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Comunicação Breve

Evolução da função pulmonar após tratamento com goserelina em pacientes com linfangioleiomiomatose

Evolution of pulmonary function after treatment with goserelin in patients with lymphangioleiomyomatosis

Bruno Guedes Baldi, Pedro Medeiros Junior, Suzana Pinheiro Pimenta, Roberto Iglesias Lopes, Ronaldo Adib Kairalla, Carlos Roberto Ribeiro Carvalho

ABSTRACT

In the atypical smooth muscle cells that are characteristic of lymphangioleiomyomatosis (LAM), there are estrogen and progesterone receptors. Therefore, anti-hormonal therapy, despite having produced controversial results, can be considered a treatment option. The objective of this retrospective study was to evaluate hormonal and spirometric data for nine women with LAM after one year of treatment with goserelin. The mean increase in FEV1 and FVC was 80 mL and 130 mL, respectively. There was effective blockage of the hormonal axis. It is still not possible to exclude a potential beneficial effect of the use of gonadotropin-releasing hormone analogues in LAM patients, which underscores the need for randomized trials.

Keywords: Lymphangioleiomyomatosis; Spirometry; Goserelin.

RESUMO

Nas células musculares lisas atípicas características da linfangioleiomiomatose (LAM) encontram-se receptores de estrogênio e progesterona, de modo que o tratamento anti-hormonal pode ser considerado uma opção, mas ainda com resultados controversos. O objetivo deste trabalho foi avaliar retrospectivamente parâmetros hormonais e espirométricos em nove mulheres com LAM após o tratamento com goserelina por um ano. Houve um aumento médio de 80 mL e 130 mL, respectivamente, em VEF1 e CVF, assim como bloqueio hormonal efetivo. Ainda não se pode excluir um potencial efeito favorável da utilização de análogos de hormônio liberador de gonadotrofina em pacientes com LAM, reforçando a necessidade de ensaios randomizados.

Palavras-chave: Linfangioleiomiomatose; Espirometria; Gosserrelina.

A linfangioleiomiomatose (LAM) pulmonar é uma rara doença que atinge mulheres em idade reprodutiva e é caracterizada pela proliferação de células musculares lisas atípicas (células de LAM, com positividade para o antígeno alfa actina e para o anticorpo monoclonal HMB-45) ao redor de pequenas vias aéreas, vasos sanguíneos e vasos linfáticos, podendo levar à obstrução brônquica e vascular, assim como à formação de cistos. A LAM pode ocorrer isoladamente ou associada a tuberous sclerosis complex (TSC, complexo de esclerose tuberosa), que é uma doença neurocutânea esporádica ou de herança autossômica dominante caracterizada por hamartomas em pele, olhos, rins, coração e sistema nervoso central, assim como por crises convulsivas e retardo mental. A TSC está associada a mutações nos genes TSC1 ou TSC2.(1,2)

Ainda não há tratamento definitivo para a doença, mas novas perspectivas têm sido pesquisadas com diferentes alvos. A rapamicina é um dos exemplos, baseada na sua capacidade de inibição de mTOR (proteína que promove proliferação celular). Em um ensaio randomizado recente avaliando pacientes com limitação moderada a grave, demonstrou-se a estabilização do VEF1 no período de utilização da rapamicina (1 ano).(3) A tetraciclina e seus análogos, como a doxiciclina, têm sido testados em função de sua propriedade de inibição de matrix metalloproteinases (MMPs, metaloproteinases de matriz), uma vez que essas proteínas, principalmente a MMP-2, estão aumentadas nas pacientes com LAM, promovendo degradação da matriz extracelular.(4) O transplante pulmonar e a combinação de transplante cardíaco e pulmonar permanecem como opções para casos avançados.(5)

O envolvimento hormonal na patogênese da LAM foi descrito há mais de 25 anos. Brentani et al. demonstraram a presença de receptores de estrogênio, progesterona e glicocorticoides no tecido pulmonar de pacientes com LAM.(6) Outro estudo confirmou a positividade de receptores de estrogênio e de progesterona em angiomiolipomas.(7) Yu et al. confirmaram que o crescimento em cultura de células provenientes de angiomiolipoma associado à LAM foi estimulado por estradiol e tamoxifeno.(8) Com base nessa associação hormonal com a doença, o tratamento anti-hormonal pode ser considerado uma opção. A ooforectomia, assim como a administração de tamoxifeno, progesterona e agonistas e análogos de gonadotropin-releasing hormone (GnRH, hormônio liberador de gonadotrofina) foram testados, com resultados controversos, uma vez que não existem ensaios clínicos randomizados avaliando essas modalidades terapêuticas.(9-14) Em um estudo retrospectivo com 35 pacientes com LAM submetidos a tratamento hormonal em diferentes esquemas, a sobrevida em 10 anos foi de 90%.(11) Entretanto, outros estudos demonstraram uma redução no VEF1 mesmo após a manipulação hormonal.(12,14) Em um estudo retrospectivo, o tratamento com goserelina, comparado ao uso de progesterona, demonstrou tendência a determinar um declínio mais lento do VEF1 ao longo do tempo.(15) Nenhum estudo até o momento comparou adequadamente as opções de tratamento em função da raridade da doença e da falta de protocolos padronizados de tratamento.

O potencial efeito benéfico dos análogos de GnRH em pacientes com LAM se baseia em sua capacidade de promover redução do hormônio luteinizante e do follicle-stimulating hormone (FSH, hormônio folículo estimulante), suprimindo a função ovariana. O objetivo do presente estudo foi avaliar o efeito do tratamento com goserelina (um análogo de GnRH) sobre o VEF1 de pacientes com LAM e, secundariamente, determinar se houve bloqueio efetivo do eixo hipotálamo-hipofisário.

Nove pacientes com LAM foram avaliadas retrospectivamente em relação à resposta ao tratamento com goserelina (na dose de 3,6 mg s.c. a cada 4 semanas) por 1 ano. Todas as pacientes apresentavam diagnóstico de LAM confirmado por biopsia pulmonar a céu aberto, e todas as amostras obtidas foram revisadas por patologistas especializados na avaliação de doenças pulmonares. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição, e as pacientes forneceram consentimento informado para a participação no estudo.

Idade ao diagnóstico, presença de dispneia, antecedentes de pneumotórax, de quilotórax e de angiomiolipoma renal e história de tabagismo foram obtidos de cada paciente. Os níveis de FSH, progesterona e estradiol foram dosados antes e 1 ano após o início do tratamento para avaliar a supressão hormonal induzida pela goserelina.

A espirometria foi realizada de acordo com os critérios determinados pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, e foram utilizadas as equações estabelecidas para a população brasileira por Pereira et al. para a determinação dos valores preditos.(16,17) Nenhuma paciente apresentava quilotórax ou pneumotórax no momento da realização das espirometrias.

Foram obtidos VEF1, CVF e relação VEF1/CVF após o uso de broncodilatador, antes e 1 ano após o tratamento das pacientes, e os resultados foram expressos como médias e desvios-padrão. Variações de VEF1 e CVF também foram calculadas para a avaliação da interferência do tratamento sobre a deterioração da função pulmonar ao longo do tempo. A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa Statistical Package for the Social Sciences for Windows, versão 15.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). O teste t de Student foi utilizado para a comparação dos dados antes e após o tratamento. Medianas e intervalos interquartílicos foram calculados para os níveis de estradiol, progesterona e FSH, e o teste de Wilcoxon foi utilizado para a comparação dos dados antes e após o tratamento. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

Em relação aos resultados, a idade média das pacientes ao diagnóstico foi de 37,9 anos (variação: 19-47 anos), e 4 pacientes (44,4%) eram ex-tabagistas. Das 9 pacientes, 6 (66,7%) apresentavam episódios prévios de pneumotórax, e 2 (22,2%) apresentavam episódios prévios de quilotórax, 8 (88,9%) se queixavam de dispneia, e 5 (55,6%) tinham angiomiolipoma renal.

Os parâmetros de espirometria, expressos em médias e desvios-padrão, estão demonstrados na Tabela 1. Nenhuma paciente apresentava resposta positiva ao broncodilatador na espirometria realizada previamente ao tratamento hormonal. Após 1 ano de tratamento com goserelina, houve um aumento de 80 mL na média de VEF1 e de 130 mL na média de CVF; porém, sem significância estatística. Não houve variação na média da relação VEF1/CVF. Entre as 9 pacientes incluídas em nosso estudo, 5 apresentaram elevação do VEF1, não houve variação em 3, e apenas 1 apresentou redução nesse parâmetro.




Os níveis hormonais, expressos em medianas e intervalos interquartílicos, estão demonstrados na Tabela 2. Um ano após o tratamento com goserelina, observou-se um bloqueio hormonal efetivo, com redução significativa da mediana de FSH (para valores abaixo do limite inferior de normalidade para mulheres adultas), de estradiol e de progesterona (para valores abaixo do limite inferior de normalidade para mulheres adultas e dentro dos valores de referência observados no período pós-menopausa). A medicação foi bem tolerada por todas as pacientes, sem determinar efeitos adversos significativos.




Goserelina, buserelina e triptorelina foram os agonistas de GnRH utilizados para tratar pacientes com LAM em estudos prévios.(14,18-20) Rossi et al. descreveram o caso de 1 paciente que apresentou efeitos favoráveis em muitos parâmetros da doença após o tratamento com goserelina.(18) Por outro lado, no relato de Radermecker et al. utilizando buserelina e no estudo prospectivo de Harari et al. utilizando triptorelina, o declínio da função pulmonar não foi evitado.(14,19)

Nossa hipótese é que a resposta funcional ao tratamento com análogos de GnRH depende do agente especificamente utilizado e se ele é administrado em uma fase mais precoce ou mais avançada da doença. Isso envolve ainda a via de administração, sua absorção, o intervalo entre as doses e o efeito sobre o eixo hipotálamo-hipofisário. A buserelina é habitualmente administrada por spray nasal, e a progressão da doença foi observada em todos os casos. A administração por via nasal pode determinar uma absorção inadequada da droga e a não inibição da secreção pulsátil do GnRH, com bloqueio ineficaz do eixo hipotálamo-hipofisário.(19,20) No estudo de Harari et al., a triptorelina foi administrada por via i.m., em dose única e a cada três meses, promovendo supressão da função ovariana, mas sem evitar o declínio da função pulmonar.(14) Comparado ao estudo de Harari et al., uma possível explicação para a não observação de queda do VEF1 em nosso estudo seja o fato das nossas pacientes apresentarem VEF1 basal mais elevado (2,22 vs. 1,9 L), sendo o tratamento introduzido em uma fase mais precoce, em um momento em que a progressão pode ser prevenida.

O declínio anual do VEF1 é um importante parâmetro analisado no seguimento dos pacientes com LAM. Em uma série do Reino Unido com 32 pacientes, a queda observada foi de 118 mL/ano, independentemente da presença de menopausa ou de tratamento hormonal.(9) Em outro estudo, avaliando-se 275 pacientes tratados com progesterona, o declínio foi de 75 mL/ano (redução de 1,7% do predito), enquanto no estudo prospectivo não randomizado com triptorelina, com 10 pacientes, houve declínio de 156 mL/ano (redução de 4,9% do predito).(12,14)

Comparado aos estudos anteriores, nosso estudo demonstrou um aumento médio de 80 mL no VEF1 (aumento de 2,5% do predito) após o tratamento com goserelina por 1 ano. Entretanto, essa diferença não foi significativa, provavelmente pelo pequeno número de pacientes incluídas, o que é uma limitação sabidamente identificada nos estudos com doenças raras.

Para concluir, até o momento não é possível a exclusão de um potencial efeito benéfico dos análogos de GnRH em pacientes com LAM, e sua utilização permanece controversa. Este estudo reforça a necessidade do desenvolvimento de ensaios multicêntricos randomizados com esses agentes, envolvendo um maior número de pacientes, para que possa ser estabelecido o real impacto dessas medicações sobre a progressão da doença.


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* Trabalho realizado na Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração - InCor - e na Divisão de Urologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
Endereço para correspondência: Bruno Guedes Baldi. Endereço: Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44, 5º andar, CEP 05403-900, São Paulo, SP, Brasil.
Tel. 55 11 3069-5695. Fax: 55 11 3069-5695. E-mail: bruno.guedes2@terra.com.br
Apoio financeiro: Nenhum.
Recebido para publicação em 11/1/2011. Aprovado, após revisão, em 29/3/2011.



Sobre os autores

Bruno Guedes Baldi
Médico Assistente. Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração - InCor - Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Pedro Medeiros Junior
Médico Colaborador. Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração - InCor - Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Suzana Pinheiro Pimenta
Médica Colaboradora. Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração - InCor - Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Roberto Iglesias Lopes
Pós-Graduando. Divisão de Urologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Ronaldo Adib Kairalla
Professor Assistente Doutor. Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração - InCor - Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Carlos Roberto Ribeiro Carvalho
Professor Associado/Livre-Docente. Divisão de Pneumologia, Instituto do Coração - InCor - Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.


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