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Artigo Original

Composição celular do escarro induzido em adultos saudáveis

Cellular composition of induced sputum in healthy adults

Tiago Neves Veras, Emilio Pizzichini, Leila John Marques Steidle, Cristiane Cinara Rocha, Pablo Moritz, Márcia Margarete Menezes Pizzichini

ABSTRACT

Objective: To establish reference values for cellularity in induced sputum samples collected from healthy adults. Methods: Induced sputum samples were obtained from 88 healthy adult never-smokers (39 males). The mean age was 36 years (range, 18-68 years). The participants had been residing in the city of Florianópolis, Brazil (a medium-sized non-industrial city) for at least two years. After the samples had been processed, we obtained total and differential cell counts. Results: The mean total cell count was 4.8 ± 4.2 × 106 cells/g. There was a predominance of macrophages (mean, 77.5 ± 14.7%) and neutrophils (mean, 23.4 ± 14.3%). Eosinophils were virtually absent (mean, 0.1 ± 0.3%). Lymphocytes and bronchial epithelial cells were scarce. Neither age nor atopy had any effect on the total or differential cell counts. Conclusions: In the induced sputum of this healthy adult population, macrophages and neutrophils predominated. However, the proportion of neutrophils was lower than that reported in previous studies, which suggests that reference values might vary depending on geographic location.

Keywords: Sputum; Reference values; Brazil.

RESUMO

Objetivo: Estabelecer valores de referência para a celularidade de amostras de escarro induzido coletadas de indivíduos adultos saudáveis. Métodos: O escarro induzido foi obtido de 88 adultos saudáveis que nunca fumaram (39 homens) com média de idade de 36 anos (variação: 18-68 anos) residentes há pelo menos dois anos em Florianópolis, uma cidade brasileira não industrial e de tamanho médio. As amostras foram processadas, e foi realizada a contagem total e diferencial das células. Resultados: A média da contagem celular total foi de 4,8 ± 4,2 × 106 células/g. Houve predomínio de macrófagos (média de 77,5 ± 14,7%) e de neutrófilos (média de 23,4 ± 14,3%). Os eosinófilos estiveram virtualmente ausentes (média de 0,1 ± 0,3%). A proporção de linfócitos e de células broncoepiteliais foi pequena. Não houve efeito da idade ou de atopia sobre a contagem celular total ou diferencial. Conclusões: Nesta população de indivíduos saudáveis, macrófagos e neutrófilos foram as células predominantes no escarro induzido. Contudo, a proporção de neutrófilos foi inferior à previamente relatada, sugerindo que os valores de normalidade podem variar de acordo com o local onde ele é amostrado.

Palavras-chave: Escarro; Valores de referência; Brasil.

Introdução

Há quase duas décadas,(1,2) a introdução do escarro induzido para avaliar a inflamação das vias aéreas proporcionou um grande avanço na compreensão da fisiopatologia das doenças das vias aéreas. No presente, existem evidências suficientes demonstrando que o escarro induzido é o método mais abrangente para examinar a inflamação das vias aéreas de forma não invasiva por causa de suas propriedades, ou seja, confiabilidade, reprodutibilidade e responsividade.(3-5) Além disso, os resultados de estudos recentes têm demonstrado de forma consistente que o escarro induzido é uma ferramenta importante para determinar o fenótipo de asma,(6-8) de DPOC(7) e de outras doenças das vias aéreas, assim como para estudar o efeito do tratamento dessas doenças.(9-11) O método tem sido importante para estudar a patogenia das doenças respiratórias obstrutivas(12) e infecciosas.(13) Em contraste, em poucos estudos examinou-se a composição celular do escarro induzido em indivíduos saudáveis.

O conhecimento dos valores normais das medidas no escarro induzido, particularmente no que se refere à proporção de eosinófilos e de neutrófilos, as duas células mais frequentemente utilizadas para caracterizar a resposta inflamatória das vias aéreas, é essencial para que se compreenda o resultado desse exame. A utilização do escarro induzido, associado com provas de função pulmonar, permite monitorar mais adequadamente o padrão de inflamação em condições respiratórias.(14,15) Todavia, a contagem celular total e diferencial dessas amostras de escarro induzido deve ser balizada com valores normais de referência.

Até o presente, apenas três estudos(14-16) determinaram os valores de referência para a contagem celular total e diferencial no escarro induzido usando uma amostra grande de indivíduos saudáveis. A única diferença entre os resultados desses estudos foi a proporção de neutrófilos.

Os valores de referência do escarro induzido podem ser influenciados por características regionais (tais como poluição do ar ambiente), atopia, idade e métodos de indução e de processamento do escarro. O objetivo do presente estudo foi o de determinar os valores de referência para a celularidade total e diferencial de amostras de escarro induzido de adultos saudáveis que nunca fumaram, residentes na cidade de Florianópolis (SC).

Métodos

Um total de 99 adultos saudáveis, que nunca haviam fumado, residentes em Florianópolis (uma cidade não industrial, de tamanho médio e localizada no sul do Brasil) por pelo menos dois anos, foi recrutado a partir de anúncios na mídia local e de cartazes na universidade. Nenhum deles tinha sintomas respiratórios nasais ou pulmonares nem história atual ou passada de doenças respiratórias, incluindo asma, rinite alérgica ou exposição ocupacional à poeira, materiais químicos ou fumaças. Além disso, nenhum dos participantes havia tido sintomas de infecção respiratória nas últimas quatro semanas. Todos tinham espirometria normal (VEF1 > 80% do previsto, relação VEF1/CVF ≥ 80% e responsividade normal à metacolina - concentração de metacolina para causar uma redução de 20% no VEF1 [PC20] > 8,0 mg/mL). Do total da amostra, 27 participantes eram atópicos, conforme indicado pela presença de teste cutâneo positivo a um ou mais alérgenos comuns. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob o ofício 084/84, e todos os voluntários assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Este foi um estudo transversal com uma única visita. Todos os indivíduos foram avaliados no laboratório de pesquisa do Núcleo de Pesquisa em Inflamação das Vias Aéreas da UFSC. Após a verificação dos critérios de inclusão e exclusão, aqueles indivíduos com espirometria e responsividade à metacolina normais foram submetidos à indução de escarro e ao teste cutâneo para a pesquisa de atopia.

As características dos voluntários foram documentadas através de um questionário estruturado. As espirometrias foram realizadas de acordo com as especificações da American Thoracic Society.(17) Os valores de referência utilizados como previstos foram os de Crapo et al.(18) A broncoprovocação por metacolina foi realizada conforme o método descrito por Juniper et al.,(19) e os resultados expressos em unidades cumulativas de PC20. Os testes cutâneos foram realizados utilizando uma técnica de puntura modificada(20) com a utilização de 14 extratos comuns de alérgenos inalantes, um controle negativo (glicerol) e um controle positivo (histamina). O teste foi considerado positivo quando a pápula apresentou tamanho > 3 mm acima do controle negativo. Atopia foi definida como a presença de um ou mais testes positivos.

O escarro foi induzido e processado pelo método descrito por Pizzichini et al.(3) Resumidamente, o procedimento foi iniciado 15 min após a administração de 200 µg de salbutamol inalado, através da inalação de solução salina em concentrações crescentes de 3%, 4% e 5%, cada uma dessas inalada por 7 min sucessivamente até a última concentração ou até uma queda de VEF1 ≥ 20% em relação ao valor basal. Para a nebulização da solução salina, foi utilizado um nebulizador ultrasônico Fisoneb (Fisons, Pickering, Ontário, Canadá), com débito de 0,87 ml/min e partículas com diâmetro aerodinâmico de massa mediano de 5,58 µm.
Após cada período de inalação, o VEF1 foi medido para garantir a segurança do teste, sendo que a concentração da solução salina não era aumentada caso ocorresse uma queda do VEF1 ≥ 10% em relação ao valor basal. As amostras obtidas foram consideradas adequadas se as contagens celulares total e diferencial pudessem ser obtidas de uma amostra com pelo menos 50% de viabilidade celular e com uma contaminação por células escamosas da orofaringe inferior a 20%.

O tamanho da amostra foi estimado com base em cálculos prévios.(14-16) As variáveis categóricas (gênero, raça, atopia e sucesso na indução) estão representadas através de frequências absolutas e percentagens.
As variáveis contínuas foram inicialmente avaliadas quanto aos critérios de normalidade. As variáveis com distribuição contínua (idade, peso, altura, VEF1 basal, relação VEF1/CVF e VEF1 após salbutamol) estão expressas como médias e desvios-padrão ou valores mínimos e máximos. Devido à distribuição não gaussiana da contagem celular total e de alguns componentes celulares (eosinófilos e linfócitos), os resultados da citologia do escarro encontram-se expressos como médias, desvios-padrão, medianas e intervalos interquartílicos além dos percentis 10 e 90. Diferenças entre grupos foram analisadas usando ANOVA ou teste t para amostras não pareadas. Foram considerados significativos os valores de p < 0,05. Todos os testes foram bicaudais. Os dados foram analisados através do pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences para Windows, versão 18.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

A indução do escarro produziu uma amostra adequada em 88 participantes (39 homens), com média de idade de 36 anos (variação: 18-68 anos). A taxa de sucesso da indução do escarro foi de 88,9%. Foram excluídas 11 amostras de escarro, pois não havia produção de volume de escarro suficiente para a avaliação ou não havia viabilidade celular adequada na amostra coletada. A qualidade do escarro obtido foi adequada, conforme indicado por uma média de viabilidade de 77,5 ± 11,1%, com mediana (percentil 90) de 79,0% (94,0%). As contagens da celularidade total e diferencial de células não escamosas, a distribuição de eosinófilos e de neutrófilos, expressos em valores absolutos e percentuais, assim como os limites superiores de cada tipo de células estão discriminados nas Tabelas 1 e 2. Houve um predomínio de macrófagos e neutrófilos. Os eosinófilos estavam ausentes no escarro da maioria dos indivíduos (85%). Havia poucos linfócitos e células epiteliais.
Nós também examinamos a celularidade de acordo com a idade (distribuída em décadas de vida) e de acordo com a presença de atopia (Tabelas 3 e 4, respectivamente). Embora a contagem de eosinófilos fosse maior em indivíduos atópicos, isso não foi clinicamente importante nem estatisticamente significativo. Não houve influência da idade na distribuição da celularidade total ou diferencial, apesar do predomínio de macrófagos na faixa etária mais jovem, compreendida entre 18 e 20 anos.














Discussão

O objetivo do presente estudo foi determinar os valores de referência para o escarro induzido em uma amostra de brasileiros saudáveis que nunca fumaram e residentes em uma cidade não industrial. Nossos resultados são semelhantes aos previamente publicados na literatura, demonstrando que o escarro de indivíduos saudáveis é caracterizado por uma predominância de macrófagos e neutrófilos, mas com escassez de eosinófilos e linfócitos.(14,15) Comparado aos estudos anteriores, o percentual de adultos hígidos excluídos da amostra avaliada também é semelhante.(14,15) Contudo, a proporção e o número absoluto de neutrófilos em nosso estudo foram menores que os previamente relatados. O conhecimento dos valores de referência da celularidade do escarro, em particular neutrófilos e eosinófilos, é importante para compreender e interpretar o significado dos subtipos inflamatórios - neutrofílico, eosinofílico, granulocítico misto e paucigranulocítico - os quais têm sido usados com frequência para a determinação do fenótipo da asma.(21)

A menor proporção de neutrófilos encontrada no presente estudo não pode ser atribuída a aspectos técnicos, uma vez que a indução e o processamento do escarro foram similares aos procedimentos utilizados nos estudos anteriores.(14,15,22) Também não parece ser devida a um viés na seleção dos participantes, uma vez que não encontramos efeito da idade ou de atopia na contagem celular total ou diferencial. Nós especulamos que essa menor proporção de neutrófilos pode ter sido causada por variações locais, tais como poluição ambiental.

O presente estudo não foi desenhado para investigar o efeito da poluição ambiental nas secreções das vias aéreas. Ao contrário, este estudo foi concebido para determinar os valores normais do escarro induzido em adultos saudáveis não expostos à poluição ambiental, uma vez que todos os participantes residiam por, no mínimo, dois anos em uma cidade não industrial. Nós não podemos excluir com certeza a exposição domiciliar ou ambiental passada. Porém, nenhum dos indivíduos estudados esteve exposto à poluição ambiental nos últimos dois anos.

A exposição ambiental consiste em uma variedade de gases e partículas poluentes, entre os quais a matéria particulada parece ser a mais nociva para a saúde humana. Inalações repetidas de partículas poluentes podem resultar em um grau moderado de estresse oxidativo e de resposta inflamatória nas vias aéreas e pulmões.(23) Nos últimos anos, diversas pesquisas investigaram o efeito da exposição aguda e crônica dos pulmões à poluição ambiental. Estudos usando lavado broncoalveolar(24) ou escarro induzido demonstraram que indivíduos saudáveis expostos a ozônio(25-27) ou diesel(27) apresentam uma resposta inflamatória caracterizada por um aumento de neutrófilos e IL-6.
As mudanças no escarro induzido podem ser observadas tão precocemente quanto seis horas após a exposição.(24) Além disso, tem sido demonstrado que trabalhadores saudáveis expostos diariamente à poluição produzida pelo tráfico apresentam neutrofilia no escarro.(28) A exposição ocupacional também deve ser lembrada como um importante agente capaz de modificar a composição celular do escarro induzido.(29)
Embora seja razoável assumir que a menor proporção de neutrófilos em nossa amostra possa estar associada a uma menor exposição à poluição ambiental, faz-se necessária a confirmação dessa hipótese através de estudos especificamente destinados a investigar esse aspecto.

Finalmente, é importante mencionar que, em 85% dos indivíduos deste estudo, a proporção de eosinófilos no escarro induzido foi zero. Esse resultado confirma relatos anteriores(14,15) e apóia o conceito de que a eosinofilia no escarro é um marcador robusto e confiável de inflamação eosinofílica. Nossos resultados também sugerem que o ponto de corte atual de 3,0% para inflamação eosinofílica pode ser diminuído.

Em suma, os resultados do presente estudo mostram que, nesta população de indivíduos saudáveis, os macrófagos e neutrófilos são as células predominantes no escarro induzido. Contudo, a proporção de neutrófilos foi inferior àquela previamente relatada, sugerindo que os valores de normalidade da celularidade no escarro induzido podem variar de acordo com o local onde ele é amostrado.


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* Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.
Endereço para correspondência: Márcia M. M. Pizzichini. Departamento de Clínica Médica, Universidade Federal de Santa Catarina, NUPAIVA, Hospital Universitário, Campus Universitário, Trindade, CEP 88040-970, Florianópolis, SC, Brasil.
Tel. 55 47 3234-7711. E-mail: mpizzich@matrix.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 13/1/2011. Aprovado, após revisão, em 28/2/2011.


Sobre os autores

Tiago Neves Veras
Pneumologista Infantil. Hospital Infantil Jeser Amarante Faria, Joinville (SC) Brasil.

Emilio Pizzichini
Professor de Pneumologia. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

Leila John Marques Steidle
Médica Pneumologista. Hospital Universitário, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

Cristiane Cinara Rocha
Enfermeira Pesquisadora. Núcleo de Pesquisa em Asma e Inflamação das Vias Aéreas - NUPAIVA - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

Pablo Moritz
Médico Pneumologista. Hospital Universitário, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.

Márcia Margarete Menezes Pizzichini
Professora da Disciplina de Clínica Médica. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis (SC) Brasil.


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