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ISSN (on-line): 1806-3756

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Artigo Original

Acompanhamento de pacientes com diagnóstico e tratamento de tuberculose no Brasil: ônus financeiro para a família

Follow-up of patients diagnosed with and treated for tuberculosis in Brazil: financial burden on the household

Rafaela Borge Loureiro 1,2, Leticia Molino Guidoni 2, Geisa Carlesso Fregona 2,3, Sandra Maria do Valle Leone de Oliveira 4,5, Daniel Sacramento 6, Jair dos Santos Pinheiro 7,8, Denise Gomes 9, Ethel Leonor Noia Maciel 1,2

DOI: https://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20220368

ABSTRACT

Objective: To evaluate the implications of the proportion of annual family income spent in the pre- and post-diagnosis periods in tuberculosis patients followed for after at least one year after completing tuberculosis treatment in Brazil. Methods: This was a cross-sectional study of tuberculosis patients followed for at least one year after completing tuberculosis treatment in five Brazilian capitals (one in each region of the country). Results: A total of 62 patients were included in the analysis. The overall average cost of tuberculosis was 283.84 Brazilian reals (R$) in the pre-diagnosis period and R$4,161.86 in the post-diagnosis period. After the costs of tuberculosis disease, 71% of the patients became unemployed, with an overall increase in unemployment; in addition, the number of patients living in nonpoverty decreased by 5%, the number of patients living in poverty increased by 6%, and the number of patients living in extreme poverty increased by 5%. The largest proportion of annual household income to cover the total costs of tuberculosis was for the extremely poor (i.e., 40.37% vs. 11.43% for the less poor). Conclusions: Policies to mitigate catastrophic costs should include interventions planned by the health care system and social protection measures for tuberculosis patients with lower incomes in order to eliminate the global tuberculosis epidemic by 2035-a WHO goal in line with the United Nations Sustainable Development Goals.

Keywords: Tuberculosis/diagnosis; Tuberculosis/therapy; Costs and cost analysis; Financial stress; Brazil.

RESUMO

Objetivo: Avaliar as implicações da proporção da renda familiar anual gasta nos períodos pré e pós-diagnóstico em pacientes com tuberculose acompanhados durante pelo menos um ano após o término do tratamento da tuberculose no Brasil. Métodos: Estudo transversal com pacientes com tuberculose acompanhados durante pelo menos um ano após o término do tratamento da tuberculose em cinco capitais brasileiras (uma em cada região do país). Resultados: Foram incluídos na análise 62 pacientes. O custo médio global da tuberculose foi de R$ 283,84 no período pré-diagnóstico e de R$ 4.161,86 no período pós-diagnóstico. Após os custos da doença tuberculosa, 71% dos pacientes ficaram desempregados, com um aumento global do desemprego; além disso, o número de pacientes não pobres diminuiu 5%, o número de pacientes pobres aumentou 6% e o número de pacientes extremamente pobres aumentou 5%. A maior proporção de renda familiar anual para cobrir os custos totais da tuberculose foi observada nos pacientes extremamente pobres (40,37% vs. 11,43% nos menos pobres). Conclusões: As políticas para mitigar os custos catastróficos devem incluir intervenções planejadas pelo sistema de saúde e medidas de proteção social para pacientes de baixa renda com tuberculose, a fim de eliminar a epidemia global de tuberculose até 2035, uma meta da OMS alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela Organização das Nações Unidas.

Palavras-chave: Tuberculose/diagnóstico; Tuberculose/terapia; Custos e análise de custo; Estresse financeiro; Brasil.

