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Artigo Original

Efetividade do tratamento da tuberculose

Effectiveness of tuberculosis treatment

Letícia Nazareth Fernandes da Paz, Maria Daise de Oliveira Ohnshi, Camila Melo Barbagelata, Fabiana de Arruda Bastos, João Augusto Figueiredo de Oliveira III, Igor Costa Parente

ABSTRACT

Objective: To analyze the treatment strategies that influence the effectiveness of tuberculosis treatment at primary care clinics (PCCs) in Brazil. Methods: This was a descriptive, retrospective epidemiological survey based on the medical records of 588 tuberculosis patients enrolled in the tuberculosis control programs at two PCCs located in the city of Belém, Brazil: Centro de Saúde Escola do Marco (CSEM) and Unidade Básica de Saúde da Pedreira (UBSP). The survey was limited to patients enrolled between January of 2004 and December of 2008. We included only patients between 18 and 59 years of age, and we excluded those who were transferred or were found to have been misdiagnosed. We collected data regarding age, gender, type of treatment (self-administered or supervised), co-infection with HIV, and treatment outcome. The health professionals involved in the tuberculosis control program at the two PCCs were interviewed regarding the strategies used for tuberculosis control and regarding routine clinical care for tuberculosis patients. Results: There were no significant differences between the CSEM and UBSP patients regarding age, gender, or co-infection with HIV. Supervised treatment was used significantly more frequently and the rate of cure was higher at the CSEM than at the UBSP, whereas the rate of treatment noncompliance was higher at the UBSP than at the CSEM. Conclusions: For patients enrolled in tuberculosis control programs at PCCs in Brazil, supervised treatment appears to be an extremely important strategy for reducing the rate of treatment noncompliance.

Keywords: Tuberculosis; Patient dropouts; Patient care planning; Treatment outcome.

RESUMO

Objetivo: Analisar as estratégias que influenciam a efetividade do tratamento da tuberculose em Unidades Básicas de Saúde (UBS). Métodos: Levantamento epidemiológico, descritivo, retrospectivo, envolvendo os prontuários médicos de 588 pacientes com tuberculose cadastrados no programa de controle da tuberculose, entre janeiro de 2004 e dezembro de 2008, em duas UBS - Centro de Saúde Escola do Marco (CSEM) e UBS da Pedreira (UBSP) - localizadas na cidade de Belém (PA). Os critérios de exclusão foram ter idade < 18 anos ou > 59 anos e ter alta por transferência ou mudança de diagnóstico. Os dados coletados foram idade, sexo, tipo de tratamento (autoadministrado ou supervisionado), coinfecção por HIV e desfecho do tratamento. Os profissionais de saúde envolvidos no programa da tuberculose das duas UBS foram entrevistados quanto às estratégias utilizadas no controle da doença e à rotina de atendimento. Resultados: Não houve diferenças significativas quanto a idade, sexo e coinfecção com HIV nas duas UBS. A utilização de tratamento supervisionado foi significativamente maior no CSEM que na UBSP, assim como a taxa de cura, enquanto a taxa de abandono foi maior na UBSP que no CSEM. Conclusões: Para pacientes cadastrados em programas de controle da tuberculose em UBS no Brasil, o tratamento supervisionado provavelmente é uma estratégia de extrema importância para se alcançar uma menor taxa de abandono.

Palavras-chave: Tuberculose; Pacientes desistentes do tratamento; Planejamento de assistência ao paciente; Resultado de tratamento.

Introdução

A tuberculose é considerada a maior causa de morte por doenças infecciosas em adultos(1) e, embora seja uma doença antiga, constitui ainda um importante problema de saúde pública no mundo, atingindo, principalmente, os países em desenvolvimento.(2) O diagnóstico precoce e o pronto início do tratamento medicamentoso são fundamentais para um efetivo controle da doença.(3)

No Brasil, estima-se a existência de 50 milhões de infectados e a ocorrência anual de 85.000 casos novos, além do registro anual de 6.000 óbitos.(4) Entre os 22 países responsáveis por 80% do total de casos da tuberculose no mundo, o Brasil ocupa a 19a posição.(3)

Nacionalmente, a problemática do tratamento da tuberculose está na alta taxa de abandono do tratamento que, em algumas capitais, pode atingir, em média, 25% dos pacientes tratados. A grande preocupação com a efetividade do tratamento deve-se ao fato de que a não adesão, ou mesmo tratamentos irregulares, além de não curarem os doentes, podem transformá-los em casos resistentes às drogas usuais.(5) Isso tem se apresentado como um desafio no tratamento individual dos pacientes.(6,7)

Em virtude dessa realidade, o objetivo do presente trabalho foi analisar as estratégias que influenciam a efetividade do tratamento da tuberculose em duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) em Belém (PA), com a finalidade de revelar estratégias que amplifiquem a aderência ao tratamento dessa doença e que possam ser utilizadas por outras UBS na tentativa de melhorar a efetividade no controle dessa doença.

