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Artigo Original

Perfil epidemiológico de pacientes portadores de TB internados em um hospital de referência na cidade do Rio de Janeiro

Epidemiological profile of hospitalized patients with TB at a referral hospital in the city of Rio de Janeiro, Brazil

Hedi Marinho de Melo Guedes de Oliveira, Rossana Coimbra Brito, Afranio Lineu Kritski, Antonio Ruffino-Netto

ABSTRACT

Objective: To determine the epidemiological profile of inpatients at a TB referral hospital. Methods: This was a descriptive, retrospective study of the medical charts of patients with TB hospitalized at the Hospital Estadual Santa Maria (HESM), in the city of Rio de Janeiro, Brazil, between January of 2002 and December of 2003. Data were collected using a standardized form. Results: Of the 451 patients included in the study, 313 (69.4%) had been referred to the HESM from health care clinics, and 302 (67.0%) were male. Most of the patients were in the 30-59  year age bracket, 443 (98.2%) lived in the greater metropolitan region of Rio de Janeiro, and 298 (66.1%) lived in the city of Rio de Janeiro itself. The most common reason for hospitalization was poor health status (in 237, 52.5%). The most common comorbidity was AIDS (in 137, 30.4%). The most common signs and symptoms at admission were weight loss, fever and productive cough. Sputum smear microscopy was positive in 122 (71.0%) of the patients presenting with productive cough at admission. Of the 212 patients being retreated, 156 (73.6%) reported noncompliance with previous treatment. Regarding the outcome, 273 (65.8%) of the patients were referred to municipal health care centers, 83 (18.4%) died, 44 (9.8%) were cured, and 27 (6%) were discharged against medical advice. Conclusions: Providing hospitals specializing in TB is relevant for TB control, especially in metropolitan regions. In addition to taking biosafety measures, these hospitals must be prepared to treat patients with TB-related comorbidities and social problems. This study has resulted in improvements at the HESM.

Keywords: Tuberculosis; Epidemiology; Hospitalization.

RESUMO

Objetivo: Analisar o perfil epidemiológico dos pacientes internados em um hospital especializado no tratamento da TB. Métodos: Foi realizado estudo descritivo e retrospectivo dos prontuários dos pacientes internados com TB no Hospital Estadual Santa Maria (HESM), na cidade do Rio de Janeiro, entre janeiro de 2002 e dezembro de 2003, por meio de formulário previamente padronizado. Resultados: Dos 451 pacientes incluídos, 313 (69,4%) foram referenciados para o HESM por unidades de saúde, e 302 (67,0%) eram do gênero masculino. A maioria dos pacientes tinha entre 30 e 59 anos, 443 (98,2%) residiam na região metropolitana, e 298 (66,1%) residiam no município do Rio de Janeiro. O motivo de internação mais frequente foi mau estado geral (em 237, 52,5%). A AIDS foi a comorbidade mais frequente (em 137, 30,4%). Os sinais e sintomas mais frequentes no momento da internação foram emagrecimento, febre e tosse produtiva. A baciloscopia foi positiva em 122 casos (71,0%) com tosse produtiva no momento da internação. Dos 212 pacientes que estavam em retratamento, 156 (73,6%) referiram abandono a tratamento anterior. Quanto ao desfecho, 297 (65,8%) foram encaminhados para centros municipais de saúde, 83 (18,4%) evoluíram para óbito, e 44 (9,8%) curaram. As altas indesejadas ocorreram em 27 (6,0%) dos casos. Conclusões: A provisão de hospitais especializados em TB é de relevância para o controle da TB, principalmente em regiões metropolitanas. Esses hospitais precisam estar adequados a medidas de biossegurança, assim como estar mais bem equipados e capacitados para prestar atendimento a pacientes com diversas comorbidades e problemas sociais associados à TB. A realização deste estudo resultou em melhorias para o HESM.

Palavras-chave: Tuberculose; Epidemiologia; Hospitalização.