INTRODUÇÃO
 
A tuberculose é uma doença infecciosa que ainda é um grande problema de saúde pública em todo o mundo. É uma das dez principais causas de morte no mundo(1) e pode representar um ônus financeiro significativo em virtude dos custos do diagnóstico(2) e tratamento (custos diretos e indiretos), agravando a pobreza.(3-5) Segundo a OMS, em 2021 ocorreram aproximadamente 10,6 milhões de novos casos de tuberculose e 1,6 milhões de mortes decorrentes da doença em todo o mundo. (1) O Relatório Global de Tuberculose da OMS de 2022(1) mostrou que o acesso aos serviços de saúde ainda é um desafio e que as metas globais de prevenção, diagnóstico e tratamento acordadas na histórica sessão de setembro de 2018 da Assembleia Geral das Nações Unidas só serão alcançadas por meio de uma abordagem multissetorial dos determinantes mais amplos da epidemia de tuberculose e seu impacto socioeconômico. Estima-se que, em 2021, 5,4 bilhões de dólares (US$) foram gastos no diagnóstico, tratamento e prevenção da tuberculose em países de baixa e média renda. Esse valor foi um pouco menor que os US$ 5,5 bilhões gastos em 2020 e 10% menor que os US$ 6,0 bilhões gastos em 2019. Os US$ 5,4 bilhões gastos em 2021 representam menos de 50% da meta global da Organização das Nações Unidas de gastar pelo menos US$ 13 bilhões anualmente até 2022.(1)
 
O Brasil permanece entre os 30 países com a maior carga de tuberculose e coinfecção tuberculose/HIV, sendo considerado prioridade para o controle da doença no mundo pela OMS.(1) Houve 68.271 novos casos de tuberculose no Brasil em 2021, com uma taxa de incidência de 32 casos por 100.000 habitantes. Em 2020, foram notificados aproximadamente 4.543 óbitos decorrentes da tuberculose, com uma taxa de mortalidade de 2,1 óbitos por 100.000 habitantes.(6) As barreiras geográficas, sociais, culturais e econômicas ao acesso ao tratamento da tuberculose e a pobreza são os principais fatores que contribuem para essa situação e representam desafios para o manejo da tuberculose.(1) Em países em desenvolvimento, tais como o Brasil, a tuberculose tem aumentado a pobreza de populações carentes em virtude dos custos do diagnóstico e tratamento, resultando em ausência no trabalho, desemprego, sequelas e morte.
 
A OMS propôs uma nova estratégia para eliminar a tuberculose em todo o mundo por meio de três indicadores de alto nível. A estratégia inclui metas para reduzir consideravelmente, entre 2015 e 2035, a incidência da tuberculose, os óbitos decorrentes da doença e os custos enfrentados pelos pacientes e familiares.(1,7)
 
Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) tenha sido construído com base nos princípios da universalidade, integralidade e equidade,(8) é o paciente que arca com os custos envolvidos no diagnóstico e manejo da tuberculose. Isso pode agravar a carga econômica para os pacientes e familiares e levar ao empobrecimento(9) em decorrência dos custos diretos e da redução da renda.
 
Uma estrutura conceitual do ônus financeiro da tuberculose para o paciente/família é apresentada na Figura 1. A família é a unidade de análise preferencial na avaliação dos custos porque todas as decisões relacionadas ao tratamento são tomadas pela família com base no orçamento doméstico.(10) Em resposta aos primeiros sintomas percebidos da doença no período pré-diagnóstico (Figura 1), são tomadas decisões quanto à procura do primeiro serviço de saúde para o diagnóstico. O sistema de saúde é um recurso fora do domicílio que será procurado pela família e proporcionará acesso ao diagnóstico da doença e assistência de qualidade no período pós-diagnóstico (Figura 1). Os custos da doença são classificados em diretos e indiretos, e vão depender do tipo e gravidade da doença e das características dos serviços de saúde que influenciam o acesso e a qualidade da assistência (Figura 1). Os custos da doença podem ter impacto na renda e, quando ultrapassam a renda familiar mensal, podem desencadear estratégias de enfrentamento como empréstimos e venda de bens (Figura 1). A carga de custos corresponde à soma dos custos diretos e indiretos expressos em percentagem da renda familiar anual; quando superior a 20%, pode resultar em custos catastróficos (Figura 1),(7) que provavelmente obrigarão os membros da família a cortar o consumo de necessidades básicas e vender bens, forçando-os a altos níveis de endividamento e levando-os ao empobrecimento.

 

 
Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi avaliar as implicações da proporção da renda familiar anual gasta nos períodos pré e pós-diagnóstico em pacientes com tuberculose acompanhados durante pelo menos um ano após o término do tratamento da tuberculose no Brasil.
 
MÉTODOS
 
Em cada uma das cinco regiões do Brasil, selecionamos uma capital que é prioritária para o controle da tuberculose em virtude dos altos índices de novos casos da doença: Vitória (ES), na região Sudeste; Campo Grande (MS), na região Centro-Oeste; Recife (PE), na região Nordeste; Porto Alegre (RS), na região Sul; e Manaus (AM), na região Norte. Nas cinco capitais, foram selecionadas 14 unidades de saúde que ofereciam tratamento para tuberculose em conformidade com as diretrizes do Ministério da Saúde do Brasil.
 
Realizamos um estudo transversal com dados prospectivos coletados por meio de entrevistas com pacientes com tuberculose cadastrados no Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT). Os pacientes foram entrevistados pelo menos um ano depois do término do tratamento da tuberculose em uma das 14 unidades de saúde selecionadas para inclusão no estudo.
 
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória (Parecer n. 3.412.838, de 25 de junho de 2019; Protocolo n. 61080416.7.0000.5060).
 
A população do estudo foi composta por pacientes com tuberculose pulmonar ou extrapulmonar atendidos consecutivamente entre junho de 2016 e julho de 2018 em qualquer uma das 14 unidades de saúde selecionadas. O tamanho da amostra foi calculado com base em um estudo anterior,(11) sendo estimado em 362 participantes. Os critérios de inclusão foram ter idade ≥ 18 anos e ter completado o tratamento da tuberculose pelo menos um ano antes em qualquer uma das 14 unidades de saúde selecionadas. Os dados foram coletados por meio de entrevistas presenciais realizadas entre julho de 2019 e julho de 2021.
 
A versão em português da ferramenta da OMS Tool to Estimate Patients’ Costs (Ferramenta para Estimar os Custos dos Pacientes), culturalmente adaptada para as necessidades do SUS,(12) foi usada para estimar os custos dos pacientes com tuberculose.
 
Todos os custos foram calculados para o período entre o início dos sintomas relatados e a conclusão de 6-8 meses de tratamento. Todos os custos relacionados aos períodos pré e pós-diagnóstico foram estimados em reais, com base na média da taxa de câmbio em 2016 (US$ 1,00 = R$ 3,4901).(13) Os custos médicos diretos incluíram todas as despesas do paciente em decorrência da doença tuberculosa, incluindo exames, medicamentos, acompanhamento e hospitalização. Os custos não médicos diretos incluíram todas as despesas do paciente com tuberculose com o transporte até as unidades de saúde, alimentos comprados durante o tempo de espera na unidade de saúde e acomodação, bem como despesas administrativas e com alimentação especial. Esses custos foram avaliados para os pacientes e seus cuidadores. Os custos indiretos incluíram ausência no trabalho em virtude de visitas a unidades de saúde ou hospitalização e perda de salários em virtude de incapacidade para o trabalho relacionada à tuberculose. Para quantificar a magnitude da perda de renda, multiplicou-se o número de dias de ausência no trabalho pela renda diária estimada do paciente ou cuidador. Esses custos foram avaliados para os pacientes e seus cuidadores. Os custos totais incluíram todos os custos diretos e indiretos durante os períodos pré e pós-diagnóstico.
 
A definição de custos catastróficos da OMS(9,14-16) — custos totais (isto é, a soma dos custos médicos diretos, custos não médicos diretos e custos indiretos) superiores a 20% da renda anual da família (renda familiar mensal multiplicada por 12 ) — foi usada para estimar a proporção da amostra que enfrentou custos catastróficos associados à tuberculose. A abordagem do custo catastrófico total enfatiza o impacto da perda de receita por meio de custos indiretos gerais e também fornece uma descrição mais clara da gravidade do impacto financeiro.(17)
 
