Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
20165
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Esofagomanometria e pHmetria esofágica de 24 h em uma ampla amostra de pacientes com manifestações respiratórias

Esophageal manometry and 24-h esophageal pH-metry in a large sample of patients with respiratory symptoms

Mirna da Mota Machado, Paulo Francisco Guerreiro Cardoso, Iana Oliveira e Silva Ribeiro, Idílio Zamin Júnior, Rene Jacobsen Eilers

ABSTRACT

Abstract Objective: To determine the prevalence of gastroesophageal reflux disease (GERD) and to evaluate the esophageal motor profile of patients with respiratory symptoms referred to a digestive motility referral center for esophageal function testing. Methods: The results of esophageal manometry and 24-h esophageal pH-metry were analyzed. The inclusion criterion was presenting respiratory symptoms, with or without accompanying digestive symptoms. Results: Of the 1,170 patients included in the study, 602 (51.5%) reported having digestive and respiratory symptoms (DRS group), and 568 (48.5%) reported having only respiratory symptoms (RS group). Asthma was diagnosed in 142 patients in the RS group (RS-A subgroup) and in 201 of those in the DRS group (DRS-A subgroup). Of the 346 cases of esophageal dysmotility, hypomotility was found in 175 (14.3% and 15.6% in the DRS and RS groups, respectively), and lower esophageal sphincter (LES) hypotonia was found in 411 (40.3% and 30.2%, respectively). Hypotonia correlated with GERD. Exposure of the distal esophagus to acid was markedly abnormal in the supine position. The prevalence of GERD in the sample as a whole, the RS-A/DRS-A subgroups and the RS-A subgroup alone was 39.8%, 44.0% and 35.2%, respectively. Conclusions: Hypotonic LES was the most common abnormality and correlated with GERD. Although GERD was more evident in the DRS group, approximately one third of the patients in the RS group also presented GERD (silent GERD). The findings suggest that GERD can be an extrapulmonary cause of chronic respiratory symptoms unresponsive to conventional therapy.

Keywords: Gastroesophageal reflux; Signs and symptoms, respiratory; Asthma; Esophageal pH monitoring; Manometry.

RESUMO

Objetivo: Determinar a prevalência da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e avaliar o perfil motor esofágico de portadores de manifestações respiratórias encaminhados para avaliação funcional esofágica em um serviço de referência em motilidade digestiva. Métodos: Foram analisados os resultados de esofagomanometria e de pHmetria esofágica de 24 h. O critério de inclusão foi a presença de sintomas respiratórios, acompanhados ou não de sintomas digestivos. Resultados: Dos 1.170 pacientes incluídos no estudo, 602 (51,5%) relataram manifestações digestivas associadas às respiratórias (grupo MRD) e 568 (48,5%), apenas respiratórias (grupo MR). A asma foi diagnosticada em 142 indivíduos no grupo MR (subgrupo MR-A) e em 201 no grupo MRD (subgrupo MRD-A). Dentre os 346 casos de dismotilidade do corpo esofágico, a hipomotilidade esteve presente em 175 (14,3% e 15,6%, respectivamente, no grupos MRD e MR) e hipotonia do esfíncter esofágico inferior (EEI) em 411 (40.3% e 30,2% nos mesmos grupos, respectivamente). A hipotonia se correlacionou com DRGE. A exposição do esôfago distal ao ácido foi marcadamente anormal no período de decúbito. A prevalência de DRGE na amostra total, nos subgrupos MR-A/MRD-A e somente no subgrupo MR-A foi de 39,8%, 44,0% e 35,2%, respectivamente. Conclusões: A hipotonia do EEI foi a alteração manométrica preponderante, correlacionando-se com DRGE. Embora a DRGE foi mais evidente no grupo MRD, aproximadamente um terço dos pacientes do grupo MR apresentou DRGE (DRGE silencioso). Os achados sugerem a DRGE como possível causa extrapulmonar de sintomas respiratórios crônicos não responsivos à terapêutica convencional.

Palavras-chave: Refluxo gastroesofágico; Sinais e sintomas respiratórios; Asma; Monitoramento do pH esofágico; Manometria.

Introdução

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é freqüente, e sua prevalência na população geral permanece imprecisa, sendo usualmente subestimada. A DRGE caracteriza-se como uma afecção crônica decorrente do fluxo retrógrado do conteúdo gastroduodenal para o esôfago(1,2) e órgãos adjacentes, como boca, laringe e árvore brônquica,(3) acarretando um espectro variável de sinais e sintomas esofágicos e/ou extra-esofágicos, associados ou não a lesões teciduais.(4) Conforme suas manifestações clínicas, a DRGE pode se apresentar através de sintomas típicos (pirose e regurgitação), atípicos ou extra-esofágicos, ou ainda sob a forma de complicações (úlceras, estenoses e esôfago de Barrett). As manifestações atípicas da DRGE compreendem dor torácica não-cardiogênica, asma, tosse crônica, laringite, disfonia, faringite posterior crônica, sensação de globo faríngeo, sinusite, erosão do esmalte dentário, pneumonias de repetição, entre outros.(1,2) Dentre as manifestações extra-esofágicas, as respiratórias situam-se entre as mais freqüentes, representando um dilema diagnóstico, uma vez que podem se apresentar desacompanhadas de sintomas digestivos de refluxo. Poucos estudos em nosso meio têm abordado a questão do refluxo e tosse crônica.(5,6)

A grande prevalência da DRGE nos portadores de asma e tosse tem sido objeto de inúmeros estudos, já sendo sabido o envolvimento, nesta associação, de reflexos nervosos, citocinas, células neuroendócrinas e células inflamatórias, além de aspiração traqueal do conteúdo gástrico.(7) A DRGE tem sido apontada como a terceira causa de tosse crônica, afetando até 40% dos indivíduos portadores desta afecção.(8,9) A prevalência de DRGE na asma pode variar entre 34% e 89%.(9)

Em um estudo prévio, realizado em nosso laboratório, demonstrou-se haver um número expressivo de pacientes com manifestações respiratórias e DRGE. Isso foi particularmente importante nos asmáticos encaminhados para avaliação funcional esofágica.(10)

O presente estudo adveio da necessidade de determinar a prevalência da DRGE e avaliar o perfil motor esofágico dos portadores de manifestações respiratórias, encaminhados para avaliação funcional esofágica, em um serviço de referência em motilidade digestiva.

Métodos

Foram estudados retrospectivamente os resultados de esofagomanometria e pHmetria de 24 h de pacientes adultos de ambos os sexos, encaminhados ao Laboratório de Motilidade Digestiva do Pavilhão Pereira Filho da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. O critério de inclusão, neste estudo, foi a presença de sintomas respiratórios, acompanhados ou não de sintomas digestivos, nos pacientes encaminhados para esofagomanometria estacionária computadorizada e pHmetria esofágica de 24 h.

No caso específico da asma, foram considerados portadores de tal manifestação os pacientes com diagnóstico comprovado conforme especificado na solicitação fornecida pelos médicos assistentes, sem classificação de gravidade ou estratificação pela espirometria. Foram excluídos do estudo os pacientes que realizaram a pHmetria em vigência de medicações antiácidas, pacientes submetidos à cirurgia esôfago-gástrica prévia, gravidez comprovada, exames de pHmetria com tempo de monitorização inferior a 22 h e em casos de fratura e/ou deslocamento de eletrodo que impediram a aquisição completa dos dados.

Este estudo transversal teve como desfecho o perfil da esofagomanometria e da pHmetria. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade da Santa Casa de Porto Alegre (nº 1420/06).

