Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
2150
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Parâmetros do sono em pacientes com pneumonite de hipersensibilidade crônica: estudo de caso-controle

Sleep parameters in patients with chronic hypersensitivity pneumonitis: a case-control study

Rafaela Boaventura Martins1, Lia Rita Azeredo Bittencourt2, André Bezerra Botelho1, Ana Carolina Lima Resende1, Paula Silva Gomes1, Sergio Tufik2, Simone Lobo Krupok Matias1, Maria Raquel Soares1, Carlos Alberto de Castro Pereira1

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230036

ABSTRACT

Objective: To compare patients with chronic hypersensitivity pneumonitis (cHP) and controls with normal spirometry in terms of their sleep characteristics, as well as to establish the prevalence of obstructive sleep apnea (OSA) and nocturnal hypoxemia. Secondary objectives were to identify factors associated with OSA and nocturnal hypoxemia; to correlate nocturnal hypoxemia with the apnea-hypopnea index (AHI) and lung function, as well as with resting SpO2, awake SpO2, and SpO2 during exercise; and to evaluate the discriminatory power of sleep questionnaires to predict OSA. Methods: A total of 40 patients with cHP (cases) were matched for sex, age, and BMI with 80 controls, the ratio of controls to cases therefore being = 2:1. The STOP-Bang questionnaire, the Epworth Sleepiness Scale (ESS), the Pittsburgh Sleep Quality Index, the Berlin questionnaire and the Neck circumference, obesity, Snoring, Age, and Sex (NoSAS) score were applied to all cases, and both groups underwent full-night polysomnography. Results: The patients with cHP had longer sleep latency, lower sleep efficiency, a lower AHI, a lower respiratory disturbance index, fewer central apneas, fewer mixed apneas, and fewer hypopneas than did the controls. The patients with cHP had significantly lower nocturnal SpO2 values, the percentage of total sleep time spent below an SpO2 of 90% being higher than in controls (median = 4.2; IQR, 0.4-32.1 vs. median = 1.0; IQR, 0.1-5.8; p = 0.01). There were no significant differences between cases with and without OSA regarding the STOP-Bang questionnaire, NoSAS, and ESS scores. Conclusions: The prevalence of OSA in cHP patients (cases) was high, although not higher than that in controls with normal spirometry. In addition, cases had more hypoxemia during sleep than did controls. Our results suggest that sleep questionnaires do not have sufficient discriminatory power to identify OSA in cHP patients.

Keywords: Alveolitis, Extrinsic Allergic; Lung diseases, interstitial; Sleep apnea, obstructive; Hypoxia.

RESUMO

Objetivo: Comparar pacientes com pneumonite de hipersensibilidade crônica (PHc) e controles com espirometria normal quanto às características do sono, bem como estabelecer a prevalência de apneia obstrutiva do sono (AOS) e hipoxemia noturna. Os objetivos secundários foram identificar fatores associados à AOS e hipoxemia noturna; correlacionar a hipoxemia noturna com o índice de apneias e hipopneias (IAH), função pulmonar, SpO2 em repouso, SpO2 em vigília e SpO2 durante o exercício; e avaliar o poder discriminatório de questionários do sono para predizer AOS. Métodos: Um total de 40 pacientes com PHc (casos) foram emparelhados por sexo, idade e IMC com 80 controles (2:1). O questionário STOP-Bang, a Escala de Sonolência de Epworth (ESE), o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh, o questionário de Berlim e o escore Neck circumference, obesity, Snoring, Age, and Sex (NoSAS, circunferência do pescoço, obesidade, ronco, idade e sexo) foram aplicados a todos os casos, e ambos os grupos foram submetidos a polissonografia de noite inteira. Resultados: Os pacientes com PHc apresentaram maior latência do sono, menor eficiência do sono, menor IAH, menor índice de distúrbio respiratório, menos apneias centrais, menos apneias mistas e menos hipopneias do que os controles. Os pacientes com PHc apresentaram SpO2 noturna significativamente menor; a porcentagem do tempo total de sono com SpO2 < 90% foi maior que nos controles (mediana = 4,2; IIQ: 0,4-32,1 vs. mediana = 1,0; IIQ: 0,1-5,8; p = 0,01). Não houve diferenças significativas entre os casos com e sem AOS quanto à pontuação no questionário STOP-Bang, no NoSAS e na ESE. Conclusões: A prevalência de AOS em pacientes com PHc (casos) foi alta, embora não tenha sido maior que a observada em controles com espirometria normal. Além disso, os casos apresentaram mais hipoxemia durante o sono do que os controles. Nossos resultados sugerem que os questionários do sono não têm poder discriminatório suficiente para identificar AOS em pacientes com PHc.

