Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
8639
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Avaliação da concentração de alfa 1-antitripsina e da presença dos alelos S e Z em uma população de indivíduos sintomáticos respiratórios crônicos

Determination of alpha 1-antitrypsin levels and of the presence of S and Z alleles in a population of patients with chronic respiratory symptoms

Heliane Guerra Serra, Carmen Sílvia Bertuzzo, Mônica Corso Pereira, Cláudio Lúcio Rossi, Walter Pinto Júnior, Ilma Aparecida Paschoal

ABSTRACT

Abstract Objective: To determine the levels of alpha-1 antitrypsin (AAT) and the presence of S and Z alleles in patients with chronic respiratory symptoms. Methods: Patients with chronic cough and dyspnea were submitted to clinical evaluation, pulmonary function tests, high-resolution computed tomography, nephelometric determination of AAT and determination of S and Z alleles by polymerase chain reaction. Smoking and AAT levels were considered the dependent variables. Results: Of the 89 patients included in the study, 44 were female. The mean age was 51.3 ± 18.2 years. The S and Z alleles were detected in 33.3% and 5.7%, respectively, and the gene frequency was 0.16 and 0.028, respectively. Two patients were SZ heterozygotes (AAT levels ≤ 89 mg/dL). The patients were divided into groups based on AAT level: ≤ 89 mg/­dL (deficiency, no group); 90-140 mg/dL (intermediate, Group 1, n = 30); and ≥ 141 mg/dL (normal, Group 2, n = 57). The frequency of smokers was the same in both groups, although tobacco intake was greater in Group 2. The S allele was present in 13 and 14 patients in Groups 1 and 2, respectively, whereas the Z allele was present in 2 and 1 patient in the same groups. There was no difference in the results of pulmonary function tests or in the frequency of bronchiectasis or emphysema between the two groups. Spirometric values and AAT levels were similar in smokers and nonsmokers. Bronchiectasis was more common in nonsmokers, and emphysema was more common in smokers. Conclusions: Thirty patients presented AAT levels lower than the mean values found in patients with the MM or MS genotype, and this fact could not be explained by an increased frequency of S and Z alleles.

Keywords: Alpha 1-antitrypsin; Emphysema: Lung diseases; Alleles.

RESUMO

Objetivo: Determinar a concentração de alfa 1-antitripsina (AAT) e a prevalência dos alelos S e Z em indivíduos sintomáticos respiratórios crônicos. Métodos: Pacientes com tosse crônica e dispnéia foram submetidos à avaliação clínica, espirometria, tomografia computadorizada de tórax, dosagem de AAT por nefelometria e pesquisa das mutações S e Z por reação em cadeia da polimerase. Foram consideradas como variáveis dependentes a concentração de AAT e o tabagismo. Resultados: Dos 89 pacientes incluídos no estudo (44 mulheres; idade média, 51,3 ± 18,2 anos), os alelos S e Z foram detectados em 33,3% e 5,7%, respectivamente, com freqüência gênica dos alelos S e Z de 0,16 e 0,028. Dois pacientes tinham genótipo SZ (AAT ≤ 89 mg/dL). Os pacientes foram divididos em grupos segundo a concentração de AAT: ≤ 89 mg/dL (deficiência, nenhum grupo); 90-140 mg/dL (faixa intermediária, Grupo 1, n = 30); e ≥ 141 mg/dL (normal, Grupo 2, n = 57). A freqüência de fumantes foi igual nos dois grupos, com carga tabágica maior no Grupo 2. O alelo S estava presente em 13 e 14 pacientes dos Grupos 1 e 2, respectivamente, enquanto que o alelo Z estava presente em 2 e 1 paciente dos mesmos grupos. Não houve diferença nos testes de função pulmonar, nem na freqüência de bronquiectasias ou enfisema entre os dois grupos. Os valores espirométricos e as concentrações de AAT foram similares entre fumantes e não-fumantes. Bronquiectasias foram mais freqüentes entre os não fumantes, e enfisema foi mais freqüente entre os fumantes. Conclusões: Trinta pacientes apresentaram níveis de AAT abaixo da média esperada para os genótipos MM e MS, e este fato não pode ser explicado por uma freqüência maior dos alelos S e Z.