Introdução

A TB é um grave problema de saúde pública em todo o mundo e continua sendo uma das principais causas de morte por doença infectocontagiosa em adultos, principalmente em países em desenvolvimento.(1,2)

Em 1993, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou a TB como uma emergência mundial e propôs a implantação da estratégia do tratamento supervisionado. Essa estratégia proporcionou a elevação dos índices de cura em diversos países. Entretanto, ela tem obtido variável e limitado sucesso em reduzir as taxas de incidência de TB nos países em desenvolvimento, principalmente em grandes metrópoles e em locais com aumento da infecção por HIV e da ocorrência de TB multidrug-resistant (MDR, multirresistente), definida como a resistência simultânea à rifampicina e à isoniazida, ou extensively drug-resistant (XDR, extensivamente resistente), definida como a resistência à rifampicina, à isoniazida e a pelo menos uma fluoroquinolona e a um fármaco ­injetável utilizado em esquemas de segunda linha.(3) A TB-MDR/TB-XDR é, na grande maioria das vezes, resultante do uso inadequado dos medicamentos e de sua elevada transmissão em locais fechados (hospitais, prisões, asilos ou albergues), onde usualmente não há cuidados adequados de biossegurança e onde há maior frequência do atendimento de pacientes com TB infectados por HIV. Em unidades hospitalares, o problema da TB foi negligenciado e subdimensionado, pois a partir de meados do século XX, verificou-se a vantagem do tratamento ambulatorial em relação à hospitalização para o tratamento da doença. No Brasil, isso implicou, a partir da década de 80, no fechamento dos sanatórios onde esses pacientes eram tratados. Apenas recentemente, com os surtos de TB-MDR e TB-XDR ocorridos em nível hospitalar, tanto em países desenvolvidos, como em países em desenvolvimento, tornou-se consenso que a hospitalização de casos selecionados continua sendo uma necessidade e que ações de controle em hospitais devem ser fomentadas. Um inquérito realizado em hospitais públicos e privados de sete grandes cidades da Ásia e do norte da África demonstrou que esses hospitais não faziam tratamento ambulatorial nos moldes preconizados pelos programas locais, exceto em Bangkok. O tratamento oferecido não era sempre gratuito, um grande número de hospitais nunca notificou os casos de TB, não se faziam regimes padronizados e desconheciam-se a evolução e o desfecho dos casos.(2)

Em razão disso, em 2006, no novo plano global STOP TB/OMS de controle de TB, a implantação de ações de controle de TB em nível hospitalar e em prisões foi considerada uma das estratégias de elevada prioridade.(4)
No Brasil, há diferenças regionais importantes no que diz respeito aos indicadores de controle da TB e TB-MDR. Em algumas regiões do estado do Rio de Janeiro, verifica-se maior gravidade da situação, com indicadores epidemiológicos similares aos descritos em países africanos.(5)

Em países desenvolvidos, a principal causa de internação é a falência do tratamento ou a presença de efeitos adversos aos medicamentos, enquanto, em países em desenvolvimento, as principais causas de hospitalização são o mau estado geral e a caquexia, sinalizando as falhas no processo de busca do caso que não foi identificado nas fases iniciais da doença.

No estado do Rio de Janeiro, existem duas unidades hospitalares que são referência para a internação de pacientes portadores de TB e da coinfecção TB/HIV/AIDS, sendo uma delas o Hospital Estadual Santa Maria (HESM), localizado no município do Rio de Janeiro, no bairro de Jacarepaguá.

O HESM atualmente tem 73 leitos ativos para atender uma clientela constituída, em sua maioria, de indivíduos das classes econômicas D e E, segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil. São atendidos pacientes adultos de ambos os gêneros. O atendimento é prestado por uma equipe multiprofissional desde o momento da internação até a alta.
O HESM possui uma Comissão de Controle de Infecção Hospitalar atuante que sugeriu que fossem implantadas e implementadas algumas normas de biossegurança. As medidas administrativas adotadas foram as seguintes: (a) treinamento dos trabalhadores de saúde; (b) distribuição por andar dos pacientes de acordo com o risco de transmissão; (c) controle de saúde dos profissionais (inquérito tuberculínico); (d) agilidade na realização da baciloscopia; (e) educação em saúde voltada para os pacientes internados; e (f) orientação para o fluxo dos pacientes. Quanto às medidas de engenharia e arquitetura, foi necessária a construção de quartos individuais para os pacientes com TB-MDR/TB-XDR, houve a reestruturação das enfermarias, com a diminuição do tamanho das mesmas e do número de leitos, e a construção de uma sala para a realização de coleta de escarro induzido seguindo as normas de biossegurança. Medidas de proteção individual também foram implantadas: uso de máscaras N95 pelos profissionais e máscaras cirúrgicas pelos pacientes.

Os pacientes devem ser referenciados pelos Centros Municipais de Saúde (CMS) e/ou por hospitais gerais já com o diagnóstico de TB ativa, e contrarreferenciados no momento da alta.

Nas últimas duas décadas, foram realizados poucos estudos no Brasil sobre hospitalizações por TB. Isso decorre de uma visão epidemiológica parcial da parte dos formuladores de políticas públicas na área, que não "percebem" e/ou não priorizam um problema de tamanha magnitude: faltam ações de controle de TB integradas nos vários níveis de atendimento, tanto primário, secundário e terciário. Assinala-se também a falta de legislação específica sobre o atendimento de casos de TB em nível hospitalar. São poucos os hospitais, em geral somente os hospitais universitários, que realizam atividades de controle de TB.

Em razão do exposto, julgamos importante efetuar uma análise dos aspectos clínicos e epidemiológicos de pacientes internados em um hospital especializado em TB no estado do Rio de Janeiro, tendo como objetivo analisar as internações por TB ocorridas no período entre janeiro de 2002 e dezembro de 2003.

Métodos

Foi realizado um estudo epidemiológico descritivo e retrospectivo a partir dos prontuários dos pacientes internados com TB ativa. A população de referência foi constituída pelos pacientes internados em hospitais especializados para tratamento de TB no estado do Rio de Janeiro. A população de estudo consistiu de pacientes atendidos no HESM, no período entre janeiro de 2002 e dezembro de 2003, cujos prontuários foram selecionados, adotando-se os seguintes critérios de participação: (1) prontuário localizado; (2) anotações do prontuário legíveis; (3)
internação ocorrida no período de estudo; (4) pacientes portadores de TB ou da coinfecção TB/HIV/AIDS. Foram analisadas as seguintes variáveis: idade, gênero, município de residência, motivo da internação, história de tratamento anterior, sinais e sintomas no momento da internação, comorbidades, baciloscopia no momento da internação e desfecho.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro e recebeu o número 008/07.

Resultados

Durante o período de estudo, 542 pacientes foram internados no HESM; desses, 43 não foram incluídos por impossibilidade do preenchimento do instrumento de investigação (problemas na localização dos prontuários no arquivo do hospital), e 48 tiveram o diagnóstico de outras enfermidades diferentes de TB após a internação. Assinalamos ainda a falta de qualidade em relação ao registro dos dados dos pacientes no prontuário.

A população participante foi de 451 pacientes, sendo 67% do sexo masculino. Quanto ao grupo etário, 32,1% dos pacientes do o sexo masculino tinham de 40 a 49 anos, e 24,8% das do sexo feminino tinham de 30 a 39 anos. Cerca de 90% dos pacientes internados no HESM apresentavam a forma pulmonar da doença.

Avaliando a distribuição dos pacientes segundo o município de residência, observamos que cerca de dois terços da população era residente no município do Rio de Janeiro, cerca de um terço residia em outros municípios das regiões metropolitanas I e II, e apenas 1,8% residiam no interior do estado do Rio de Janeiro. As regiões metropolitanas I e II são constituídas, além do município do Rio de Janeiro, pelos municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica e Tanguá.

Quanto à distribuição dos motivos de internação discriminados segundo os critérios de internação do Ministério da Saúde, pode-se verificar que mais da metade dos pacientes tiveram, como motivo de internação, o estado geral que não permitia tratamento ambulatorial (Tabela 1). O mau estado geral foi definido pelos médicos que internaram os pacientes, e parte dos pacientes apresentavam, na internação, mais de um motivo de internação.





Dos pacientes selecionados, 212 (47%) já haviam realizado tratamento anteriormente, e 73,6% estavam fazendo retratamento após abandono e não-recidiva. (Tabela 2)





Os sinais e sintomas citados em ordem de frequência pelos pacientes no momento da internação como responsáveis pela procura da assistência médica foram emagrecimento, febre e tosse produtiva (Tabela 3).





Dos 451 pacientes estudados, 273 (60,5%) apresentavam comorbidades, sendo as mais frequentes AIDS, hepatite (sem especificação se viral ou medicamentosa) e diabetes mellitus (Tabela 4).





Dos pacientes que apresentavam tosse produtiva no momento da internação (Tabela 5), 44,6% apresentaram baciloscopia positiva; 18%, baciloscopia negativa; e, para 28,7%, não foi solicitada a realização da baciloscopia. Entre os pacientes que tiveram a baciloscopia realizada e o resultado conhecido, 87/122 (71,0%) tiveram resultados positivos.
Quanto ao desfecho do atendimento no HESM, verificamos que 65,8% dos pacientes foram encaminhados para os CMS ou para outros hospitais para dar continuidade ao tratamento, 18,4% foram a óbito, e 9,8% dos pacientes curaram durante a internação, sendo 7,1% sem confirmação e 2,7% com confirmação. As altas indesejadas ocorreram em 6% dos casos, sendo 5,3% a pedido e 0,7% por indisciplina.





Discussão

A TB sempre foi descrita como mais prevalente nos homens, fato esse também observado em pacientes hospitalizados no período entre 1981 e 1997 no estado de São Paulo.(6) Alguns autores afirmaram que os doentes do sexo masculino têm 1,6 vezes mais chance de serem internados do que os do gênero feminino.(7) Tem-se assinalado que os homens adoecem de TB em maior proporção que as mulheres, e esta distribuição ocorre tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos.(8) A maior ocorrência de TB em faixas etárias mais jovens em mulheres está em conformidade com o relatado por diversos autores.(6,7,9,10)

A distribuição do local de residência dos pacientes com TB encontrada no HESM reproduz o que é notificado no estado do Rio de Janeiro com respeito às taxas de incidência e notificação da TB.(11) Essa distribuição está em acordo com as características classicamente relacionadas ao encontro de maior número de casos de TB,(8) pois nas regiões citadas encontramos maior densidade populacional. Cabe ressaltar que o estado do Rio de Janeiro tem 97,0% de sua população residente em região urbana.(12)

Um estudo realizado no estado de São Paulo entre 1981 e 1995(6) evidenciou que, dentre os principais motivos de internação, o mais frequente foi o mau estado geral, pois esses pacientes foram encaminhados numa fase avançada da doença e com complicações graves da mesma, seguido da caquexia, que foi a segunda causa mais citada, o que demonstra não só um grau adiantado da TB, como também condições sociais precárias. Achados semelhantes foram mostrados no presente estudo, denunciando a má qualidade das ações de controle de TB numa grande metrópole, caracterizada pelo retardo no diagnóstico, pelo baixo acesso ao atendimento ou pelo desconhecimento da população sobre os sinais e sintomas da TB.

A caracterização do mau estado geral que justifique a internação e a padronização dos critérios de indicação social de internação entre profissionais médicos (que são os responsáveis pelos procedimentos de internação e alta) passa a ser de elevada relevância com o intuito de otimizar a utilização dos leitos em hospitais de referência.

Entre as comorbidades citadas, a AIDS apresentou maior frequência (30,4%). Essa elevada proporção pode decorrer do fato que, no período de estudo, cerca de 30,0% dos leitos do HESM eram dedicados ao atendimento de pacientes coinfectados com TB e HIV. Além disso, é esperada uma frequência crescente de pacientes com TB e AIDS em hospitais especializados em regiões onde há um aumento progressivo da infecção pelo HIV entre os pacientes com TB, conforme relatado por outros autores.(13) Em um estudo anterior,(14) foi demonstrado que, entre pacientes notificados no município do Rio de Janeiro, a soropositividade para o HIV foi maior nos hospitais (16,9%) do que nos CMS (9,2%). Na literatura internacional, também notamos essa tendência de aumento da demanda de internações relacionadas à emergência da AIDS, tanto em países desenvolvidos, quanto em países em desenvolvimento.(15-17) Apesar da maior parte das internações ser por motivações de ordem clínica, em 28,8% dos pacientes foram identificadas causas sociais no momento da internação. Esse significativo percentual demonstra uma necessidade de estratégias diferenciadas para essa população, que incluem um forte aparato de assistência social ou até mesmo referências identificadas para a continuidade do tratamento, cessando a indicação clínica de internação.
A hepatite foi a segunda comorbidade mais frequente (15,8%). A análise desse dado tornou-se um pouco prejudicada, tendo em vista não ter sido especificado nos prontuários se a mesma era medicamentosa ou viral. Ao utilizarmos os dados constantes no Laboratório de Patologia Clínica do HESM, foi possível definir que apenas 5 pacientes (11,6%) tinham sorologia reagente para hepatite viral, o que nos faz pensar que a maioria dos pacientes apresentou hepatite medicamentosa. Tais resultados são similares ao descrito em outras séries no país e no exterior.(13,18,19)

Baseado nos dados, entendemos que uma maior atenção deva ser dada à investigação de infecções virais assintomáticas pelo vírus da hepatite B e C, pois, com o uso da isoniazida, elas poderão tornar-se clinicamente importantes.

Em nossa casuística também foi frequente o relato de diabetes mellitus (15,4%), superior ao relatado na literatura. Um estudo realizado entre os pacientes internados no Hospital La Fe, em Valência, Espanha,(9) evidenciou que 7,4% dos pacientes com TB eram também diabéticos e, na República dos Camarões, havia 7,1% de casos de diabetes entre os tuberculosos internados.(20) Provavelmente, a elevada proporção de pacientes diabéticos pode decorrer da maior associação entre TB e diabetes em nosso meio ou devido à evolução mais desfavorável no tratamento da TB em locais onde não há uma boa interação entre os programas de controle de TB e os programas de doenças crônicas, como é o cenário no estado do Rio de Janeiro.(21)

A elevada proporção de comorbidades observada em nossa casuística sinaliza para a necessidade de adequação dos hospitais especializados em TB para o atendimento mais efetivo de tais pacientes.

O fato de o emagrecimento ter sido, dentre os sinais e sintomas, o mais referido chama a atenção, pois isso se dá de forma gradual, progressiva e lenta na maioria dos casos e caracteriza a internação de pacientes em fases mais avançadas da enfermidade. Por outro lado, em um país industrializado como a Itália, um estudo realizado em um hospital mostrou que as combinações dos sintomas mais frequentemente referidos foram febre, perda de peso e tosse ou febre, tosse e dispneia.(22)

Na internação, a dispneia foi relatada por 133 pacientes (29,5%), sendo que 22 (16,5%) evoluíram para insuficiência respiratória e necessitaram de ventilação mecânica, e, desses, 90,9% evoluíram para o óbito. Tais dados mostram a urgente necessidade de que os hospitais de referência para TB disponham de infraestrutura adequada para os cuidados intensivos ou semi-intensivos. A baixa proporção de casos de hemoptoicos/hemoptise (6,8%) observada nesta casuística decorre do fato de que, no HESM, não são internados pacientes com informação ab initio de hemoptise volumosa pela ausência de condições de atendimentos cirúrgicos ou de terapia intensiva.

Verificamos nesta casuística que, além do estado geral que não permitia tratamento ambulatorial, algumas outras situações clínicas graves, como complicações graves da TB e intercorrências clínicas e cirúrgicas graves somadas, foram responsáveis por 65% dos pacientes internados, fato esse que, se acrescido ao percentual de cerca de 30% dos pacientes que relataram dispneia no momento da internação, reforça mais ainda que os hospitais especializados para o tratamento da TB deverão ser mais bem equipados, assim como seu corpo clinico melhor capacitado para atender a pacientes graves do ponto de vista clínico.

Entre os pacientes que tiveram baciloscopia realizada e resultado conhecido, ela foi positiva em 71,0% (87/122), resultado similar ao relatado por outros autores.(23) No presente estudo, não foi possível esclarecer os motivos que levaram a falta de solicitação da baciloscopia no momento da internação. Outro fato relevante foi que 76 pacientes (16,8%) referiram tosse seca e cujo diagnóstico da enfermidade foi apenas clínico e radiológico. A partir de 2004, passou a ser incluído como rotina diagnóstica de TB pulmonar o exame de escarro induzido, conforme proposto na literatura para pacientes sem expectoração espontânea.(24)

O rendimento da baciloscopia de escarro obtido em nossa casuística foi superior ao relatado em Unidades Primárias de Saúde do município do Rio de Janeiro.(25) Capacitações e melhoria dos laboratórios dos hospitais são constantemente buscadas, o que pode ter contribuído para a melhor qualidade dos resultados.

O tratamento anterior para a TB e, em especial, o tratamento não concluído ou feito de forma irregular, é classicamente relacionado à maior possibilidade de desenvolvimento de resistência secundária ou adquirida.(26) Estudos em hospitais no estado no Rio de Janeiro têm mostrado taxas de resistência maiores na população atendida em hospitais do que nos atendidos na rede de atenção primária. Recentemente, em um inquérito de resistência aos fármacos anti-TB realizado em 595 pacientes atendidos em seis hospitais no estado do Rio de Janeiro entre 2004 e 2006, observou-se uma elevada prevalência de TB-MDR primária (3,9%) entre 433 pacientes sem histórico de tratamentos anteriores. Na análise multivariada, hospitais especializados para TB apresentaram taxas de resistência e de MDR significativamente maiores que outros hospitais (p < 0,00001). Nos dois hospitais de referência analisados, a taxa de TB-MDR primária foi superior a 8,8%.(27)

No período de estudo, não foi possível analisar o resultado do tratamento destes pacientes, pois não existia uma rotina de interação para se controlar o sistema de referência e contrarreferência com os CMS ou hospitais. Esses dados demonstram novamente a necessidade de se viabilizar atividades de referência e de contrarreferência por meio de pactuações com os gestores municipais e do estado, preferencialmente com a participação da sociedade civil, para promover uma política de estado e não de governo. A transferência para outros hospitais tornou-se necessária no caso de pacientes graves e cirúrgicos, uma vez que a capacidade de resolução do HESM havia se esgotado por esse hospital não dispor de unidade de terapia intensiva ou de centro cirúrgico em funcionamento.

Podemos observar que as taxas de óbito verificadas neste estudo (18,4%) são maiores do que aquelas observadas no estado do Rio de Janeiro e no Brasil, onde a ocorrência de óbito nos CMS foi, respectivamente, de 5,0% e 7,0% em 2002, e de 6,9% e 7,0% em 2003.(11) Na região sudeste, 80,9% dos óbitos por TB ocorrem em hospitais. Esses dados apontam a gravidade da situação clínica desses pacientes e sinalizam a necessidade urgente de revisão da infraestrutura dos hospitais e da qualidade dos recursos humanos que atendem esses pacientes, em sua maioria com situação clínica grave. Entretanto, não foi objeto deste estudo detalhar o perfil dos pacientes que tiveram esse desfecho.

Os dados deste estudo mostram que a participação dos hospitais especializados com leitos destinados à TB é de elevada relevância para o controle da TB, principalmente em regiões metropolitanas de países em desenvolvimento. Entretanto, observamos que há a necessidade da mudança do perfil desses hospitais, que além de adotarem medidas de biossegurança, devem estar equipados com laboratórios de micobacteriologia e unidades de terapia intensiva ou semi-intensiva para atender a uma clientela que evolui para situações clínicas de risco de morte, associadas ou não a TB-MDR. Devem ainda contar com uma equipe de saúde apta a tratar de doentes com a associação TB e diabetes mellitus, AIDS, alcoolismo, doença mental e problemas sociais, além de exercerem atividades de controle de TB em consonância com as diretrizes locais (municipais ou estaduais) dos programas de controle de TB com a participação efetiva da sociedade civil. A realização do presente trabalho já promoveu alterações operacionais e administrativas em nossa instituição.


Sobre os autores

Hedi Marinho de Melo Guedes de Oliveira
Diretora Geral. Hospital Estadual Santa Maria, Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro - SESDEC-RJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Rossana Coimbra Brito
Médica. Gerência de Pneumologia Sanitária, Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro - SESDEC-RJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Afranio Lineu Kritski
Professor Adjunto. Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Antonio Ruffino-Netto
Professor Titular de Medicina Social. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.



Trabalho realizado no Hospital Estadual Santa Maria, Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro - SESDEC-RJ - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Endereço para correspondência: Hedi M. de M. G. de Oliveira. Rua Potiguara, 366/401, Freguesia, CEP 22750-290, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2447-9647 ou 55 21 9973-2314. E-mail: hedi_oliveira@yahoo.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 4/6/2008. Aprovado, após revisão em 26/3/2009.

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