Palavras-chave: Alveolite alérgica extrínseca; Doenças pulmonares intersticiais; Apneia obstrutiva do sono; Hipóxia.

 
INTRODUÇÃO
 
A pneumonite de hipersensibilidade crônica (PHc) é uma doença pulmonar intersticial (DPI) causada por uma reação imunológica exagerada a antígenos inalados encontrados no ambiente.(1,2) A PHc ocorre em indivíduos suscetíveis, e sua prevalência varia em todo o mundo. A pneumonite de hipersensibilidade (PH) é uma DPI muito comum no Brasil.(3) A apneia obstrutiva do sono (AOS) e a DPI apresentam algumas comorbidades e sintomas em comum, tais como sonolência diurna, fadiga, redução da qualidade de vida e hipertensão pulmonar.(4-10) Apenas alguns estudos sobre DPI crônica examinaram o sono, embora os transtornos do sono aparentemente sejam comuns em pacientes com DPI.(4-8,11-13) Em um estudo no qual foram incluídos 21 pacientes com PH fibrótica, a prevalência de AOS nos pacientes com fibrose pulmonar idiopática (FPI) e naqueles com PHc foi semelhante (83,3% vs. 76,2%).(11)
 
O objetivo do presente estudo foi comparar pacientes com PHc e controles com espirometria normal quanto às características do sono, bem como estabelecer a prevalência de AOS e hipoxemia noturna. Os objetivos secundários foram identificar fatores associados à AOS e hipoxemia noturna; correlacionar a hipoxemia noturna com o índice de apneias e hipopneias (IAH), função pulmonar, SpO2 em repouso, SpO2 em vigília e SpO2 durante o exercício; e avaliar o poder discriminatório de questionários do sono para predizer AOS.
 
MÉTODOS
 
Participantes do estudo
 
Trata-se de um estudo retrospectivo de caso-controle realizado entre março de 2016 e dezembro de 2019 na Universidade Federal de São Paulo, na cidade de São Paulo (SP). Os pacientes que receberam diagnóstico de PHc e que preencheram os critérios de inclusão foram incluídos consecutivamente no estudo. Um total de 154 pacientes com PHc revelaram-se elegíveis durante o período. Destes, 40 (casos) foram selecionados para inclusão no estudo. Foram emparelhados por sexo, idade (± 5 anos) e IMC (± 5 kg/m2) com 80 controles com espirometria normal.(14) A proporção entre controles e casos foi de 2:1. Quando havia mais de dois controles disponíveis para um caso, a seleção foi feita por meio da geração de números aleatórios.
 
O diagnóstico de PHc baseou-se nos critérios sugeridos por Salisbury et al.(15) Os casos não foram selecionados especificamente porque apresentavam problemas ou queixas de sono, e os controles não apresentavam histórico de doença pulmonar. Os critérios de exclusão foram os seguintes: idade > 80 anos; incapacidade de realizar espirometria; uso de oxigenoterapia domiciliar prolongada ou SpO2 ≤ 89% em repouso; relação VEF1/CVF reduzida (< 0,7); exacerbação da DPI ou DPI progressiva; fração de ejeção do ventrículo esquerdo ≤ 50% na ecocardiografia; alcoolismo; hipotireoidismo descontrolado; doenças sistêmicas que independentemente poderiam resultar em hipertensão pulmonar; uso de hipnóticos; e transtorno psiquiátrico instável. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Protocolo n. 1.162.941), e todos os pacientes participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
 
Protocolo do estudo
 
Os pacientes com PHc (casos) foram submetidos a avaliação bioquímica e hematológica, gasometria arterial, TCAR e ecocardiografia. O escore modificado de Mallampati e a circunferência do pescoço foram avaliados em todos os casos. O questionário STOP-Bang, a Escala de Sonolência de Epworth (ESE), o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (IQSP), o questionário de Berlim e o escore Neck circumference, obesity, Snoring, Age, and Sex (NoSAS, circunferência do pescoço, obesidade, ronco, idade e sexo) foram aplicados a todos os casos.(16-20) A definição de alto risco de AOS foi a seguinte: cinco ou mais respostas positivas no questionário STOP-Bang; duas respostas positivas no questionário STOP-Bang + sexo masculino; duas respostas positivas no questionário STOP-Bang + IMC > 35 kg/m2; ou duas respostas positivas no questionário STOP-Bang + circunferência do pescoço ≥ 43 cm (para homens) ou ≥ 41 cm (para mulheres).
 
A polissonografia de noite inteira foi realizada em conformidade com as normas vigentes.(21) A definição de apneia obstrutiva foi redução do fluxo aéreo ≥ 90% com duração de pelo menos 10 s com evidências de esforço respiratório persistente. A definição de hipopneia obstrutiva foi redução do fluxo aéreo ≥ 30% durante mais de 10 s, acompanhada de dessaturação de oxigênio ≥ 4% e evidências de esforço respiratório. Os despertares relacionados ao esforço respiratório também foram registrados, sendo definidos como sequências de respirações com duração ≥ 10 s, com aumento do esforço respiratório ou achatamento da curva inspiratória, levando ao despertar, mas não preenchendo os critérios definidos para apneia ou hipopneia. A definição de hipoxemia noturna foi a porcentagem do tempo total de sono com SpO2 < 90% (T90). A definição de hipoxemia noturna significativa foi 10% ou mais do tempo total de sono com SpO2 < 90%.(8) A espirometria e a medição da DLCO foram realizadas em conformidade com as normas vigentes. A saturação de oxigênio foi avaliada por oximetria realizada em repouso e no fim do teste do degrau de quatro minutos. A dessaturação foi caracterizada por redução ≥ 4% no fim do teste.
 
Análise estatística
 
Os dados foram expressos em forma de média ± desvio padrão ou mediana (intervalo interquartil). O teste do qui-quadrado foi usado para comparar casos e controles quanto à prevalência de AOS. O teste de Shapiro-Wilk foi usado para avaliar a distribuição normal dos dados. O teste de Mann-Whitney foi usado para as comparações entre os grupos, já que a maioria das variáveis apresentava distribuição não paramétrica. O teste de Spearman foi usado para determinar as correlações entre o IAH e outras variáveis. Nos pacientes com PHc (casos), T90 e o grau de hipoxemia noturna foram calculados e correlacionados por meio de análise univariada dos seguintes: resultados dos testes de função pulmonar, PaO2, PaCO2, dados obtidos por meio dos questionário do sono, dessaturação de oxigênio no fim do exercício e parâmetros polissonográficos. Um valor de p < 0,05 foi considerado significativo.
 