Palavras-chave: Alfa 1-antitripsina; Enfisema; Pneumopatias; Alelos.

Introdução

Os neutrófilos, que normalmente passam pela rede vascular pulmonar sem nenhum tipo de impedimento, aderem ao endotélio dos capilares e vênulas em resposta à ativação por algum estímulo inflamatório. A ativação dos neutrófilos leva à liberação de inúmeras substâncias destinadas a destruir agentes agressores, tais como espécies reativas de oxigênio, peptídeos catiônicos, eicosanóides e enzimas proteolíticas. A atividade destas substâncias, no entanto, precisa ser controlada por antagonistas de modo a prevenir lesões teciduais e disfunções orgânicas indesejáveis.

As serina proteases, um grupo de enzimas proteolíticas neutrofílicas, têm várias ações, tais como degradar as fibras elásticas e colágenas, produzir metaplasia de células secretoras no epitélio respiratório, interferir no batimento ciliar, ativar o sistema do complemento, aumentar a síntese da interleucina 8 e fator de necrose tumoral alfa, e ativar ou inativar várias citocinas.(1)

A elastase neutrofílica, a mais importante das serina proteases, é uma das poucas enzimas humanas capaz de degradar fibras elásticas, responsáveis pelo recolhimento elástico dos tecidos, inclusive das paredes alveolares.(2)

Duas linhas de evidência, uma clínica e outra experimental, sugeriram que o enfisema poderia ser causado pela destruição de fibras elásticas do interstício do pulmão por elastases. Em 1963, dois autores descreveram cinco pacientes com deficiência de alfa 1-antitripsina (AAT), a principal substância responsável pela inibição da elastase neutrofílica; três destes pacientes tinham enfisema.(3) Em 1965, um grupo de autores instilaram papaína pela traquéia no pulmão de roedores, numa tentativa de produzir granulomas e acabaram descobrindo que esta substância provocava enfisema.(4)

A AAT é o principal inibidor de protease do soro e circula em concentrações que variam de 120 a 200 mg/dL (medidas obtidas por nefelometria). Reduções significativas no nível de AAT no soro e nos tecidos, em seres humanos, estão associadas à doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) - em especial, ao enfisema pulmonar, - à doença hepática, (podendo levar à cirrose), à paniculite necrotizante e a vasculites com c-ANCA positivo.(5)

O gene responsável pela síntese da AAT está no cromossomo 14, e a produção ocorre principalmente nos hepatócitos, mas outras células podem contribuir, tais como os fagócitos mononucleares e as células do epitélio intestinal e pulmonar. A AAT é uma proteína altamente pleomórfica, fato que reflete um lócus gênico também bastante variável: até agora já foram identificados aproximadamente 100 alelos diferentes. As variantes são herdadas de modo co-dominante e classificadas de acordo com o sistema protease inhibitor (PI, inibidor de ­proteases), proposto a partir da mobilidade eletroforética das diferentes proteínas em gel de acrilamida. O fenótipo mais freqüente, o MM (medium mobility) está presente em 94-96% dos caucasianos, e está associado a níveis séricos de AAT na faixa entre 150 e 350 mg/dL.(5)

Níveis baixos de AAT no soro e nos tecidos ocorrem como resultado da herança de dois alelos (S e Z) que codificam níveis diminuídos da proteína.

O alelo Z (PI*Z), quando em homozigose (PI*ZZ), resulta em concentrações de AAT no soro que variam de 15 a 50 mg/dL. O enfisema pulmonar panacinar é a manifestação clínica mais freqüente nesta situação e a maior causa de incapacidade e morte. Este alelo é mais comumente encontrado em caucasianos originários do norte da Europa e representa de 1% a 3% de todos os alelos da AAT nestes indivíduos.(2)

O alelo S é mais comum do que o alelo Z. Representa de 2% a 4% de todos os alelos da AAT em caucasianos do norte da Europa e 15% nos indivíduos originários da Península Ibérica, em especial o norte de Portugal e a região da Galícia na Espanha.(2,6)

O genótipo SZ (PI*SZ) resulta em uma concentração de AAT que varia de 45 a 105 mg/dL, e o genótipo SS (PI*SS) produz concentrações de 100 a 140 mg/dL.(7) Indivíduos portadores do genótipo SZ têm risco três vezes maior de desenvolver DPOC.(8)

A baixa freqüência dos alelos S e Z na população torna difícil a obtenção de dados referentes à freqüência gênica e prevalência da deficiência da AAT na população geral. No nosso país, pela sofisticação laboratorial necessária, não dispomos de nenhum estudo de investigação epidemiológica na população geral.

Estes fatos despertaram o interesse em determinar a prevalência dos alelos S e Z na população de indivíduos sintomáticos respiratórios crônicos, não asmáticos, acompanhados no ambulatório de um Serviço de Pneumologia de hospital de referência regional.

O objetivo do estudo foi estimar a prevalência dos alelos S e Z e determinar a concentração sérica de AAT em uma população de indivíduos sintomáticos respiratórios crônicos.

Métodos

Foram selecionados pacientes oriundos do ambulatório do Serviço de Pneumologia com quadro clínico de tosse produtiva crônica e dispnéia, nos quais foram excluídas causas infecciosas, como tuberculose e infecções fúngicas, por meio de pesquisa destes germes no escarro, bem como o diagnóstico de asma, pela história clínica e espirometria.

Destes doentes, foram coletados dados clínicos (idade, sexo, raça, história de tabagismo e carga tabágica), e realizadas espirometria, tomografia computadorizada de tórax, dosagem de concentração de AAT e pesquisa das mutações S e Z.

As provas de função pulmonar foram realizadas com um espirômetro (modelo AM 4000 PC; Anamed, São Paulo, Brasil) e foram analisados os valores do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), da capacidade vital forçada (CVF) e a relação entre os dois parâmetros (VEF1/CVF).

As tomografias computadorizadas foram realizadas por meio de dois equipamentos (modelo GE-9800; General Electric Medical Systems, Milwaukee, WI, EUA; ou (modelo SOMATON AR.T; Siemens Medical Solutions, Munique, Alemanha), utilizando-se técnica de alta resolução (cortes finos e algoritmo de alta resolução). Os exames foram avaliados quanto à presença de enfisema e/ou bronquiectasias pelo médico radiologista do serviço. Não foi feita a análise quantitativa das lesões ou qualquer estimativa da extensão e gravidade das mesmas.

A pesquisa de mutações gênicas para os alelos S e Z foi feita por meio da técnica da reação em cadeia da polimerase seguida da digestão enzimática desse amplificado com as enzimas de restrição XmnI (alelo S) e TaqI (alelo Z).(9) Após a amplificação do fragmento de DNA e de sua digestão enzimática, as amostras foram submetidas à eletroforese em gel de poliacrilamida a 16%.

A dosagem da concentração sérica de AAT foi realizada por meio do método de nefelometria, utilizando-se o equipamento Array 360 System (Beckman Instruments, Inc., Fullerton, CA, EUA). A faixa de referência de normalidade para este teste é entre 90 e 200 mg/dL.

Os dados obtidos de cada paciente foram analisados de dois modos: com a concentração de AAT como variável dependente e separando-os pela presença ou não de tabagismo.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, e todos os pacientes assinaram termo de consentimento informado antes de sua inclusão no estudo.

Para realizar a análise estatística dos dados contínuos, aplicou-se o teste paramétrico t de Student ou o teste não-paramétrico de Wilcoxon quando necessário. A associação entre as variáveis categóricas foi estudada por meio da aplicação do teste paramétrico do qui-quadrado ou do teste exato de Fisher não-paramétrico na dependência da distribuição das freqüências na tabela de duas variáveis. Foram analisadas as correlações entre as variáveis contínuas pelos testes de correlação de Pearson e de Spearman. Para todos os testes foram usados os softwares estatísticos SAS® (Statistical Analysis System, Cary, NC, EUA) e Minitab® (Minitab Inc., State College, PA, EUA). Adotou-se o nível de significância de 5% para a detecção de diferenças estatisticamente significativas.

Resultados

Foram avaliados 89 pacientes (44 mulheres e 45 homens), com média de idade de 51,3 ± 18,2 anos.

A pesquisa das mutações S e Z foi realizada em 87 indivíduos. O alelo S foi detectado em 29 dos 87 pacientes avaliados (33,3%) e o alelo Z, em 5 (5,7%), com uma freqüência gênica dos alelos S e Z de 0,160 e 0,028, respectivamente. A amostra se encontra em equilíbrio de Hardy-Weinberg (χ2 = 2,69; p = 0,61), fato que indica que a mesma não está sujeita à pressão de seleção e que o fluxo de migração e a taxa de mutação não são significativos a ponto de interferirem nas interpretações das análises realizadas.

Para a análise dos resultados, os pacientes foram divididos em grupos segundo a concentração de AAT, de acordo com os valores de corte sugeridos nas diretrizes para diagnóstico e manejo dos ­indivíduos portadores de deficiência de AAT da American Thoracic Society (ATS) em conjunto com a European Respiratory Society (ERS)(5): menor ou igual a 89 mg/dL (deficiência); entre 90 e 140 mg/dL (faixa intermediária); e maior ou igual a 141 mg/dL (normal).

Apenas 2 pacientes apresentaram concentração menor que 89 mg/dL, número insuficiente para análise estatística; ambos eram heterozigotos compostos dos alelos S e Z, grandes fumantes (18 e 20 anos-maço) e portadores de DPOC. Um deles tinha insuficiência respiratória crônica e usava oxigenoterapia domiciliar, enquanto o outro apresentava história de exacerbações freqüentes e apresentava bronquiectasias na tomografia. Do total, 30 pacientes tinham níveis de AAT entre 90 e 140 mg/dL, constituindo o Grupo 1, e 57 apresentavam níveis acima de 141 mg/dL, formando o Grupo 2.

As características clínicas, a concentração de AAT, os achados espirométricos e tomográficos, assim como os resultados da pesquisa dos alelos S e Z dos Grupos 1 e 2 estão listados na Tabela 1.



Em relação ao tabagismo, não houve diferença entre o percentual de fumantes (57% e 58% nos Grupos 1 e 2, respectivamente), mas a carga tabágica foi significativamente diferente (p = 0,026), com maior carga tabágica no Grupo 2 (45 anos-maço) que no Grupo 1 (28 anos-maço).

A pesquisa do alelo S foi positiva em 13 e 14 pacientes dos Grupos 1 e 2, respectivamente, e em 2 e 1 paciente para a do alelo Z. Não houve diferença significativa entre os dois grupos quanto à prevalência dos alelos S ou Z (p = 0,072 e p = 0,272, respectivamente).

Comparando-se os achados tomográficos entre os Grupos 1 e 2, não houve diferença na freqüência de aparecimento de bronquiectasias (p = 0,324) nem de enfisema (p = 0,938).

A análise da concentração de AAT nos pacientes dos Grupos 1 e 2 em conjunto, na presença ou não de mutação S (Tabela 2), mostrou diferença significativa nas medianas (p = 0,0089), com valores maiores no grupo sem mutação S.



Considerando-se o grupo total de indivíduos estudados, foi feita uma segunda análise entre os pacientes fumantes e não-fumantes, comparando-os quanto à concentração de AAT e resultados espirométricos, não havendo diferenças em nenhum destes parâmetros (concentração de AAT, p = 0,585; CVF, p = 0,157; VEF1, p = 0,870; VEF1/CVF, p = 0,134). Por outro lado, foi encontrada associação entre o tabagismo e a presença de bronquiectasias e enfisema, em sentidos opostos: os não-fumantes apresentaram mais bronquiectasias que os fumantes (p = 0,008) e os fumantes, mais enfisema que os não-fumantes (p = 0,032).

Discussão

Trata-se de um estudo de coorte transversal, com uma população de sintomáticos respiratórios, de modo que os dados obtidos não podem ser extrapolados para a população geral. O presente estudo foi realizado em uma instituição que atende uma região de cerca de 4 milhões de habitantes e, como é um hospital de referência para casos graves, a população atendida representa a miscigenação característica da população brasileira, particularmente do estado de São Paulo.

Na análise dos resultados, optou-se por utilizar três faixas de concentração de AAT no soro para a definição de três grupos: o primeiro com concentração de AAT menor que 89 mg/dL (deficiência), o segundo com valores entre 90 a 140 mg/dL (faixa intermediária) e o terceiro com níveis superiores a 141 mg/dL (faixa normal). De acordo com o documento da ATS/ERS,(5) mesmo os indivíduos com valores intermediários de concentração de AAT devem ser submetidos a um teste qualitativo, seja a fenotipagem, seja a genotipagem, como realizado neste estudo, embora concentrações superiores a 50 mg/dL sejam consideradas protetoras contra o desenvolvimento de enfisema.

A diminuição da concentração de AAT no soro não deve ter, a priori, nenhuma relação com o hábito de fumar. Na verdade, pelo fato de a AAT ser uma proteína de fase aguda, o efeito esperado do tabagismo sobre sua concentração seria um aumento, em razão do processo inflamatório desencadeado pelas substâncias da fumaça do tabaco. Existem evidências de que o tabagismo pode diminuir a atividade da AAT pela oxidação da metionina do sítio ativo da proteína, mas não sua quantidade no sangue e nos tecidos.(5) Nos pacientes aqui estudados, a maior carga tabágica esteve associada com níveis mais elevados na concentração de AAT (p = 0,026).

Em nossa casuística com 89 pacientes com sintomas respiratórios crônicos, 30 indivíduos (33,7%) foram classificados como portadores de níveis intermediários de AAT, com média de concentração sérica de 121,6 ± 12,9 mg/dL, que os coloca abaixo das médias previstas para portadores de alelos MM e MS (149,1± 38,2 mg/dL e 150,0 ± 40,0 mg/dL, respectivamente).(10) Neste grupo, chamado de Grupo 1, a carga tabágica foi significativamente menor do que aquela encontrada no grupo de indivíduos com concentração de AAT normal. Considerando-se os critérios de inclusão de pacientes no estudo, ou seja, as queixas crônicas de tosse produtiva e dispnéia, pode-se inferir, a partir deste achado, que os indivíduos com nível intermediário de AAT eram sintomáticos respiratórios crônicos, muito embora eles fumassem menos intensamente do que os 57 indivíduos (64%) com níveis normais de AAT (Grupo 2, média de AAT de 176,8 ± 35,8 mg/dL).

Além disso, os dois grupos apresentaram espirometrias igualmente comprometidas (p > 0,05), com CVF (% do previsto) de 60,5 ± 18,6, VEF1 (% do previsto) de 41,8 ± 18,0 e VEF1/CVF = 54,6 ± 14,1 para o Grupo 1; e CVF de 64,9 ± 21,5, VEF1 = 47,3 ± 21,9 e VEF1/CVF de 58,0 ± 16,5, para o Grupo 2 (Tabela 1).

Pelos dados acima expostos, pode-se concluir que nesta população estudada, indivíduos que fumavam menos intensamente tiveram maior chance de pertencer ao grupo com níveis intermediários de AAT. No entanto, estes níveis intermediários não puderam ser explicados por uma prevalência maior de alelos S e Z, uma vez que não houve diferença estatisticamente significante na comparação das freqüências de heterozigotos S e Z entre os dois grupos: foram 13/28 e 14/57 heterozigotos S nos Grupos 1 e 2, respectivamente, e 2 e 1 heterozigoto Z nos mesmos grupos (Tabela 1; p = 0,072 e p = 0,272, respectivamente). Deve-se ressaltar, no entanto, que a freqüência da mutação S no Grupo 1 foi maior que no Grupo 2, e o grau de significância encontrado na comparação entre os dois grupos (p = 0,072) parece sugerir uma tendência que eventualmente seria confirmada se dispuséssemos de um número maior de pacientes.

Em uma meta-análise publicada em 2005,(8) através da qual se avaliou o papel do alelo S no risco para DPOC, detectou-se um risco três vezes maior em portadores do genótipo SZ. Quanto aos portadores do genótipo MS, os estudos transversais e de caso-controle incluídos revelaram um pequeno, porém significativo, aumento no risco de DPOC.

Outrossim, a mediana da concentração de AAT na presença de um único alelo S foi significativamente menor (p = 0,0089) do que nos indivíduos sem S e sem Z (Tabela 2). Níveis menores de AAT, sejam eles causados pela presença de um alelo deficiente ou não, parecem estar associados neste estudo a uma maior susceptibilidade a doenças respiratórias. Como apenas os alelos S e Z foram pesquisados, não se pode afastar a possibilidade de que os pacientes com níveis intermediários de AAT sejam portadores de algum alelo raro já identificado ou até de alterações genéticas não descritas, que só poderiam ser detectadas por seqüenciamento gênico.

Existem causas não-genéticas de deficiência de AAT, tais como doenças hepáticas ou outras condições patológicas que levam a perdas protéicas; no entanto, estas co-morbidades não estavam presentes nos pacientes incluídos no estudo.

A freqüência de bronquiectasias foi igual nos Grupos 1 e 2 e também igual nos pacientes com ou sem alelo S. Embora existam já evidências importantes de que é freqüente a presença de bronquiectasias em pacientes portadores de deficiências graves de AAT,(11) a gênese das bronquiectasias é, certamente, multifatorial.

Considerando-se fumantes e não-fumantes, o achado de bronquiectasias na tomografia foi significativamente maior nos indivíduos não-fumantes, provavelmente porque esta doença era a causa dos sintomas respiratórios crônicos que motivaram a inclusão destes pacientes no estudo.

Como seria esperado, foi muito mais freqüente o achado de enfisema na tomografia de tórax dos indivíduos fumantes do que dos não-fumantes, mas não houve diferença estatisticamente significante na freqüência de diagnóstico de enfisema entre os Grupos 1 e 2.

Baixas concentrações de AAT podem piorar as lesões do enfisema pela falta de inibição das proteases e também pela ausência de inibição da apoptose de células epiteliais alveolares. Em um estudo experimental com um modelo não inflamatório de enfisema,(12) no qual as alterações foram produzidas pelo bloqueio dos receptores do fator de crescimento endotelial vascular, os autores acrescentaram evidências a este novo papel da AAT, que é a redução da apoptose de células epiteliais alveolares no enfisema. Em camundongos mais susceptíveis ao enfisema induzido por tabaco, por apresentarem uma redução de 40% na concentração de AAT no lavado broncoalveolar, o aumento da concentração disponível de AAT diminuiu o enfisema produzido pelos bloqueadores de receptor do fator de crescimento endotelial vascular.

Por outro lado, nas vias aéreas, as proteases não inibidas podem lesar o epitélio brônquico e produzir metaplasia secretora e hipersecreção.(1) Mesmo a diminuição leve da concentração de AAT, como aquela observada em indivíduos portadores do genótipo MZ, pode aumentar o risco de desenvolvimento de doenças pulmonares,(13) e o funcionamento prejudicado da AAT desnaturada por oxidação em indivíduos fumantes (ainda que com concentração normal) deve colaborar para a lesão pulmonar.(5) Estes fatos parecem indicar que a disponibilidade de AAT é muito importante para a proteção do pulmão e, provavelmente, também na manutenção do estado adequado de muitos outros órgãos e sistemas.

Em resumo, no grupo de 89 indivíduos estudados, o alelo S foi detectado em 33,3% e o alelo Z em 5,7% da população. Na análise quantitativa de AAT, 30 indivíduos tiveram a concentração sérica de AAT abaixo da média esperada para os genótipos MM e MS, que perfazem a maioria da população (94-96% dos caucasianos).(5)

No nosso país, não temos dados sobre a ­freqüência das mutações nos alelos S e Z ou sobre a análise quantitativa da AAT na população geral. Pode-se dizer, no entanto, que os níveis encontrados, classificados como dentro de uma faixa intermediária de AAT, não puderam ser explicados por uma freqüência maior de alelos S e Z nestes pacientes. São necessários estudos mais amplos, preferencialmente multicêntricos, para determinar a freqüência das principais mutações associadas à deficiência de AAT no nosso país.

Referências


1. Tetley TD. Antiprotease Therapy. In: Cazzola M, Celli B, Dahl R, Rennard S, editors. Therapeutic Strategies in COPD. Oxford: Clinical Publishing; 2005. p. 233-245.

2. Crystal RG, Brantly ML, Hubbard RC, Curiel DT, States DJ, Holmes MD. The alpha 1-antitrypsin gene and its mutations. Clinical consequences and strategies for therapy. Chest. 1989;95(1):196-208.

3. Laurell CB, Eriksson S. The electrophoretic alpha-1 globulin pattern of serum in alpha-1 antitrypsin deficiency. Scan J Clin Lab Invest. 1963;15(2):132-140.

4. Gross P, Pfitzer EA, Tolker E, Babyak MA, Kaschak M. Experimental emphysema: its production with papain in normal and silicotic rats. Arch Environ Health. 1965;11:50-8.

5. American Thoracic Society/European Respiratory Society Statement. Standards for the Diagnosis and Management of Individuals with Alpha-1 Antitrypsin Deficiency. Am J Respir Crit Care Med. 2003;168(7):818-900.

6. Hutchison DC. Alpha 1-antitrypsin deficiency in Europe: geographical distribution of Pi types S and Z. Respir Med. 1998;92(3):367-77.

7. Ogushi F, Hubbard RC, Fells GA, Casolaro MA, Curiel DT, Brantly ML, et al. Evaluation of the S-type of alpha-1-antitrypsin as an in vivo and in vitro inhibitor of neutrophil elastase. Am Rev Respir Dis. 1988;137(2):364-70.

8. Dahl M, Hersh CP, Ly NP, Berkey CS, Silverman EK, Nordestgaard BG. The protease inhibitor PI*S allele and COPD: a meta-analysis. Eur Respir J. 2005;26(1):67-76.

9. Andresen BS, Knudsen I, Jensen PK, Rasmussen K, Gregersen N. Two novel nonradioactive polymerase chain reaction-based assays of dried blood spots, genomic DNA, or whole cells for fast, reliable detection of Z and S mutations in the alpha 1-antitrypsin gene. Clin Chem. 1992;38(10):2100-7.

10. Brantly ML, Wittes JT, Vogelmeier CF, Hubbard RC, Fells GA, Crystal RG. Use of a highly purified alpha 1-antitrypsin standard to establish ranges for the common normal and deficient alpha 1-antitrypsin phenotypes. Chest. 1991;100(3):703-8.

11. Parr DG, Guest PG, Reynolds JH, Dowson LJ, Stockley RA. Prevalence and impact of bronchiectasis in alpha1-antitrypsin deficiency. Am J Respir Crit Care Med. 2007;176(12):1215-21.

12. Petrache I, Fijalkowska I, Zhen L, Medler TR, Brown E, Cruz P, et al. A novel antiapoptotic role for alpha1-antitrypsin in the prevention of pulmonary emphysema. Am J Respir Crit Care Med. 2006;173(11):1222-8.

13. Sandford AJ, Chagani T, Weir TD, Connett JE, Anthonisen NR, Paré PD. Susceptibility genes for rapid decline of lung function in the lung health study. Am J Respir Crit Care Med. 2001;163(2):469-73.





Trabalho realizado nas Disciplinas de Pneumologia e Genética Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
1. Doutora em Genética. Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
2. Professora Associada. Departamento de Genética Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
3. Professora Doutora. Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas (SP) Brasil.
4. Professor Associado. Departamento de Patologia Clínica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
5. Professor Associado. Diretor da Disciplina de Genética Médica Forense, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
6. Professora Associada. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Mônica Corso Pereira. Rua Edilberto Luis Pereira da Silva, 954, Cidade Universitária, CEP 13083-190, Campinas, SP, Brasil.
Tel 55 19 3242-0255. E-mail: corso@mpcnet.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; processo nº 1997/14159-7)
Recebido para publicação em 30/1/2008. Aprovado, após revisão, em 30/4/2008.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia