Continuous and bimonthly publication
ISSN (on-line): 1806-3756

Licença Creative Commons
8647
Views
Back to summary
Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Bronquiectasias de tração: tão benignas quanto pensamos?

Traction bronchiectasis: is it as benign as we think?

Amina Bekki1, Thais Beauperthuy1, Miguel Ángel Martínez-García1,2

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220220

Recentemente, um grupo de especialistas mundiais definiu a bronquiectasia como sendo uma dilatação do lúmen das vias aéreas produzida principalmente pela destruição da parede brônquica, em decorrência da ação de várias substâncias proteolíticas provenientes de inflamação local — geralmente neutrofílica,(1) embora algumas vezes também eosinofílica,(2-4) e mesmo com um componente sistêmico(5,6) — e/ou produtos bacterianos secundários (geralmente como infecção crônica).(7-9) Além disso, esse achado radiológico deve estar acompanhado de sintomas a ele relacionados, principalmente tosse produtiva (geralmente com um componente purulento), com ou sem exacerbações.(10-12) Portanto, a definição de bronquiectasia deve preencher critérios não só radiológicos, mas também clínicos.(1,13) Consequentemente, as bronquiectasias de tração (BT) têm sido sistematicamente excluídas de estudos diagnósticos, prognósticos e terapêuticos de bronquiectasias porque geralmente não estão associadas a um quadro clínico secundário de inflamação ou infecção das vias aéreas.(14)
 
É verdade que as BT geralmente ocorrem em virtude da dilatação da luz brônquica causada pela destruição do parênquima pulmonar circundante. As BT geralmente não são acompanhadas por espessamento das paredes brônquicas relacionado com inflamação brônquica excessiva, e a probabilidade de infecção crônica por microrganismos potencialmente patogênicos é baixa. As BT são comumente observadas no contexto de processos fibróticos avançados decorrentes de doenças intersticiais, após infecções extensas ou enfisema pulmonar e, em geral, após processos que envolvam a destruição do parênquima pulmonar.(15)
 
Nos últimos anos, a presença de BT tem gerado algumas perguntas particularmente interessantes a respeito de sua capacidade de influenciar o prognóstico da doença de base. As BT são realmente tão benignas quanto pensamos? A presença de BT poderia influenciar o prognóstico dos pacientes, independentemente do padrão intersticial usualmente associado? A progressão das BT deve ser monitorada? Embora o nome “bronquiectasia” ainda seja usado por motivos etimológicos (bronkos = brônquio e ectasis = dilatação), ainda não há resposta a essas perguntas, já que, como mencionado acima, as BT têm sido sistematicamente excluídas de todos os tipos de estudos de bronquiectasias.
 
Recentemente, porém, um estudo(16) com 5.295 indivíduos com DPOC (média de idade = 59 anos) parece ter indicado que a presença de BT não é de maneira alguma trivial e que as BT podem ter impacto negativo em vários desfechos importantes da DPOC. No estudo em questão, Hata et al.(16) identificaram um subgrupo de pacientes (n = 582) com alterações intersticiais na TC. Aqueles com BT associadas (n = 105) apresentaram correlação linear ajustada entre maior gravidade radiológica das BT e pior qualidade de vida. Além disso, os pacientes com BT apresentaram risco ajustado de óbito 3,8 vezes maior (IC95%: 2,6-5,6; p < 0,001) do que aqueles sem BT.
 
Esses achados a respeito da relação entre BT e pior prognóstico da doença de base não são novos; já foram descritos em diversas doenças pulmonares intersticiais como fibrose pulmonar idiopática,(17) pneumonite de hipersensibilidade(18) e pneumonia eosinofílica crônica. (19) É também importante observar que as BT progridem na maioria dos pacientes e, à medida que progridem, pioram o prognóstico e agravam a doença de base. A presença de BT poderia, portanto, servir de marcador da gravidade das doenças intersticiais de qualquer origem, o que sugere, como já se sabe, que é essencial o tratamento anti-inflamatório precoce e intensificado durante a fase inflamatória da doença de base, antes que esta evolua para lesão intersticial e, consequentemente, BT. De fato, alguns autores sugeriram o uso de um índice de BT(16,20) cuja validade se distingue, entre outras coisas, pela excelente concordância interobservadores no que tange ao diagnóstico de BT por meio de TC de tórax (índice kappa de aproximadamente 0,75). O índice de BT classifica os pacientes em quatro grupos, de acordo com a presença e o tipo de BT no processo intersticial: tipo 1: sem BT; tipo 2: bronquiolectasias; tipo 3: BT moderadas; tipo 4: BT graves. Essa classificação foi usada no estudo de Hata et al.(16) e em outro estudo de base populacional realizado na Islândia.(20) Neste último estudo, a TC foi realizada na linha de base e 5 anos após a inclusão de 3.167 participantes, 327 dos quais apresentavam algum tipo de alteração intersticial. Os autores observaram não apenas que as BT progrediram na maioria dos indivíduos ao longo do tempo, mas também que essa progressão esteve associada a uma maior probabilidade de morte (razão de risco = 1,68; IC95%: 1,21-2,34; p < 0,001), ajustada para levar em conta a idade, o sexo, o IMC e o tabagismo após 11,5-14,0 anos de acompanhamento.
 