A análise estatística foi realizada com o programa Stata, versão 14.0 (StataCorp LLC, College Station, TX, EUA). O nível de pobreza foi classificado de acordo com as diretrizes do Banco Mundial: extrema pobreza = renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo; pobreza = renda per capita inferior a 1/2 salário mínimo; não-pobreza = renda per capita superior a 1/2 salário mínimo.(18)
 
RESULTADOS
 
Dos 362 pacientes elegíveis para entrevista, apenas 62 (42 homens e 20 mulheres; 17,12%) foram incluídos na análise. Dos 62 pacientes, 4 foram acompanhados em Vitória (ES), 12 em Campo Grande (MS), 12 em Recife (PE), 16 em Porto Alegre (RS) e 18 em Manaus (AM). A Figura 2 mostra o fluxograma da população do estudo.
 

 
Dos 62 pacientes incluídos na análise, 27 (43,5%) estavam na faixa etária de 46 a 65 anos (média de idade: 58,91 ± 7,42 anos), 42 (68%) eram do sexo masculino, 35 (56%) haviam concluído o ensino fundamental, 44 (71%) estavam desempregados, 22 (35,5%) ficaram desempregados por causa da tuberculose, 10 (16%) tinham renda per capita anual inferior a R$ 2.994,00, sendo extremamente pobres, e 33 (53%) pertenciam a uma família na qual apenas um membro tinha renda. Ao todo, 15 pacientes (24%) apresentavam tuberculose extrapulmonar e 30 (48%) apresentavam comorbidades (Tabela 1).
 




 

 

 
Quanto aos custos durante o período pré-diagnóstico, o custo médio global foi de R$ 283,84, sendo os custos médicos diretos = R$ 194,36 e os não médicos diretos = R$ 89,48. Quanto aos custos durante o período pós-diagnóstico, o custo médio global foi de R$ 4.161,86 (por mês de tratamento), sendo os custos médicos diretos = R$ 15,64, os não médicos diretos = R$ 206,23 e os indiretos (perda de renda) = R$ 3.940,09. O custo médio global para o cuidador (incluindo os custos diretos e indiretos) foi de R$ 1.362,60 (Tabela 2).
 

 
Os custos médicos diretos foram maiores no período pré-diagnóstico, e os custos não médicos diretos foram maiores no período pós-diagnóstico. Durante o período pré-diagnóstico, nenhum dos pacientes teve custos indiretos; entretanto, os custos indiretos durante o período pós-diagnóstico foram superiores aos custos diretos nos períodos pré e pós-diagnóstico. Durante o período pré-diagnóstico, quase 90% dos pacientes tiveram custos diretos; durante o período pós-diagnóstico, 60% tiveram custos indiretos (perda de renda; Tabela 2).
 
No período pré-diagnóstico, 22 pacientes (35%) tiveram despesas com medicamentos, 55 (89%) tiveram despesas com deslocamento e 25 (40%) tiveram despesas com alimentação. No período pós-diagnóstico, 11 pacientes (18%) tiveram despesas com hospitalização, 55 (89%) tiveram despesas com deslocamento e 35 (56%) tiveram despesas com alimentação especial. Custos indiretos foram enfrentados por 37 (60%) dos pacientes. Além disso, mais de 30% tiveram que pedir dinheiro emprestado para o tratamento, e quase 90% procuraram o SUS para o diagnóstico: o PNCT (42%); um hospital público local (29%) ou uma unidade básica de saúde (18%; Tabela S1). Um total de 40,32% dos pacientes incluídos no estudo enfrentou custos catastróficos relacionados à tuberculose (Tabela S2). Antes dos custos da doença tuberculosa, 42% dos pacientes do estudo estavam desempregados; após os custos da doença, 71% ficaram desempregados (Tabela S3).
 
A maioria (47) dos pacientes (76%) não era pobre antes dos custos da doença tuberculosa e teve média mais elevada de custos totais com a tuberculose (R$ 4.361,30 para os menos pobres vs. R$ 3.626,20 para os extremamente pobres); entretanto, a maior proporção da renda familiar anual para cobrir os custos totais foi observada nos pacientes extremamente pobres (40,37% vs. 11,43%; Figura 3).
 

 
A disposição para pagar para prevenir a tuberculose foi avaliada com base na premissa de que os pacientes tinham recursos infinitos. A maioria (74%) dos pacientes estava disposta a pagar mais de três salários mínimos, ao passo que 14% estavam dispostos a pagar até um salário mínimo. A principal medida escolhida pelos pacientes para aliviar a carga econômica da tuberculose foi a alimentação, seguida de um sistema de saúde mais eficiente (Figura 4).
 

 
DISCUSSÃO
 
Este estudo contribui para o monitoramento global das metas da End TB Strategy (Estratégia para Acabar com a TB) da OMS.(9,19) Um total de 40,32% dos participantes do estudo enfrentou custos catastróficos associados à tuberculose, não obstante o diagnóstico e tratamento gratuitos pelo SUS.
 
No presente estudo, os custos enfrentados durante o período pré-diagnóstico foram menores do que os enfrentados durante o período pós-diagnóstico, um achado inconsistente com os de outros estudos, nos quais o período pré-diagnóstico foi considerado crítico. (20,21) Isso pode ser atribuído à melhor percepção dos pacientes a respeito dos sintomas da tuberculose. O fato de que mais de 40% dos participantes do estudo inicialmente procuraram assistência médica no âmbito do PNCT evitou que percorressem um caminho complexo na busca por atendimento e que procurassem vários médicos para o diagnóstico da doença. No entanto, os altos custos dos medicamentos no período pré-diagnóstico podem ser atribuídos à demora na procura de assistência médica no SUS e à demora no diagnóstico de tuberculose pelo SUS. (22) A busca ativa para detectar mais casos mais cedo poderia minimizar os custos pré-diagnósticos para os pacientes.(23)
 
O aumento dos custos pós-diagnósticos pode ser atribuído, pelo menos em parte, ao aumento do número de visitas aos serviços de saúde em virtude da melhor adesão ao tratamento e do aumento do consumo de alimentos especiais. Além disso, o fato de que os pacientes são obrigados a descansar implica ausência no trabalho, o que leva a perda de renda e contribui consideravelmente para o aumento dos custos do tratamento. No presente estudo, 89% dos pacientes tiveram despesas com deslocamento e 56% com alimentação especial durante o tratamento da tuberculose. Esse achado sugere que é essencial oferecer tratamento o mais próximo possível de onde os pacientes moram. Observamos que 60% dos pacientes incluídos no presente estudo tiveram perda de renda, e que os familiares também se ausentaram do trabalho em virtude das demandas de assistência ao paciente. Do total da amostra, 58% estavam empregados antes do diagnóstico de tuberculose, 43,5% eram a única fonte de renda da família, 83% eram pacientes do sexo masculino com tuberculose pulmonar e 43,5% tinham parentes que ficaram em casa para cuidar deles. Após os custos da doença tuberculosa, 71% dos pacientes incluídos no presente estudo ficaram desempregados, e 50% permaneceram desempregados em virtude das consequências físicas e sociais da tuberculose (vulnerabilidade física e estigma); além disso, 53% dos domicílios tinham apenas uma fonte de renda na família. Os fatores de risco de custos catastróficos incluem barreiras ao acesso ao sistema de saúde, tais como longos deslocamentos para chegar aos serviços de saúde, e fatores sociodemográficos como desemprego, idade avançada e família pequena.(24) Há estudos que mostram que a tuberculose permanece associada à pobreza em todo o mundo(25,26) e agrava a pobreza das famílias.(27,28)
 
