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ISSN (on-line): 1806-3756

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Cartas ao Editor

Telemonitoramento na Ventilação Mecânica Domiciliar

Telemonitoring in Home Mechanical Ventilation

Katia Vanessa Cantarini1, Rosineide Pereira Sanches1, Vanessa Vieira Donini1, Ruy Pires2, Heloisa Amaral Gaspar1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220142

AO EDITOR,
 
Uma pesquisa brasileira recente mostrou que, em um ano, aproximadamente 300.000 pacientes são submetidos a tratamento domiciliar, sendo que 6% desses pacientes necessitam de suporte ventilatório (ventiladores com dois níveis de pressão ou como suporte de vida). É importante ressaltar que o tratamento domiciliar tem aumentado em 15-20% anualmente.(1,2)
 
Apesar da crescente demanda por ventilação mecânica domiciliar (VMD), ainda existem diversas barreiras para a alta desses pacientes, incluindo logística operacional, manter o paciente seguro e clinicamente estável no ambiente domiciliar, sobrecarga de trabalho da equipe, conhecimento clínico para otimizar o padrão ventilatório de acordo com as necessidades do paciente, etc.(3) Todos esses fatores, além da falta de um padrão de cuidado baseado em evidências, tornam o tratamento de pacientes sob VMD uma tarefa desafiadora.(4)
 
O telemonitoramento de pacientes sob VMD pode reduzir as visitas ao pronto-socorro e as internações e está associado à melhor gestão e resultados do paciente, bem como a economia de custos. A possibilidade adicional de prever exacerbações respiratórias torna o telemonitoramento uma ferramenta potencial para revolucionar os cuidados na ventilação assistida domiciliar.(5)
 
A Home Doctor é uma das maiores empresas de cuidados domiciliares do Brasil e atende mais de 5.500 pacientes por ano, dos quais 10% necessitam de suporte ventilatório. Em 2021, a empresa iniciou um programa de telemonitoramento de pacientes sob VMD e, considerando a escassez de dados brasileiros sobre esse tema, objetivamos relatar os resultados preliminares de nossos primeiros 34 pacientes. De abril de 2021 a março de 2022, selecionamos convenientemente 34 pacientes sob VMD para serem inscritos em nosso programa de telemonitoramento. Todos os pacientes forneceram consentimento por escrito no momento da inscrição. O manejo fisioterapêutico foi administrado de acordo com os protocolos atuais de atendimento domiciliar e consistiu em sessões de 40-45 minutos. Os pacientes receberam sessões de fisioterapia de acordo com sua condição clínica, e visitas extras diárias foram realizadas caso fosse detectada piora clínica. A média de idade dos pacientes foi de 33,4 anos (0-91 anos), o sexo predominante foi o feminino (62%), e o diagnóstico mais prevalente foi doença neurológica/neuromuscular (59%). De todos os pacientes, 82% receberam ventilação mecânica invasiva. A ventilação noturna foi utilizada em 41% dos pacientes e a ventilação contínua (24 h/dia) em 59% (Tabela 1).


 
Todos os ventiladores (Stellar® e Astral®, ResMed, Sydney, Austrália) foram acoplados a um modem para transmitir dados ventilatórios para a nuvem (Airview®) diariamente ou sob demanda. Os parâmetros e configurações do ventilador (valores diários de mediana e intervalo interquartil ou valores minuto a minuto) podiam ser avaliados em uma planilha detalhada. Todas as ativações de alarme também podiam ser monitoradas. Resumidamente, um fisioterapeuta clínico analisou os dados de cada paciente 3 vezes por semana e forneceu informações à equipe clínica durante uma reunião semanal de rotina. Qualquer providência a ser tomada foi encaminhada ao fisioterapeuta responsável pelo paciente. A resolução (ou não) da ação foi discutida na reunião seguinte. Basicamente, os tópicos avaliados em cada paciente foram: configurações da VMD, complacência (horas diárias de uso), vazamento, volume corrente, frequência respiratória e porcentagem de disparos espontâneos. Os alarmes ventilatórios ativados com maior frequência para cada paciente também foram avaliados.
 
As intervenções decorrentes do monitoramento foram categorizadas em: 1) ajustes relacionados ao suporte ventilatório quando identificados problemas de insuflação do balonete, fixação da máscara, frequência de aspiração ou suporte inalatório; 2) otimização dos parâmetros ventilatórios, como pressão inspiratória ou expiratória, frequência respiratória, disparo e volume corrente; 3) ajustes de alarme; 4) identificação de deterioração clínica precoce; 5) ajustes de equipamentos (atualização ou desatualização); 6) identificação da manipulação do equipamento por familiares sem autorização e 7) ajustes na oxigenoterapia (Tabela 1).
 
Além disso, um período de avaliação de 3 meses pré e pós-telemonitoramento (pré-TM vs. pós-TM) dos mesmos 34 pacientes revelou reduções nas visitas clínicas extras para o manejo da ventilação mecânica (pré-TM = 5; pós-TM = 2) e nos problemas ou avarias do dispositivo que exigiam troca de equipamento (pré-TM = 3; pós-TM = 2). Embora esses resultados sejam animadores, deve-se notar que os eventos eram raros mesmo antes do telemonitoramento. Além disso, deve-se considerar a natureza descritiva do presente estudo e a ausência de uma análise estatística pré/pós-telemonitoramento. 
 
A eficácia da VMD depende do suporte ventilatório ideal (configurações adequadas e gerenciamento de vazamentos) para minimizar os efeitos adversos. Assim, as funções de download de dados ventilatórios podem ser usadas para auxiliar na tomada de decisão dos médicos para permitir o fornecimento ideal de VMD.(6) Nossos resultados preliminares corroboram isso. De fato, quase 50% dos pacientes analisados receberam otimizações das configurações de VMD, sejam elas otimizações de parâmetros ventilatórios, controle de vazamento, volume corrente, ajuste de disparo ou configurações de alarme. Mais importante, verificamos que os cuidadores/familiares estavam alterando os parâmetros ventilatórios sem o consentimento do médico em dois casos, fato que poderia ter colocado em risco a vida dos pacientes. Em outro caso, foi identificado um vazamento importante devido a danos no sistema de insuflação do balonete, o que levou à troca do tubo de traqueostomia.
 
A análise remota de dados ventilatórios também melhorou a logística operacional. Algumas consultas clínicas foram desnecessárias ou foram mais assertivas devido ao conhecimento e aos dados obtidos através do telemonitoramento. Normalmente, as visitas extras foram relacionadas à fadiga do alarme na ausência de um médico assistente. Em um paciente sob ventilação não invasiva, o excesso de alarme devido a um vazamento importante foi observado durante os períodos noturnos, mas não foi relatado durante as visitas regulares diurnas do clínico e foi responsável por afetar a qualidade do sono do paciente e de sua família. Tal vazamento também foi responsável pela piora do padrão ventilatório. O problema foi resolvido após a troca do suporte de cabeça do paciente, o que levou a uma melhora na qualidade do sono dele e da família. Além disso, após o vazamento ser resolvido e o suporte ventilatório ajustado, o suporte de oxigênio poderia ser suspenso. O telemonitoramento promoveu uma sensação de maior bem-estar e segurança.
 
Em conclusão, nossa análise preliminar de 1 ano mostrou que o telemonitoramento de pacientes sob VMD foi associado à otimização ventilatória mais precoce e melhor manejo clínico, além de manejo operacional e logístico mais assertivos.
 
CONTRIBUIÇÕES DOS AUTORES
 
Todos os autores contribuíram de forma igual na investigação, análise, redação e aprovação do manuscrito publicado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Censo NEAD-FIPE de Atenção Domiciliar [homepage on the Internet]. São Paulo; 2020 [cited 2022 Mar 15]. Available from: https://www.neadsaude.org.br/wp-content/themes/nead/nead-digital/Censo-NEAD-FIPE-2019-2020/index.html.
2.            Carnaúba CMD, Silva TDA, Viana JF, Alves JBN, Andrade NL, Trindade EM. Clinical and epidemiological characterization of patients receiving home care in the city of Maceió, in the state of Alagoas, Brazil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(3):352-362. https://doi.org/10.1590/1981-22562017020.160163.
3.            Yang L, Nonoyama M, Pizzuti R, Bwititi P, John G. Home mechanical ventilation: A retrospective review of safety incidents using the World Health Organization International Patient Safety Event classification. Can J Respir Ther. 2016;52(3):85-91. PMID: 30123023. PMCID: PMC6073515.
4.            Lewarski JS, Gay PC. Current issues in home mechanical ventilation. Chest. 2007;132(2):671-6. https://doi.org/10.1378/chest.07-0558.
5.            Ackrivo J, Elman L, Hansen-Flaschen J. Telemonitoring for Home-assisted Ventilation: A Narrative Review. Ann Am Thorac Soc. 2021;18(11):1761-1772. https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.202101-033CME.
6.            Mansell SK, Cutts S, Hackney I, et al. Using domiciliary non-invasive ventilator data downloads to inform clinical decision-making to optimise ventilation delivery and patient compliance. BMJ Open Respir Res. 2018;5(1):e000238. https://doi.org/10.1136/bmjresp-2017-000238.
7.            Pinto A, Almeida JP, Pinto S, Pereira J, Oliveira AG, Carvalho M. Home telemonitoring of non-invasive ventilation decreases healthcare utilization in a prospective con-trolled trial of patients with amyotrophic lateral sclerosis. J Neurol Neurosurg Psychia-try. 2010;81(11):1238-1242. https://doi.org/10.1136/jnnp.2010.206680.

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