RESULTADOS
 
As características gerais da amostra são apresentadas na Tabela 1. A média de idade foi de 59 anos, com predomínio do sexo feminino (75%). Não houve diferença entre casos e controles quanto à idade, sexo ou IMC, resultado esperado em virtude dos critérios de emparelhamento. O escore modificado de Mallampati mostrou que 30 (75%) dos pacientes com PHc apresentavam alto risco de AOS (classes III e IV de Mallampati). Os resultados dos testes de função pulmonar e da gasometria arterial nos pacientes com PHc são apresentados na Tabela 2. Houve ligeira redução da CVF e redução moderada da DLCO. A média da PaCO2 ficou dentro da faixa inferior de referência. Vinte e oito (70%) dos pacientes com PHc apresentaram dessaturação de oxigênio no fim do exercício. Foram incluídos 17 (42,5%) dos pacientes com PHc que usavam doses de corticosteroides ≥ 20 mg/dia. Quando comparados àqueles que usavam doses menores de corticosteroides ou que não estavam recebendo corticoterapia, não houve diferença no IAH, IMC, circunferência do pescoço ou qualidade do sono avaliada pelo IQSP (dados não apresentados).
 





 

Os resultados da polissonografia em ambos os grupos são apresentados na Tabela 3. Os pacientes com PHc apresentaram maior latência do sono e menor eficiência do sono do que os indivíduos do grupo controle. O índice de despertares foi maior no grupo controle. Inesperadamente, os pacientes com PHc apresentaram menor IAH, menor índice de distúrbio respiratório, menos apneias centrais, menos apneias mistas e menos hipopneias. Um IAH ≥ 5 eventos/hora foi comum nos casos e controles (67,5% vs. 82,5%; Χ2 = 3,44; p = 0,06). AOS moderada a grave foi observada em 47,5% dos controles e em 25% dos casos (Χ2 = 5,65; p = 0,02). No entanto, os pacientes com PHc apresentaram SpO2 noturna significativamente menor; a porcentagem do tempo total de sono com SpO2 < 90% foi maior que nos controles.
 

 
O questionário STOP-Bang, o escore NoSAS e o questionário de Berlim mostraram que 12 (30%), 23 (57,5%) e 24 (60%) dos pacientes com PHc, respectivamente, apresentavam alto risco de AOS. Não houve diferenças significativas entre os casos com e sem AOS quanto à pontuação obtida no questionário STOP-Bang, no NoSAS e na ESE. A sensibilidade do escore NoSAS para PHc foi de 55%, com especificidade de 46%. O IQSP foi maior nos casos que nos controles (9; IIQ: 7-13 vs. 6; IIQ: 4-9,8; p < 0,01).
 
No grupo PHc, o IAH correlacionou-se diretamente com o IMC (rs = 0,38, p = 0,02) e T90 (rs = 0,67, p < 0,01), e inversamente com a SpO2 basal, média e mínima durante a polissonografia; a maior correlação foi a observada com esta última (rs = −0,70, p < 0,001). O IAH não se correlacionou com a idade, circunferência do pescoço, CVF, DLCO, SpO2 em repouso ou SpO2 no fim do exercício. Além disso, T90 correlacionou-se inversamente com a DLCO em % do previsto (p = 0,06) e, mais fortemente, com a SpO2 basal em vigília na polissonografia (rs = −0,87, p < 0,001; Figura 1). Dos 20 pacientes com PHc e SpO2 basal ≥ 93% na polissonografia, apenas 1 (5%) passou mais de 10% do tempo total de sono com SpO2 < 90%.
 

 
DISCUSSÃO
 
No presente estudo, a prevalência de AOS em pacientes com PHc foi alta; entretanto, ao contrário das expectativas, foi menor que em controles com espirometria normal, emparelhados com os casos e selecionados aleatoriamente na população geral. Os motivos são obscuros. Muitos problemas podem ocorrer durante a seleção de casos e controles nesse tipo de estudo.(22) Nos pacientes com PHc no presente estudo, o IAH correlacionou-se diretamente com o IMC, mas não com a CVF, a DLCO, a SpO2 em repouso ou a SpO2 no fim do exercício. Como se esperava, os pacientes com PHc apresentaram mais hipoxemia durante o sono. O presente estudo não incluiu indivíduos com função pulmonar consideravelmente comprometida ou SaO2 baixa em repouso. Já se demonstrou que pacientes com DPI mais grave apresentam maior índice de dessaturação de oxigênio e maior IAH.(4)
 