Quanto ao nível de pobreza, os pacientes extremamente pobres tiveram maior proporção da renda familiar anual gasta com os custos da tuberculose, com custos catastróficos. Após os custos da doença tuberculosa, o número de pacientes não pobres diminuiu 5%, o número de pacientes pobres aumentou 6% e o número de pacientes extremamente pobres aumentou 5%. Isso mostra que os custos catastróficos continuam a afetar os pacientes com tuberculose no Brasil, mais predominantemente os pobres, contribuindo para aumentar as desigualdades econômicas e sociais. Além disso, esses resultados ressaltam que o acesso ao diagnóstico e tratamento da tuberculose, disponíveis gratuitamente no SUS, pode ser caro para os pacientes pobres e extremamente pobres, porque os altos custos de saúde implicam redução significativa da resiliência das famílias que enfrentam grandes despesas com alimentação e moradia.(3,29,30-36) Isso pode resultar em maior estigmatização.(3,30,31)
 
Nesse contexto, é importante ressaltar que o presente estudo foi realizado durante o desmonte dos programas previdenciários e de transferência condicionada de renda. Esse desmonte teve impacto direto nas condições sociais relacionadas à tuberculose, especialmente no que diz respeito aos altos custos indiretos da alimentação. Um estudo(37) mostrou que o Programa Bolsa Família por si só teve efeito direto nos desfechos do tratamento da tuberculose e poderia contribuir muito para que sejam alcançadas as metas da End TB Strategy da OMS. A ampliação da cobertura dos programas de proteção social pode desempenhar um papel importante no alívio da pobreza extrema e, indiretamente, na redução da incidência da tuberculose.(38)
 
Mais de 70% dos pacientes incluídos no presente estudo estavam dispostos a pagar mais de três salários mínimos para reduzir a chance de um desfecho de saúde adverso. Trata-se de um indicador útil de como os participantes valorizam a vida e a saúde quando as preferências sociais são incorporadas às políticas públicas. O método de disposição para pagar é importante porque busca avaliar aspectos indiretos e intangíveis de uma doença ou condição.(39) Para reduzir a carga econômica da tuberculose para a família,(11,40) devem ser implementadas medidas de apoio social.
 
Este é o primeiro estudo no Brasil a avaliar o impacto econômico da tuberculose na família. O estudo tem limitações. O número de participantes incluídos na análise dos custos da doença tuberculosa foi menor por causa de barreiras logísticas à coleta de dados, principalmente em virtude da pandemia de COVID-19, e por causa da morte ou migração de pacientes elegíveis para acompanhamento. Isso pode ter introduzido um viés de seleção e, portanto, afetado os resultados do estudo.
 
Os participantes do estudo sofreram perdas econômicas no período pré-diagnóstico e severa perda de renda no período pós-diagnóstico. Essas perdas resultaram em desemprego e sequelas sociais. Políticas nacionais e globais para mitigar custos catastróficos devem incluir intervenções planejadas pelos sistemas de saúde para garantir o diagnóstico precoce de pacientes com tuberculose (por meio da busca ativa de casos e investigação de contatos); apoio social aos pacientes que estejam recebendo tratamento para tuberculose, de modo a minimizar a perda de renda; e medidas de proteção social para pacientes de baixa renda com tuberculose, de modo a interromper a relação entre tuberculose e pobreza e, consequentemente, eliminar a epidemia global de tuberculose até 2035, uma meta da OMS alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela Organização das Nações Unidas.
 
AGRADECIMENTOS
 
Gostaríamos de expressar nossa gratidão aos pacientes com tuberculose que participaram do estudo e aos profissionais de saúde que dedicaram seu precioso tempo ao estudo. Gostaríamos de fazer um agradecimento especial ao Programa de Controle da Tuberculose em Vitória (ES); ao Hospital-Dia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande (MS); ao Centro de Controle da Tuberculose em Manaus (AM); ao Centro de Referência em Tuberculose em Porto Alegre (RS) e à Secretaria de Saúde do Recife (PE).
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
RBL e ELNM foram responsáveis pelo conceito e desenho do estudo. RBL, LMG, GF e ELNM coletaram, analisaram e interpretaram os dados, e redigiram o manuscrito. SMVLO, DS, JSP e DG revisaram o manuscrito. RBL e ELNM tiveram a responsabilidade final de enviar o manuscrito para publicação. Todos os autores concordam em ser responsáveis por todos os aspectos do trabalho. Todos os autores leram e aprovaram o manuscrito final.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
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