16 adult disposable manual resuscitators. Respir Care. 2004;49(12):1509-14.

8. Strange C. Pleural complications in the intensive care unit. Clin Chest Med. 1999;20(2):317-27.

9. Cooper RM, Grgas S. Fatal barotrauma resulting from misuse of a resuscitation bag. Anesthesiology. 2000;93(3):892-3.

10. Olver JJ, Pope R. Potential hazard, with silicone resuscitators. Anaesthesia. 1984;39(9):933-4.

11. Chen KY, Jerng JS, Liao WY, Ding LW, Kuo LC, Wang JY, et al. Pneumothorax in the ICU: patient outcomes and prognostic factors. Chest. 2002;122(2):678-83.

12. Barnes TA, Catino ME, Burns EC, Chan WK, Ghazarian G, Henneberg WR, et al. Comparison of an oxygen-powered flow-limited resuscitator to manual ventilation with an adult 1,000-mL self-inflating bag. Respir Care. 2005;50(11):1445-50.

13. Zecha-Stallinger A, Wenzel V, Wagner-Berger HG, von Goedecke A, Lindner KH, Hörmann C. A strategy to optimise the performance of the mouth-to-bag resuscitator using small tidal volumes: effects on lung and gastric ventilation in a bench model of an unprotected airway. Resuscitation. 2004;61(1):69-74.

14. Turki M, Young MP, Wagers SS, Bates JH. Peak pressures during manual ventilation. Respir Care. 2005;50(3):340-4.



Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
1. Fisioterapeuta do Serviço de Emergência. Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
2. Chefe do Serviço de Emergência. Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
3. Chefe do Departamento de Doenças Pulmonares. Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Armando Carlos Franco de Godoy. Rua Hercules Florence, 100, apto. 23, Botafogo, CEP 13020-170, Campinas, SP, Brasil.
Tel 55 19 9740-3476. E-mail: armandogodoy@ig.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 13/11/2007. Aprovado, após revisão, em 30/1/2008.

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