A AOS é um importante problema de saúde pública, com prevalência crescente e alta taxa de subdiagnóstico em pacientes com DPI. Usamos questionários do sono na tentativa de identificar pacientes com PHc que apresentassem risco aumentado de AOS e que pudessem se beneficiar da polissonografia. No entanto, não observamos nenhuma correlação entre o risco de AOS avaliado pelos questionários e o diagnóstico polissonográfico de AOS. Portanto, o valor dos questionários para predizer AOS em pacientes com PHc foi limitado. No presente estudo, avaliamos a sonolência subjetivamente por meio da ESE. A mediana de 5,5 pontos na ESE mostra que, em geral, os pacientes com PHc são menos sonolentos, independentemente da presença de AOS. Embora haja relatos de maior pontuação na ESE em pacientes com FPI do que em controles normais,(9,23) a pontuação obtida na ESE no presente estudo ficou dentro da faixa de normalidade, mostrando que a sonolência diurna excessiva não foi significativa. Mermigkis et al.(6) mostraram que apenas 20% dos pacientes com FPI relataram sonolência diurna excessiva. Assim, fica claro que a pontuação na ESE não é boa preditora de AOS em pacientes com DPI. Nossos resultados confirmam que a precisão dos questionários do sono usados no presente estudo para identificar indivíduos em risco de AOS é baixa, independentemente do ponto de corte usado para o IAH.(24) A polissonografia continua sendo a única ferramenta com sensibilidade e especificidade suficientes para confirmar ou excluir o diagnóstico de AOS em pacientes com DPI.
 
No presente estudo, os pacientes com PHc relataram qualidade de sono pior que a dos controles. A má qualidade do sono e seu impacto no funcionamento diurno e na qualidade de vida podem ser subestimados em pacientes com DPI, nos quais sintomas como fadiga, cansaço e sonolência podem ser atribuídos à doença pulmonar. Nossos resultados para os pacientes com PHc são semelhantes aos relatados por Mermigkis(9) e Krishnan et al.,(23) que observaram que a qualidade do sono medida pelo IQSP foi pior em pacientes com FPI que em controles normais, e a redução da qualidade do sono correlacionou-se com a redução da qualidade de vida relacionada à saúde. Pacientes com PHc apresentam padrão de sono comprometido, e observamos alterações na arquitetura do sono, incluindo aumento da latência do sono, redução da eficiência do sono e menor porcentagem de sono rapid eye movement (REM), este último achado sem significância estatística. Estudos anteriores com pacientes com DPI fibrótica mostraram um aumento do sono não REM (estágio N1 e N2), redução do sono de ondas lentas e redução do sono REM.(4,9,25) Diversos mecanismos podem contribuir para a fragmentação do sono em pacientes com DPI, incluindo a hipoxemia. No entanto, observamos que a gravidade da DPI (avaliada por meio de parâmetros de função pulmonar como CVF, DLCO e SpO2 durante o exercício ou por meio de gasometria arterial) não se correlacionou com o IAH.
 
Os estudos nos quais se examinou o sono em pacientes com PHc foram poucos e incluíram pacientes com DPI de diversas etiologias e amostras compostas predominantemente por pacientes com FPI, mostrando uma alta prevalência de AOS nessa população; entretanto, esses estudos não compararam casos e controles saudáveis quanto à prevalência de AOS. (4-6,8,12,13) O estudo com o maior número de pacientes com PH mostrou uma prevalência de AOS de 69,4% em pacientes com DPI, de 83,3% em pacientes com FPI e de 76,2% em pacientes com PHc.(11)
 
Em nosso estudo, a hipoxemia noturna correlacionou-se significativamente e conforme se esperava com a PaO2, a SpO2 em vigília durante a polissonografia e a DLCO. A SpO2 em vigília e durante o exercício apresentaram correlação significativa, porém fraca, com a hipoxemia noturna em alguns estudos,(8,10,26,27) mas não em outros. (28-30) Não observamos nenhuma correlação entre a hipoxemia noturna e a SpO2 durante o exercício. Troy et al.(8) observaram uma correlação significativa entre T90 e marcadores de gravidade da DPI como SpO2 diurna, SpO2 durante o exercício e DLCO. Corte et al.(28) observaram que 78% dos pacientes com hipoxemia noturna não apresentaram redução da saturação de oxigênio após o exercício. Portanto, a hipoxemia noturna não pode ser excluída quando a PaO2 for normal em repouso ou durante o exercício.
 
O presente estudo tem limitações que precisam ser apontadas. Em primeiro lugar, a amostra foi relativamente pequena, com predomínio de mulheres. No Brasil, porém, a PHc é mais comum em mulheres que em homens, porque as exposições em ambientes fechados são mais comuns nas mulheres que nos homens. Assim, as características demográficas da população de nosso estudo são semelhantes às relatadas na literatura.(1) Além disso, embora seja mais comum em homens, a AOS torna-se mais comum em mulheres na pós-menopausa.(31,32) Os casos e controles do presente estudo foram emparelhados por sexo, o que significa que os resultados não podem ser atribuídos a diferenças entre os sexos. Em segundo lugar, embora seja comum no Brasil, a PHc muitas vezes é diagnosticada em estágio avançado ou progressivo, o que limita a inclusão de pacientes com PHc. O fato de que não foram incluídos no presente estudo pacientes com PHc e hipoxemia em vigília ou que estivessem recebendo oxigenoterapia é, portanto, outra limitação, porque a prevalência de AOS poderia ser maior nessa população. Em terceiro lugar, o fato de que o mesmo investigador coletou os dados antropométricos e aplicou os questionários pode ter resultado em viés de aferição. Finalmente, o efeito da primeira noite (quando os pacientes estão em um ambiente desconhecido) da polissonografia também pode ter influenciado os resultados. No entanto, como esse efeito foi comum a casos e controles, essa limitação torna-se menos crítica.
 
Em suma, a prevalência de AOS em pacientes com PHc (casos) foi alta, embora não tenha sido maior que a observada em controles com espirometria normal. Além disso, os casos apresentaram mais hipoxemia durante o sono do que os controles. A hipoxemia noturna foi comum e relacionou-se com a saturação basal de oxigênio durante a vigília. Nossos resultados sugerem que os questionários do sono não têm poder discriminatório suficiente para identificar AOS em pacientes com PHc.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
RBM e CACP: conceituação; curadoria dos dados; análise formal; investigação; administração do projeto; e redação, revisão e edição do manuscrito. LRAB: conceituação; análise formal; e revisão do manuscrito. MRS: revisão e edição do manuscrito. ABB, ACLR, PSG e SLKM: coleta de dados. ST: aquisição de financiamento. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Pereira CA, Gimenez A, Kuranishi L, Storrer K. Chronic hypersensitivity pneumonitis. J Asthma Allergy. 2016;9:171-181. https://doi.org/10.2147/JAA.S81540
2.            Costabel U, Bonella F, Guzman J. Chronic hypersensitivity pneumonitis. Clin Chest Med. 2012;33(1):151-163. https://doi.org/10.1016/j.ccm.2011.12.004
3.            Pereira CA, Soares M, Botelho AB, Gimenez A, Beraldo B, Fukuda CY, et al. Multicenter registry of interstitial lung diseases in adults in Brazil. Am J Resp Crit Care Med. 2020;201:A4452. https://doi.org/10.1164/ajrccm-conference.2020.201.1_MeetingAbstracts.A3352
4.            Pihtili A, Bingol Z, Kiyan E, Cuhadaroglu C, Issever H, Gulbaran Z. Obstructive sleep apnea is common in patients with interstitial lung disease. Sleep Breath. 2013;17(4):1281-1288. https://doi.org/10.1007/s11325-013-0834-3
5.            Lancaster LH, Mason WR, Parnell JA, Rice TW, Loyd JE, Milstone AP, et al. Obstructive sleep apnea is common in idiopathic pulmonary fibrosis. Chest. 2009;136(3):772-778. https://doi.org/10.1378/chest.08-2776
6.            Mermigkis C, Stagaki E, Tryfon S, Schiza S, Amfilochiou A, Polychronopoulos V, et al. How common is sleep-disordered breathing in patients with idiopathic pulmonary fibrosis?. Sleep Breath. 2010;14(4):387-390. https://doi.org/10.1007/s11325-010-0336-5
7.            Aydoğdu M, Ciftçi B, Firat Güven S, Ulukavak Ciftçi T, Erdoğan Y. Assessment of sleep with polysomnography in patients with interstitial lung disease [Article in Turkish]. Tuberk Toraks. 2006;54(3):213-221.
8.            Troy LK, Young IH, Lau EMT, Wong KKH, Yee BJ, Torzillo PJ, et al. Nocturnal hypoxaemia is associated with adverse outcomes in interstitial lung disease. Respirology. 2019;24(10):996-1004. https://doi.org/10.1111/resp.13549
9.            Mermigkis C, Stagaki E, Amfilochiou A, Polychronopoulos V, Korkonikitas P, Mermigkis D, et al. Sleep quality and associated daytime consequences in patients with idiopathic pulmonary fibrosis. Med Princ Pract. 2009;18(1):10-15. https://doi.org/10.1159/000163039
10.          Kolilekas L, Manali E, Vlami KA, Lyberopoulos P, Triantafillidou C, Kagouridis K, et al. Sleep oxygen desaturation predicts survival in idiopathic pulmonary fibrosis. J Clin Sleep Med. 2013;9(6):593-601. https://doi.org/10.5664/jcsm.2758
11.          Pereira N, Cardoso AV, Mota PC, Santos AC, Melo N, Morais A, et al. Predictive factors of obstructive sleep apnoea in patients with fibrotic lung diseases. Sleep Med. 2019;56:123-127. https://doi.org/10.1016/j.sleep.2019.01.020
12.          Bosi M, Milioli G, Fanfulla F, Tomassetti S, Ryu JH, Parrino L, et al. OSA and Prolonged Oxygen Desaturation During Sleep are Strong Predictors of Poor Outcome in IPF. Lung. 2017;195(5):643-651. https://doi.org/10.1007/s00408-017-0031-4
13.          Gille T, Didier M, Boubaya M, Moya L, Sutton A, Carton Z, et al. Obstructive sleep apnoea and related comorbidities in incident idiopathic pulmonary fibrosis. Eur Respir J. 2017;49(6):1601934. https://doi.org/10.1183/13993003.01934-2016
14.          Tufik S, Santos-Silva R, Taddei JA, Bittencourt LR. Obstructive sleep apnea syndrome in the Sao Paulo Epidemiologic Sleep Study. Sleep Med. 2010;11(5):441-446. https://doi.org/10.1016/j.sleep.2009.10.005