A esofagomanometria foi realizada através de um sistema de manometria estacionária computadorizada, composto de um cateter de polivinil de 4,5 mm de diâmetro, perfurado em 8 lúmens, com distribuição de 4 canais radiais distais e 4 longitudinais distribuídos axialmente, com intervalos de 5 cm (Synectics Medical, Estocolmo, Suécia). Utilizou-se um sistema de perfusão por bomba pneumohidráulica capilar de baixa complacência (Mui Scientific, Mississauga, Ontário, Canadá) com fluxo constante de 0,5 mL/min. As aberturas do cateter de perfusão foram conectadas a transdutores externos de pressão. As pressões captadas foram registradas por um polígrafo digital computadorizado (PC Polygraf HR; Synetics Medical, Estocolmo, Suécia) com registro gráfico em tempo real. A análise foi elaborada em software específico (Polygram; Synectics Medical, Estocolmo, Suécia). Todos os procedimentos foram realizados após jejum mínimo de 4 h. Para a esofagomanometria, após anestesia tópica nasal (gel de lidocaína a 2%) com o paciente em decúbito dorsal, procedeu-se a intubação nasoesofágica até o estômago. A seguir, o cateter foi removido a intervalos de 1 cm (técnica de remoção lenta), sendo analisados os esfíncteres esofágicos inferior (EEI) e superior (EES), assim como o corpo esofágico. No EEI, estudou-se o tônus (pressão médio-­expiratória), localização/extensão e relaxamento durante 5 deglutições de 5 mL de água. O corpo esofágico foi assim avaliado: morfologia, amplitude, duração e velocidade das contrações esofágicas geradas pela seqüência de 10 deglutições de 5 mL de água, a intervalos de 30 s, com os sensores posicionados a 3, 8, 13 e 18 cm acima do EEI. A faixa de amplitude, considerada normal para as contrações no esôfago distal, situou-se entre 40 e 180 mmHg. O estudo do EES compreendeu o tônus (pressão médio-expiratória), localização/extensão, relaxamento e coordenação com as contrações faríngeas. Os resultados basearam-se nos critérios de normalidade obtidos em nosso laboratório,(11) similares aos da literatura.(12)
O comprimento do esôfago foi definido como a distância entre a borda proximal do EEI e a borda distal do EES. Os critérios para definição dos distúrbios primários e secundários do esôfago foram baseados na literatura.(13)

Após a esofagomanometria foi realizada a pHmetria. Utilizou-se um eletrodo de referência cutâneo externo, integrado a um cateter semidescartável de um sensor (Zinectics; Medtronic-Synetics, Skorlunde, Dinamarca) ou dois sensores de antimônio (Alacer Biomédica, São Paulo, Brasil), conectados a um gravador portátil computadorizado (Digitrapper MK III; Synectics Medical, Estocolmo, Suécia), capaz de registrar uma medida de pH a cada 4 s durante 24 h consecutivas. O eletrodo distal de pHmetria foi posicionado 5 cm acima do limite proximal do EEI, o qual fora localizado previamente pela esofagomanometria. Quando utilizado o cateter de dois sensores, a distância entre eles foi de 15 cm. Antes de cada exame, os eletrodos eram calibrados em soluções tampão (Alacer Biomédica, São Paulo, Brasil) de pH 7 e pH 1, sendo o eletrodo de referência externo fixado à pele da região ântero-superior do tórax. Procedia-se, então, à intubação nasoesofágica, ao posicionamento e à fixação do eletrodo com posterior disparo do cronômetro, iniciando-se o registro de 24 h. Os pacientes foram orientados a suspender medicamentos antiácidos e pró-cinéticos, 7 dias antes do exame e a apresentar-se em jejum de 4 h. As medicações utilizadas para o controle das manifestações respiratórias não foram suspensas. Foi fornecido um diário para registro dos horários de início e fim das refeições, períodos em decúbito e eventuais sintomas. Ao final das 24 h, os pacientes retornaram ao laboratório para a remoção do cateter e a análise dos registros (Esophogram; Synectics Medical, Estocolmo, Suécia), com a emissão de um laudo gráfico e descritivo com as conclusões do exame. A análise baseou-se nos dados fornecidos pelo eletrodo distal, sendo utilizada a tabela e escore de Johnson e DeMeester.
(14,15) Consideramos anormais os exames com escore de DeMeester acima de 14,7.

Na análise estatística utilizamos o teste exato de Fisher e o qui-quadrado para a análise das variáveis qualitativas, e o teste t de Student para as variáveis quantitativas. Os dados foram representados como freqüência e percentual para as variáveis categóricas e como média e desvio-padrão para as variáveis quantitativas. O nível de significância adotado foi de 5%. Os dados foram analisados através do programa Statistical Package for the Social Sciences versão 13.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

Realizaram-se 4.020 esofagomanometrias e 3.486 pHmetrias entre janeiro de 1995 e dezembro de 2005. Preencheram os critérios de inclusão, para este estudo, 1.170 pacientes, sendo que 568 (48,5%) apresentavam manifestações respiratórias sem manifestações digestivas (grupo MR), enquanto que 602 (51,5%) relataram manifestações digestivas associadas às respiratórias (grupo MRD). Dos 309 indivíduos do sexo masculino, 152 (26,4%) eram do grupo MR e 157 (26,8%) do grupo MRD. Das 861 (73,6%) pacientes do sexo feminino, 416 (73,2%) eram do grupo MR e 445 (73,9%) do grupo MRD. A distribuição por sexo foi homogênea entre os grupos. As manifestações clínicas que motivaram o encaminhamento dos pacientes para a avaliação funcional do esôfago estão descritas na Tabela 1. Tosse e asma foram as manifestações respiratórias preponderantes, tanto dentre os pacientes do grupo MR, quanto dentre os do grupo MRD. Outras manifestações consistiram em pneumonias de repetição, abscesso pulmonar, bronquiectasias, doença pulmonar obstrutiva crônica, fibrose pulmonar e apnéia do sono.



No grupo MRD, a pirose foi o sintoma digestivo mais freqüente (91,9%), seguido por regurgitação (10,6%), disfagia (3,0%), vômito (2,5%) e outros (18,0%; incluindo plenitude, epigastralgia, odinofagia ou desconforto retroesternal, sensação de globo faríngeo, halitose e engasgos).

O diagnóstico manométrico de 1.170 pacientes revelou 481 exames normais
(41,1%), dentre os quais 262 do grupo MR (22,4%) e 219 do grupo MRD (18,7%) (p = 0,001).

Dentre as alterações manométricas, encontraram-se distúrbios motores primários em 1,9% dos casos (esôfago em "quebra-nozes" em 15 casos e espasmo esofagiano difuso em 7) e distúrbios inespecíficos em 52 casos (4,4%). Outros achados anormais ao estudo (hipomotilidade do corpo esofágico; hipotonia, hipertonia e distúrbio de relaxamento do EEI e EES; incoordenação do EES; e alterações sugestivas de colagenoses) ocorreram em 474 exames (40,5%). A hipotonia do EEI foi a alteração mais freqüentemente encontrada (30,2% no grupo MR e 40,0% no grupo MRD) e a única significativa (p < 0,001) entre os grupos, apesar de ambas as médias encontrarem-se normotônicas. Dentre os 346 casos de dismotilidade do corpo esofágico, a hipomotilidade esteve presente em 175 (14,3% do grupo MRD e 15,6% do grupo MR). A hipotonia do EEI, presente em 411 dos 1.170 pacientes, foi o dado da esofagomanometria que se correlacionou com os parâmetros anormais da pHmetria, conforme demonstra a Tabela 2.





O perfil da pHmetria demonstrou exposição do esôfago distal ao ácido sempre maior no grupo MRD do que no grupo MR, estando os índices avaliados dentro dos parâmetros de normalidade ou não (Tabela 3).

Dos 1.170 pacientes incluídos, 343 indivíduos relataram asma. Destes, 142 negaram manifestações digestivas (subgrupo MR-A). Nos 201 portadores de manifestações digestivas associadas (subgrupo MRD-A), a pirose foi a queixa preponderante (94,0%).

A comparação entre os subgrupos MR-A e MRD-A revelou que as anormalidades detectadas através da esofagomanometria não foram relevantes, exceto o tônus do EEI que, embora significativamente diferente entre os grupos (p = 0.001), manteve-se dentro dos limites normais. Ainda assim, a hipotonia do EEI esteve presente em 26,8% dos indivíduos do subgrupo MR-A e em 40,3% dos do subgrupo MRD-A.

O perfil da pHmetria demonstrou maior exposição esofágica ao ácido, com maior número de parâmetros anormais, nos pacientes com manifestações digestivas associadas (grupo MRD e subgrupo MRD-A) (Tabelas 3 e 4).





A exposição do esôfago distal ao ácido foi marcadamente anormal no período de decúbito em todos os grupos analisados, correspondendo a aproximadamente um terço dos indivíduos sem manifestações digestivas (Tabela 5).



A prevalência de DRGE nos pacientes estudados foi expressiva (39,8%), dentre os quais, 188 (33,1%) negavam quaisquer queixas digestivas. Nos subgrupos de pacientes com asma, 44% dos resultados das pHmetrias foram anormais, sendo que 50 pacientes (35,2%) não apresentavam sintomas digestivos.

Discussão

As manifestações respiratórias do refluxo gastroesofágico são freqüentemente desacompanhadas de sintomas típicos, dificultando a suspeição de seu diagnóstico. Por exemplo, a DRGE pode estimular o reflexo de tosse por irritação do trato respiratório superior sem aspiração, por irritação do trato respiratório inferior por microaspiração ou macroaspiração e, ainda, por estímulo de um mecanismo esôfago-brônquico neural, em que a simples presença do conteúdo refluído para o esôfago distal seria suficiente para desencadear a tosse. Neste contexto, os exames radiológicos e endoscópicos podem ser normais. Mesmo que a DRGE possa causar tosse por irritação da laringe, com alterações detectáveis através da broncoscopia e de estudos de imagem do tórax, a presença destas alterações não deve ser indubitavelmente imputada ao refluxo, uma vez que a inflamação e o edema da laringe e das vias aéreas inferiores podem ser decorrentes do trauma da tosse, provocada por outras doenças.(16) Da mesma forma, a asma pode ser exacerbada, ou mesmo desencadeada pela DRGE, o qual funcionaria como um "gatilho", levando alguns autores a usarem o termo "asma gástrica".(17,18) Na literatura, a prevalência de DRGE em asmáticos varia entre 32% e 82%,(8,19,20) sendo que até 50% dos asmáticos possuem "DRGE silencioso".(3) Segundo um estudo,(21) em que se comparou grupos de asma com e sem sintomas digestivos associados, a gravidade do refluxo não foi menor nos asmáticos com DRGE silencioso, e a prevalência da DRGE em pacientes com asma estabilizada e sem sintomas digestivos foi de 62%. A grande variabilidade da prevalência da DRGE na asma pode ser devida à inclusão de casos de asma de diferentes complexidades, além da criação de parâmetros próprios de normalidade, diferentes dos critérios estipulados por DeMeester.(14,15) Isto pode subestimar a associação entre asma e DRGE.

Na avaliação dos pacientes com manifestações respiratórias relacionadas à DRGE, observamos que é freqüente o achado de esofagomanometria normal. Contudo, na presença de hipotonia do EEI (30,2% no grupo MR e 40,0% no grupo MRD), a associação com DRGE foi mais freqüente. Este achado corrobora os achados de um autor(20) e contrapõe-se aos de outros autores,(22) que apontam a motilidade esofágica ineficaz como a principal alteração manométrica relacionada à DRGE, estando presente em 20% dos pacientes com DRGE típica (pirose) e em mais de 50% dos pacientes com DRGE com sintomas respiratórios.(2) De fato, a hipotensão do EEI e a dismotilidade esofágica foram as alterações manométricas mais freqüentes no presente estudo. A presença de hipomotilidade do corpo esofágico ocorreu com distribuição semelhante entre os grupos MR e MRD (14,3% e 15,6%, respectivamente; p = 0,51). Estudos recentes, com portadores de fibrose pulmonar idiopática candidatos a transplante de pulmão, detectaram que o refluxo estava relacionado a ambas as alterações.(23) Possivelmente esta dupla alteração manométrica esteja relacionada à gravidade do quadro pulmonar, bem maior neste espectro de pacientes com doença pulmonar terminal, em comparação aos pacientes dos demais estudos.(20,22) Neste particular, a falência de dois dos principais mecanismos da barreira anti-refluxo somados (EEI e peristalse), permitindo a ascensão do material refluído e sua permanência no esôfago por tempo prolongado, pode contribuir para a sua aspiração, gerando e/ou agravando o quadro pulmonar. Contudo, ainda não está estabelecido se a dismotilidade é decorrente do refluxo ou vice-versa.(16)

Os métodos mais precisos para o diagnóstico da DRGE são a pHmetria convencional e a impedanciometria. Esta última é capaz de detectar episódios de refluxo, independentemente de sua natureza, ao passo que a pHmetria convencional identifica os refluxos ácidos, apresentando, em estudos prospectivos para investigação de tosse, sensibilidade de 90% e especificidade entre 66% e 100%.(16) A pHmetria é capaz de quantificar o refluxo, estabelecer o seu padrão e periodicidade, além de correlacionar os episódios de refluxo com os sintomas digestivos ou respiratórios referidos pelos pacientes. A pHmetria pode ainda ser empregada nos casos de tosse relacionada à DRGE, em vigência de tratamento anti-refluxo, quando não há melhora dos sintomas, para verificar a eficácia terapêutica.(16)