Métodos

Levantamento epidemiológico, descritivo, retrospectivo, no qual foi padronizada a inclusão de pacientes na faixa etária entre 18 e 59 anos, de ambos os sexos, diagnosticados com tuberculose, cadastrados no Programa de Controle da Tuberculose no período entre janeiro de 2004 e dezembro de 2008, atendidos no Centro de Saúde Escola do Marco (CSEM) ou na Unidade Básica de Saúde da Pedreira (UBSP) e que tenham concluído o tratamento da doença, de forma satisfatória ou não. Foram excluídos da pesquisa todos os pacientes que não se enquadraram nos critérios de inclusão pré-estabelecidos e aqueles que não tivessem todos os dados a serem pesquisados disponíveis nas bases de dados analisadas. Além desses, aqueles que receberam alta por transferência (por não serem considerados casos das unidades em estudo) ou alta por mudança de diagnóstico (por não se tratarem de casos da tuberculose) também foram excluídos.

No período de estudo, 638 e 464 pacientes, respectivamente, foram diagnosticados com tuberculose no CSEM e na UBSP, dos quais foram selecionados os prontuários de todos os pacientes que se enquadravam nos critérios de inclusão e exclusão. Portanto, foram selecionados 588 pacientes, sendo 249 no CSEM e 339 na UBSP.

O estudo foi realizado em duas etapas. Na primeira, ocorreu à análise dos prontuários dos pacientes e dos livros de registro e controle da tuberculose do Programa Nacional de Controle da Tuberculose, assim como bases de dados que apresentavam todas as informações disponíveis sobre o paciente nas duas UBS pesquisadas, desde resultados de exames até sua evolução clínica. Na segunda etapa, foram realizadas entrevistas com os profissionais de saúde envolvidos no atendimento dos pacientes com tuberculose (médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem) nas duas UBS e que trabalhassem nessas pelo menos desde janeiro de 2004, com o intuito de verificar as estratégias utilizadas no controle da doença em cada unidade.

Na primeira etapa da pesquisa, foram analisados os possíveis resultados de tratamento (alta por cura, abandono do tratamento e óbito por tuberculose) e o tipo de tratamento (supervisionado ou autoadministrado). Além disso, foi verificado o perfil dos pacientes atendidos, no qual foram incluídas as variáveis sexo, idade e associação com HIV. Na segunda etapa, foram analisadas as estratégias utilizadas pelas unidades no controle da tuberculose, assim como a rotina de atendimento.

Os resultados obtidos foram submetidos à análise estatística pelos testes do qui-quadrado e exato de Fisher, de acordo com as variáveis, por meio do programa BioEstat 5.0. Para a análise da significância, foi considerado p < 0,05 (5%).

Todos os pacientes da presente pesquisa foram estudados segundo os preceitos da Declaração de Helsinque, e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas Gaspar Viana (Protocolo nº 069/09).

Resultados

Dos 588 pacientes selecionados, 249 e 339, respectivamente, foram atendidos e tratados no CSEM e na UBSP. Em relação ao desfecho do tratamento (Tabela 1), observou-se uma maior taxa de evolução para cura dos pacientes no CSEM em comparação aqueles da UBSP (p = 0,0016). Verificou-se também que a taxa de abandono na CSEM apresentou-se dentro da meta do Ministério da Saúde do Brasil (< 5%). Além disso, em relação ao tipo de tratamento (autoadministrado ou supervisionado; Tabela 2), em ambas as unidades, o tratamento autoadministrado prevaleceu (57,43% e 98,23% em CSEM e UBSP, respectivamente).





Não houve diferenças estatisticamente significantes entre os pacientes das duas UBS estudadas em relação ao sexo, idade e associação com HIV (Tabelas 3, 4 e 5).