15.          Salisbury ML, Myers JL, Belloli EA, Kazerooni EA, Martinez FJ, Flaherty KR. Diagnosis and Treatment of Fibrotic Hypersensitivity Pneumonia. Where We Stand and Where We Need to Go. Am J Respir Crit Care Med. 2017;196(6):690-699. https://doi.org/10.1164/rccm.201608-1675PP
16.          Fonseca LB, Silveira EA, Lima NM, Rabahi MF. STOP-Bang questionnaire: translation to Portuguese and cross-cultural adaptation for use in Brazil. J Bras Pneumol. 2016;42(4):266-272. https://doi.org/10.1590/s1806-37562015000000243
17.          Johns MW. A new method for measuring daytime sleepiness: the Epworth sleepiness scale. Sleep. 1991;14(6):540-545. https://doi.org/10.1093/sleep/14.6.540
18.          Buysse DJ, Reynolds CF 3rd, Monk TH, Berman SR, Kupfer DJ. The Pittsburgh Sleep Quality Index: a new instrument for psychiatric practice and research. Psychiatry Res. 1989;28(2):193-213. https://doi.org/10.1016/0165-1781(89)90047-4
19.          Netzer NC, Stoohs RA, Netzer CM, Clark K, Strohl KP. Using the Berlin Questionnaire to identify patients at risk for the sleep apnea syndrome. Ann Intern Med. 1999;131(7):485-491. https://doi.org/10.7326/0003-4819-131-7-199910050-00002
20.          Marti-Soler H, Hirotsu C, Marques-Vidal P, Vollenweider P, Waeber G, Preisig M, et al. The NoSAS score for screening of sleep-disordered breathing: a derivation and validation study. Lancet Respir Med. 2016;4(9):742-748. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(16)30075-3
21.          American Academy of Sleep Medicine. The AASM Manual for the Scoring of Sleep and Associated Events: Rules, Terminology and Technical Specifications, version 2.2. Darien, IL: American Academy of Sleep Medicine; 2015.
22.          Mann CJ. Observational research methods. Research design II: cohort, cross sectional, and case-control studies. Emerg Med J. 2003;20(1):54-60. https://doi.org/10.1136/emj.20.1.54
23.          Krishnan V, McCormack MC, Mathai SC, Agarwal S, Richardson B, Horton MR, et al. Sleep quality and health-related quality of life in idiopathic pulmonary fibrosis. Chest. 2008;134(4):693-698. https://doi.org/10.1378/chest.08-0173
24.          Kapur VK, Auckley DH, Chowdhuri S, Kuhlmann DC, Mehra R, Ramar K, et al. Clinical Practice Guideline for Diagnostic Testing for Adult Obstructive Sleep Apnea: An American Academy of Sleep Medicine Clinical Practice Guideline. J Clin Sleep Med. 2017;13(3):479-504. https://doi.org/10.5664/jcsm.6506
25.          Perez-Padilla R, West P, Lertzman M, Kryger MH. Breathing during sleep in patients with interstitial lung disease. Am Rev Respir Dis. 1985;132(2):224-229.
26.          Clark M, Cooper B, Singh S, Cooper M, Carr A, Hubbard R. A survey of nocturnal hypoxaemia and health related quality of life in patients with cryptogenic fibrosing alveolitis. Thorax. 2001;56(6):482-486. https://doi.org/10.1136/thx.56.6.482
27.          Midgren B. Oxygen desaturation during sleep as a function of the underlying respiratory disease. Am Rev Respir Dis. 1990;141(1):43-46. https://doi.org/10.1164/ajrccm/141.1.43
28.          Corte TJ, Wort SJ, Talbot S, Macdonald PM, Hansel DM, Polkey M, et al. Elevated nocturnal desaturation index predicts mortality in interstitial lung disease. Sarcoidosis Vasc Diffuse Lung Dis. 2012;29(1):41-50.
29.          Bye PT, Issa F, Berthon-Jones M, Sullivan CE. Studies of oxygenation during sleep in patients with interstitial lung disease. Am Rev Respir Dis. 1984;129(1):27-32.
30.          Pitsiou G, Bagalas V, Boutou A, Stanopoulos I, Argyropoulou-Pataka P. Should we routinely screen patients with idiopathic pulmonary fibrosis for nocturnal hypoxemia?. Sleep Breath. 2013;17(2):447-448. https://doi.org/10.1007/s11325-012-0716-0
31.          Veasey SC, Rosen IM. Obstructive Sleep Apnea in Adults. N Engl J Med. 2019;380(15):1442-1449. https://doi.org/10.1056/NEJMcp1816152
32.          Haddad F, Bittencourt L. Recomendações para o Diagnóstico e Tratamento da Sín-drome da Apneia Obstrutiva do Sono no Adulto. São Paulo: Estação Brasil; 2013.

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia