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Cartas ao Editor

Desfechos da hipertensão pulmonar durante a pandemia de COVID-19 no Brasil

Pulmonary hypertension outcomes during the COVID-19 pandemic in Brazil

Ana Paula S Oliveira1, Amanda T Campoy1, Rudolf K F Oliveira1, Jaquelina S Ota-Arakaki1, Eloara V M Ferreira1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230020

 
AO EDITOR,
 
Em março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma infecção pandêmica, sendo desde então considerada uma emergência de saúde pública internacional. Alguns meses depois do início da pandemia, o Brasil era o país com o segundo maior número de casos confirmados de COVID-19 em todo o mundo. Os fatores de risco de COVID-19 grave, especialmente antes da disponibilidade da vacina, foram a idade avançada e a presença de comorbidades, tais como doenças cardiovasculares e doenças pulmonares crônicas.(1)
 
A hipertensão pulmonar (HP) é uma condição fisiopatológica grave, com acometimento vascular pulmonar que pode resultar em insuficiência ventricular direita e morte. Sabe-se que hospitalizações por qualquer motivo (isto é, relacionadas ou não à HP) têm impacto negativo nos desfechos de pacientes com HP.(2,3) No entanto, foram disponibilizados dados conflitantes a respeito dos desfechos da HP durante o primeiro ano do surto de COVID-19.(4,5) Posteriormente, estudos mais robustos mostraram alta taxa de mortalidade por COVID-19.(6-9) Além disso, na América do Sul, ainda não há relatos a respeito do impacto da COVID-19 em pacientes com HP. O propósito do presente estudo foi descrever as taxas de incidência e letalidade da COVID-19 em pacientes com HP acompanhados em um centro de referência no Brasil.
 
Todos os pacientes avaliados no Ambulatório de Hipertensão Pulmonar da Universidade Federal de São Paulo após o início da pandemia (março de 2020), remota ou presencialmente, foram contatados entre junho e agosto de 2021 para identificar aqueles que já haviam tido COVID-19 confirmada por RT-PCR desde o início da pandemia. O contato telefônico foi realizado pelo menos três vezes em dias diferentes. Todos os pacientes com diagnóstico confirmado de HP foram incluídos no presente estudo, e foram avaliados os prontuários médicos eletrônicos e o status de sobrevida dos pacientes. No caso dos pacientes internados no Hospital São Paulo (o hospital universitário), os prontuários médicos foram avaliados; no caso daqueles internados em hospitais afiliados, foram consideradas as informações relatadas pelos próprios pacientes e as informações a respeito da alta hospitalar (nos resumos de alta). Os pacientes com HP que tiveram COVID-19 (HPCOVID-19(+)) foram comparados àqueles que não tiveram COVID-19 (HPCOVID-19(−)). As comparações entre sobreviventes e não sobreviventes foram feitas por meio do teste do qui-quadrado. O nível de significância adotado foi de p < 0,05. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição (Protocolo n. 38361220.3.0000.5505) e foi realizado em conformidade com a Declaração de Helsinque.
 
Durante o período de estudo, foram avaliados 426 pacientes, 272 dos quais tinham diagnóstico de HP (Painel 1A). A média de idade dos pacientes foi de 54 ± 17 anos, e 71% eram do sexo feminino. As etiologias mais comuns de HP foram hipertensão arterial pulmonar (HAP), em 51,1% dos pacientes, e HP tromboembólica crônica, em 25,0%, dos quais 59,4% estavam em tratamento com associação medicamentosa dupla ou tripla. Do total de pacientes com HP, 39 tiveram COVID-19 confirmada; portanto, a taxa de incidência de COVID-19 foi de 14,3%. A taxa de incidência de COVID-19 na população geral do Brasil durante o mesmo período foi de 9,7% (Painel 1B).(10)
 


 

 
A proporção de mulheres foi maior no grupo HPCOVID-19(+) do que no grupo HPCOVID-19(−) (84,6% vs. 68,8%). Não foram observadas diferenças entre os grupos quanto à idade, etiologia da HP e tratamento da HP (Painel 1C). Dos pacientes do grupo HPCOVID-19(+), 41,0% apresentaram classe funcional III/IV da New York Heart Association (NYHA) e índice cardíaco de 2,7 ± 0,7 L/min/m2 em sua avaliação de estratificação mais recente (Painel 1C).
 