Em relação ao sexo (Tabela 3), homens prevaleceram em ambas as UBS, concordando com a literatura.(9,10) Em relação à idade (Tabela 4), constatou-se que a maioria dos pacientes pesquisados pertencia a faixa etária de 18-23 anos e a de 24-29 anos no CSEM e na UBSP, respectivamente, sem diferença significante na comparação. Em relação à coinfecção tuberculose/HIV, verificou-se que a maioria dos pesquisados que se submeteram ao teste para HIV (Tabela 5) apresentaram resultados negativos.

Discussão

O fenômeno da não adesão ao tratamento por pacientes portadores da tuberculose tem sido visto como um dos maiores problemas no controle dessa doença, pois além de danos individuais, isso põe em risco a saúde pública, levando ao insucesso terapêutico e ao desenvolvimento de cepas resistentes.(5,7,8)

Vários são os fatores que determinam ou influenciam a adesão ao tratamento da tuberculose; por isso, além de conhecer o dinamismo de atendimento e as estratégias das UBS pesquisadas, foram avaliadas algumas características do perfil da população. De forma geral, a população das duas UBS não apresentou diferenças significativas em relação ao sexo, idade e coinfecção com o HIV quando comparadas. Houve predomínio do sexo masculino, da faixa etária de 18-29 anos, assim como baixa frequência de associação com o HIV.

Considerando ainda os fatores importantes para se avaliar a efetividade do tratamento, é fundamental lembrar que, entre as doenças que podem acompanhar o curso da tuberculose, a AIDS merece destaque.(11) Nesse caso, em ambas as UBS, verificou-se que a maioria dos pesquisados que se submeteram ao teste para HIV apresentaram resultados negativos, o que discorda de alguns estudos da literatura,(12,13) nos quais foi observada a coinfecção tuberculose/HIV na maioria dos pacientes. Esse fato pode ter sido evidenciado devido à distinção nas taxas de incidência de HIV nos locais onde foram realizados os estudos. De acordo com dados oficiais no Brasil,(14) a incidência de HIV é muito inferior na região Norte em comparação com aquela nas regiões Sudeste e Sul, locais de pesquisa dos estudos citados acima. Além disso, a taxa de infecção da tuberculose na região Norte é maior que no Sul e Sudeste.(14)

Quanto ao tipo de tratamento (Tabela 2), há uma peculiaridade que destaca o CSEM, que utiliza directly observed treatment, short-course (DOTS, tratamento supervisionado). Esse programa foi efetivado no Brasil a partir de 1998 e elevou a taxa de detecção em 18%, obtendo-se um aumento significativo no sucesso do tratamento da tuberculose.(4) Esse tratamento define-se como uma estratégia recomendada pela Organização Mundial da Saúde e tem como principal sustentáculo a observação direta da tomada de medicamentos para tuberculose em, pelo menos, três observações semanais nos primeiros dois meses, e uma observação por semana até o final do tratamento. Além disso, é um fator essencial para a melhor adesão ao tratamento e posterior alta por cura. A implantação do tratamento supervisionado em países como o Peru tem-se demonstrado uma estratégia eficaz, reduzindo percentualmente as taxas de abandono ao tratamento.(15)

No Brasil, essa estratégia tem sido implantada em vários serviços nos últimos anos. Entretanto, devido a problemas inerentes ao atual sistema público de saúde, como a escassez de recursos humanos e financeiros, há uma dificuldade operacional no emprego desse modelo para a maioria dos pacientes que faz tratamento da tuberculose.(16) Por isso, apesar de o DOTS já ter sido implantado no CSEM desde 2002, a maioria dos pacientes ainda é submetida ao tratamento autoadministrado.

Contrastando com a realidade do CSEM, a UBSP, na maior parte do período estabelecido para o presente estudo, ainda não fazia uso do tratamento supervisionado, que foi iniciado no segundo semestre de 2008.

Dessa forma, ao analisar o mecanismo de atendimento nessas duas unidades, no período entre janeiro de 2004 e dezembro de 2008, foram observadas as diferenças entre a utilização do DOTS e do tratamento autoadministrado, assim como as estratégias empregadas pelas unidades para obter um maior êxito no tratamento.

Nesse contexto, o CSEM apresenta dois fluxos de atenção para o diagnóstico e o tratamento da tuberculose: atenção básica, responsável por 80% dos casos, e atendimento de referência especializada.

