Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
9382
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Cartas ao Editor

O uso de corticosteroide oral para sibilância em lactentes é abusivo?

Are oral corticosteroids being used excessively in the treatment of wheezing in infants?

Herberto José Chong Neto, Nelson Augusto Rosário

Ao Editor:

Apreciamos o artigo de Dela Bianca et al.,(1) publicado no Jornal Brasileiro de Pneumologia, o qual merece considerações.

A iniciativa Estudio Internacional de Sibilancias en Lactantes (EISL,
Estudo Internacional de Sibilâncias em Lactentes) foi desenvolvida com método padronizado para verificar a epidemiologia, fatores de risco e como estão sendo tratados os lactentes com sibilância no primeiro ano de vida em países da América Latina, na Espanha e na Holanda, envolvendo mais de 28.000 indivíduos. Os resultados internacionais demonstraram uma ampla variação na prevalência de sibilância ocasional (< 3 episódios) e recorrente (≥ 3 episódios), e, no Brasil, entre as sete cidades participantes, a presença de pelo menos 1 episódio de sibilos variou de 45,1% em Curitiba a 63,3% em Porto Alegre, enquanto a sibilância recorrente variou de 18,2% em Recife a 27,0% em Porto Alegre.(2)

Episódios de sibilância estão relacionados a infecções respiratórias virais. O vírus sincicial respiratório (VSR) induz sibilância em lactentes, sendo que metade desses desenvolverá sibilância recorrente, e um quarto desses apresentará asma em idade escolar. A sibilância precoce induzida por rinovírus tem sido considerada um fator de risco maior, pois 65% das crianças permanecerão apresentando sibilância aos três anos de idade, e 60% delas desenvolverão asma.(3)

Há evidências de que os primeiros episódios de sibilância em lactentes, mesmo quando atópicos e induzidos por VSR, não respondem ao uso de corticosteroides sistêmicos. Em um estudo com 118 lactentes seguidos por um ano após o primeiro episódio de sibilância, 37% dos lactentes apresentaram sibilância recorrente mesmo quando tratados com prednisolona por um curto período. O risco para sibilância recorrente entre os que utilizaram placebo foi cinco vezes maior naqueles que apresentavam infecção por rinovírus do que naqueles com infecção por VSR. Entre os que fizeram uso de prednisolona e tiveram infecção por rinovírus, houve uma redução da sibilância recorrente, fato não observado naqueles que tinham infecção por VSR. A resposta foi melhor naqueles que apresentaram eczema.(4) Isso mostra que se há benefícios no uso de corticosteroides sistêmicos em lactentes com sibilância associada a infecção respiratória viral, tal benefício deve estar relacionado a concomitância de doença alérgica. Entretanto, em pré-escolares com sibilância leve a moderada induzida por vírus que procuraram serviços de emergência, foi administrada prednisolona por cinco dias com o objetivo de verificar a sua eficácia clínica por meio de um escore clínico, do tempo de hospitalização e da persistência de sintomas. Observou-se que não houve diferença significativa com o uso de prednisolona nos pré-escolares com sibilância por vírus em relação ao tempo de hospitalização e ao escore de sintomas, mesmo naqueles que apresentaram um índice preditivo para asma. Esse estudo, porém, teve a limitação de não realizar a identificação laboratorial dos vírus respiratórios.(5)

Entre aqueles que têm sibilância recorrente, há um contingente expressivo de prováveis asmáticos. Verificou-se, na cidade de Curitiba (PR), que os lactentes são tratados excessivamente, o que pode ser explicado pela disponibilidade das medicações para asma na rede pública ou pelo fato de que as diretrizes para o manejo da asma não são conhecidas ou inadequadamente observadas.(6)

Comparando os achados de Curitiba com os de São Paulo (SP),(2) destaca-se o número elevado de crianças com sibilância, recorrente ou não, que fizeram uso de corticosteroides sistêmicos (Tabela 1).




Lactentes com sibilância recorrente na cidade de São Paulo apresentaram, pelas informações dos pais, maior ocorrência de sintomas noturnos, sintomas mais graves, maior número de visitas aos serviços de emergência (71,5%) e de hospitalização (23,0%) por sibilância do que em Curitiba (22,9% e 4,1%, respectivamente).

Considerando-se que o uso de corticosteroides sistêmicos no tratamento da sibilância em lactentes é controverso, que o diagnóstico de asma nessa faixa etária é difícil, que medicações de controle, como corticosteroides inalatórios e antileucotrienos, devem ser utilizadas com critério, e que alguns autores demonstraram não haver benefícios com o uso dessas medicações em pré-escolares, algumas questões são oportunas: estamos tratando somente episódios de sibilância e esquecendo a prevenção de sua recorrência nos lactentes? Mesmo sabendo que o tratamento preventivo pode não alterar o curso da doença, é válido fazê-lo? Existe prejuízo à função pulmonar, ao crescimento e ao desenvolvimento das crianças, assim como a sua qualidade de vida e de seus pais, no caso de não tratá-las? Quando os demais centros participantes do EISL apresentarem seus resultados, acreditamos que tão importante quanto conhecer a epidemiologia, a gravidade e os fatores associados à sibilância será discutir como e porque esses lactentes estão sendo tratados.

Herberto José Chong Neto
Pesquisador Associado,
Serviço de Alergia e Imunologia Pediátrica,
Hospital de Clínicas da
Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, PR, Brasil

Nelson Augusto Rosário
Professor Titular de Pediatria, Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, PR, Brasil



Referências


1. Dela Bianca AC, Wandalsen GF, Mallol J, Solé D. Prevalence and severity of wheezing in the first year of life. J Bras Pneumol. 2010;36(4):402-9.

2. Garcia-Marcos L, Mallol J, Solé D, Brand PL; EISL Study Group. International study of wheezing in infants: risk factors in affluent and non-affluent countries during the first year of life. Pediatr Allergy Immunol. 2010;21(5):878-88.

3. Lemanske RF Jr, Jackson DJ, Gangnon RE, Evans MD, Li Z, Shult PA, et al. Rhinovirus illnesses during infancy predict subsequent childhood wheezing. J Allergy Clin Immunol. 2005;116(3):571-7.

4. Lehtinen P, Ruohola A, Vanto T, Vuorinen T, Ruuskanen O, Jartti T. Prednisolone reduces recurrent wheezing after a first wheezing episode associated with rhinovirus infection or eczema. J Allergy Clin Immunol. 2007;119(3):570-5.

5. Panickar J, Lakhanpaul M, Lambert PC, Kenia P, Stephenson T, Smyth A, et al. Oral prednisolone for preschool children with acute virus-induced wheezing. N Engl J Med. 2009;360(4):329-38.

6. Rosario NA, Chong Neto HJ. Are we overtreating recurrent wheezing in infancy? Allergol Immunopathol (Madr). 2009;37(5):276-8.




Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia