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Editorial

Bronquiectasia idiopática. Sobre o que estamos falando?

Idiopathic bronchiectasis. What are we talking about?

Jose Daniel Gómez-Olivas1, Grace Oscullo1, Miguel Ángel Martínez-García1,2

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230249

A origem das bronquiectasias é marcada por uma condição fisiopatológica subjacente necessária: a existência de inflamação na parede brônquica. Na maioria dos pacientes, consiste em inflamação mista com predomínio de neutrófilos, embora também haja aumento do número de eosinófilos e células mononucleares em alguns indivíduos.(1,2) Essa inflamação tem várias origens, embora na maioria dos casos seja causada por uma infecção brônquica por microrganismos patogênicos (geralmente bactérias e micobactérias)(3,4) ou pela reação inflamatória da parede brônquica à doença de base (intra ou extrapulmonar) responsável pela bronquiectasia(1) ou em um período de exacerbação.(5) Às vezes, porém, a origem dessa inflamação é desconhecida. Seja como for, produtos pró-inflamatórios (especialmente proteases e elastases) derivados tanto das próprias células imunes (especialmente neutrófilos) quanto de microrganismos patogênicos são as causas derradeiras do dano das vias aéreas e de imagens típicas de dilatação do lúmen com espessamento da parede brônquica na TC.(1,2) É importante considerar que o diagnóstico de bronquiectasias exige que esse substrato fisiopatológico inflamatório seja acompanhado de repercussão clínica no paciente, geralmente na forma de tosse crônica com expectoração, às vezes com componente purulento, e exacerbações de um perfil infeccioso.(5,6)
 
Uma das peculiaridades das bronquiectasias é sua grande heterogeneidade clínica, determinada principalmente por dezenas de possíveis etiologias, tanto locais quanto sistêmicas. Todas as diretrizes nacionais e internacionais sobre bronquiectasias recomendam um estudo etiológico exaustivo, principalmente para diagnosticar etiologias potencialmente tratáveis. No entanto, apesar da realização de múltiplos testes, algumas das causas de bronquiectasias ainda não têm sido identificadas de forma confiável, dando origem ao que tem sido chamado de “bronquiectasias idiopáticas”.(1)
 
Não existe uma definição precisa de bronquiectasia idiopática. Embora do ponto de vista teórico se refira à falta de qualquer etiologia específica, na maioria dos casos se deve ao desconhecimento da causa existente ou a uma análise etiológica incompleta. A porcentagem de bronquiectasias idiopáticas varia enormemente nos diferentes registros do mundo. Assim, nos dados recentemente publicados do registro europeu de bronquiectasias(7) compreendendo quase 17.000 pacientes de 28 países, o percentual geral de bronquiectasias idiopáticas foi de 38,1%, semelhante aos observados nos registros sul-coreano e australiano (41% e 32,5%, respectivamente).(8,9) Porém, quando analisados separadamente, os percentuais de diversos países europeus que contribuíram com dados para o registro europeu(7) variam enormemente, de quase 60% na Polônia a menos de 10% na Croácia, Eslovênia, Bulgária e Macedônia do Norte. De um modo geral, a porcentagem de bronquiectasias idiopáticas foi maior no sul da Europa (36,3%) e no Reino Unido (44,5%) do que no noroeste da Europa (28,8%) e no centro-leste europeu (26,4%).(7)
 
Paradoxalmente, alguns países com menos recursos de saúde, como a Índia(10) e alguns países da América Latina,(11) apresentam percentuais substancialmente menores de bronquiectasias idiopáticas (22,4% e 26%, respectivamente). Por fim, um terceiro padrão pode ser observado na China, com percentual relativo muito alto de bronquiectasias idiopáticas (66% em Shangong e 46% em Guantzu).(12,13)
 
Quais seriam as causas dessa enorme heterogeneidade nas porcentagens de bronquiectasias idiopáticas? A explicação pode ser multifatorial. Por um lado, como já foi referido, não existe uma definição clara de bronquiectasia idiopática, ou seja, não existe um acordo sobre os testes etiológicos necessários a serem realizados antes de se considerar a bronquiectasia como idiopática devido às variações substanciais na definição usada por diferentes países. Por outro lado, é possível que existam fatores capazes de causar bronquiectasias que geralmente não são passíveis de testes etiológicos, como refluxo gastroesofágico e imunodeficiências leves de longa duração (por exemplo, déficit quantitativo ou funcional de subclasses de IgG).
 
Um dilema interessante é por que países como a Índia(10) ou algumas áreas da América do Sul,(11) sem diretrizes específicas de bronquiectasia, apresentam uma porcentagem significativamente menor de bronquiectasias idiopáticas do que outros países com maiores recursos de saúde. Isso provavelmente pode ser explicado pelo fato de que a bronquiectasia idiopática é medida em porcentagem e que, nesses países, predomina claramente a bronquiectasia pós-infecciosa (incluindo pós-tuberculose). Algo semelhante pode ser deduzido dos dados do registro europeu,(7) em que os países com menos de 10% de bronquiectasias idiopáticas são os que apresentam maior percentual de bronquiectasias pós-infecciosas. No entanto, é importante pensar que as bronquiectasias pós-infecciosas (principalmente quando atribuíveis a infecções na infância) geralmente são diagnosticadas por um processo de eliminação, o que pode levar a uma subestimação do percentual de formas idiopáticas. Talvez esse problema seja menos perceptível nas bronquiectasias pós-tuberculose, pois suas características habituais (tuberculose pulmonar prévia e bronquiectasia no local do infiltrado pulmonar, predominantemente nos lobos superiores, juntamente com áreas cavernosas) tendem a ocasionar menos erros diagnósticos. Essa circunstância poderia explicar o baixo índice de bronquiectasias idiopáticas encontradas em países como a Índia(10) e vários países latino-americanos(11) e europeus.(7)