A atenção básica está relacionada à demanda espontânea. O paciente com sintomas da tuberculose é encaminhado primeiramente à enfermagem, que, através de uma entrevista, adquire conhecimento sobre o vínculo epidemiológico, fatores de risco e possível presença de outra doença, sendo solicitadas duas amostras de exame de escarro para baciloscopia. Normalmente, a primeira amostra é realizada no mesmo dia e a segunda, no dia seguinte. A baciloscopia é realizada no laboratório da unidade. Além disso, para todos os pacientes, faz-se a notificação e a pesquisa de comunicantes vulneráveis, a exemplo das crianças. Portanto, assim como preconizado pelo Ministério da Saúde do Brasil,(4) os pacientes tratados no CSEM, antes de iniciar a quimioterapia, são orientados quanto ao tratamento. Na entrevista inicial, recebem informações, em linguagem acessível, sobre as características da doença e o esquema de tratamento que será seguido - drogas, duração do tratamento, benefícios do uso regular da medicação, consequências advindas do abandono ao tratamento e possíveis efeitos adversos dos medicamentos. Contudo, os pacientes que consultam os médicos da unidade são, apenas, os que manifestam intercorrências clínicas no decorrer do tratamento ou encaminhados pelo atendimento de referência. Isso ocorre porque, no CSEM, não há uma equipe exclusiva para o atendimento de pacientes com tuberculose. Além disso, por ser uma unidade de referência em tuberculose, recebe um número maior de pacientes.

No que se refere ao tratamento supervisionado realizado no CSEM, diferentemente do que é preconizado pela Organização Mundial de Saúde, a estratégia DOTS não é realizada em todos os casos da tuberculose ativa, sendo a escolha prioritária regida pela seguinte ordem: casos bacilíferos, casos de abandono, de recidiva, de falência e pacientes com condição social precária (como o alcoolismo, a alimentação inadequada e o fato do indivíduo morar sozinho).(16) Segundo Morrone et al.,(17) uma das formas de contornar as dificuldades para a adoção do tratamento supervisionado é restringi-la aos pacientes que realmente dele necessitam, evitando-se o abandono da terapêutica estabelecida.

Dessa forma, os pacientes atendidos pelo DOTS são selecionados de acordo com as prioridades eleitas acima e submetidos a duas fases de tratamento: a primeira, na qual o paciente tem que comparecer de segunda a sexta para acompanhamento e medicação, e a segunda, na qual esse comparece à unidade duas vezes por semana.

Nesse aspecto, analisando-se as estratégias do CSEM, é importante considerar que o número de visitas à unidade para a tomada da medicação, nas duas fases do tratamento, é maior do que o orientado pelo Ministério da Saúde.

Essa peculiaridade do CSEM é essencial para a efetividade do tratamento da tuberculose, visto que os primeiros dois a três meses do tratamento são os períodos nos quais ocorre a maioria dos abandonos, evidenciando a importância de se adotar medidas que possam reduzi-los desde o princípio do tratamento. Logo, a estratégia de retornos frequentes é uma intervenção elaborada para ser implantada no início do tratamento e demonstra trazer bons resultados.(18)

Outras estratégias utilizadas naquela unidade, desde a implantação do DOTS no dia 16 de setembro de 2002, para a efetividade do tratamento incluem incentivos materiais, como vale-transporte e alimentação (café ou mingau), e incentivos não materiais, como o cuidado com o paciente e o esclarecimento familiar. Esse cuidado refere-se às melhores condições de acesso ao tratamento - tendo em vista que uma das razões que pode levar um paciente ao abandono é a distância entre a sua residência e o hospital ou o posto de saúde(11) - e à valorização das queixas do paciente. Osterberg e Blaschke(19) evidenciaram que nenhuma ou pouca explicação sobre os possíveis efeitos colaterais da medicação é um dos maiores problemas de adesão ao tratamento. Por sua vez, o acolhimento do paciente e de seus familiares propicia o conhecimento mútuo das impressões sobre a doença e sobre o tratamento, promove esclarecimentos e procura estabelecer um vínculo que favoreça a confiança no saber científico.(1) Esse esclarecimento é fundamental, pois a família desempenha um suporte para o doente da tuberculose, embora, em alguns casos, ela nem sempre possa propiciar suporte para a obtenção de resultados positivos. A informação e a conscientização da família são essenciais para que essa não influencie negativamente na sequência da terapêutica.

No que se refere ainda ao tratamento supervisionado, a estratégia de grupo é adotada no CSEM. Assim, os pacientes recebem a medicação no mesmo horário, facilitando o entrosamento e estimulando a troca de informações. Essa estratégia permite que o paciente não se sinta isolado e desamparado.

Como outra forma de tratamento da unidade, o tratamento autoadministrado também recebe atenção adequada. Nesse, são priorizados o "tratar e ouvir bem o paciente", "valorizar suas queixas", além de um "controle rigoroso da baciloscopia", segundo os profissionais entrevistados. Os pacientes submetidos à autoadministração recebem a medicação suficiente para o tratamento durante 30 dias por um período de seis meses.

Tanto nessa forma de tratamento como no DOTS, nos casos de não comparecimento a consulta, o CSEM providencia o contato imediato com o paciente ou seus familiares. Primeiramente, sempre que possível, faz-se o contato telefônico na tentativa de se esclarecer o motivo do não comparecimento. Posteriormente, caso haja insucesso na primeira tentativa e como última tentativa de resgate do paciente ao tratamento, um representante da unidade se dirige à residência do mesmo.

A referência secundária, também realizada no CSEM, corresponde à demanda agendada. Nesse tipo de atendimento, há o esclarecimento dos casos mais difíceis, como casos complicados que não evoluem da forma adequada, assim como a elucidação de diagnósticos de pacientes que não sejam bacilíferos, em suspeitas de falência, multirresistência e de reações adversas.

No atendimento ao paciente com tuberculose, o CSEM realiza ainda o exame sorológico anti-HIV, e, desde 2008, é realizado na própria unidade o teste rápido. Caso o exame seja positivo, o paciente é encaminhado para a unidade de referência em AIDS, capacitada a tratar das duas infecções, pois pacientes imunodeprimidos devem receber atenção redobrada por apresentarem um maior risco de desenvolver e complicar a doença,(4) além do fato de que a coinfecção com HIV/AIDS é um fator importante para o desfecho desfavorável no tratamento da tuberculose.(20) Logo, o diagnóstico precoce da coinfecção permite um tratamento mais adequado para as reais condições do paciente e reduz as debilidades decorrentes da infecção por HIV, garantindo um cuidado integral à saúde e possibilitando um resultado mais efetivo no tratamento.

Da mesma forma, uma análise sobre o mecanismo de atendimento ao paciente com tuberculose foi feita na UBSP, evidenciando-se a seguinte rotina: preenchimento da ficha geral de atendimento; primeira consulta médica, na qual é feito o exame clínico; encaminhamento para exames de laboratório (duas baciloscopias de escarro); e segunda consulta médica ou com a enfermagem. Com o resultado positivo da baciloscopia, o paciente é inscrito no programa, com o preenchimento das fichas de notificação, investigação e controle de tratamento. Nesse momento, ainda são fornecidas orientações sobre a doença e o tratamento, é realizada uma extensa anamnese, os medicamentos são prescritos e é feito o pedido para que esse paciente realize o teste de HIV na própria unidade, que, assim como no CSEM, iniciou a realização do teste rápido em 2008.

Sobre essa verificação da associação tuberculose/HIV, ressalta-se que houve menor verificação na UBSP do que no CSEM, fato esse que se configura como uma importante diferença entre as unidades, uma vez que as medidas de prevenção e controle do HIV e da tuberculose não podem ser pensadas separadamente. A coinfecção tuberculose/HIV deve ser identificada no início do tratamento para que procedimentos de acompanhamento diferenciados possam ser implementados.(20)

No que se refere ao tratamento, verificou-se que a grande maioria dos pacientes atendidos na UBSP recebeu o tratamento autoadministrado. Esse tipo de tratamento exige o retorno do paciente ao centro uma vez ao mês para a consulta e o recebimento de medicamentos, com o acompanhamento da evolução do diagnóstico clínico e etiológico.

A equipe que atua na UBSP é formada por um clínico geral, um enfermeiro e um técnico de enfermagem, equipe essa exclusiva para os pacientes com tuberculose; além desses profissionais, os pacientes também podem ser acompanhados por um dentista e um psicólogo, dependendo da necessidade. Nos casos de falta a consulta, a equipe de saúde telefona para o paciente ou seus familiares na tentativa de impedir o abandono do tratamento.

Assim como no CSEM, a UBSP faz o acolhimento do paciente e de seus familiares para informá-los sobre a doença e o tratamento a ser seguido, no intuito de informar e estabelecer um vínculo que favoreça a confiança na equipe de saúde.

É importante considerar que o controle da tuberculose na UBSP, até o segundo semestre de 2008, era realizado somente através da autoadministração. No entanto, após a implementação do DOTS, os poucos casos tratados com supervisão no período estabelecido pela pesquisa foram realizados apenas em situações especiais, como no caso de pacientes com baixo nível de instrução e sem apoio familiar adequado.

Embora o DOTS tenha sido iniciado oficialmente no segundo semestre de 2008 na UBSP, a unidade continua sem estrutura para esse programa, pois não há espaço físico adequado para receber os pacientes e faltam recursos financeiros para o café da manhã e outros incentivos, como o fornecimento de vale-transporte.

Perante a apresentação das formas de atendimento aos pacientes portadores da tuberculose e das estratégias de cada unidade analisadas no presente estudo, obteve-se, como resultado do tratamento, valores distintos. Embora ambas as unidades tenham apresentado um desfecho do tratamento com evolução para a cura maior que o esperado pelo Ministério da Saúde,(4) que é de 85% dos casos da tuberculose estimados, a evolução para cura foi estatisticamente superior no CSEM do que na UBSP.

Quanto ao abandono (Tabela 1), considerando-se a meta nacional esperada pelo Ministério da Saúde(4) (taxa de abandono inferior a 5%), apenas o CSEM estava de acordo com o previsto, com índices de dois ou três abandonos por ano. Em comparação com a literatura, a taxa de abandono observada no CSEM foi relativamente menor que a apresentada em outros centros de saúde do Brasil,(9,10) os quais também utilizam o tratamento supervisionado.

A partir disso, pode-se inferir que as características adicionadas ao tratamento supervisionado (utilização de mais visitas à unidade do que é preconizado pelo Ministério da Saúde e realização desse tratamento de forma coletiva) auxiliam na obtenção da menor taxa de abandono nessa unidade e deveriam ser utilizadas por outros centros de saúde na tentativa de melhorar a efetividade do tratamento da tuberculose.

Diante de tais resultados e considerando-se que as populações das duas unidades apresentam faixa etária, sexo e associação com o HIV sem diferenças estatísticas, a influência desses fatores, embora presente, como discutido anteriormente, não explica o melhor desfecho apresentado no CSEM.

Em conclusão, o DOTS mostra-se como uma prática efetiva na aderência ao tratamento da tuberculose e na redução das taxas de abandono,(21) com redução do risco de transmissão da doença na comunidade, resultando em importantes alterações nos indicadores epidemiológicos da tuberculose. Adicionalmente, para melhores resultados na efetividade do tratamento, pode-se utilizar um maior número de visitas às UBS nos dois a três primeiros meses do tratamento, assim como a estratégia de administração da medicação de forma coletiva.

É importante esclarecer que os resultados obtidos e discutidos no presente estudo ratificam a necessidade de realização de estudos mais amplos, com enfoque na obtenção de dados mais precisos e acurados, para a elaboração de estratégias para a efetividade do tratamento da tuberculose e a redução dos casos de abandono.

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Trabalho realizado no Centro de Saúde Escola do Marco e na Unidade de Básica de Saúde da Pedreira, Belém (PA) Brasil.
Endereço para correspondência: Letícia Paz. Passagem Dalva, 333, Marambaia, CEP 66615-080, Belém, PA, Brasil.
Tel. 55 91 8139-9259. E-mail: letpaz@hotmail.com
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 19/7/2011. Aprovado, após revisão, em 5/6/2012.



Sobre os autores

Letícia Nazareth Fernandes da Paz
Discente de Medicina, Universidade do Estado do Pará, Belém (PA) Brasil.

Maria Deise de Oliveira Ohnishi
Professora Assistente I. Universidade do Estado do Pará; Professora Colaboradora. Centro Universitário do Estado do Pará; e Médica Pneumologista. Hospital Universitário João de Barros Barreto, Belém (PA) Brasil.

Camila Melo Barbagelata
Discente de Medicina, Universidade do Estado do Pará, Belém (PA) Brasil.

Fabiana de Arruda Bastos
Discente de Medicina, Universidade do Estado do Pará, Belém (PA) Brasil.

João Augusto Figueiredo de Oliveira III
Discente de Medicina, Universidade do Estado do Pará, Belém (PA) Brasil.

Igor Costa Parente
Discente de Medicina, Universidade do Estado do Pará, Belém (PA) Brasil.

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