Todos esses achados abrem um tópico oportuno de grande relevância para sequelas no parênquima pulmonar de pacientes que tiveram pneumonia por SARS-CoV-2. Estudos de acompanhamento com dados de TC mostraram que grande parte desses pacientes sofre de dano intersticial crônico (especialmente após pneumonia grave), frequentemente acompanhado de BT.(21,22) As BT piorarão ainda mais o prognóstico ou a gravidade clínica em pacientes com alterações intersticiais, em comparação com aqueles sem BT? Ainda não se sabe a resposta a essa pergunta, mas certamente deve ser objeto de pesquisa, pois um tratamento agressivo precoce na fase inflamatória provavelmente seria a melhor opção para prevenir sequelas intersticiais e o aparecimento subsequente de BT. Além disso, também não se sabe se, além de BT, bronquiectasias clinicamente ativas poderiam resultar em infecção crônica por microrganismos patogênicos em decorrência de um círculo vicioso de inflamação e infecção excessivas ao longo do tempo. Essa situação não pode ser descartada, pois é sabido que uma das etiologias mais comuns de bronquiectasias sintomáticas é a pós-infecciosa, incluindo infecções virais.
 
Em suma, a literatura parece não confirmar a suposta benignidade atribuída às BT como parte de um processo intersticial em diferentes doenças pulmonares de base (incluindo doenças intersticiais e não intersticiais). A presença de BT poderia, de fato, piorar o prognóstico e a gravidade clínica da doença de base, isto é, piorar ainda mais o prognóstico da alteração intersticial em si. Resta esclarecer outra questão muito importante, que já vem gerando um campo de pesquisa de grande interesse: qual será o futuro impacto das bronquiectasias observadas nos padrões intersticiais em pacientes que se recuperaram de pneumonia por COVID-19? Ainda não há resposta a essa pergunta, mas os dados disponíveis até o momento indicam que esses pacientes necessitam de acompanhamento em longo prazo; se necessário, devem ser usados exames de imagem e até mesmo monitoramento clínico, incluindo dados microbiológicos, sempre que possível.
 
CONFLITOS DE INTERESSE
 
Nenhum declarado.
 
REFERÊNCIAS
 
1.            Aliberti S, Goeminne PC, O’Donnell AE, Aksamit TR, Al-Jahdali H, Barker AF, et al. Criteria and definitions for the radiological and clinical diagnosis of bronchiectasis in adults for use in clinical trials: international consensus recommendations. Lancet Respir Med. 2022;10(3):298-306. https://doi.org/10.1016/S2213-2600(21)00277-0
2.            Martínez-García MÁ. Bronchiectasis and Eosinophils. Arch Bronconeumol. 2021;57(11):671-672. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2021.08.001
3.            Shoemark A, Shteinberg M, De Soyza A, Haworth CS, Richardson H, Gao Y, et al. Characterization of Eosinophilic Bronchiectasis: A European Multicohort Study. Am J Respir Crit Care Med. 2022;205(8):894-902. https://doi.org/10.1164/rccm.202108-1889OC
4.            Martinez-Garcia MA, Posadas T, Sotgiu G, Blasi F, Saderi L, Aliberti S. Repeteability of Circulating Eosinophil Measures and Inhaled Corticosteroids Effect in Bronchiectasis. A Post Hoc Analysis of a Randomized Clinical Trial. Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2020;56(10):681-683. https://doi.org/10.1016/j.arbr.2020.06.003
5.            Saleh AD, Chalmers JD, De Soyza A, Fardon TC, Koustas SO, Scott J, et al. The heterogeneity of systemic inflammation in bronchiectasis. Respir Med. 2017;127:33-39. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2017.04.009
6.            Posadas T, Oscullo G, Zaldivar E, Villa C, Dobarganes Y, Girón R, et al. C-Reactive Protein Concentration in Steady-State Bronchiectasis: Prognostic Value of Future Severe Exacerbations. Data From the Spanish Registry of Bronchiectasis (RIBRON). Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2021;57(1):21-27. https://doi.org/10.1016/j.arbr.2019.12.022
7.            de la Rosa Carrillo D, López-Campos JL, Alcázar Navarrete B, Calle Rubio M, Cantón Moreno R, García-Rivero JL, et al. Consensus Document on the Diagnosis and Treatment of Chronic Bronchial Infection in Chronic Obstructive Pulmonary Disease. Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2020;56(10):651-664. https://doi.org/10.1016/j.arbr.2020.08.006
8.            Figueiredo MR, Lomonaco I, Araújo AS, Lundgren F, Pereira EDB. Isolation of and risk factors for airway infection with Pseudomonas aeruginosa in patients with non-cystic fibrosis bronchiectasis. J Bras Pneumol. 2021;47(3):e20210017. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20210017
9.            Monsó E. Look at the wood and not at the tree: The Microbiome in Chronic Obstructive Lung Disease and Cystic Fibrosis. Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2020;56(1):5-6. https://doi.org/10.1016/j.arbr.2019.04.014
10.          Martinez-García MA, Villa C, Dobarganes Y, Girón R, Maíz L, García-Clemente M, et al. RIBRON: The spanish Online Bronchiectasis Registry. Characterization of the First 1912 Patients. Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2021;57(1):28-35. https://doi.org/10.1016/j.arbr.2020.11.010
11.          Amati F, Simonetta E, Gramegna A, Tarsia P, Contarini M, Blasi F, et al. The biology of pulmonary exacerbations in bronchiectasis. Eur Respir Rev. 2019 Nov 20;28(154):190055. https://doi.org/10.1183/16000617.0055-2019
12.          Chen CL, Huang Y, Yuan JJ, Li HM, Han XR, Martinez-Garcia MA, et al. The Roles of Bacteria and Viruses in Bronchiectasis Exacerbation: A Prospective Study. Arch Bronconeumol (Engl Ed). 2020;56(10):621-629. https://doi.org/10.1016/j.arbr.2019.12.014
13.          Nucci MCNM, Fernandes FLA, Salge JM, Stelmach R, Cukier A, Athanazio R. Characterization of the severity of dyspnea in patients with bronchiectasis: correlation with clinical, functional, and tomographic aspects. J Bras Pneumol. 2020;46(5):e20190162. https://doi.org/10.36416/1806-3756/e20190162
14.          Crichton ML, Aliberti S, Chalmers JD. A systematic review of pharmacotherapeutic clinical trial end-points for bronchiectasis in adults. Eur Respir Rev. 2019;28(151):180108. https://doi.org/10.1183/16000617.0108-2018
15.          Piciucchi S, Tomassetti S, Ravaglia C, Gurioli C, Gurioli C, Dubini A, et al. From “traction bronchiectasis” to honeycombing in idiopathic pulmonary fibrosis: A spectrum of bronchiolar remodeling also in radiology?. BMC Pulm Med. 2016;16(1):87. https://doi.org/10.1186/s12890-016-0245-x
16.          Hata A, Hino T, Putman RK, Yanagawa M, Hida T, Menon AA. Traction Bronchiectasis/Bronchiolectasis on CT Scans in Relationship to Clinical Outcomes and Mortality: The COPDGene Study [published online ahead of print, 2022 May 31]. Radiology. 2022;212584. https://doi.org/10.1148/radiol.212584
17.          Desai SR, Wells AU, Rubens MB, du Bois RM, Hansell DM. Traction bronchiectasis in cryptogenic fibrosing alveolitis: associated computed tomographic features and physiological significance. Eur Radiol. 2003;13(8):1801-1808. https://doi.org/10.1007/s00330-002-1779-2
18.          Jacob J, Bartholmai BJ, Egashira R, Brun AL, Rajagopalan S, Karwoski R, et al. Chronic hypersensitivity pneumonitis: identification of key prognostic determinants using automated CT analysis. BMC Pulm Med. 2017;17(1):81. https://doi.org/10.1186/s12890-017-0418-2
19.          Takei R, Arita M, Kumagai S, Ito Y, Takaiwa T, Tokioka F, et al. Traction bronchiectasis on high-resolution computed tomography may predict fatal acute eosinophilic pneumonia. Respir Investig. 2019;57(1):67-72. https://doi.org/10.1016/j.resinv.2018.09.005
20.          Hino T, Hida T, Nishino M, Lu J, Putman RK, Gudmundsson EF, et al. Progression of traction bronchiectasis/bronchiolectasis in interstitial lung abnormalities is associated with increased all-cause mortality: Age Gene/Environment Susceptibility-Reykjavik Study. Eur J Radiol Open. 2021;8:100334. https://doi.org/10.1016/j.ejro.2021.100334
21.          Martinez-Garcia MA, Aksamit TR, Aliberti S. Bronchiectasis as a Long-Term Consequence of SARS-COVID-19 Pneumonia: Future Studies are Needed. Arch Bronconeumol. 2021;57(12):739-740. https://doi.org/10.1016/j.arbres.2021.04.021
22.          Ding X, Xu J, Zhou J, Long Q. Chest CT findings of COVID-19 pneumonia by duration of symptoms. Eur J Radiol. 2020;127:109009. https://doi.org/10.1016/j.ejrad.2020.109009

Indexes

Development by:

© All rights reserved 2024 - Jornal Brasileiro de Pneumologia