ABSTRACT
Objective: To determine the prevalence and the characteristics of Mycoplasma pneumoniae-related community-acquired pneumonia (CAP) and parapneumonic pleural effusion (PPE) in children and adolescents. Methods: This was a retrospective observational study involving 121 patients with CAP/PPE hospitalized in a tertiary referral hospital between 2000 and 2008, divided into six groups according to the etiologic agent (G1 to G6, respectively): M. pneumoniae with or without co-infection, in 44 patients (group 1); etiologic agents other than M. pneumoniae, in 77 (group 2); M. pneumoniae without co-infection, in 34 (group 3); Streptococcus pneumoniae, in 36 (group 4); Staphylococcus aureus, in 31 (group 5); and M. pneumoniae/S. pneumoniae co-infection, in 9 (group 6). Results: In comparison with group 2, group 1 showed higher frequencies of females, dry cough, and previous use of beta-lactam antibiotics; longer duration of symptoms prior to admission; and lower frequencies of use of mechanical ventilation and chest tube drainage. In comparison with groups 4 and 5, group 3 showed higher frequencies of previous use of beta-lactam antibiotics and dry cough; longer duration of symptoms prior to admission; a lower frequency of use of chest tube drainage; a higher mean age and a lower frequency of nausea/vomiting (versus group 4 only); and a lower frequency of use of mechanical ventilation (versus group 5 only). M. pneumoniae/S. pneumoniae co-infection increased the duration of symptoms prior to admission. Conclusions: In this sample, the prevalence of M. pneumoniae-related CAP/PPE was 12.75%. Although the disease was milder than that caused by other microorganisms, its course was longer. Our data suggest that M. pneumoniae-related CAP/PPE in children and adolescents should be more thoroughly investigated in Brazil.
Keywords:
Pleural effusion; Empyema, pleural; Pneumonia; Mycoplasma pneumoniae.
RESUMO
Objetivo: Determinar a prevalência e as características da pneumonia adquirida na comunidade (PAC) e derrames pleurais parapneumônicos (DPP) relacionados a Mycoplasma pneumoniae em um grupo de crianças e adolescentes. Métodos: Estudo observacional retrospectivo com 121 pacientes hospitalizados com PAC e DPP em um hospital de referência terciária, entre 2000 e 2008, divididos em seis grupos (G1 a G6) segundo o agente etiológico: M. pneumoniae com ou sem coinfecção, em 44 pacientes; outros agentes que não M. pneumoniae, em 77; M. pneumoniae sem coinfecção, em 34; Streptococcus pneumoniae, em 36; Staphylococcus aureus, em 31; e coinfecção M. pneumoniae/S. pneumoniae, em 9, respectivamente. Resultados: Na comparação entre os grupos, G1 apresentou frequências maiores em gênero feminino, tosse seca, uso prévio de beta-lactâmicos e na duração dos sintomas até a admissão, assim como menor uso de assistência ventilatória e de drenagem torácica que G2, enquanto G3 teve maiores frequências em uso prévio de beta-lactâmicos e tosse seca, maior duração dos sintomas antes da admissão e menor frequência de uso de drenos torácicos que G4 e G5, ao passo que G3 teve média de idade maior e menor frequência de náuseas/vômitos que G4, assim como menor uso de assistência ventilatória que G5. A coinfecção M. pneumoniae/S. pneumoniae aumentou a duração dos sintomas até a admissão. Conclusões: Nesta amostra, a prevalência de PAC e DPP por M. pneumoniae foi de 12,75%. Embora a doença apresentasse quadros mais leves que aquela por outros organismos, a evolução foi mais prolongada. Nossos dados sugerem a necessidade de uma maior diligência na investigação de M. pneumoniae em crianças e adolescentes com PAC e DPP em nosso meio.
Palavras-chave:
Derrame pleural; Empiema pleural; Pneumonia; Mycoplasma pneumoniae.
