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Artigo Original

Desenvolvimento e validação de um questionário de conhecimento em asma para uso no Brasil

Development and validation of an asthma knowledge questionnaire for use in Brazil

Marcos Carvalho Borges, Érica Ferraz, Sílvia Maria Romão Pontes, Andrea de Cássia Vernier Antunes Cetlin, Roseane Durães Caldeira, Cristiane Soncino da Silva, Ana Carla Sousa Araújo, Elcio Oliveira Vianna

ABSTRACT

Objective: To develop and validate an asthma knowledge questionnaire for use in adult asthma patients in Brazil. Methods: A 34-item self-report questionnaire was constructed and administered to adult asthma patients and adult controls. The maximum total score was 34. Results: The questionnaire was shown to be discriminatory, with good reliability and reproducibility. The mean score for asthma patients and controls was, respectively, 21.47 ± 4.11 (range: 9-31) and 17.27 ± 5.11 (range: 7-28; p < 0.001). The Kaiser-Meyer-Olkin measure of sampling adequacy was 0.53, and the Bartlett's test of sphericity demonstrated a satisfactory suitability of the data to factor analysis (p < 0.001). There was no significant difference between the total scores obtained in the first and in the second application of the questionnaire within a two-week interval (p = 0.43). The internal consistency reliability (KR-20 coefficient) was 0.69. Conclusions: This study has validated an asthma knowledge questionnaire for use in Brazil.

Keywords: Asthma; Questionnaires; Validation studies; Reproducibility of results.

RESUMO

Objetivo: Desenvolver e validar um questionário de conhecimento em asma para pacientes adultos asmáticos no Brasil. Métodos: Um questionário autoaplicável com 34 itens foi desenvolvido e aplicado em asmáticos e controles adultos. A pontuação total máxima era 34. Resultados: O questionário mostrou-se discriminante, com boa confiabilidade e reprodutibilidade. O escore médio para os asmáticos e controles foi, respectivamente, 21,47 ± 4,11 (variação: 9-31) e 17,27 ± 5,11 (variação: 7-28; p < 0,001). O teste de Kaiser-Meyer-Olkin revelou uma medida de adequação de 0,53, e o teste de esfericidade de Bartlett demonstrou uma adequação satisfatória dos dados para a análise fatorial (p < 0,001). Não houve diferença significativa entre os escores totais obtidos na primeira e na segunda aplicação do questionário, com um intervalo de duas semanas (p = 0,43). O coeficiente de consistência interna (coeficiente KR-20) foi 0,69. Conclusões: Este estudo validou um questionário de educação em asma para uso no Brasil.

Palavras-chave: Asma; Questionários; Estudos de validação; Reprodutibilidade dos testes.

Introdução

A asma, uma doença inflamatória crônica das vias aéreas, é um problema sério de saúde pública mundial, atingindo pessoas de todas as idades e condições econômicas.(1,2) Quando não controlada, a asma pode impor limites graves à vida diária e ainda levar à morte.(3) Apesar dos avanços dos medicamentos específicos para asma, a prevalência e a morbidade da asma não controlada ainda é alta.(4)

O tratamento da asma pode ser complexo e exige o envolvimento dos pacientes e de suas famílias. Para o sucesso no tratamento, os pacientes com asma deveriam obter um conhecimento específico sobre a doença, como a fisiopatologia da asma, os propósitos de diferentes tipos de medicamentos, o manejo de desencadeadores ambientais da asma, a identificação e manejo das exacerbações da asma, o uso de inaladores, e a diferenciação entre asma controlada e não controlada.(1,5-7) Esse conhecimento poderia ser adquirido em consultas médicas com a equipe de saúde do paciente e em programas de educação.
Os programas de educação melhoraram o conhecimento sobre a asma, o controle da doença, os parâmetros de função pulmonar e a adesão à terapia, e deveriam ser incorporados ao tratamento do paciente.(8,9) A melhora de tal conhecimento é um dos principais objetivos dos programas de educação, e a sua avaliação é uma parte importante da intervenção.(10) Muitos programas de educação sobre a asma utilizam questionários validados para medir o conhecimento do paciente, o impacto dos programas e a relação entre esse conhecimento e o controle da asma.(10,11) Questionários validados estão disponíveis em várias línguas, como em inglês, francês e espanhol, mas não em português.Além disso, o conhecimento sobre a asma difere entre as várias culturas e países, e questionários e programas específicos deveriam, portanto, ser desenvolvidos para atender diferentes necessidades.(11-14)

O objetivo deste estudo foi desenvolver um questionário autoaplicável e confiável sobre o conhecimento em asma e validá-lo o para o uso em pacientes adultos asmáticos no Brasil.

Métodos

Tratou-se de um estudo unicêntrico realizado no Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, entre julho de 2008 e março de 2009, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital. Todos os participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

O questionário foi aplicado em pacientes asmáticos e em outros sujeitos (controles) no Hospital Universitário. Todos os pacientes asmáticos foram selecionados através de seu histórico médico, exame físico, exames laboratoriais e testes de função pulmonar. Esses pacientes foram diagnosticados com asma de acordo com a definição das diretrizes do Global Initiative for Asthma.(1) Os controles eram indivíduos acompanhando os pacientes e que não haviam tido asma ou se envolvido no tratamento de membros da família ou de amigos com asma.

Desenvolvemos um questionário autoaplicável com 34 itens (Anexo 1)
desenvolvido para explorar aspectos do tratamento da asma e conteúdos dos programas de educação, como etiologia, fisiopatologia, sintomas, desencadeadores, tratamento, uso de inaladores, prevenção e planos de ação. As categorias de respostas foram "verdadeiro", "falso" ou "não sei", essa última sendo inclusa para desencorajar respostas aleatórias e sendo pontuada como incorreta.(10) A pontuação total máxima era 34.

Os passos utilizados para determinar a confiabilidade e a validade do questionário foram: validade do conteúdo, validade aparente, confiabilidade teste-reteste, validade do construto, validade de critério e consistência interna.

Não houve avaliações objetivas do conteúdo e validade aparente.(10)

Todos os itens do questionário foram avaliados por um painel de nove pneumologistas e três fisioterapeutas com interesse em pesquisa, especialidade no manejo da asma e envolvimento em programas de educação para pacientes asmáticos. Especialistas de todas as regiões do Brasil (sul, sudeste, centro-oeste, nordeste e norte) participaram da avaliação da validade do conteúdo e validade aparente. Além disso, 10 voluntários com asma avaliaram o questionário no que diz respeito à aparência e ao conteúdo, a fim de identificar ambiguidades e falta de clareza.

A estrutura do questionário foi estudada utilizando-se a análise do componente principal e rotação varimax com normalização de Kaiser. Uma vez que o questionário abordou diversos aspectos, os resultados da análise fatorial indicariam se seria apropriado somar todos os itens em uma medida ou tratar os fatores como escalas individuais.(10)

A validade de critério foi determinada pela comparação das respostas aos itens individuais e dos escores totais entre pacientes asmáticos e controles. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para avaliar as diferenças nos escores totais, e o teste do qui-quadrado foi utilizado para comparar as respostas aos itens individuais. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos.

O questionário foi aplicado duas vezes, com um intervalo de duas semanas. Para avaliar a confiabilidade, o teste de Wilcoxon foi utilizado para comparar a pontuação total de cada aplicação, e o teste de McNemar foi utilizado para avaliar a concordância em itens individuais.

A consistência interna dos itens foi avaliada utilizando-se a fórmula 20 de Kuder-Richardson (KR-20). Os valores adequados deveriam ser maiores que 0,6.

As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o Statistical Package for the Social Sciences, versão 15.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA).

Resultados

Durante o estudo, 134 pacientes asmáticos foram inscritos. A idade média dos pacientes asmáticos foi 41 ± 14 anos, e 99 (74%) eram do sexo feminino. Também incluímos 33 controles (idade média: 37 ± 13 anos), 16 (48%) dos quais eram do sexo feminino.

Tanto os especialistas quanto os pacientes asmáticos consideraram que o questionário tinha validade de conteúdo e validade aparente adequadas e que cobria satisfatoriamente os conceitos sobre a asma.

O tamanho da amostra para a análise fatorial foi de 33 itens, com um valor faltando, e uma razão de 3,94 respondentes para cada item foi obtido. O teste de Kaiser-Meyer-Olkin para a medida de adequação da amostra foi de 0,53, considerada adequada para a análise fatorial, e o teste de esfericidade de Bartlett também demonstrou uma adequação satisfatória dos dados para a análise fatorial (p < 0,001). Uma carga fatorial de > 0,30 foi adotada, e 13 fatores foram extraídos. Cada fator explicou 3,86‑5,68% da variância total, e 64,18% da variância foi explicada por esses 13 fatores, revelando uma estrutura fatorial fraca. A matriz padrão das cargas dos fatores com rotação varimax está apresentada na Tabela 1.



O escore médio do questionário foi de 21,47 ± 4,11 (variação: 9-31) para os pacientes asmáticos, e de 17,27 ± 5,11 (variação: 7-28) para os controles (p < 0,001). As diferenças nas respostas entre os pacientes asmáticos e os controles para itens individuais estão apresentadas na

Tabela 2. Na primeira e segunda aplicação, o escore médio do questionário foi, respectivamente, 22,13 ± 4,32 (variação: 13-31) e 21,77 ± 3,91 (variação: 13-29), sem diferença significativa entre os escores totais obtidos no intervalo de duas semanas (p = 0,43). Quando analisados separadamente, todos os itens também foram considerados concordantes (p > 0,21).



O coeficiente de consistência interna (coeficiente KR-20) do questionário foi 0,69.

Discussão

Desenvolvemos e validamos um questionário para avaliar o conhecimento de adultos asmáticos sobre a doença, especialmente para o uso em países em desenvolvimento onde o português é falado. Este questionário composto por 34 itens foi cuidadosamente desenvolvido para medir o conhecimento sobre a asma e provou ser válido, confiável, sensato, de administração simples, apropriado e inteligível para a população-alvo, similar aos questionários validados para uso em outros países.(10,11,15)

O questionário atende ao critério de validade de conteúdo/validade aparente. Para a validade do construto, a razão desejável de respondentes varia de 4 a 10 sujeitos por item, com um número mínimo de 100 sujeitos.(16,17) Obtivemos uma razão de 3,94 respondentes para cada questão, o que pode ser uma limitação para a análise fatorial. A análise fatorial não revelou uma estrutura forte de cluster, sugerindo que o questionário deveria ser interpretado como um elemento unidimensional pela soma de todos os itens, ao invés de como um instrumento multidimensional.

Pela comparação dos escores totais e dos itens individuais, também demonstramos que o questionário distinguiu claramente entre pacientes asmáticos e controles, tendo estabilidade temporal e consistência interna aceitável. Os pacientes asmáticos responderam corretamente apenas 63% das questões. As questões respondidas incorretamente, para a maioria dos pacientes asmáticos, foram principalmente aquelas sobre o tratamento da asma. Além disso, 96% dos pacientes asmáticos consideraram os broncodilatadores como o melhor medicamento para controlar a asma; 63% acreditavam que corticosteroides inalatórios não deveriam ser utilizados para a asma; e 70% achavam que poderiam se viciar em medicamentos inalatórios. Esses assuntos deveriam ser considerados em consultas médicas e em programas de educação.

Embora não exista um limiar esperado para os pacientes asmáticos, e considerando a importância do conhecimento no tratamento da asma, consideramos o conhecimento desses pacientes em nosso hospital insuficiente. Ações práticas para melhorar o conhecimento sobre a asma, como programas de educação, deveriam ser considerados. Uma vez que apenas adultos foram inscritos, trabalhos mais aprofundados são necessários a fim de validar este questionário para uso em crianças e adolescentes com asma, bem como em suas famílias e responsáveis.

Houve algumas limitações neste estudo. Embora o questionário tenha sido adequado para a análise fatorial, tivemos uma razão de apenas 3,94 respondentes para cada questão, e o questionário não apresentou uma estrutura forte de cluster. Quando os itens foram analisados separadamente, 13 questões poderiam diferenciar significativamente os pacientes asmáticos dos controles, 5 questões mostraram uma tendência à significância, e 16 não alcançaram diferenças estatisticamente significativas entre os pacientes asmáticos e os controles. Portanto, o questionário deveria ser interpretado com a soma de todos os itens ao invés de itens isolados ou ­clusters de questões.

Embora vários questionários de conhecimento em asma tenham sido desenvolvidos, este foi o primeiro estudo a desenvolver um questionário específico em português. Obviamente, poderíamos ter traduzido um questionário existente. Entretanto, traduzir um questionário é difícil, e como uma tradução pode não ser apropriada para todas as populações, uma vez que a terminologia e práticas médicas, bem como o conhecimento em asma, diferenciam-se entre populações.(11-14)

O Brasil é um país grande com cinco regiões distintas (sul, sudeste, centro-oeste, nordeste e norte), cada uma com hábitos e culturas distintas. A fim de evitar vieses regionais, especialistas de todas as regiões foram consultados a fim de que o questionário fosse adequado para todos os pacientes no Brasil. Considerando algumas semelhanças culturais entre o Brasil e outros países em desenvolvimento, nosso questionário poderia também ser útil em outros países onde o português é falado.

Em conclusão, nosso questionário composto por 34 itens é um instrumento válido e confiável para mensurar o conhecimento sobre a asma em adultos asmáticos em países em desenvolvimento onde o português é falado.

Agradecimentos

Os seguintes pesquisadores e instituições participaram deste estudo: Álvaro Augusto Souza da Cruz Filho (Universidade Federal da Bahia); Ana Luisa Godoy Fernandes (Universidade Federal de São Paulo); Carlos Cezar Fritscher (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul); Fabíola Reis de Oliveira (Universidade de São Paulo); Heicilainy Del Carlos Gondim (Hospital Geral de Goiânia Alberto Rassi); Luiz Carlos Corrêa da Silva (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); Márcia Alcântara Holanda (Universidade Federal do Ceará); Maria Alenita de Oliveira (Universidade Federal de São Paulo); Maria do Rosário da Silva Ramos Costa (Universidade Federal do Maranhão); Maria do Socorro de Lucena Cardoso (Universidade Federal do Amazonas); Rafael Stelmach (Universidade de São Paulo); Sonia Regina Pasian (Universidade de São Paulo); e Willy Sarti (Universidade de São Paulo).


Referências


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Trabalho realizado na Divisão de Pneumologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Elcio O. Vianna. Avenida Bandeirantes, 3900, CEP 14048-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Tel 55 16 3602-2706. Fax 55 16 3633-6695. E-mail: evianna@uol.com.br
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Recebido para publicação em 19/6/2009. Aprovado, após revisão, em 11/9/2009.




Sobre os autores

Marcos Carvalho Borges
Professor Convidado. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Érica Ferraz
Fisioterapeuta. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Sílvia Maria Romão Pontes
Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Andrea de Cássia Vernier Antunes Cetlin
Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São
Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Roseane Durães Caldeira
Fisioterapeuta. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Cristiane Soncino da Silva
Fisioterapeuta. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Ana Carla Sousa Araújo
Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

Elcio Oliveira Vianna
Professor Associado. Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto (SP) Brasil.

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