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ISSN (on-line): 1806-3756

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Editorial

O que permanece no tecido pulmonar após a COVID-19 aguda?

What remains in the pulmonary tissue after acute COVID-19?

Amaro Nunes Duarte-Neto1, Marisa Dolhnikoff1

DOI: 10.36416/1806-3756/e20220209

O que resta após a devastação da fase crítica da pandemia de COVID-19, vivida em 2020-2021? Após dois anos de pandemia, os sistemas de saúde em todo o mundo estão enfrentando problemas que vão além daqueles enfrentados no início da pandemia, como diagnóstico, definição de caso, tratamento adequado e controle da disseminação do SARS-CoV-2. Algumas das principais questões neste momento são quais pacientes não se recuperarão totalmente da fase aguda da doença e quais mecanismos estão envolvidos nos diferentes desfechos. Sabemos agora que pacientes com COVID-19 com diversos perfis clínicos podem desenvolver a COVID longa, uma condição clínica com sintomas sistêmicos persistentes que podem durar meses ou até anos após a doença aguda.(1) Dado o grande número de casos de COVID-19 em todo o mundo, sequelas de longo prazo podem levar a um grande contingente de indivíduos com disfunções que necessitarão de acompanhamento por especialistas de diferentes áreas.
 
Embora a COVID longa ainda careça de padronização em termos de definição e nomenclatura,(2,3) está claro que ela pode acometer diversos órgãos e sistemas; em virtude da alta prevalência e gravidade do acometimento pulmonar na fase aguda da COVID-19, o acometimento pulmonar crônico na COVID longa é uma das principais preocupações. Estudos clínicos e radiológicos mostram que a persistência de sintomas pulmonares, alterações na função pulmonar e sinais tomográficos de alterações pulmonares meses após a doença podem afetar entre 24% e 50% (ou até mais) dos pacientes internados por COVID 19. (4,5) Estudos clínicos e epidemiológicos demonstraram o risco de desenvolver fibrose pulmonar após o início da doença. (5,6) Pacientes idosos com comorbidades (especialmente hipertensão arterial sistêmica, obesidade e diabetes mellitus), doença pulmonar prévia, febre na fase aguda da doença, tempo prolongado para clearance viral, internação prolongada, ventilação mecânica prolongada e acometimento pulmonar extenso na TCAR na fase aguda apresentam maior risco de desenvolver fibrose pulmonar e comprometimento funcional após a COVID-19.(5,6)
 
Alterações histopatológicas em pacientes com COVID-19 com doença pulmonar persistente foram relatadas em poucos estudos, a maioria deles descrevendo a patologia pulmonar em amostras de necrópsia ou de explante pulmonar de pacientes com doença aguda grave e internação prolongada. As principais alterações pulmonares descritas em indivíduos com tempo de doença superior a 30 dias incluem fibrose intersticial difusa, alteração em favo de mel microscópica, bronquiolectasias, inflamação intersticial e intra-alveolar linfocítica e macrofágica, neoangiogênese capilar intersticial, trombos recanalizados envolvendo pequenas artérias pulmonares e infarto pulmonar.(7-12) O padrão fibrótico de dano alveolar difuso que caracteriza a doença grave é mais proeminente três semanas após o início da doença.(8,12,13) A patogênese dessas alterações é provavelmente multifatorial, envolvendo lesões virais na fase aguda, infecções pulmonares secundárias e lesão associada à ventilação mecânica.(7) O sequenciamento de RNA de célula única do tecido pulmonar de pacientes com COVID-19 em estágio avançado mostra semelhança com o tecido pulmonar de pacientes com fibrose pulmonar por outras condições, com aumento da expressão de genes envolvidos na produção de matriz extracelular.(14)
 
Entretanto, estudos de necrópsia e de explantes não são capazes de prever quantas das alterações pulmonares provavelmente se resolverão ao longo do tempo em pacientes que sobrevivem à COVID-19 aguda com diversos níveis de gravidade. Até o momento, faltam estudos sobre a patologia pulmonar envolvendo sobreviventes da COVID-19. Nesse sentido, neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, o bem-vindo estudo de Baldi et al.(15) analisou 6 pacientes pós-COVID-19 e descreveu o acompanhamento após a fase aguda por pelo menos quatro meses. Apenas 1 paciente foi ventilado mecanicamente durante a fase aguda. Embora todos os 6 pacientes tenham se recuperado ao final do acompanhamento, eles apresentavam sintomas respiratórios persistentes e alterações pulmonares intersticiais na TCAR por pelo menos quatro meses após a alta. As biópsias transbrônquicas mostraram alterações discretas, presentes em todos os pacientes, caracterizadas principalmente por remodelamento peribrônquico com deposição de matriz extracelular e espessamento focal dos septos alveolares. Não foram observadas alterações vasculares como trombose, vasculite e infartos. O estudo(15) ganha importância como um dos primeiros estudos a avaliar biópsias transbrônquicas de pacientes com COVID-19 com um período de acompanhamento de vários meses. As limitações do estudo já foram apontadas pelos autores: o pequeno número de pacientes e a quantidade limitada de tecido para análise, já que a biópsia transbrônquica não avalia o tecido pulmonar periférico onde se localiza a maioria das alterações tomográficas. (15) Ravaglia et al.(16) descreveram recentemente as características morfológicas e imunomoleculares de criobiópsias pulmonares transbrônquicas realizadas em 10 pacientes com doença pulmonar persistente após pelo menos 30 dias da recuperação da pneumonia por COVID-19. Nenhum dos pacientes tinha sido ventilado mecanicamente, e todos apresentavam envolvimento pulmonar persistente na TCAR e sintomas respiratórios e/ou sistêmicos persistentes. A avaliação histológica revelou três diferentes “cluster de casos” com características clínicas e radiológicas específicas. O cluster 1 (“fibrosante crônico”) caracterizou-se pela progressão pós-infecção de pneumonias intersticiais pré-existentes; o cluster 2 (“lesão aguda/subaguda”) caracterizou-se por diferentes tipos e graus de lesão pulmonar, desde pneumonia em organização e pneumonia intersticial inespecífica fibrosante até dano alveolar difuso; e o cluster 3 (“alterações vasculares”) mostrou aumento vascular difuso, dilatação vascular e distorção de capilares e vênulas em meio ao parênquima normal. O estudo(16) também foi limitado pelo pequeno tamanho amostral e pelo curto período de tempo. Konopka et al.(11) revisaram biópsias pulmonares cirúrgicas de 18 pacientes com evidência de doença pulmonar intersticial persistente entre 2 e 12 meses após a fase aguda da COVID -19. A pneumonia intersticial usual foi o padrão histológico mais comum nesses pacientes, possivelmente correspondendo a doença pulmonar fibrosante difusa presente anteriormente à infecção por SARS-CoV-2.
 
Espera-se que em breve surjam novos estudos morfológicos caracterizando a COVID longa. Mais estudos são necessários para uma melhor compreensão da patologia e patogênese da doença pós-COVID.  As criobiópsias podem reduzir as limitações do tamanho amostral, com a possibilidade de uma melhor análise dos principais compartimentos pulmonares (vias aéreas e tecido alveolar) sem aumentar os riscos do procedimento de biópsia transbrônquica. A avaliação de um maior número de casos com diferentes perfis do amplo espectro da doença na fase aguda (doença leve, moderada e grave) ou tardia (persistência do comprometimento clínico, funcional e tomográfico), combinada com características basais (idade, sexo, IMC e comorbidades), duração da doença, necessidade de ventilação mecânica e uso de corticoides, nos ajudarão a compreender os diferentes padrões de acometimento pulmonar crônico, os elementos inflamatórios e vias envolvidas e a prevalência e distribuição de alterações pulmonares irreversíveis em pacientes com COVID pulmonar longa. Esperamos que esses estudos morfológicos nos forneçam insights sobre os mecanismos patogênicos e forneçam conhecimentos que possam ter impacto no tratamento e prevenção de alterações pulmonares crônicas na COVID-19.
 
REFERÊNCIAS
 
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2.            Alwan NA, Johnson L. Defining long COVID: Going back to the start. Med (N Y). 2021;2(5):501-504. https://doi.org/10.1016/j.medj.2021.03.003
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16.          Ravaglia C, Doglioni C, Chilosi M, Piciucchi S, Dubini A, Rossi G, et al. Clinical, radiologi-cal, and pathological findings in patients with persistent lung disease following SARS-CoV-2 infection [published online ahead of print, 2022 Mar 17]. Eur Respir J. 2022;2102411. https://doi.org/10.1183/13993003.02411-2021

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