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Artigo Original

Hospitalizações por asma: impacto de um programa de controle de asma e rinite alérgica em Feira de Santana (BA)

Hospitalizations for asthma: impact of a program for the control of asthma and allergic rhinitis in Feira de Santana, Brazil

Heli Vieira Brandão, Constança Margarida Sampaio Cruz, Ivan da Silva Santos Junior, Eduardo Vieira Ponte, Armênio Guimarães, Álvaro Augusto Cruz

ABSTRACT

Objective: To evaluate the impact of the Programa de Controle da Asma e Rinite Alérgica em Feira de Santana (ProAR-FS, Program for the Control of Asthma and Allergic Rhinitis in Feira de Santana) on the frequency of hospitalizations for asthma in patients monitored at a referral center for one year. Methods: This was a historical control study involving 253 consecutive patients with asthma, ages ranging from 4 to 76 years. We compared the frequency of hospital admissions and visits to the emergency room (ER) in the 12 months prior to and after their admission to the ProAR-FS. During the program, patients received free treatment, including inhaled medications and education on asthma. Demographic and socioeconomic aspects were also assessed. Results: There was a significant reduction in the number of hospitalizations (465 vs. 21) and of visits to the ER (2,473 vs. 184) after their admission to ProAR-FS (p < 0.001 for both). Of the 253 patients who had been hospitalized and had had ER visits within the year prior to the admission to ProAR-FS, only 16 were hospitalized and 92 visited the ER during the follow-up year, representing a reduction of 94% and 64%, respectively. Conclusions: Implementing a referral center for the treatment of asthma and rhinitis in the Unified Health Care System, with the free distribution of inhaled corticosteroids and the support of an education program, is a highly effective strategy for the control of asthma.

Keywords: Hospitalization; Asthma; Rhinitis; Health services; Public health.

RESUMO

Objetivo: Avaliar o impacto do Programa de Controle da Asma e Rinite Alérgica em Feira de Santana (ProAR-FS) na frequência de hospitalizações por asma em pacientes acompanhados por um ano em um centro de referência. Métodos: Estudo de controle histórico de 253 pacientes com asma, entre 4 e 76 anos idade, e admitidos consecutivamente. Comparou-se a frequência de internações e de atendimentos em emergência nos doze meses anteriores e posteriores à sua inclusão no ProAR-FS. Durante o programa, os pacientes receberam atendimento gratuito, incluindo medicação inalatória e educação em asma. Os aspectos demográficos e socioeconômicos também foram avaliados. Resultados: Houve redução significativa no número de internações (463 vs. 21) e de atendimentos em emergência (2.473 vs. 184) após a matrícula no ProAR-FS (p < 0,001 para ambos). Dos 253 pacientes internados e atendidos na emergência no ano anterior à participação no ProAR-FS, apenas 16 foram novamente internados e 92 foram atendidos na emergência durante o ano de acompanhamento, correspondendo a uma redução de 94% e 64%, respectivamente. Conclusões: A implementação de um ambulatório de referência para o tratamento de asma e rinite no Sistema Público de Saúde, com o fornecimento de corticoide inalatório e o suporte de um programa de educação, é uma estratégia muito efetiva para o controle da asma.

Palavras-chave: Hospitalização; Asma; Rinite; Serviços de saúde; Saúde pública.

Introdução

As frequentes hospitalizações por asma refletem elevada morbidade e indicam um importante problema de saúde pública.(1,2) O inadequado controle da doença tem levado a um aumento do número de atendimentos de emergência, de internações e de óbitos. O tratamento adequado da asma com a utilização de corticoide inalatório proporciona o controle da doença e evita exacerbações, internações e mortes.(3,4)
Estudos demonstram que ainda faltam estratégias e planejamento em políticas públicas para a atenção ambulatorial ao paciente asmático no Sistema Único de Saúde,(5,6) e isso tem consequências desastrosas para o sistema de saúde e para os pacientes.

Apesar do cenário desfavorável, programas de saúde têm conseguido reduzir as hospitalizações por crises de asma, quando conseguem oferecer uma abordagem diagnóstica e terapêutica adequada, complementada por atividade educacional e medidas de reabilitação.(7-12) Programas de educação em asma associados a medicamentos representam um dos pilares de sucesso da efetividade de programas de asma e demonstram reduzir as exacerbações e as internações por asma, assim como os custos com a doença.(13) O Programa de Controle da Asma e Rinite Alérgica em Feira de Santana (ProAR-FS) foi avaliado através de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde após o primeiro ano de funcionamento no município e demonstrou a redução em 42% nas hospitalizações por asma.(12)

O presente estudo teve o objetivo de avaliar o impacto da implantação do ProAR-FS nas hospitalizações por asma em pacientes acompanhados por um ano no centro de referência do programa.

Métodos

O ProAR-FS, implantado em 2004, vem oferecendo gratuitamente medicações inalatórias e um programa de educação em asma para o paciente asmático, assim como a capacitação para os profissionais de saúde, com o objetivo de proporcionar o controle da asma leve e moderada nas Unidades Básicas de Saúde e no Programa de Saúde da Família. Os pacientes com asma grave são encaminhados para um centro de referência, onde recebem acompanhamento e tratamento especializados.

Este estudo foi observacional, longitudinal e ambispectivo com controle histórico. Os mesmos pacientes foram utilizados para avaliar a efetividade da assistência ao paciente asmático comparando informações referentes ao número de atendimentos em emergência por crise de asma e de internações hospitalares no ano anterior ao acompanhamento no ProAR-FS com o número de internações e de visitas a emergência nos 12 meses posteriores à matricula no ProAR-FS. Foram avaliados todos os 253 pacientes admitidos consecutivamente no centro de referência e residentes no município de Feira de Santana (BA).

Foram incluídos os pacientes com diagnóstico de asma que tiveram, no mínimo, uma internação por crise de asma nos 12 meses anteriores à matrícula no programa. Foram excluídos os tabagistas e os portadores de doença pulmonar que não a asma. Os pacientes foram acompanhados por um período de 12 meses.
As informações referentes ao período anterior à admissão no centro de referência em Feira de Santana foram colhidas retrospectivamente de acordo com o protocolo padronizado de atendimento implantado na criação do ambulatório. Durante os 12 meses de acompanhamento prospectivo, foram aplicados questionários específicos da pesquisa, com questões referentes a dados demográficos (gênero, idade na admissão no programa, naturalidade, bairro), socioeconômicos (renda familiar em salários mínimos, escolaridade), antropométricos (peso, altura), relacionados à asma (idade da primeira crise, gravidade, frequência das internações e de atendimentos de emergência nos 12 meses anteriores à matrícula no ambulatório), relacionados à assistência (uso de medicação profilática, número de consultas de retorno no acompanhamento, tratamento fisioterápico) e relacionados à saúde global (comorbidades associadas, como rinite alérgica, hipertensão arterial e diabetes).

O diagnóstico e a classificação da gravidade da asma foram realizados por um pneumologista na primeira consulta do paciente no programa e seguiram os critérios da Global Initiative for Asthma.(14) O diagnóstico de rinite alérgica seguiu os critérios da Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma.(15) A asma grave foi caracterizada por sintomas diários contínuos e sintomas noturnos quase diários, limitação das atividades, exacerbações frequentes e/ou VEF1 ou PFE menor ou igual a 60% do previsto.(16)

Durante o acompanhamento por um ano, foi utilizada uma ficha padrão do ambulatório para a coleta de informações referentes a atendimentos de emergência e internações por crise de asma. Os portadores de rinite grave foram encaminhados a um otorrinolaringologista. Os pacientes e os pais das crianças acompanhadas foram inseridos no programa de educação em asma, que oferece informações sobre a doença, seus fatores desencadeantes, o uso adequado das medicações, o reconhecimento das crises e a utilização de um plano de ação para as exacerbações da asma. Os pacientes com a forma moderada e grave foram encaminhados para atendimento com um fisioterapeuta, que os auxiliou na realização de manobras de desinsuflação pulmonar e no uso adequado da musculatura respiratória, reforçando a utilização correta das medicações inalatórias. As medicações para o tratamento da asma e da rinite alérgica foram dispensadas no local do atendimento e eram compostas por corticoides inalatórios (beclometasona, budesonida), broncodilatadores (salbutamol, formoterol), corticoides tópicos nasais (beclometasona, budesonida), anti-histamínicos e corticoides orais, nas doses recomendadas pelo médico assistente. A dispensação das medicações foi realizada pela farmácia, com uma ficha contendo a identificação, o tipo de medicação, a data, a quantidade dispensada e as unidades subsequentes dispensadas com a entrega do frasco vazio.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Fundação Bahiana para o Desenvolvimento das Ciências.

