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Editorial

Doença financeira “pós-tuberculose” — precisamos enfrentá-la para eliminar a tuberculose

“Post-tuberculosis financial disease”—we need to face it to eliminate tuberculosis

Ana Paula Santos1,2, Fernanda Carvalho de Queiroz Mello2

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20230253

 
No estudo de Loureiro et al.,(1) publicado nesta edição do Jornal Brasileiro de Pneumologia, os autores estudaram o ônus financeiro para a família no acompanhamento de pacientes após o diagnóstico e tratamento da tuberculose em cinco capitais brasileiras. Eles concluíram que “os participantes sofreram perdas econômicas no período pré-diagnóstico e severa perda de renda no período pós-diagnóstico”, as quais resultaram em desemprego e sequelas sociais.
 
Esse tema é oportuno visto que nos deparamos com um aumento no número de publicações sobre doença pulmonar pós-tuberculose (DPPT), que se tornou um tema mais estudado em todo o mundo e tem inclusive estimulado a formulação de consensos e diretrizes. Segundo o Primeiro Simpósio Internacional Pós-Tuberculose realizado na África do Sul, a DPPT é definida como “evidência de anormalidade respiratória crônica, com ou sem sintomas, atribuível, pelo menos em parte, à tuberculose prévia”.(2)
 
Embora o foco dos estudos tenha sido direcionado para as incapacidades físicas, a “doença financeira pós-tuberculose”, com suas consequências econômicas, sociais e de bem-estar psicológico, é de conhecimento comum. No entanto, a maioria dos estudos sobre questões financeiras relacionadas à tuberculose aborda os custos no pré-diagnóstico, diagnóstico e tratamento, deixando de lado as perdas pós-tuberculose.(3,4)
 
A pobreza é geralmente considerada um poderoso determinante da tuberculose, sendo sua incidência e o produto interno bruto per capita inversamente associados. (5) Não é por acaso que a redução da pobreza extrema e o controle da epidemia de tuberculose são as duas principais metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pelas Nações Unidas.(6)
 
A desnutrição e moradias e locais de trabalho lotados e mal ventilados são frequentemente associados à pobreza e constituem fatores de risco diretos para a transmissão de doenças.(7) Segundo os resultados de Loureiro et al.,(1) os custos catastróficos induzidos pela tuberculose aumentaram a pobreza e a pobreza extrema, o que leva a um círculo vicioso que nos impede de ver uma luz no fim do túnel.
 
Os autores também identificaram um custo médio global de R$ 283,84 no período pré-diagnóstico e de R$ 4.161,86 no período pós-diagnóstico, envolvendo não apenas os pacientes, mas também os membros da família.(1) Diferentemente de estudos anteriores,(4) os custos pós-tuberculose foram quase 15 vezes maiores do que os custos pré-tuberculose, e isso foi atribuído principalmente a custos não médicos diretos e indiretos, incluindo perda de renda em 60% dos casos.
 
A estrutura de monitoramento da tuberculose no Brasil, incluindo a descentralização do atendimento para as unidades básicas de saúde, a estratégia de busca ativa de casos de tuberculose e a oferta gratuita de serviços de diagnóstico e tratamento pelo Sistema Único de Saúde(8) poderia justificar os menores custos no período pré-tuberculose do que no pós-tuberculose.
 
Embora as despesas com deslocamento sejam citadas como fator contribuinte para o ônus financeiro relacionado à tuberculose, elas são custeadas pelo governo brasileiro durante o tratamento da doença a fim de garantir o comparecimento às consultas agendadas e melhorar a adesão ao tratamento, mas a falta de informação por parte dos pacientes e das equipes de saúde que os atendem, juntamente com a demora na obtenção dos benefícios sociais, pode prejudicar a população e aumentar os crescentes custos catastróficos relacionados à tuberculose.(9)
 
Para piorar, segundo Loureiro et al.,(1) 71% dos pacientes ficaram desempregados após terem tuberculose, contra 41% de pacientes desempregados antes da doença. Esses dados estão de acordo com Meghji et al.,(10) que também identificaram diminuição do trabalho remunerado e da mediana de renda um ano após o término do tratamento em comparação com o período anterior ao aparecimento da tuberculose ativa.
 
