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Artigo Original

Ansiedade e depressão em pacientes com asma: impacto no controle da asma

Anxiety and depression in asthma patients: impact on asthma control

Aline Arlindo Vieira, Ilka Lopes Santoro, Samir Dracoulakis, Lilian Ballini Caetano, Ana Luisa Godoy Fernandes

ABSTRACT

Objective: There is evidence that asthma is associated with an increase in psychiatric symptoms and mental disorders. This association can make it difficult to achieve asthma control. The purpose of this study was to determine whether the level of asthma control is associated with anxiety and depression. Methods: A cross-sectional study involving 78 patients with confirmed moderate or severe asthma and under regular treatment at the Asthma Outpatient Clinic of the Federal University of São Paulo Hospital São Paulo, in the city of São Paulo, Brazil. The patients were divided into two groups by asthma control status, as assessed by the asthma control test, and were subsequently compared in terms of demographic, clinical, and spirometric data, as well as scores for asthma quality of life and hospital anxiety/depression. Results: The sample was predominantly female. Of the 78 patients, 49 (63%) were classified as having uncontrolled asthma. The prevalence of anxiety and of anxiety+depression was significantly higher among patients with uncontrolled asthma than among those with controlled asthma (78% and 100%; p = 0.04 and p = 0.02, respectively), whereas there were no differences between the two groups in terms of the prevalence of depression, spirometry results, or quality of life score. Conclusions: In this sample, the prevalence of anxiety symptoms was higher in the patients with uncontrolled asthma than in those with controlled asthma.In the evaluation of asthma patients, the negative impact of mood states ought to be taken into consideration when asthma control strategies are being outlined.

Keywords: Asthma; Anxiety; Depression; Cross-sectional studies.

RESUMO

Objetivo: Existem evidências da associação entre asma e sintomas psiquiátricos e transtornos mentais. Essa associação pode resultar em dificuldades de se atingir o controle da asma. O objetivo deste estudo foi avaliar a associação de ansiedade e depressão com o controle da asma. Métodos: Estudo transversal com 78 pacientes asmáticos com diagnóstico confirmado de asma moderada a grave e regularmente tratados no Ambulatório de Asma do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP). Os pacientes foram divididos em dois grupos em relação ao status de controle de asma, determinado através do teste de controle da asma, e, posteriormente, comparados em termos de dados demográficos, clínicos e espirométricos, escore do questionário de qualidade de vida para asma e escore da escala hospitalar de ansiedade e depressão. Resultados: A maioria era do sexo feminino. Dos 78 pacientes, 49 (63%) foram classificados como tendo asma não controlada. A prevalência de ansiedade e do binômio ansiedade/depressão foi significantemente maior entre os pacientes não controlados do que nos controlados (78% e 100%; p = 0,04 e p = 0,02, respectivamente), enquanto nem prevalência de depressão, nem os dados espirométricos ou de qualidade de vida diferiram entre os grupos. Conclusões: Nesta amostra, os pacientes com asma não controlada apresentaram uma maior prevalência de sintomas de ansiedade que aqueles com asma controlada. Na avaliação de pacientes asmáticos, deve-se considerar o impacto negativo dos distúrbios de humor nas estratégias de controle da asma.

Palavras-chave: Asma; Ansiedade; Depressão; Estudos transversais.

Introdução

A asma é uma das doenças crônicas mais comuns em todo o mundo. O conceito de controle da asma foi claramente definido na revisão mais recente das diretrizes da Global Initiative for Asthma (GINA). Esse conceito engloba a gravidade da asma, a educação em asma e o manejo da terapia medicamentosa com base em uma abordagem step-up ou step-down. O acesso a tratamento eficaz permite que a asma seja bem controlada na maioria dos pacientes.(1,2) Quando não controlada, a asma pode limitar seriamente as atividades de vida diária e até ser fatal.(1) Embora esforços impressionantes tenham sido feitos para melhorar o cuidado com a asma na última década, a asma continua a ser mal controlada em um número considerável de pacientes.(1-3)

O Asthma Control Test (ACT) é uma das ferramentas que foram desenvolvidas para quantificar o status de controle da asma. O ACT foi formulado para avaliar a natureza multidimensional da asma.(4) Muitos fatores contribuem para a falta de controle adequado. Um desses fatores, os transtornos psiquiátricos, tem sido estudado como um fator modulador da asma não controlada.(5-8)

Os transtornos psiquiátricos, principalmente a ansiedade e a depressão, têm sido associados à asma.(9-13) Tanto os pacientes asmáticos quanto os pacientes com ansiedade apresentam um comportamento defensivo; aqueles, em virtude do seu estilo repressivo de enfrentamento, podem ter uma capacidade diminuída para perceber os sintomas da asma, um pré-requisito necessário para seguir um plano de ação pessoal para a asma, enquanto estes podem ter uma percepção mais aguçada de seus sintomas.(6,14) Portanto, a presença de ansiedade ou depressão pode afetar os resultados de um questionário multidimensional autoaplicável como o ACT.

Em virtude das considerações acima, o presente estudo teve como objetivo avaliar a associação de ansiedade e depressão com o status de controle da asma, determinado pelo ACT, em pacientes em tratamento regular para asma moderada ou grave.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal realizado no Ambulatório de Asma do Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP), o qual é um hospital terciário. Esse ambulatório tem um programa sob medida para pacientes asmáticos o qual consiste em educação em asma e terapia medicamentosa, de acordo com as diretrizes da GINA de 2006.(1) O protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da instituição, sob o parecer nº 1375/06, e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os critérios de inclusão foram ter diagnóstico confirmado de asma moderada ou grave,(1) ter idade ≥ 18 anos e estar em acompanhamento ambulatorial há mais de seis meses.(15)

Foram selecionados 82 pacientes, 4 dos quais foram excluídos: 2 por se recusarem a participar e 2 por dados incompletos. Portanto, 78 pacientes completaram o estudo.

Foram coletados dados demográficos (idade e sexo), dados clínicos (medicação de manutenção utilizada há mais de um mês) e dados espirométricos (VEF1, CVF e relação VEF1/CVF antes e após o uso de um 2-agonista inalatório de curta duração). A espirometria foi realizada de acordo com as diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.(16) Os pacientes também foram submetidos aos seguintes instrumentos: o ACT, o Asthma Quality of Life Questionnaire (AQLQ) e a Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS).

O nível de controle da asma foi determinado pelo ACT,(4) um questionário autoaplicável que é útil para quantificar o controle da asma e foi validado para esse fim. Esse questionário foi desenvolvido para avaliar o controle da asma e tem mostrado fortes propriedades avaliativas e discriminativas.(4) Consiste em 5 questões, relacionadas às quatro semanas que antecedem a avaliação, abordando múltiplas dimensões de controle, incluindo episódios de falta de ar, despertares noturnos, limitações nas atividades de vida diária, autoavaliação de controle da asma e necessidade de medicação de alívio. Cada questão é pontuada em uma escala de 6 pontos - de 0 (controle bom) a 5 (controle ruim) - e, portanto, o escore total varia de 5 a 25. Um escore ≥ 20 no ACT é definido como asma controlada.

A gravidade da asma foi estratificada em cinco níveis de acordo com as diretrizes da GINA de 2006(1): nível 1, uso de medicações de alívio apenas; nível 2, uso de doses baixas de glucocorticosteroides inalatórios (200-400 µg/dia de budesonida); nível 3, uso de doses médias de glucocorticosteroides inalatórios (400-800 µg/dia de budesonida); nível 4, uso de glucocorticosteroides inalatórios e a 2-agonista inalatório de longa duração ou montelucaste/teofilina; e nível 5, uso de doses altas de glucocorticosteroides inalatórios juntamente com um 2-agonista inalatório de longa duração e uma terceira medicação ou um corticosteroide oral.

O AQLQ é um instrumento de doença específica para determinação da qualidade de vida o qual foi validado para uso em ensaios clínicos. Contém 32 questões compreendendo quatro domínios: limitação de atividades, sintomas, função emocional e estímulos ambientais. Cada item é pontuado em uma escala de 7 pontos, na qual 1 indica comprometimento grave e 7 indica nenhum comprometimento.(17)

A ansiedade e a depressão foram avaliadas com a versão em português da HADS, a qual tem sido amplamente utilizada na triagem de morbidade psiquiátrica.(18) Consiste em 14 questões - 7 para ansiedade e 7 para depressão, cada uma pontuada de 0 a 3, o escore máximo para ansiedade ou depressão sendo, portanto, 21. Escores mais altos indicam mais sintomas. Um escore de ansiedade ≥ 8 na HADS foi considerado diagnóstico de ansiedade, enquanto um escore de depressão ≥ 9 na HADS foi considerado diagnóstico de depressão.(19,20)

Análise estatística

Os resultados são expressos em médias e desvios padrão ou em medianas e intervalos interquartílicos. As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste do qui-quadrado ou pelo teste exato de Fisher. Dependendo da distribuição, as variáveis contínuas foram comparadas pelo teste t não-pareado ou pelo teste de Mann-Whitney. Os valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o aplicativo estatístico freeware R, versão 2.10.1 (R Development Core Team, 2009).

Resultados

Como esperado, a grande maioria dos pacientes (66%) da nossa amostra era do sexo feminino, embora não tenha havido nenhuma diferença estatisticamente significativa entre os sexos em termos do status de controle da asma. Aproximadamente 60% dos nossos pacientes tinham asma não controlada de acordo com os escores do ACT (< 20).

A asma não controlada foi significativamente mais comum nos pacientes em que a gravidade da asma foi classificada como nível 5 do que naqueles em que ela foi classificada como níveis 2, 3 ou 4, mesmo quando os três últimos foram combinados. Os escores de qualidade de vida não diferiram entre os pacientes com asma controlada e os com asma não controlada (Tabela 1). Além disso, os valores espirométricos pré- e pós-broncodilatador não diferiram entre os grupos asma controlada e asma não controlada (Tabela 2).







Os escores da HADS diagnósticos de ansiedade, assim como os diagnósticos do binômio ansiedade/depressão, mostraram associação significativa com asma não controlada (Tabela 3). A prevalência de transtornos psiquiátricos foi significativamente maior entre os pacientes com asma não controlada (Figura 1).








A Figura 2 mostra a distribuição dos pacientes com transtornos psiquiátricos (escores da HADS diagnósticos de ansiedade, depressão ou binômio ansiedade/depressão) em relação ao escore do ACT.





Discussão

Dos pacientes avaliados neste estudo, 53% tinham ansiedade, depressão ou o binômio ansiedade/depressão. Isso está de acordo com os achados de vários estudos que mostram que a prevalência de ansiedade e transtornos depressivos é elevada entre pacientes asmáticos.(9,21,22)

Em nosso estudo, a esmagadora maioria dos pacientes não só apresentava o perfil de ansiedade como também tinha asma não controlada. Além disso, nenhum dos pacientes com asma controlada, de acordo com o ACT, tinha o binômio ansiedade/depressão. Tem sido relatada uma forte associação entre os transtornos psiquiátricos e a asma não controlada.(9,10,23) Essa associação pode ser os dois lados da mesma moeda? Por um lado, a maior prevalência de ansiedade entre pacientes com asma não controlada pode promover transtornos do humor, os quais, por sua vez, podem aumentar a percepção dos sintomas nesses pacientes, reduzindo assim sua percepção do controle da asma.(9,14) Por outro lado, os sintomas respiratórios que são secundários aos transtornos do humor podem impedir a avaliação do controle da asma, uma vez que certos sintomas de ansiedade (falta de ar e FC aumentada) e depressão (insônia e fadiga) podem se sobrepor aos da asma. Para evitar esse possível viés, utilizamos a HADS, a qual é amplamente utilizada em ambulatórios hospitalares e foi validada como uma ferramenta de triagem para ansiedade e doença depressiva.(12,20)

Os dados clínicos, tais como os resultados da espirometria, juntamente com os dados relacionados ao uso de medicação e à qualidade de vida, também foram coletados para melhorar a descrição do status da asma associado a um determinado perfil psiquiátrico.