Quanto à evolução temporal do percentual de bronquiectasias idiopáticas, quase não existem dados na literatura. Só na Espanha se pode observar uma redução significativa da porcentagem desse tipo de bronquiectasias desde o início do século XXI até aos dias de hoje (de 24,2% para 18,2%), talvez porque a Espanha tenha regulamentações sobre bronquiectasias por mais de 15 anos, incluindo uma mais recente (de 2018) com algoritmos claros para a realização de testes de diagnóstico a fim de evitar o termo “idiopático” o máximo possível. A Espanha também coleta dados de registros de pacientes há 20 anos. No entanto, tendo em vista o aumento das bronquiectasias pós-infecciosas, de 30% no primeiro registro espanhol (2002-2011) para 40% no segundo (2015-2019),(14,15) não se pode descartar o fato de que algumas bronquiectasias idiopáticas possam ter sido erroneamente atribuídas a bronquiectasias pós-infecciosas.
 
Em suma, é importante reconhecer que o termo “bronquiectasias idiopáticas” não significa, na maioria das vezes, bronquiectasias sem etiologia, mas sim uma etiologia de origem desconhecida — na maioria das vezes derivada da falta de realização de exames necessários para determinar causas conhecidas. É absolutamente essencial, a esse respeito, pelo menos descartar causas potencialmente tratáveis, bem como chegar a um consenso internacional que defina claramente exames gerais e específicos a serem realizados antes que as bronquiectasias possam ser consideradas idiopáticas.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Os autores contribuíram igualmente para este trabalho.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.  Chalmers JD, Chang AB, Chotirmall SH, Dhar R, McShane PJ. Bronchiectasis. Nat Rev Dis Primers. 2018;4(1):45. https://doi.org/10.1038/s41572-018-0042-3
2.  Long MB, Chalmers JD. Treating Neutrophilic Inflammation in Airways Diseases. Arch Bronconeumol. 2022;58(6):463-465. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2021.11.003
3.  Aogáin MM, Jaggi TK, Chotirmall SH. The Airway Microbiome: Present and Future Applications. Arch Bronconeumol. 2022;58(1):8-10. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2021.08.003
4.  Solarat B, Perea L, Faner R, de La Rosa D, Martínez-García MÁ, Sibila O. Pathophysiology of Chronic Bronchial Infection in Bronchiectasis. Arch Bronconeumol. 2023;59(2):101-108. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2022.09.004
5.  Scioscia G, Alcaraz-Serrano V, Méndez R, Gabarrús A, Fernández-Barat L, Menéndez R, et al A. Factors Associated With One-Year Mortality in Hospitalised Patients With Exacerbated Bronchiectasis. Arch Bronconeumol. 2022;58(11):773-775. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2022.04.008
6.  Aliberti S, Goeminne PC, O’Donnell AE, Aksamit TR, Al-Jahdali H, Barker AF, et al. Criteria and definitions for the radiological and clinical diagnosis of bronchiectasis in adults for use in clinical trials: international consensus recommendations. Lancet Respir Med. 2022;10(3):298-306. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(21)00277-0
7.  Chalmers JD, Polverino E, Crichton ML, Ringshausen FC, De Soyza A, Vendrell M, et al. Bronchiectasis in Europe: data on disease characteristics from the European Bronchiectasis registry (EMBARC). Lancet Respir Med. 2023;11(7):637-649. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(23)00093-0
8.  Yu I, Yong SJ, Lee WY, Kim SH, Lee H, Na JO, et al. Prevalence of chronic rhinosinusitis and its relating factors in patients with bronchiectasis: findings from KMBARC registry. Korean J Intern Med. 2022;37(5):1002-1010. https://doi.org/10.3904/kjim.2022.070
9.  Visser SK, Bye PTP, Fox GJ, Burr LD, Chang AB, Holmes-Liew CL, et al. Australian adults with bronchiectasis: The first report from the Australian Bronchiectasis Registry. Respir Med. 2019;155:97-103. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2019.07.016
10. Dhar R, Singh S, Talwar D, Mohan M, Tripathi SK, Swamakar R, et al. Bronchiectasis in India: results from the European Multicentre Bronchiectasis Audit and Research Collaboration (EMBARC) and Respiratory Research Network of India Registry [published correction appears in Lancet Glob Health. 2019 Dec;7(12):e1621]. Lancet Glob Health. 2019;7(9):e1269-e1279. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30445-0
11. Martinez-Garcia MA, Athanazio RA, Girón R, Máiz-Carro L, de la Rosa D, Olveira C, et al. Predicting high risk of exacerbations in bronchiectasis: the E-FACED score. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis. 2017;12:275-284. https://doi.org/10.2147/COPD.S121943
12. Qi Q, Wang W, Li T, Zhang Y, Li Y. Aetiology and clinical characteristics of patients with bronchiectasis in a Chinese Han population: A prospective study. Respirology. 2015;20(6):917-924. https://doi.org/10.1111/resp.12574
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14. Olveira C, Padilla A, Martinez-Garcia MA, de la Rosa D, Giron RM, Vendrell M. Etiology of Bronchiectasis in a Cohort of 2047 Patients. An Analysis of the Spanish Historical Bronchiectasis Registry. Arch Bronconeumol. 2017;53(7):366-374. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2016.12.003
15. Martinez-García MA, Villa C, Dobarganes Y, Girón R, Maíz L, García Clemente M, et al. RIBRON: The spanish Online Bronchiectasis Registry. Characterization of the First 1912 Patients. Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2021;57(1):28-35. https://doi.org/10.1016/j.arbr.2020.11.010
 

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