A incapacidade física abordada pelo conceito de DPPT e suas consequências sociais podem alimentar uma cadeia de vulnerabilidade financeira, e, além do indivíduo e das famílias afetadas, a sociedade como um todo pode sofrer consequências financeiras. Em casos de debilidade grave que limita a capacidade de trabalho, pode-se solicitar a aposentadoria por invalidez, o que infla a “bolha previdenciária”. Além disso, a sobrevida em longo prazo dos pacientes tratados para tuberculose é reduzida, sendo a taxa de anos potenciais de vida perdidos aproximadamente quatro vezes maior do que na população em geral.(11)
 
Para que as ambiciosas metas da End TB Strategy sejam alcançadas, os pesquisadores sugerem que, além do diagnóstico e tratamento precoces, a DPPT deve receber tanta atenção quanto à tuberculose ativa. Além do mais, para eliminar a tuberculose, são necessárias políticas públicas estruturais e ações amplas, proporcionando aos pacientes com DPPT acesso a serviços de saúde, medidas sanitárias, inclusão social, educação, moradia, entre outros.
 
Para enfrentar esse problema nacional, instituiu-se o Comitê Interministerial para a Eliminação da Tuberculose e de Outras Doenças Determinadas Socialmente, em abril de 2023, por meio do Decreto n. 11.494. Ele é composto pelo Ministério da Saúde; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania; Ministério da Educação; Ministério da Igualdade Racial; Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional; Ministério da Justiça e Segurança Pública; e Ministério dos Povos Indígenas. O Comitê tem como objetivo promover ações que contribuam para a eliminação da tuberculose e outras doenças socialmente determinadas até 2030.(12)
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Loureiro RB, Guidoni LM, Fregona GC, Oliveira SMVL, Sacramento D, Pinheiro JS, et al. Follow-up of patients diagnosed with and treated for tuberculosis in Brazil: financial burden on the household. J Bras Pneumol. 2023;49(4):e20220368. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20220368
2.            Allwood BW, van der Zalm MM, Amaral AFS, Byrne A, Datta S, Egere U, et al. Post-tuberculosis lung health: perspectives from the First International Symposium. Int J Tuberc Lung Dis. 2020;24(8):820-828. https://doi.org/10.5588/ijtld.20.0067
3.            Asres A, Jerene D, Deressa W. Pre- and post-diagnosis costs of tuberculosis to patients on Directly Observed Treatment Short course in districts of southwestern Ethiopia: a longitudinal study. J Health Popul Nutr. 2018;37(1):15. https://doi.org/10.1186/s41043-018-0146-0
4.            Razzaq S, Zahidie A, Fatmi Z. Estimating the pre- and post-diagnosis costs of tuberculosis for adults in Pakistan: household economic impact and costs mitigating strategies. Glob Health Res Policy. 2022;7(1):22. https://doi.org/10.1186/s41256-022-00259-x
5.            Marais BJ, Hesseling AC, Cotton MF. Poverty and tuberculosis: is it truly a simple inverse linear correlation?. Eur Respir J. 2009;33(4):943-944. https://doi.org/10.1183/09031936.00173608
6.            United Nations. Department of Economic and Social Affairs. Sustainable Development [homepage on the Internet]; c2023 [cited 2023 Jul 20]. Transforming our world: The 2030 Agenda for Sustainable Development. A/RES/70/1. Available from: https://sustainabledevelopment.un.org
7.            Moreira ADSR, Kritski AL, Carvalho ACC. Social determinants of health and catastrophic costs associated with the diagnosis and treatment of tuberculosis. J Bras Pneumol. 2020;46(5):e20200015. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20200015
8.            Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil Brasília: Ministério da Saúde; 2019. 364p.
9.            Arakawa T, Arcêncio RA, Scatolin BE, Scatena LM, Ruffino-Netto A, Villa TCS. Accessibility to tuberculosis treatment: assessment of health service performance. Rev Latino-Am Enfermagem 2011;19(4):994-1002. https://doi.org/10.1590/S0104-11692011000400019
10.          Meghji J, Gregorius S, Madan J, Chitimbe F, Thomson R, Rylance J, et al. The long term effect of pulmonary tuberculosis on income and employment in a low income, urban setting. Thorax. 2021;76(4):387-395. https://doi.org/10.1136/thoraxjnl-2020-215338
11.          Selvaraju S, Thiruvengadam K, Watson B, Thirumalai N, Malaisamy M, Vedachalam C, et al. Long-term Survival of Treated Tuberculosis Patients in Comparison to a General Population In South India: A Matched Cohort Study. Int J Infect Dis. 2021;110:385-393. https://doi.org/10.1016/j.ijid.2021.07.067
12.          Brasil. Presidência da República. Ministério da Casa Civil. Secretaria Especial para As-suntos Jurídicos. Brasília: a Presidência. Decreto no. 11.494 de 17 de abril de 2023. Ins-titui o Comitê Interministerial para a Eliminação da Tuberculose e de Outras Doenças Determinadas Socialmente - CIEDS. Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11494.htm

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