IntroduçãoNo Brasil, a prevalência de Mycoplasma pneumoniae como agente etiológico do derrame pleural parapneumônico (DPP) ainda é desconhecida. Esse fato decorre da dificuldade de se correlacionar esse micro-organismo com as características clínicas, do pouco crescimento em meios de cultura e da carência de exames rápidos e específicos na fase inicial da pneumonia adquirida na comunidade (PAC) associada ao DPP.(1)
As apresentações clínicas das infecções por M. pneumoniae são bastante variáveis. O curso clínico é geralmente moderado e autolimitado,(2-4) e ocorre pneumonia em 3-10% dos pacientes. Entretanto, são descritos quadros graves de pneumonia, com a presença de DPP em 4-20% dos casos, geralmente pequeno e do lado do infiltrado pulmonar, mas podendo ser maciço e bilateral.(5-7)
A importância de pensarmos em M. pneumoniae nas PAC com DPP, de forma isolada ou em coinfecção, é que esse micro-organismo não responde aos antibióticos usados habitualmente no tratamento, como os beta-lactâmicos.(8,9) O tratamento adequado evita o prolongamento das manifestações clínicas e o surgimento de sequelas pulmonares.(6)
O objetivo do presente estudo foi determinar as características dos DPPs associados a M. pneumoniae, quando comparados àqueles associados a outros agentes etiológicos, em um grupo de crianças e adolescentes atendidos em um centro de referência regional no Brasil.
MétodosEste é um estudo com delineamento observacional e retrospectivo, envolvendo um grupo de crianças e adolescentes com diagnóstico de PAC e DPP, hospitalizado no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG), em Vitória, ES, Brasil, entre 2000 e 2008. O HINSG é um centro de referência regional de ensino, de nível terciário, ligado à Secretaria Estadual de Saúde. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, protocolo nº 34/04.
Foram excluídos pacientes portadores de doença neurológica, doença neuromuscular, malformação congênita, imunodeficiência adquirida, cardiopatia congênita, displasia broncopulmonar, neoplasia, bronquiolite obliterante, fibrose cística e tuberculose, assim como aqueles cujos dados estavam incompletos.
Durante o período do estudo, foram incluídos todos os pacientes hospitalizados no HINSG, com idade entre 3 meses e 16 anos de vida, de ambos os sexos, com diagnóstico clínico e de imagem (radiografia simples de tórax em incidência posteroanterior, perfil e decúbito lateral) de PAC e DPP. Foram incluídos no estudo apenas os pacientes com identificação etiológica bacteriana (germes típicos ou M. pneumoniae) e sem outras bactérias atípicas isoladas como único micro-organismo.
Foi considerado o diagnóstico de pneumonia por M. pneumoniae quando foi detectada IgM positiva para M. pneumoniae em sangue periférico por ELISA. O kit utilizado (ImmunoWELL; GenBio, San Diego, CA, EUA) apresenta uma especificidade de 90% e uma sensibilidade de 92% (IgM na fase aguda), quando comparado a PCR.(10) O diagnóstico para bactérias típicas foi definido pela ocorrência de hemocultura positiva para o patógeno ou o seu isolamento em líquido pleural.
Entre 2000 e 2008, deram entrada no HINSG 496 pacientes com PAC e DPP. Após a utilização dos critérios de exclusão, 345 crianças e adolescentes hospitalizados foram inicialmente avaliados e, dentre esses, 121 casos foram incluídos no estudo devido à identificação do agente etiológico (germes típicos ou M. pneumoniae) e sem a presença de outras bactérias atípicas como único micro-organismo (Figura 1). Os pacientes foram divididos em seis grupos, de acordo com os seguintes diagnósticos:
G1: PAC e DPP por M. pneumoniae, com ou sem coinfecção por outro agente
G2: PAC e DPP por outros agentes etiológicos, exceto M. pneumoniae
G3: PAC e DPP por M. pneumoniae sem coinfecção
G4: PAC e DPP por Streptococcus pneumoniae
G5: PAC e DPP por Staphylococcus aureus
G6: PAC e DPP por M. pneumoniae e S. pneumoniae
Os dados dos pacientes foram codificados e armazenados em planilhas do programa estatístico Excel 2007 para Windows e foram analisados através do Epi Info, versão 6.0. Foram utilizados o teste do qui-quadrado e o teste exato de Fisher para avaliar variáveis categóricas e ordinais, OR para avaliar a magnitude de associações, o teste t de Student para comparar variáveis contínuas e ANOVA para comparar mais de duas variáveis contínuas. Os resultados das análises estatísticas descritivas estão apresentados em médias, medianas e desvios-padrão. Em todos os testes, fixou-se em 5% (p < 0,05) o nível para a rejeição da hipótese de nulidade.
ResultadosEntre os 345 pacientes hospitalizados no HINSG diagnosticados com PAC e DPP, M. pneumoniae foi encontrado em 44 (12,75%). A análise final do quadro clínico, radiológico e hematológico das crianças e adolescentes com DPP por M. pneumoniae (44 pacientes) e por outros agentes (77 pacientes) foi feita comparando-se os seis grupos.
Na comparação entre os pacientes do G1 (com M. pneumoniae) com os do G2 (outros agentes etiológicos), não houve diferença estatisticamente significativa quanto à idade. O número de pacientes com menos de 5 anos no G1 e G2 foi de 31 (70,5%) e 64 (83,1%), respectivamente. A média de idade no G1 e G2 foi de 4,1 e 3,1 anos, respectivamente. Entretanto, quando comparamos o gênero no G1 e G2, 27 pacientes (61,4%) e 32 (41,6%) eram do gênero feminino, respectivamente, havendo uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,03). O uso prévio de beta-lactâmicos e a necessidade de transferência de outros serviços para o nosso por falência terapêutica foram mais frequentes no G1 (p < 0,01 para ambos). A duração maior dos sintomas até a admissão, a presença mais frequente de tosse seca e a menos frequente de náuseas ou vômitos também tiveram maior ocorrência no G1 (p < 0,01; p < 0,01; e p = 0,03, respectivamente). Em contraste, durante a internação, a utilização de assistência ventilatória e de dreno torácico foi mais comum no G2 (p = 0,03 e p < 0,01, respectivamente). Somente houve óbitos no G2, em 5 pacientes. Entre os exames complementares, o hemograma apresentou um predomínio de neutrófilos imaturos no G2 (p < 0,01), enquanto proteína C reativa e parâmetros bioquímicos do líquido pleural não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos. Na radiografia de tórax, ocorreu maior presença de derrame pleural de volume mínimo (DPP < 10 mm) no G1 (p = 0,02; Tabela 1). No G1, houve associações com outras bactérias em 12 pacientes, sendo S. pneumoniae a mais frequente, em 9 pacientes (20,5%). No G2, S. pneumoniae também foi a mais frequente, em 36 pacientes (46,8%), seguido por S. aureus, em 31 (40,3%; Tabela 2).
Na comparação entre os pacientes do G3 (M. pneumoniae sem coinfecção) com os do G2, a retirada dos 10 casos de coinfecção com bactérias típicas do G1 praticamente não alterou as variáveis com diferenças estatisticamente significativas (Tabela 1).
Já na comparação entre os pacientes do G3 com os do G4 (S. pneumoniae), a média de idade foi de 4,25 anos e 2,58 anos, respectivamente (p = 0,01). O uso prévio de beta-lactâmicos antes da internação e a presença de pacientes encaminhados de outros serviços por falência terapêutica foram mais frequentes no G3 (p < 0,01 para ambos). Também no G3, houve maior duração dos sintomas até a admissão, maior frequência de tosse seca e menor frequência de náuseas ou vômitos (p = 0,02; p = 0,01; e p < 0,01, respectivamente). No hemograma, leucocitose foi mais comum no G3 (p = 0,01), enquanto neutrófilos imaturos foram mais comuns no G4 (p < 0,01). Não houve diferença significativa nos resultados de proteína C reativa entre os dois grupos. Entre os procedimentos, o dreno torácico fechado foi mais frequentemente utilizado no G4 (p < 0,01), bem como o uso de dreno aberto, mas esse sem diferença estatisticamente significativa. A comparação das alterações radiológicas e extrapulmonares também não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre esses grupos (Tabela 3).
Na comparação entre os pacientes do G3 com os do G5 (S. aureus), a média de idade foi de 4,25 anos e de 4,08 anos, respectivamente, sem diferença estatística (p = 0,86). O uso prévio de beta-lactâmicos antes da internação e a presença de pacientes encaminhados de outros serviços por falha terapêutica foram significativamente maiores no G3 (p < 0,01 para ambos), bem como foram significativamente maiores a duração dos sintomas até a admissão e a presença de tosse seca (p = 0,04 e p = 0,01, respectivamente). Durante a internação, o G5 necessitou assistência ventilatória mais frequentemente, e o hemograma apresentou maior quantidade (acima de 5%) de neutrófilos imaturos (p = 0,04 e p < 0,01, respectivamente). Não houve diferença significativa nos resultados de proteína C reativa entre esses grupos. Em relação aos procedimentos, no G5, houve uso mais frequente de dreno torácico fechado (p < 0,01), assim como de aberto, mas esse sem diferença estatisticamente significativa. Não houve diferenças significativas em relação à frequência das alterações radiológicas pulmonares entre esses grupos, mas a presença de abscesso hepático foi maior no G5 (p = 0,02; Tabela 3).
Na comparação entre os pacientes do G6 (coinfecção de M. pneumoniae e S. pneumoniae) e o G4, a média de idade foi de 3,0 anos e de 2,5 anos, sem diferença significativa. A coinfecção M. pneumoniae e S. pneumoniae prolongou a duração dos sintomas até a admissão, que foi, em média, de 17 dias e 6 dias no G6 e G4, respectivamente (p = 0,01; Tabela 4).
DiscussãoEm nossa casuística, M. pneumoniae ocorreu em 12,75% dos casos, sendo que proporções semelhantes já foram relatadas na literatura. Shen et al.,(11) em 2006, em um estudo com 81 crianças com derrame pleural, encontraram S. pneumoniae, M. pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa, S. aureus, Haemophilus influenzae e outros agentes etiológicos em 20%, 18%, 10%, 3%, 3% e 6% dos casos, respectivamente. Em 2006 na Espanha, Deiros Bronte et al.,(12) em seguimento de 11 anos, encontraram 130 pacientes menores de 15 anos com DPP, e o agente etiológico foi documentado em 42 (32,3%) desses. Entre esses agentes, o mais frequente também foi S. pneumoniae, em 42,8% dos pacientes; seguido por M. pneumoniae, em 19%; S. aureus, em 9,5%; Streptococcus pyogenes, em 7,1%; H. influenzae, em 7,1%; Mycobacterium tuberculosis, em 4,8%; Klebsiella pneumoniae, em 2,3%; flora anaeróbica mista, em 2,3%; Coxiella burnetii, em 2,3%; e Chlamydophila pneumoniae, em 2,3%.
Os derrames pleurais constituem uma complicação das pneumonias em crianças e adolescentes, levando ao aumento de morbidade e mortalidade.(13) Recentemente, apesar da introdução da vacina contra S. pneumoniae, a incidência dos derrames pleurais aumentou cinco vezes na população pediátrica.(14) Esse aumento ocorreu por causas desconhecidas, isto é, os DPP não tiveram como agente etiológico S. pneumoniae ou S. aureus e apresentaram culturas negativas para outros micro-organismos.(15) Por isso, é importante entendermos o papel dos micro-organismos atípicos, como M. pneumoniae, nas PAC com DPP.
O presente estudo teve como limitação os métodos diagnósticos para os germes típicos, que foram realizados apenas por hemocultura e cultura do líquido pleural, que têm uma sensibilidade bastante inferior ao método ELISA, utilizado para o diagnóstico de M. pneumoniae. Frequentemente, a sensibilidade das culturas é baixa, principalmente em pacientes que já estão em uso de antimicrobianos. São descritas sensibilidades inferiores a 10% em hemoculturas na PAC e de aproximadamente 9% em culturas do líquido pleural na PAC com DPP.(16) Provavelmente, se fossem utilizados outros métodos diagnósticos, detectaríamos micro-organismos em vários dos 223 casos sem identificação de agentes etiológicos, aumentando principalmente a positividade para S. pneumoniae. Na infância, S. pneumoniae é a bactéria mais comum nas pneumonias e raramente causa bacteremia, tendo taxa de positividade em hemocultura menor que 5%.(16)
Ao avaliarmos as características clínicas, a média de idade dos pacientes foi maior no G1 (M. pneumoniae) que no G2 (outros agentes etiológicos) - 4,1 anos vs. 3,1 anos. A idade é um importante preditor do agente etiológico nas PAC.(17) Segundo a British Thoracic Society,(13) as pneumonias bacterianas são mais comuns em crianças acima de 3 anos; as virais, em crianças mais jovens; e M. pneumoniae, em crianças em idade escolar. Na Finlândia, em crianças hospitalizadas por pneumonias, a média de idade dos pacientes infectados por bactérias típicas, M. pneumoniae e vírus foi de 39,5 meses, 60,2 meses e 18,5 meses, respectivamente.(18)
Apesar de a infecção por M. pneumoniae acometer mais frequentemente pacientes entre 5-25 anos de idade, essa pode ocorrer em pacientes de todas as idades. Waris et al.(4) relataram que, em uma série de pacientes com pneumonia por M. pneumoniae, 21% tinham menos que 5 anos de idade. Embora a frequência seja menor nessa faixa etária, o quadro clínico tende a ser mais grave e é nesse período da vida que acontece o maior número de internações. Na Finlândia, em 2004, Korppi et al.(18) encontraram taxas de hospitalização de 67%, 5% e 9% em pacientes com idade < 4 anos, de 5-9 anos e de 10-14 anos, respectivamente. Vale ressaltar que, em nosso estudo, mais de 70% dos casos com M. pneumoniae tinham idade < 5 anos. Esses dados reforçam a necessidade de considerarmos M. pneumoniae no diagnóstico diferencial dos DPPs, inclusive nessa faixa etária de menor idade.
Uma característica importante para diferenciarmos os DPPs é o tempo de evolução dos sintomas até a internação. Nos pacientes com M. pneumoniae, os sintomas aparecem, geralmente, de forma gradual, em um período de vários dias, e podem persistir por semanas ou meses.(19) Em nosso estudo, o grupo com M. pneumoniae apresentou um maior tempo de evolução até a internação, quando comparado ao grupo com outros agentes etiológicos e especificamente com os grupos com S. pneumoniae e S. aureus. A associação de M. pneumoniae com S. pneumoniae também prolongou a duração dos sintomas até a admissão, que foi, em média, 17 dias para aqueles com essa associação e 6 dias para aqueles com apenas S. pneumoniae. Portanto, uma evolução prolongada ou arrastada do DPP deve suscitar a hipótese da presença de M. pneumoniae de forma isolada ou em coinfecção.
No presente estudo, a bactéria mais frequentemente encontrada em associação com M. pneumoniae foi S. pneumoniae, em 9 pacientes (20,5%). Já foi descrito que M. pneumoniae pode apresentar coinfecção com S. pneumoniae em até 30% dos casos de PAC.(18)
Entre os sinais e sintomas, a presença de tosse seca foi maior no grupo com M. pneumoniae, enquanto náuseas ou vômitos foram mais comuns no grupo com outros agentes etiológicos. Segundo a literatura, se a infecção por M. pneumoniae se instala na traqueia, brônquios e bronquíolos, surge uma tosse seca, constante e incontrolável, que pode provocar despertares noturnos.(19) Cabe salientar que a ausência desse sintoma não exclui a infecção por M. pneumoniae.
Durante a internação, 12% dos pacientes com M. pneumoniae necessitaram assistência ventilatória, enquanto 25% dos pacientes com S. pneumoniae e 32,3% dos pacientes com S. aureus a necessitaram também. Os casos com M. pneumoniae também apresentaram um volume menor de DPP e menos frequentemente necessitaram drenagem torácica. Esses achados confirmam a maior gravidade dos casos com bactérias típicas.
Por definição, o DPP é o derrame pleural associado à pneumonia, podendo ser complicado ou não complicado. O DPP complicado é um exsudato que pode ser purulento, podendo apresentar germes na cultura ou na coloração de gram, ou ainda apresentar, na análise bioquímica, pH < 7, glicose < 40 mg/dL e desidrogenase lática > 1.000 UI/L.(20) Mocelin et al.(21) encontraram, para o diagnóstico de DPP complicado, uma sensibilidade de 76% para glicose em líquido pleural < 40 mg/dL, uma sensibilidade de 55% para pH < 7,0 e uma sensibilidade de 79% quando o ponto de corte do pH em líquido pleural foi aumentado para 7,2. Em 2010, Maranhão et al.(22) utilizaram a dosagem de proteínas totais no líquido pleural para o diagnóstico de exsudato. Com o ponto de corte de 3,4 g/dL para proteínas totais no líquido pleural, a sensibilidade, a especificidade e a acurácia foram de 99,4%, 72,6% e 99,2%, respectivamente. Em nosso hospital, a realização de dosagem de desidrogenase lática em líquido pleural não é rotineira.
No presente estudo, as características do liquido pleural não foram úteis na diferenciação entre os grupos. Os resultados de pH e glicose não apresentaram diferenças estatisticamente significativas, e nem a presença de proteína total > 3,4 g/dL, que, apesar de estar menos presente nos pacientes com M. pneumoniae (60,0%) em comparação com aqueles com S. pneumoniae (78,6%) e com S. aureus (76,2%), também não apresentou diferenças estatisticamente significativas.
Na avaliação radiológica, a presença de pneumatoceles, pneumotórax e abscesso pulmonar foram de pouca ajuda na diferenciação dos diversos agentes etiológicos. Porém, o abscesso hepático foi mais frequente no grupo com S. aureus, confirmando uma disseminação hematogênica nesses casos.
Nos DPPs, o tratamento usual não inclui medicamentos contra M. pneumoniae, que, por não ter parede celular, é naturalmente resistente aos beta-lactâmicos (como penicilinas, seus derivados e cefalosporinas).(23) Chamamos a atenção para o uso de beta-lactâmicos que, antes da hospitalização, ocorreu em 38,0% nos pacientes do grupo com M. pneumoniae, comparado a 16,7% nos pacientes do grupo com S. pneumoniae e a 29% naqueles do grupo com S. aureus. Logo, o uso de beta-lactâmicos em crianças com PAC e DPP precedendo à internação, mas sem melhora dos sintomas e com manutenção da febre, deve ter como diagnóstico diferencial a infecção por germes atípicos.
Nossos dados sugerem a necessidade de uma maior diligência na investigação de M. pneumoniae em crianças e adolescentes com PAC e DPP em nosso meio. Estudos longitudinais e prospectivos deverão explicar o papel desse micro-organismo no DPP, principalmente em crianças menores de 5 anos, como foi por nós demonstrado.
AgradecimentosAgradecemos a Décio Sesquim, cirurgião torácico do Serviço de Pneumologia do HINSG o auxílio no acompanhamento dos casos. Agradecemos a Adyléia Aparecida Dalbo Contrera Toro, médica pneumologista pediátrica do Departamento de Pediatria da Universidade Estadual de Campinas, e Antonia Terezinha Tresoldi, professora livre-docente da mesma universidade, as sugestões que enriqueceram o presente estudo. Agradecemos também aos funcionários do serviço de arquivamento de prontuários do HINSG a dedicação e o excelente atendimento.
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* Trabalho realizado na Universidade Federal do Espírito Santo e no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Vitória (ES), e na Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.
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Recebido para publicação em 19/8/2011. Aprovado, após revisão, em 1/1/2012.
Sobre os autoresLetícia Alves Vervloet
Professora Assistente. Departamento de Pediatria, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória (ES) Brasil.
Vitor Earl Cardoso Vervloet
Médico Assistente. Enfermaria de Pneumologia, Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Vitória (ES) Brasil.
Mário Tironi Junior
Médico Coordenador. Enfermaria de Pneumologia, Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Vitória (ES) Brasil.
José Dirceu Ribeiro
Professor Livre-Docente. Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP) Brasil.