A asma é uma doença inflamatória crônica cuja principal característica é uma enorme variabilidade em sua expressão clínica. Mesmo quando se atinge o controle da doença, todos os pacientes asmáticos têm que lidar com duas características principais: o risco de futuras exacerbações e a redução da função pulmonar. Essas características podem levar a uma situação de estresse contínuo. Aventa-se a hipótese de que o estresse psicológico crônico causa um estado pró-inflamatório crônico.(24) As evidências para apoiar essa conjectura vêm de dois estudos, os quais mostraram que o estresse se associa a aumento da produção de superóxidos e citocinas pró-inflamatórias pelos leucócitos.(25,26)

Há uma estreita relação entre a dificuldade de se atingir o controle da asma e a doença psiquiátrica. Deve-se considerar uma abordagem multidimensional e integrativa dos cuidados em saúde ao se avaliar pacientes asmáticos.(23) Os médicos devem estar cientes de que a ansiedade e os transtornos depressivos aumentam o risco de adesão ruim a esquemas de manejo adequado da asma.

Embora as relações entre a gravidade da doença e o sofrimento psíquico estejam bem documentadas, ainda não está claro se a doença causa o sofrimento ou se o sofrimento de alguma forma mina o controle da doença.(6) Outros estudos mostram que pacientes com sofrimento psíquico tendem a relatar doença pior mesmo quando as medidas objetivas não confirmam isso.(27) Isso pode explicar o fato de que, no presente estudo, no qual o nível de controle da asma foi determinado por um questionário autoaplicável, os resultados da espirometria e os escores de qualidade de vida não diferiram significativamente entre os grupos asma controlada e asma não controlada.

Na população estudada, não encontramos diferenças significativas entre os pacientes com asma não controlada e os com asma controlada em termos de dados demográficos, resultados da espirometria ou escore da qualidade de vida. Apesar de as pacientes do sexo feminino representarem a maioria da nossa amostra, elas estavam proporcionalmente distribuídas em relação ao status de controle da asma. Tampouco os escores de ansiedade e depressão diferiram entre os sexos, embora a ansiedade e a insônia tenham sido apontadas como sendo mais comuns entre mulheres com asma do que entre homens com asma.(28) É crucial considerar o impacto diferencial dos estados negativos de humor ao se avaliar o controle da asma e a qualidade de vida.(24)

O presente trabalho tem as limitações intrínsecas de um estudo observacional transversal. Portanto, é impossível determinar se a ansiedade foi causa ou consequência da asma não controlada. Outra possível limitação é o fato de que, para evitar o viés de se incluir pacientes subtratados, o que teria aumentado o número de pacientes com asma não controlada, incluímos apenas pacientes que participavam de um programa especial de educação, pelo princípio da intenção de tratar.

Em conclusão, a prevalência de ansiedade foi maior nos pacientes com asma não controlada do que nos com asma controlada. Vale ressaltar que, na avaliação de pacientes asmáticos, deve-se considerar o impacto negativo dos distúrbios de humor no controle da asma.


Referências


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* Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Ana Luisa Godoy Fernandes. Disciplina de Pneumologia, Rua Botucatu, 740, 3° andar, CEP 04023‑004, São Paulo, SP, Brasil.
Tel 55 11 5549-1830. Fax 55 11 5904-2897. Email: analuisa@pneumo.epm.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 11/3/2010. Aprovado, após revisão, em 1/9/2010.



Sobre os autores

Aline Arlindo Vieira
Acadêmica de Medicina. Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.

Ilka Lopes Santoro
Professora Afiliada de Pneumologia. Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.

Samir Dracoulakis
Doutorando. Programa de Pós-Graduação em Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.

Lilian Ballini Caetano
Médica. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.

Ana Luisa Godoy Fernandes
Professora Associada Livre-Docente. Departamento de Pneumologia. Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina - UNIFESP/EPM - São Paulo (SP) Brasil.

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