Análise estatística

Para o cálculo da amostra, foi utilizado o programa PEPI (Sagebush Press, Salt Lake City, UT, EUA). Os indicadores de benefício da intervenção do estudo foram medidos pela comparação das frequências e dos números absolutos de internações e consultas de emergência nos 12 meses anteriores e posteriores ao acompanhamento no centro de referencia do ProAR-FS. Para a comparação de frequências e dos números absolutos de hospitalizações e atendimentos de emergência antes e após o ProAR-FS, foram utilizados os testes de McNemar e de Wilcoxon, respectivamente. As análises estatísticas foram realizadas através do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 14.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

As características demográficas e clínicas da população estão ilustradas na Tabela 1. A amostra foi composta por 253 pacientes (107 crianças, 44 adolescentes e 102 adultos). A frequência de crianças e adolescentes do sexo masculino em relação ao sexo feminino foi de 2,6:1 (63,6% vs. 36,4%), enquanto, nos adultos, essa relação favoreceu o sexo feminino numa proporção de 4:1 (80,4% vs. 19,6%). Escolaridade até o ensino fundamental foi o mais comum nas mães de crianças e adolescentes (64,7%) e entre pacientes adultos com asma (78,2%). A renda familiar mais observada foi de até um salário mínimo (75,5%). Asma grave foi significativamente mais frequente nos adultos (66,7%), e apenas 7,5% da amostra total utilizou corticoide inalatório antes do programa. A coexistência de rinite alérgica e asma ocorreu em 219 pacientes (86,3%), e 139 (63,5%) fizeram uso de medicação para tratamento da rinite (corticoide tópico nasal e/ou anti-histamínico).





Todos os 253 pacientes foram internados e atendidos na emergência por crise de asma antes da matrícula no ProAR-FS. A redução no número de internações foi de 95,5% (465 vs. 21), e a redução no número de atendimentos de emergência foi de 92,6% (2.473 vs. 184). A redução de internações e de atendimentos de emergência em crianças, adolescentes e adultos foi significativa (p < 0,001; Tabela 2). Observou-se, também, uma redução significativa (p < 0,001) no número de internações e de atendimentos na emergência em todo o espectro de gravidade da asma, com internações devido à asma grave caindo de 215 para 13 e com atendimentos de emergência caindo de 1.515 para 116 (Tabela 3). Numa análise por paciente, dos 253 pacientes internados e atendidos em serviços de emergência no ano anterior à matrícula no ProAR-FS, apenas 16 foram internados e 96 tiveram atendimento de emergência durante o acompanhamento, representando uma redução de 93,7% e de 62,1%, respectivamente (p < 0,001).









Discussão

A redução nas hospitalizações por asma é a principal meta dos programas para o controle da asma. As experiências anteriores em alguns países, inclusive no Brasil, indicam que o acesso ao tratamento oferecido por programas dessa natureza reduz as internações.(9-12) Num dos estudos, foi possível demonstrar que políticas de assistência ao paciente asmático podem reduzir a mortalidade por asma.(17) No presente trabalho, observamos uma grande redução no número de internações e de atendimentos de emergência no ano posterior à admissão dos pacientes no ProAR-FS, em todas as faixas etárias, refletindo o grande impacto do manejo adequado no controle dos sintomas do paciente asmático.

O difícil acesso às medicações adequadas e o acompanhamento irregular do asmático no Sistema Único de Saúde têm sido apontados como causas da superutilização dos serviços de emergência e do grande número de internações por asma. No presente estudo, o percentual de utilização de corticoide inalatório para o controle da asma antes da admissão no ProAR foi muito baixo (7,5%), inferior ao observado em outros estudos nacionais.(5,18) Com o fornecimento gratuito de medicações para asma e para rinite, a proporção de pacientes em uso de corticoide inalatório elevou-se para 94,7%, contribuindo para uma redução de internações em 94%, percentual semelhante ao encontrado em um estudo de caso-controle em crianças asmáticas utilizando corticoide inalatório e inseridas em um programa de educação em asma.(19) Uma das diferenças entre o ProAR-FS e outros programas de controle da asma é o tratamento concomitante da rinite, com o fornecimento de corticoide tópico nasal, além da abrangência de todas as faixas etárias e de todo o espectro de gravidade da asma e da rinite.

Neste estudo, a coexistência de rinite alérgica foi superior a 80% nas duas faixas etárias, o que está de acordo com estudos que indicam que a presença de sintomas nasais com a asma varia entre 30% e 80% podendo alcançar 99% em pacientes atópicos.(20) Estudos demonstraram a inter-relação entre rinite e asma e que o tratamento adequado da rinite alérgica melhora o controle da asma, com a redução dos sintomas e menor risco de visitas à emergência e de internações.(21-25) De fato, 35 crianças do ProAR-FS com asma leve (23,6% da amostra de crianças e adolescentes) e rinite persistente, em uso exclusivo de corticoide nasal, não foram internadas, e houve redução de 84,2% da frequência de visitas à emergência durante o acompanhamento no ProAR-FS. Evidências científicas sugerem que o tratamento da rinite com corticoide tópico nasal previne a hiperatividade brônquica associada à exposição a alérgenos e pode evitar as ­exacerbações dos sintomas em pacientes com asma leve.(23)

Outra observação importante deste estudo é que houve predominância de hospitalizações em crianças do sexo masculino e em adultos do sexo feminino. Apesar de haver predominância de hospitalizações em adultos do sexo feminino, não houve diferença estatisticamente significante no número de hospitalizações entre os dois gêneros durante o acompanhamento no ProAR-FS. Outro ponto importante a ser destacado é relativo ao alto impacto positivo deste modelo de programa ter ocorrido numa população com predominância de educação máxima até o ensino fundamental e de renda máxima de até um salário mínimo, consagrando a sua eficiência e exequibilidade entre os que mais necessitam de apoio de políticas de saúde.

O estudo tem um componente retrospectivo, estando sujeito a viés de memória e aferição com relação aos eventos ocorridos no período anterior à admissão no ProAR-FS, assim como a vieses comuns a estudos observacionais de intervenção, por não haver controle de outras variáveis potencialmente confundidoras, como ocorre no ensaio clínico randomizado. No entanto, buscou-se validar as informações verbais pela verificação do relatório de alta hospitalar, com confirmação da validade da informação.

Conclui-se que a atuação do ambulatório do centro de referência do ProAR-FS, com cuidados pela equipe de saúde, distribuição gratuita de corticoide inalatório e nasal, combinada a um programa de educação para pacientes com asma e para seus familiares, associou-se a acentuada redução da utilização de recursos de saúde por asma numa coorte ambulatorial de pacientes com passado de internações.

Agradecimentos

À Secretária Municipal de Saúde de Feira de Santana, à Coordenação Estadual do ProAR da Bahia e aos profissionais do centro de referência: Vera Gardênia Ferreira, Camila Portugal, Daniela do Amaral, Isabela Caribé, Fabiana Dias, Rosa Argentina Sarkis, Luciana Alves Amorim, Maria Raimunda Palmeira, Edgar Adolfo Costa e Murilo Cerqueira.

Referências


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Sobre os autores

Heli Vieira Brandão
Professora Auxiliar. Disciplina de Pediatria, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana (BA) Brasil.

Constança Margarida Sampaio Cruz
Professora do Corpo Permanente do Curso de Pós-Graduação de Medicina e Saúde Humana. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador (BA) Brasil.

Ivan da Silva Santos Junior
Médico. Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, Salvador (BA) Brasil.

Eduardo Vieira Ponte
Médico. Programa de Controle da Asma e Rinite Alérgica da Bahia, Feira de Santana (BA) Brasil.

Armênio Guimarães
Professor Titular. Curso de Pós-Graduação de Medicina e Saúde Humana, Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Salvador (BA) Brasil.

Álvaro Augusto Cruz
Professor Adjunto. Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA) Brasil.




Trabalho realizado na Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências, Salvador (BA) Brasil.
Endereço para correspondência: Heli Vieira Brandão. Rua Milão, 742, CEP 44062-170, Feira de Santana, BA, Brasil.
Tel 55 75 3221-9331. E-mail: helivb@terra.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 2/12/2008. Aprovado, após revisão, em 17/3/2009.

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