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Pneumonia nosocomial: importância do microambiente oral

Nosocomial pneumonia: importance of the oral environment

Simone Macedo Amaral, Antonieta de Queiróz Cortês, Fábio Ramôa Pires

ABSTRACT

Nosocomial pneumonia, especially ventilator-associated pneumonia, is a common infection in ICUs. The main etiologic factors involve colonizing and opportunistic bacteria from the oral cavity. Oral hygiene measures, including the use of oral antiseptic agents, such as chlorhexidine, have proven useful in reducing its incidence. The objective of this article was to review the literature on the importance of the oral environment in the development of nosocomial pneumonia.

Keywords: Intensive care; Oral hygiene; Cross infection; Pneumonia.

RESUMO

A pneumonia nosocomial, em especial aquela associada à ventilação mecânica, é uma infecção frequente nas UTIs. Seus principais fatores etiológicos incluem bactérias colonizadoras e oportunistas da cavidade oral. Manobras de higiene oral, com o uso de antissépticos orais, como a clorexidina, têm se mostrado úteis na diminuição de sua incidência. O objetivo deste trabalho foi revisar a literatura sobre a importância do microambiente oral no desenvolvimento da pneumonia nosocomial.

Palavras-chave: Cuidados intensivos; Higiene bucal; Infecção hospitalar; Pneumonia.

Introdução

A medicina periodontal surgiu baseada em estudos que conferem à doença periodontal uma relação direta com diversas morbidades sistêmicas, tais como aterosclerose, infarto agudo do miocárdio, nascimentos prematuros, baixo peso no nascimento, problemas respiratórios, gastrites, endocardites e bacteremias.(1-3) Dentro desse grupo, as pneumonias nosocomiais têm sido cada vez mais estudadas e sua relação com microrganismos oriundos da cavidade oral tem sido cada vez mais aceita.

Pacientes submetidos à cirurgia cardíaca apresentam um risco particularmente alto de desenvolver pneumonia nosocomial, podendo sua incidência atingir 20%, com significante associação com a mortalidade.(4) O risco de desenvolver a pneumonia nosocomial aumenta com o uso da ventilação mecânica e, além de prolongar em média por 5-9 dias o tempo de hospitalização dos pacientes, provoca um aumento expressivo nos custos hospitalares.(5-8)

O uso de antissépticos e antimicrobianos orais como forma de prevenção da pneumonia nosocomial tem sido amplamente estudado e, diante do exposto, buscamos revisar a literatura a fim de revisar como os microrganismos da cavidade oral podem influenciar o desenvolvimento de pneumonias nosocomiais e como a frequência desses quadros pode ser reduzida modulando-se o microambiente oral.

Definições

Pneumonia é uma infecção aguda dos pulmões, que pode produzir sinais e sintomas respiratórios, como tosse, respiração curta e rápida, produção de secreção e dores no peito, além de sintomas sistêmicos não-específicos, incluindo febre, fadiga, dores musculares e falta de apetite.(8) As bactérias são as causas mais frequentes dessas infecções, e as pneumonias bacterianas são usualmente as mais fáceis de serem prevenidas e tratadas.(8)

Pneumonia e influenza constituem, juntas, a sexta maior causa de morte nos Estados Unidos e na maioria dos países em desenvolvimento.(9)

Usualmente são divididas em duas ­categorias: as pneumonias adquiridas na comunidade e as pneumonias nosocomiais. A pneumonia adquirida na comunidade é definida como uma infecção que ocorre em qualquer indivíduo morando numa comunidade e que se desenvolve fora de ambientes institucionais.(8) As pneumonias nosocomiais representam as infecções do trato respiratório inferior, ­diagnosticadas após 48 h da internação do paciente, não estando presentes nem incubadas anteriormente à data de internação.(2,6,9,10) Há ainda o grupo das pneumonias relacionadas a cuidados de saúde, representado por aquelas pneumonias associadas a pacientes residentes em asilos ou tratados em internação domiciliar, a pacientes que receberam antimicrobianos i.v. ou quimioterapia nos 30 dias antecedentes à infecção, a pacientes em terapia renal substitutiva ou ainda a pacientes internados em caráter de urgência por 2 ou mais dias nos últimos 90 dias antes da infecção.(11)

Tendo em vista as diferentes formas de apresentação e fatores de risco, a pneumonia nosocomial ou a pneumonia relacionada à assistência tem sido definida segundo as Diretrizes Brasileiras para Tratamento das Pneumonias Adquiridas no Hospital e Associadas à Ventilação Mecânica de 2007,(11) da seguinte forma:

a) Pneumonia adquirida no hospital (PAH): aquela que ocorre após 48 h da admissão hospitalar, geralmente tratada na unidade de internação (enfermaria/apartamento), não se relacionando à intubação orotraqueal ou à ventilação mecânica (VM), podendo, entretanto, o paciente ser encaminhado para tratamento em UTI quando apresenta ou evolui para a forma grave. Devido a implicações etiológicas, terapêuticas e prognósticas, a PAH tem sido classificada quanto ao tempo decorrido desde a admissão até o seu aparecimento, podendo ser precoce (a que ocorre até o quarto dia de internação) ou tardia (a que se inicia após cinco dias da hospitalização).

b) Pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM): aquela que surge em 48-72 h após intubação orotraqueal e instituição de VM invasiva. De modo similar, a PAVM também é classificada em precoce (a que ocorre até o quarto dia de intubação e início da VM) e tardia (a que se inicia após o quinto dia da intubação e VM).

Patogenia da pneumonia nosocomial e importância do microambiente oral

A pneumonia nosocomial é a segunda infecção hospitalar mais comum e a causa mais comum de morte entre as infecções adquiridas em ambiente hospitalar.(12,13) Nas UTIs, a maior parte das pneumonias hospitalares são, de fato, casos de PAVM, podendo ocorrer em 8-38% dos pacientes submetidos à VM.(14,15) As taxas de mortalidade dessas infecções podem variar de 24% a 76% dos casos, especialmente quando a pneumonia está associada a Pseudomonas spp. ou Acinetobacter spp.,(12,14,16-18) e pacientes sob ventilação internados em UTI apresentam um risco 2-10 vezes maior de morte que pacientes sem ventilação.(12)

Os fatores de risco para o desenvolvimento de pneumonias nosocomiais incluem: idade acima de 70 anos; desnutrição; doenças de base; depressão do nível de consciência; doenças pulmonares e cardiológicas; VM; manipulação do paciente pela equipe hospitalar; uso de sondas ou de cânula nasogástrica; intubação ou reintubação orotraqueal; traqueostomia; macro ou microaspiração de secreção traqueobrônquica; uso prévio de antimicrobianos; trauma grave; broncoscopia e broncoaspiração de microorganismos da orofaringe; administração de antiácidos ou de bloqueadores de receptores H2; permanência em posição supina; e transporte dentro do hospital.(2,7,8,11)

Em associação a todos esses fatores, em ambiente hospitalar, existe uma maior probabilidade de estarmos lidando com pacientes imunologicamente comprometidos devido a doenças ou a medicamentos, com diminuição do fluxo salivar devido a procedimentos, como a desidratação terapêutica (com o objetivo de aumentar a função respiratória e cardíaca), além do decréscimo do reflexo da tosse e da ­capacidade de higiene diminuída, entre outros, que fazem com que esse grupo de pacientes tenha um risco maior de desenvolver outras doenças.(1,3,7,19,20)

Evidências associam a colonização microbiana da orofaringe e da placa dental à PAVM.(1,2,6,7,9,11,12,16,17,19,20-33) Quase metade dos adultos sadios apresenta aspiração de secreção da ­orofaringe em algum momento durante o sono, e esse número aumenta para 70% quando se trata de pacientes com depressão do nível de consciência.(1,3,19)

Quando a condição respiratória do paciente deteriora a ponto de ser necessária a intubação, recursos como a VM podem levar o paciente a um risco de microaspiração de patógenos até o trato respiratório inferior.(16,20) O tubo orotraqueal por si só proporciona uma superfície inerte na qual as bactérias podem aderir, colonizar e crescer, formando biofilmes, de onde posteriormente poderão ser broncoaspiradas.(8) Em face à realidade de que todos os indivíduos desse grupo podem ainda possuir periodontopatias, essas podem agravar ainda mais uma condição sistêmica pré-existente e influenciar o curso das infecções respiratórias, em especial, as pneumonias.(2,16,20)

A boca sofre colonização contínua, apresentando praticamente metade de toda a microbiota presente no corpo humano e, em adição a esse fato, a placa bacteriana serve de reservatório permanente de microrganismos, podendo determinar infecções à distância.(10,25) Para o desenvolvimento de PAH, há a necessidade de que patógenos alcancem o trato respiratório inferior e sejam capazes de vencer os mecanismos de defesa do sistema respiratório, que incluem os mecânicos (reflexo glótico, reflexo da tosse e sistema de transporte mucociliar), humorais (anticorpos e complemento) e celulares (leucócitos polimorfonucleares, macrófagos e linfócitos).(10)

Em adultos saudáveis, o organismo que predomina na cavidade oral é Streptococcus v­iridans, mas a flora oral nos pacientes em estado de saúde crítico muda e passa a ser predominantemente de organismos gram-negativos, constituindo-se em uma flora mais agressiva. Essa flora pode ser composta por Staphylococcus aureus, Streptococcus ­pneumoniae, Acinetobacter baumannii, Haemophilus influenza e Pseudomonas ­aeruginosa.(1,8,22) Além disso, mesmo que as bactérias usualmente responsáveis pelo estabelecimento da PAVM, como P. aeruginosa, S. aureus resistente à meticilina, Acinetobacter spp., Escherichia coli, Klebsiella spp., Enterobacter spp., Proteus mirabilis, Klebsiella pneumoniae, Streptococcus hemolyticus e S. pneumoniae(1,6,13-15,19,22,32,34,35) não sejam membros comuns da microbiota oral e orofaríngea, esses organismos podem colonizar a cavidade oral em algumas situações, como na precariedade de saneamento básico, assim como no caso de idosos em casas de repouso e de pacientes internados em UTIs.(6,10,20,22) Nesses casos, o percentual total dessas bactérias na boca pode chegar a 70% no biofilme dental, 63% na língua e 73% no tubo do respirador artificial. Ao analisarmos todas essas áreas como um único sistema, a população desses organismos pode chegar a 43% do total de bactérias orais em pacientes sob VM.(6) Um achado preocupante adicional é a presença de um número maior de cepas resistentes, como, por exemplo, S. aureus resistente à meticilina, após 72 h de intubação.(7)

A condição de higiene oral está relacionada com o número de espécies de bactérias presentes na boca.(3,16,25) Em pacientes internados em UTIs, a higiene oral já é normalmente precária, além do fato de que esses indivíduos estão expostos a diversos outros fatores adicionais, como a diminuição da limpeza natural da boca promovida pela mastigação de alimentos duros e fibrosos e a movimentação da língua e das bochechas durante a fala. Há também a redução do fluxo salivar pelo uso de alguns medicamentos, que contribuem para o aumento do biofilme e, consequentemente, de sua complexidade, favorecendo a colonização oral por patógenos respiratórios.(1,3) A higiene oral precária por si só está relacionada a infecções pulmonares subsequentes, ao maior número de episódios de febre e ao desenvolvimento de pneumonia, quando comparamos esse tipo de pacientes com grupos de pacientes com adequada higiene oral.(8,9) Resultados idênticos foram encontrados em pacientes em instituições para idosos, ­corroborando que esses grupos, juntamente com os internados, são os de maior risco para o desenvolvimento de pneumonia.(6-9)

A via principal para a entrada de microrganismos no trato respiratório inferior consiste na aspiração de secreção da orofaringe e, nos casos de pacientes intubados, da secreção que se acumula acima do balonete do tubo.(11) A presença de um biofilme, com contaminação por bactérias dentro do tubo orotraqueal, também tem sido implicada como uma fonte para a inoculação de microrganismos nos pulmões, quando ocorre aspiração pela traqueia ou através da broncoscopia. O acesso de patógenos pela corrente sanguínea, seja a partir de cateteres, seja por translocação bacteriana a partir do trato gastrintestinal, também deve ser considerado.(11)

Enzimas salivares e a presença local de imunoglobulinas atuam como uma barreira de defesa ao ataque dessas bactérias; entretanto, além dos fatores já citados anteriormente e da idade dos pacientes, outros fatores - por exemplo, tabagismo, alcoolismo, antibioticoterapia, permanência em ambiente hospitalar, estado nutricional e higiene bucal deficiente - podem influenciar o aumento ou a diminuição da flora microbiana oral, facilitando o estabelecimento de um biofilme oral.(8,10,25) A quantidade de biofilme aumenta com o tempo de internação, e os patógenos respiratórios que se estabelecem são os mais difíceis de serem debelados devido à proteção que o biofilme propicia às bactérias, tornando-as mais resistentes. Essas bactérias também são encontradas na saliva e podem ser facilmente aspiradas da orofaringe para os pulmões, podendo causar pneumonias.(3,8-10,16,20,25)

A colonização da orofaringe por microrganismos gram-negativos em pacientes intubados ocorre em 4-72 h da entrada do paciente na UTI.(3,25) No caso do paciente internado na UTI necessitar de VM, a presença do tubo orotraqueal impede que ele feche a boca, o que propicia o ressecamento oral, aumenta o contato com o ambiente e favorece ainda mais a colonização do biofilme.(3) Podemos mencionar ainda, como fatores de risco adicionais aos pacientes internados em UTIs, o suporte nutricional parenteral, a posição do paciente e a elevação insuficiente da cabeça na cama.(17) O tubo orotraqueal e a VM invasiva aumentam o risco de pneumonia em 6-21 vezes.(11)

Estudos in vitro realizados nas décadas de 70 e 80 já demonstravam que P. aeruginosa e K. pneumoniae se aderem com mais facilidade às células epiteliais de pacientes hospitalizados do que daqueles não hospitalizados.(6,22) Ao comparar a colonização da placa dental por patógenos respiratórios em pacientes nas UTIs com pacientes controle, os achados sugerem que as superfícies dentárias, especialmente a placa dental, podem ser um grande reservatório desses patógenos, especialmente em pacientes internados em UTIs.(9)

Há muito tempo tem-se conhecimento que infecções anaeróbias pulmonares graves podem ocorrer através da aspiração de secreção salivar, especialmente em pacientes com doença periodontal; porém, apenas recentemente, a colonização por bactérias orais e dentais tem sido implicada como a maior fonte de bactérias envolvidas na etiologia da PAVM.(8,20) Bactérias anaeróbias são frequentemente encontradas colonizando o trato respiratório inferior em pacientes com VM,(27) e germes anaeróbios orais como Porphyromonas gingivalis podem causar marcante inflamação quando instilados no pulmão de animais de laboratório.(10) A presença de patógenos respiratórios no biofilme bucal de pacientes internados em UTI pode servir de reservatório para microrganismos associados à pneumonia nosocomial.(6) A avaliação de amostras bacterianas do dorso da língua e de lavado traqueobrônquico através de métodos moleculares demonstrou a presença de uma ampla diversidade de espécies bacterianas na boca e no pulmão. Essa avaliação sugeriu que o dorso da língua possa servir como reservatório potencial de bactérias patogênicas para o trato respiratório envolvidas na PAVM.(1,36,37) Isolados de S. aureus, P. aeruginosa, Acinetobacter spp. e espécies entéricas, coletados da placa dental de pacientes com PAVM, podem ser indistinguíveis dos isolados coletados do fluido broncoalveolar, reforçando essa observação.(38)

As periodontopatias são doenças multifatoriais de etiologia infecciosa e de natureza inflamatória, sendo consideradas as segundas maiores causas de patologia oral na população mundial.(3,31) Um milímetro cúbico de placa dental contém aproximadamente 100 milhões de bactérias e pode servir como reservatório permanente de patógenos potenciais.(1) Pacientes que permitem o acúmulo de biofilme oral possuem mudanças características no sangue, que podem ser determinadas a partir do estágio inicial da gengivite.(3) A presença do biofilme pode desencadear uma resposta inflamatória, ocasionando um aumento significativo na quantidade de imunoglobulinas e de mediadores químicos de inflamação circulantes, trazendo prejuízos, tanto no local, quanto em sítios distantes, e dando suporte a uma relação entre a doença periodontal e doenças sistêmicas.(3,10)

Vários fatores estão relacionados com o risco para o desenvolvimento de PAH e PAVM. O desenvolvimento de PAVM é primariamente devido à aspiração de secreções de orofaringe, do condensado formado no circuito do respirador ou do conteúdo gástrico colonizado por bactérias patogênicas. O início da pneumonia bacteriana pode então depender da colonização da cavidade oral e da orofaringe por potenciais patógenos respiratórios, da sua aspiração pelas vias aéreas inferiores e da falência dos mecanismos de defesa do hospedeiro.(11,31) Diferentes mecanismos têm sido propostos para explicar como a patogênese das infecções respiratórias pode estar ligada à condição bucal, incluindo(1,3,6,31):

1) Aspiração de patógenos que colonizam a orofaringe
2) Alteração da superfície da mucosa, provocada pela ação de enzimas associadas à doença periodontal, que promoveria a adesão e a colonização por bactérias passíveis de causar doenças respiratórias
3) Destruição da película salivar por essas enzimas, o que também parece ser fundamental na destruição da proteção e na eliminação de bactérias orais
4) Citocinas produzidas pelo periodonto como resposta à agressão bacteriana, modificando o epitélio respiratório e favorecendo a colonização por patógenos respiratórios

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos postularam mecanismos que conduzem à pneumonia nosocomial.(6,26) Além da aspiração de patógenos que ­colonizam a orofaringe, foram consideradas também a inalação de aerossóis que contêm bactérias, a transmissão hematogênica para partes distantes do corpo e a translocação bacteriana do trato gastrointestinal.(26) Dentre esses, a aspiração de organismos da orofaringe foi considerada o fator de maior prevalência nesse mecanismo.(11,15)

São sugeridos três prováveis mecanismos para associar o biofilme oral às infecções respiratórias. A higiene oral deficiente contribuiria para o aumento da concentração de patógenos na saliva, que poderiam ser aspirados para o pulmão em quantidade suficiente para deteriorar as defesas imunes.(5-7,16,23,31,32) Através de condições específicas, o biofilme oral poderia abrigar colônias de patógenos pulmonares e facilitar seu crescimento.(6,17,20,21,25,30) Além disso, as bactérias presentes no biofilme oral poderiam facilitar a colonização das vias aéreas superiores por patógenos pulmonares.(1,6,20,21,22,30) Podemos ainda destacar que a ausência do controle do biofilme bucal pode agravar periodontopatias que, ao apresentarem episódios de exacerbação durante o período de internação do paciente, podem ser agentes complicadores de sua saúde.

Prevenção da pneumonia nosocomial: importância da higiene oral e do controle do biofilme oral

Segundo as diretrizes brasileiras mencionadas acima, os fatores de risco para essas infecções podem ser classificados em modificáveis ou não-modificáveis.(11) Os fatores de risco não-modificáveis são os seguintes: idade elevada, maior escore de gravidade do paciente no momento da internação, DPOC, doença neurológica, trauma e cirurgia.(11) Já os fatores modificáveis incluem o tempo de duração da VM, reintubação, traqueostomia, o uso de sonda nasogástrica ou nasoenteral, o uso de dieta enteral, a aspiração de conteúdo gástrico, o uso de antiácidos, agentes paralisantes, o uso prévio de antimicrobianos, o transporte para fora da UTI e a permanência em posição supina.(11)

A interferência em alguns dos fatores modificáveis pode ser realizada através de medidas de relativa simplicidade, tais como a lavagem e a desinfecção das mãos; a instituição de protocolos que visem à redução de prescrição inadequada de antimicrobianos; e a vigilância microbiológica, com informação periódica para os profissionais quanto à prevalência e à resistência da microbiota oral. Iniciativas como a implantação de protocolos de sedação e o desmame ventilatório, bem como a remoção precoce de dispositivos invasivos, podem reduzir a prevalência de infecções aéreas nosocomiais.(11)

Diversos estudos já avaliaram a eficácia da descontaminação oral na prevenção das pneumonias nosocomiais.(1,2,17,21,23-26,28,30,32,35,39,40) Há, entretanto, uma grande variação no local de desenvolvimento das pesquisas (UTIs e casas de repouso), nos desenhos dos estudos e nos métodos de intervenção (incluindo o uso tópico de antibióticos não-absorvíveis; o uso de enxaguatórios bucais, como aqueles com gluconato de clorexidina; desbridamento mecânico; e escovação dentária), dificultando parcialmente a interpretação dos resultados. Porém, fica claro que todos os métodos preventivos ­demonstraram ser efetivos na redução da colonização ou da incidência oral de patógenos respiratórios.(8,32)

Essencialmente, existem duas formas de remover a placa dental e seus microrganismos associados: através de intervenções mecânicas e/ou farmacológicas.(1) Esses processos incluem a descontaminação com a administração de antibióticos sistêmicos, a descontaminação local com o uso tópico de antissépticos orais e a escovação dentária.(1,32) A necessidade de utilização de um desses meios ficou evidente quando estudos demonstraram que, após 48 h da admissão em UTI, todos os pacientes apresentam na orofaringe colonização por bacilos gram-negativos, frequentes agentes etiológicos das pneumonias nosocomiais, passando então o biofilme a ser considerado um importante reservatório de patógenos respiratórios.(1,2,22)

Na descontaminação com o uso de antibióticos sistêmicos, há uma significativa redução dos níveis de PAVM nos pacientes tratados; porém, esse tipo de intervenção é limitado devido à resistência bacteriana.(32) A descontaminação tópica oral parece mais atraente, já que requer apenas uma fração dos medicamentos utilizados na descontaminação sistêmica.(32) Com a preocupação de estabelecer a melhor forma de intervenção nos ambientes hospitalares, diversas pesquisas foram realizadas para avaliar os efeitos da clorexidina a 0,12% no biofilme dental e na infecção gengival. Os resultados mostraram-se positivos em relação à redução do acúmulo de placa, à diminuição do sangramento gengival e à diminuição da colonização de diversos tipos bacterianos, especialmente Actinomyces spp.(16,17,19-21,24-26,30,32)

Vários estudos têm demonstrado a eficácia da implementação de protocolos de controle do biofilme dentário e oral na redução do número de episódios de pneumonia nosocomial. Ao examinar os efeitos da clorexidina em 353 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, resultados de até 65% de decréscimo nas infecções nosocomiais em comparação ao grupo placebo foram observados.(24) Já no Hospital Episcopal Luke em Houston, TX, EUA, onde historicamente mais de 50% dos casos de pneumonia nosocomial ocorrem em pacientes cardiovasculares, a clorexidina obteve melhores resultados quando comparada a outro enxaguatório bucal fenólico.(26) Uma diminuição em até 65% na ocorrência de infecção respiratória em pacientes recebendo VM com a combinação da clorexidina com um enxaguatório bucal fenólico resultou em melhores efeitos contra microrganismos gram-negativos.(21) Outro estudo mostrou que, com o uso de clorexidina, houve redução do risco de desenvolvimento de PAVM em 65%, quando comparado com placebo,(11) e a efetividade da prevenção da PAVM em pacientes recebendo descontaminação oral tópica da orofaringe com gentamicina/colistina/vancomicina a 2% em formulação orabase, em comparação aos controles, também já foi observada.(33)

Uma diminuição de até 40% de casos de pneumonia foi encontrada ao melhorar a higiene oral dos pacientes através de recursos mecânicos e químicos.(20) Tem sido demonstrada ainda a eficácia de outros antimicrobianos, como o sulfato de neomicina, gentamicina e vancomicina, associados à clorexidina.(20) Uma combinação de povidona e cuidados mecânicos também resultaram na diminuição da incidência de PAVM.(19) Além do uso da clorexidina, a limpeza profissional feita por um técnico em higiene dental uma vez por semana diminuiu significativamente a prevalência de febre e pneumonia fatal, além de reduzir as infecções gripais nas populações idosas.(20) A associação de clorexidina e peróxido de hidrogênio mostrou efeito antibacteriano contra a maioria dos patógenos associados à PAVM, reforçando a possibilidade de sua utilização como agente descontaminante da orofaringe.(41) Um protocolo oral utilizando monofluorfosfato de sódio a 0,7% e a aplicação subsequente de clorexidina a 0,12% duas vezes ao dia promoveu uma redução de 46% na frequência de PAVM.(42)

Podemos encontrar na literatura grandes variedades de regimes de tratamento com clorexidina, incluindo variações na concentração (0,2%, 0,12% e 2%), no local de aplicação, nas formas do agente (enxaguatórios orais e géis) e nas técnicas de aplicação.(32,42,43) Apesar de estudos em pacientes com cirurgia cardíaca, com baixo risco de desenvolvimento de PAVM, demonstrarem que a clorexidina 0,12% é efetiva, entre populações mais heterogêneas em ambiente hospitalar, talvez sejam necessárias concentrações mais altas, visto que nessas populações o uso de clorexidina em concentração de 2% parece mostrar melhor efeito.(32)

Nem sempre fica evidente a associação da descontaminação oral através do uso de antissépticos tópicos e o tempo de internação na UTI, a mortalidade ou a duração do tempo da VM, mas uma redução da incidência de ­pneumonia tem sido verificada em todos os estudos.(32)

Contudo, embora a clorexidina reduza a colonização bacteriana na cavidade oral e, consequentemente, a prevalência de PAVM(39,43-45) e de pneumonia pós-cirúrgica,(46) sua influência na redução da mortalidade associada a essas condições ainda não foi claramente demonstrada.(44)

Mesmo com a demonstração de que protocolos preventivos de controle do biofilme oral reduzem o risco de desenvolvimento de pneumonia nosocomial, em especial àquela associada à VM, uma recente pesquisa entre 59 UTIs européias de cinco países mostrou que em cerca de 60% delas utiliza-se a descontaminação oral com clorexidina como rotina.(32)

Em um grande estudo sobre o impacto dos cuidados orais na PAVM, as equipes de cinco hospitais de Chicago, incluindo enfermeiras e terapeutas respiratórios, reportaram utilizar de forma adequada a escovação com swabs e escovas dentárias nos pacientes recebendo VM. Porém, observou-se que, na prática, esses cuidados não eram considerados prioritários e que a frequência de cuidados orais documentada era menor do que a necessária. Um fato importante que ficou evidente foi com relação às diferentes percepções, entre as equipes de enfermagem, do significado da prática de cuidados orais,(17) demonstrando que sem a criação de um protocolo de higiene oral padronizado, tanto a frequência como os métodos de higiene implantados serão insuficientes.(16,17)

Embora o protocolo mais efetivo de controle do biofilme oral na prevenção da PAVM ainda não tenha sido estabelecido, é consenso entre os estudos que sua utilização é fundamental e que a adesão e a colaboração da equipe responsável pelos cuidados orais nesses pacientes são ­essenciais para o sucesso das manobras preventivas.(42)

Além do benefício na qualidade de vida e na recuperação dos pacientes, os custos dos protocolos preventivos são muito menores, podendo chegar a 10% do custo investido no manejo dos pacientes com pneumonia nosocomial instalada.(20,22,26,42) A prevenção da pneumonia ­nosocomial e da PAVM deve obedecer a uma estratégia multidirecional, envolvendo intervenções com o objetivo de diminuir a colonização do trato aerodigestivo por bactérias patogênicas e sua aspiração.(47)

Considerações finais

O conhecimento atual sobre a microbiota oral e da orofaringe, associado à evidência crescente de sua participação na patogênese das infecções respiratórias em pacientes hospitalizados, faz com que a negligência aos cuidados orais seja um fator de risco para o desenvolvimento das pneumonias nosocomiais. Inserir, dentro do protocolo de prevenção da pneumonia nosocomial, o monitoramento e a descontaminação da cavidade oral desses indivíduos por profissionais qualificados parece ser um grande aliado na redução da colonização pulmonar por patógenos orais e, consequentemente, na redução da incidência de pneumonias nosocomiais.


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Trabalho realizado na Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
Endereço para correspondência: Fábio Ramôa Pires. Curso de Mestrado em Odontologia, Universidade Estácio de Sá, Av. Alfredo Baltazar da Silveira, 580, cobertura, Recreio dos Bandeirantes, CEP 22790-701, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Tel 55 21 2497-8988. Fax 55 21 2497-8950. E-mail: ramoafop@yahoo.com
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Recebido para publicação em 20/1/2009. Aprovado, após revisão, em 30/4/2009.



Sobre os autores

Simone Macedo Amaral
Mestranda em Odontologia. Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Antonieta de Queiróz Cortês
Professora de Periodontia e do Curso de Mestrado em Odontologia. Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Fábio Ramôa Pires
Professor de Patologia, Estomatologia e do Curso de Mestrado em Odontologia, Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

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