No grupo HPCOVID-19(+), a hospitalização foi necessária em 15 (38,5%) dos casos, e 44,4% foram internados no hospital da universidade. Aproximadamente 50% (n = 8) dessas internações hospitalares ocorreram na UTI, e 26% (n = 4) necessitaram de ventilação mecânica. As complicações durante a hospitalização foram insuficiência respiratória causada por pneumonia viral, em 6; insuficiência cardíaca direita, em 4; e síndrome de Guillain-Barré, trombocitopenia com sangramento maior e anafilaxia, em 1 cada. Houve um total de 9 óbitos: HAP, em 4; HP tromboembólica crônica, em 3; e HP multifatorial, em 2. Não foram observadas diferenças entre sobreviventes e não sobreviventes quanto à idade, sexo, etiologia da HP, tratamento da HP, hemodinâmica, comorbidades e situação vacinal. No entanto, houve alta proporção de uso de terapia imunossupressora e tendência a doença grave (classe III/IV da NYHA), doença do tecido conjuntivo e obesidade nos não sobreviventes em comparação com os sobreviventes (Painel 1C). Todos os óbitos relacionaram-se com COVID-19 aguda ou descompensação da HP após a COVID-19. A taxa de letalidade da COVID-19 nos pacientes com HP foi de 23,1%, e a da HP isoladamente (isto é, HPCOVID-19(−)) foi de 3,4% (p < 0,0001; Painel 1D). A taxa de letalidade na população geral do Brasil durante o mesmo período foi de 2,7% (Painel 1D).(10)
 
Até onde sabemos, nosso estudo é o primeiro a descrever as taxas de incidência e letalidade da COVID-19 em pacientes com HP na América do Sul. Nossos achados mostram que, embora a taxa de incidência de COVID-19 em pacientes com HP e na população geral do Brasil tenha sido semelhante, a taxa de letalidade foi significativamente maior nos pacientes com HP, o que indica que pacientes com COVID-19 e HP são significativamente mais propensos a piores desfechos do que aqueles sem HP. No que diz respeito às doenças cardiovasculares, a taxa de letalidade global foi de 2,3% em Wuhan, na China, porém houve um aumento da mortalidade por doenças cardiovasculares (10,5%), o que revela um alto risco de mortalidade nessa população. (1) Esses achados são relevantes especialmente para países de baixa e média renda e podem auxiliar no tratamento de pacientes com HP, uma vez que novas variantes da COVID-19 ainda possam surgir. 
 
Nossos resultados indicam uma alta taxa de letalidade da COVID-19 em pacientes com HP, o que está de acordo com dados publicados anteriormente, provenientes de um estudo multicêntrico internacional a respeito da HP,(6) de um estudo realizado em um único centro nos EUA,(7) do registro francês de HP(8) e de um estudo de coorte realizado na Itália.(9) Neste último, a taxa de incidência de COVID-19 em pacientes com HAP foi baixa, mas a taxa de mortalidade foi alta.(9) Em um estudo realizado em 2011 com 205 pacientes com HAP, 16% das hospitalizações ocorreram em virtude de infecção e a taxa global de mortalidade hospitalar foi de 14%,(2) o que sugere que o aumento da taxa de mortalidade no nosso estudo ocorreu em virtude da COVID-19. É importante observar que 67% dos óbitos ocorridos nos nossos pacientes com HPCOVID19(+) estiveram diretamente relacionados à fase aguda da infecção. Na coorte francesa, a mortalidade global foi de 24,6% e apresentou relação com o sexo masculino, idade mais avançada, comorbidades e HP mais grave, entretanto, não se observou nenhuma diferença quanto ao tratamento da HP.(8) Curiosamente, observou-se uma taxa de letalidade semelhante não obstante a menor disponibilidade de medicamentos específicos para HP no Brasil em comparação com a Europa e os EUA. Além disso, pacientes com HPCOVID-19(+) e doença do tecido conjuntivo em terapia imunossupressora apresentaram taxas de sobrevida mais baixas, o que sugere um efeito aditivo na redução da função cardiorrespiratória e de complicações da COVID-19, provavelmente em virtude da falta de vacinação. No momento, ocorre uma diminuição da incidência da COVID-19 em todo o mundo; entretanto, ainda não conhecemos a sazonalidade da infecção, a real eficácia em longo prazo das vacinas atuais e a possibilidade de surgimento de novas variantes mais virulentas.
 
Este estudo tem algumas limitações. Trata-se de um estudo retrospectivo observacional realizado em um único centro e baseado em prontuários médicos eletrônicos e desfechos relatados pelos próprios pacientes; portanto, é possível que nossos resultados não se apliquem a todos os pacientes com HP. O estudo contou com a confirmação da COVID-19 por meio de RT-PCR, disponível apenas em casos graves e hospitalizados no Brasil durante a maior parte do período de estudo; por isso, é possível que a taxa de incidência de COVID-19 em pacientes com HP tenha sido subestimada. No caso de pacientes internados em hospitais afiliados, alguns detalhes sobre a hospitalização foram perdidos porque as informações foram relatadas pelos próprios pacientes ou familiares. Por fim, este estudo foi realizado antes da vacinação completa da maioria dos pacientes estudados, não sendo possível avaliar o efeito protetor da vacinação nos desfechos.
 
Em suma, nosso relato ressalta o impacto negativo da COVID-19 nos desfechos de pacientes com HP. Embora a taxa de incidência da COVID-19 tenha sido semelhante à observada na população geral do Brasil, a taxa de letalidade foi mais alta em nossos pacientes. Esses achados são particularmente relevantes para países de baixa e média renda e podem vir a auxiliar no tratamento de pacientes com HP à medida que novas variantes da COVID-19 continuem a aparecer nesses locais.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Todos os autores contribuíram para a conceituação do estudo e a redação, revisão e edição do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.   Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and Important Lessons From the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China: Summary of a Report of 72 314 Cases From the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020;323(13):1239-1242. https://doi.org/10.1001/jama.2020.2648
2.   Campo A, Mathai SC, Le Pavec J, Zaiman AL, Hummers LK, Boyce D, et al. Outcomes of hospitalisation for right heart failure in pulmonary arterial hypertension. Eur Respir J. 2011;38(2):359-367. https://doi.org/10.1183/09031936.00148310
3.   Harder EM, Small AM, Fares WH. Primary cardiac hospitalizations in pulmonary arterial hypertension: Trends and outcomes from 2001 to 2014. Respir Med. 2020;161:105850. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2019.105850
4.   Scuri P, Iacovoni A, Abete R, Cereda A, Grosu A, Senni M. An unexpected recovery of patients with pulmonary arterial hypertension and SARS-CoV-2 pneumonia: a case series. Pulm Circ. 2020;10(3):2045894020956581. https://doi.org/10.1177/2045894020956581
5.   Nuche J, Pérez-Olivares C, Segura de la Cal T, Jiménez López-Guarch C, Arribas Ynsaurriaga F, Escribano Subías P. Clinical course of COVID-19 in pulmonary arterial hypertension patients. Rev Esp Cardiol (Engl Ed). 2020;73(9):775-778. https://doi.org/10.1016/j.recesp.2020.05.028
6.   Belge C, Quarck R, Godinas L, Montani D, Escribano Subias P, Vachiéry JL, et al. COVID-19 in pulmonary arterial hypertension and chronic thromboembolic pulmonary hypertension: a reference centre survey. ERJ Open Res. 2020;6(4):00520-2020. https://doi.org/10.1183/23120541.00520-2020
7.   Sulica R, Cefali F, Motschwiller C, Fenton R, Barroso A, Sterman D. COVID-19 in Pulmonary Artery Hypertension (PAH) Patients: Observations from a Large PAH Center in New York City. Diagnostics (Basel). 2021;11(1):128. https://doi.org/10.3390/diagnostics11010128
8.   Montani D, Certain MC, Weatherald J, Jaïs X, Bulifon S, Noel-Savina E, et al. COVID-19 in Patients with Pulmonary Hypertension: A National Prospective Cohort Study. Am J Respir Crit Care Med. 2022;206(5):573-583. https://doi.org/10.1164/rccm.202112-2761OC
9.   Badagliacca R, Papa S, D’Alto M, Ghio S, Agostoni P, Ameri P, et al. The paradox of pulmonary arterial hypertension in Italy in the COVID-19 era: is risk of disease progression around the corner?. Eur Respir J. 2022;60(4):2102276. https://doi.org/10.1183/13993003.02276-2021
10.  Brasil. Ministério da Saúde. Tecnologia da Informação a Serviço do SUS (DATASUS) [homepage on the Internet]. Brasília: Ministério da Saúde [cited 2022 Aug 31]. Coro-navírus. Available from: https://datasus.saude.gov.br/coronavirus/

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