Tem-se demonstrado que até 75% dos portadores de tosse crônica sem sintomas de DRGE e 24% de pacientes com asma de difícil controle podem apresentar DRGE através da pHmetria. O tratamento anti-refluxo, nestes pacientes, pode resultar em acentuada melhora ou mesmo na remissão dos sintomas respiratórios.(9)

A prevalência de DRGE nos pacientes estudados foi expressiva (39,8%). Nos pacientes com asma, 44% dos resultados das pHmetrias foram anormais, sendo 35,2% em pacientes que não apresentavam sintomas digestivos. Tais percentuais se aproximam dos encontrados em um estudo (36% e 25%, respectivamente),(19) mas foram inferiores aos de outro (72% e 62%, respectivamente).(20)

Em todos os grupos analisados, o período de maior exposição patológica do esôfago distal ao ácido foi sempre o em decúbito. Nossos achados confirmam os de um estudo,(24) no qual os pacientes que apresentavam asma e sintomas típicos de DRGE tinham maior exposição do esôfago distal ao ácido.

A escolha da asma neste estudo como subgrupo de manifestações respiratórias deveu-se ao fato de esta ser prevalente no nosso universo de pacientes, já tendo motivado estudos prévios em nosso laboratório.(25) Ainda no que se refere à asma, reconhecemos que a ausência de critérios diagnósticos mais rígidos para a doença, bem como a falta de caracterização da asma nos pacientes analisados, são limitações deste estudo. Entretanto, o caráter retrospectivo da análise nos impediu de prover estes dados com maior fidelidade.

Ao avaliarmos o resultado das médias dos parâmetros avaliados pela esofagomanometria de todos os indivíduos incluídos no estudo, notamos que seus valores foram normais tanto no grupo MR, quanto no MRD, bem como nos subgrupos com manifestação asmática, associada ou não a distúrbios digestivos. Porém, a esofagomanometria normal não excluiu a DRGE. Assim sendo, entendemos que a investigação funcional do esôfago em pacientes portadores de manifestações respiratórias não deve cessar frente a um resultado de esofagomanometria normal. Além disso, embora a investigação funcional esofágica destes pacientes tenha como pilar fundamental a pHmetria, a esofagomanometria é imprescindível para o adequado posicionamento intra-esofágico do eletrodo de captação do pH.(26-28)

A hipotonia do EEI figurou como a anormalidade manométrica mais freqüente e também como a única estatisticamente significativa (p < 0,001). Em função disso, analisou-se a correlação entre hipotonia do EEI e os resultados anormais da pHmetria. Para os grupos MR e MRD, encontrou-se correlação significante em absolutamente todos os parâmetros. Na mesma comparação realizada dentre os que relataram asma, o subgrupo MR-A teve correlação significante entre hipotonia e tempo de exposição ao ácido em posição supina, o que elevou a níveis também significantes a percentagem de exposição no tempo total e o escore de DeMeester. Já no subgrupo MRD-A, foi o refluxo em ortostatismo que contribuiu significativamente para a elevação do tempo total de refluxo e, conseqüentemente, para a elevação do escore final de DeMeester (Tabela 4). O uso de broncodilatadores aparentemente não tem participação nestes achados, uma vez que foi demonstrado não haver modificação apreciável do tônus do EEI,(29) e que a presença do refluxo independe do uso da medicação.(30)

Através da análise da pHmetria no grupo MR e no subgrupo MR-A, verificamos um aumento quantitativo dos episódios de refluxo e da exposição durante o período em decúbito. Nos pacientes do grupo MRD e do subgrupo MRD-A, os achados acima foram acrescidos de aumento do tempo de exposição do esôfago distal ao ácido nas 24 h.

A comparação do grupo MRD com o grupo MR mostrou diferenças altamente significativas em todos os quesitos da pHmetria. Por outro lado, a comparação entre os subgrupos MRD-A e MR-A mostrou diferenças significativas apenas nos percentuais de tempo com refluxo em posição ortostática e no tempo total de exposição do esôfago distal ao ácido, além do número de episódios de refluxo nas 24 h. Entretanto, o que interessa observar é que todas as médias dos parâmetros da pHmetria dos pacientes com manifestações digestivas associadas, sejam as do grupo MRD ou as do subgrupo MRD-A, apresentaram valores mais altos que os do grupo MR, independentemente de estarem dentro da faixa de normalidade ou não. Ou seja, os indivíduos com manifestação digestiva associada apresentaram maior exposição do esôfago distal ao ácido.

Em conclusão, o perfil manométrico dos portadores de manifestações respiratórias revelou a hipotonia do EEI como a alteração preponderante em ambos os grupos, embora mais freqüente naqueles com manifestações digestivas associadas às respiratórias, correlacionando-se com DRGE. O perfil da pHmetria demonstrou DRGE mais freqüente e com parâmetros mais alterados nos pacientes com queixas digestivas associadas. O período em decúbito foi o de maior exposição do esôfago distal ao ácido refluído em todos os grupos analisados. Aproximadamente um terço dos pacientes com queixas respiratórias sem sintomas digestivos apresentaram DRGE (DRGE silencioso). Essa comprovação é particularmente importante porque permite sugerir a DRGE como causa extrapulmonar de sintomas respiratórios crônicos de origem indeterminada e não responsivos à terapêutica convencional. Os achados do presente estudo possuem as limitações impostas pelo seu desenho retrospectivo, sendo necessários estudos prospectivos no futuro para melhor esclarecimento.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Edna da Mota Machado a revisão gramatical; a Mathias Bressel as análises estatísticas e ao Professor Doutor José da Silva Moreira do Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul o apoio.

Referências


1. Chinzon D, Neto M. Doença do Refluxo Gastroesofagiano: avaliação clínica e diagnóstico. In: Domingues G, editor. Esôfago. 1st Ed. Rio de Janeiro: Rubio; 2005. p. 245-59.

2. Katz PO. Gastroesophageal reflux disease--state of the art. Rev Gastroenterol Disord. 2001;1(3):128-38.

3. Richter JE. Ambulatory esophageal pH monitoring. Am J Med. 1997;103(5A):130S-4S.

4. Vakil N, van Zanten SV, Kahrilas P, Dent J, Jones R; Globale Konsensusgruppe. The Montreal definition and classification of gastroesophageal reflux disease: a global, evidence-based consensus paper [Article in German]. Z Gastroenterol. 2007;45(11):1125-40.

5. Gastal OL, Castell JA, Castell DO. Frequency and site of gastroesophageal reflux in patients with chest symptoms. Studies using proximal and distal pH monitoring. Chest. 1994;106(6):1793-6.

6. Palombini BC, Villanova CA, Araújo E, Gastal OL, Alt DC, Stolz DP, et al. A pathogenic triad in chronic cough: asthma, postnasal drip syndrome, and gastroesophageal reflux disease. Chest. 1999;116(2):279-84.

7. Theodoropoulos DS, Pecoraro DL, Efstratiadis SE. The association of gastroesophageal reflux disease with asthma and chronic cough in the adult. Am J Respir Med. 2002;1(2):133-46.

8. Poelmans J, Tack J. Extraoesophageal manifestations of gastro-oesophageal reflux. Gut. 2005;54(10):1492-9.

9. Harding SM, Richter JE. The role of gastroesophageal reflux in chronic cough and asthma. Chest. 1997;111(5):1389-402.

10. Ribeiro IOS. Manifestações respiratórias e doença do refluxo gastro-esofágico: perfil da esofagomanometria e pHmetria esofágica de 24 horas [dissertation]. Porto Alegre (RS): UFRGS; 2002.

11. Barros I, Felicetti J, Camargo J, Cardoso PFG. Parâmetros de normalidade para esofagomanometria. J Pneumol. 1995;21(supl 1):19.

12. Richter JE, Wu WC, Johns DN, Blackwell JN, Nelson JL 3rd, Castell JA, et al. Esophageal manometry in 95 healthy adult volunteers. Variability of pressures with age and frequency of "abnormal" contractions. Dig Dis Sci. 1987;32(6):583-92.

13. Nasi R, Michelson N, editores. Manometria e pHmetria esofágicas. 1st Ed. São Paulo: Roca; 2001.

14. Johnson LF, Demeester TR. Twenty-four-hour pH monitoring of the distal esophagus. A quantitative measure of gastroesophageal reflux. Am J Gastroenterol. 1974;62(4):325-32.

15. Johnson LF, DeMeester TR. Development of the 24-hour intraesophageal pH monitoring composite scoring system. J Clin Gastroenterol. 1986;8 Suppl 1:52-8.

16. Irwin RS. Chronic cough due to gastroesophageal reflux disease: ACCP evidence-based clinical practice guidelines. Chest. 2006;129(1 Suppl):80S-94S.

17. Makkar RP, Sachdev GK. Gastric asthma: a clinical update for the general practitioner. MedGenMed. 2003;5(3):4.

18. Peters FT, Kleibeuker JH, Postma DS. Gastric asthma: a pathophysiological entity? Scand J Gastroenterol Suppl. 1998;225:19-23.

19. Kiljander TO, Laitinen JO. The prevalence of gastroesophageal reflux disease in adult asthmatics. Chest. 2004;126(5):1490-4.

20. Harding SM. Recent clinical investigations examining the association of asthma and gastroesophageal reflux. Am J Med. 2003;115 Suppl 3A:39S-44S.

21. Harding SM. Gastroesophageal reflux, asthma, and mechanisms of interaction. Am J Med. 2001;111 Suppl 8A:8S-12S.

22. Fouad YM, Katz PO, Hatlebakk JG, Castell DO. Ineffective esophageal motility: the most common motility abnormality in patients with GERD-associated respiratory symptoms. Am J Gastroenterol. 1999;94(6):1464-7.

23. Sweet MP, Patti MG, Leard LE, Golden JA, Hays SR, Hoopes C, et al. Gastroesophageal reflux in patients with idiopathic pulmonary fibrosis referred for lung transplantation. J Thorac Cardiovasc Surg. 2007;133(4):1078-84.

24. Harding SM, Guzzo MR, Richter JE. The prevalence of gastroesophageal reflux in asthma patients without reflux symptoms. Am J Respir Crit Care Med. 2000;162(1):34-9.

25. Santos LH, Ribeiro IO, Sánchez PG, Hetzel JL, Felicetti JC, Cardoso PF. Evaluation of pantoprazol treatment response of patients with asthma and gastroesophageal reflux: a randomized prospective double-blind placebo-controlled study. J Bras Pneumol. 2007;33(2):119-27.

26. Ergun GA, Kahrilas PJ. Clinical applications of esophageal manometry and pH monitoring. Am J Gastroenterol. 1996;91(6):1077-89.

27. Kahrilas PJ, Quigley EM. Clinical esophageal pH recording: a technical review for practice guideline development. Gastroenterology. 1996;110(6):1982-96.

28. Pandolfino JE, Kahrilas PJ; American Gastroenterological Association. AGA technical review on the clinical use of esophageal manometry. Gastroenterology. 2005;128(1):209-24.

29. Sontag S. The prevalence of gastroesophageal reflux disease in asthma. In: Stein M, editor. Gastroesophageal reflux disease and airway disease. New York: Marcel Dekker; 1999. p. 115-38.

30. Sontag SJ, O'Connell S, Khandelwal S, Miller T, Nemchausky B, Schnell TG, et al. Most asthmatics have gastroesophageal reflux with or without bronchodilator therapy. Gastroenterology. 1990;99(3):613-20.





Trabalho realizado no Laboratório de Motilidade Digestiva. Pavilhão Pereira Filho, Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
1. Médico do Laboratório de Motilidade Digestiva. Pavilhão Pereira Filho, Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
2. Professor Associado de Cirurgia Torácica. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre (RS) Brasil.
3. Professora do Departamento de Medicina Clínica. Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal (RN) Brasil.
Endereço para correspondência: Paulo Francisco Guerreiro Cardoso. Pavilhão Pereira Filho, Santa Casa de Porto Alegre, Rua Professor Annes Dias, 285, 1 PPF, Centro, CEP 90020-090, Porto Alegre, RS, Brasil.
Tel 55 51 3221-2232. E-mail: cardosop@gmail.com
Suporte financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 14/3/2008. Aprovado, após revisão, em 22/4/2008.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia